segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 364

 


Malba Tahan (Treze, Sexta-Feira)



Tu és formosa, amiga minha! Em ti não há mácula.
Salomão, Cantares, 4, 7.

Encontrei-a, casualmente, durante uma reunião de pintores e jornalistas no velho castelo do conde Sichler. Era alta, morena, cabelos castanhos e olhos babilônicos. O tom de sua voz maviosa, sem artifícios, era tão doce que dava a impressão de veludo azul na capa de um Alcorão. Não sei a que propósito repontou, no meio de nossa palestra, tão simples e despretensiosa, a palavra mágica: superstição.

— E, por falar em superstição — atalhou Lenora (o seu nome, esquecia-me de dizer, era Lenora) —, quero felicitar-te pelo teu conto “Treze, sexta-feira”. Aponto-o como um dos mais originais do gênero folclórico.

Treze, sexta-feira? Minha talentosa e encantadora amiga estava, com certeza, nas malhas perigosas de um equívoco. Não me recordava, em absoluto, de ter escrito aquele conto que ela (pintora modernista de mérito incontestável) sublinhava com as tintas elogiosas de sua enaltecedora apreciação. Ocorrem, muitas vezes, com as pessoas que leem e estudam ao mesmo tempo 1.020 assuntos diversos (era esse, precisamente, o caso de Lenora), certas confusões literárias, e elas acabam por atribuir ao poeta X uma novela policial arquitetada pelo romancista Y. O fato, em resumo, era o seguinte: o tal conto folclórico, “Treze, sexta-feira”, podia ser de X, de Y ou de Z. Meu, afinal, é que não era.

— Ora, deixemos de fantasias — insistiu Lenora com delicioso encantamento. — Não há confusão alguma de minha parte. O conto por mim citado é teu, meu caro xeique. Não poderás negar. É teu pela forma, é teu, ainda, pelo enredo, é teu, finalmente, pelo cenário, pelos conceitos e pelas conclusões. É teu nas cinco dimensões do espaço literário. Encontrei-o, casualmente, há dois ou três meses, em Para Ti, a fulgurante revista argentina. Acompanhava-o uma ilustração estranha, na qual aparecia um negro gigantesco, de tanga vermelha, com um turbante escandaloso, tocando tambor. Se pretendes repudiar a tua obra, não contes com a minha cumplicidade.

E, dizendo isso, olhava muito fita para mim. Com uma serenidade que a mim mesmo surpreendia, fiz ver à minha gentil interlocutora que não pretendia negar a autoria de uma página tão curiosa de ficção em torno do número fatídico — o célebre dez mais três das incríveis numerologias. Seria loucura retalhar com o alfange do repúdio interessante conto que despertara a atenção de uma jovem tão cintilante, com o espírito crítico afiado por inteligência viva e por sólida cultura literária e artística. Repudiar uma obra literária equivale a abandonar um filho pequeno em meio de floresta escura. É fazer o que fez (segundo a lenda) o pobre lenhador, pai do Pequeno Polegar. Não, minha amiga, nunca! Não há clima em meu espírito para torpezas desse gênero. Os Pequenos Polegares, filhos da minha imaginação, eu os conservo sob meu teto, teto humilde de lenhador do pensamento, tratando-os com bondade e acalentando-os com simpatia.

Lenora sorriu com finura:

— Estás com a tua memória em curto-circuito, meu caro xeique. É impossível que esqueças um conto com a mesma facilidade com que esquecemos o aniversário da sogra ou o endereço de antigo calista. Quem sabe se ouvindo novamente o conto poderás reconhecê-lo como teu filho legítimo?

Encantou-me aquela ideia. Era um pretexto magnífico para prendê-la junto a mim durante mais alguns minutos. Disse-lhe, pois, em tom quase suplicante:

— Conta-me, bondosa Lenora! Conta-me essa singular fantasia, “Treze, sexta-feira”, lenda ou novela que o tempo arrancou de minhas recordações. Quero ver até que ponto estou espezinhado e traído pela minha memória incerta e claudicante.

A formosa pintora surrealista não se fez de rogada. E, com uma voz mais suave do que um regato marulhante a correr, assim começou:

— O caso passou-se em Timbuctu, a Misteriosa. Sabes onde fica esse longínquo caravançará humano que a geografia denominou Timbuctu?

— Creio que sim. É uma cidade do Sudão, refúgio de tuaregues, caçadores negros, mercadores de sal e árabes aventureiros. Fica nas margens do rio Níger, em plena África ocidental francesa.

— Muito bem. É isso mesmo. Pois segundo o teu conto, que vou tentar reproduzir tintim por tintim. “Viveu outrora em Timbuctu um rei chamado Nezigã, o Calmo. Do retrato de Nezigã concluímos que esse monarca era cordato, justo e muito ingênuo. Um simplório, enfim, mas de bom íntimo. Esse rei ouvira dizer que a decadência dos suqués (tribo que habitava Timbuctu) decorria das superstições grosseiras que envenenavam a alma daquela pobre gente. Os suqués eram pobres, indolentes, atrasados e incapazes porque se deixaram dominar por crendices absurdas e sórdidas.

“Aceitavam como verdade as abusões mais torpes e ridículas. Acreditavam nos amuletos, nas benzeduras e nos feitiços. Admitiam que a ferradura dava sorte, que o canto da coruja era de mau agouro, que o lobisomem aparecia, galopando por sete estradas, em noite de temporal e que havia pessoas de mau-olhado. Cultivavam as bruxarias e esconjuros mais inverossímeis inventados pelos mágicos e mandingueiros. Horrorizou-se o rei Nezigã ao ouvir tão graves denúncias. Em seu povo, a superstição grosseira entrava pela alma como o ar entra pelos pulmões de um rinoceronte. Os peixes que cruzam o Níger, na época das chuvas, eram menos numerosos que as crendices cultivadas com fanatismo pelos suqués. Um habitante de Timbuctu seria incapaz de entrar num barco, atravessar a soleira de uma casa ou subir numa árvore com o pé esquerdo. Nunca. Todos os passos sérios na vida de um bom suqué deviam ser iniciados com o pé direito. Sempre com o pé direito, pelo lado direito. A superstição máxima do povo era relativa ao número treze. “Que treze?”, estranhou o rei Nezigã. “Que tem esse número com a vida de meus súditos?” Um ministro bajulador e loquaz informou, logo, ao crédulo monarca: “A gente inculta desta boa terra acredita na ação maléfica do número treze. Esse número é apontado como a conta mais funesta entre todas as contas. Treze é sinônimo de desgraça, de doenças graves, de morte. Reunião de treze pessoas acaba em luto e desesperação. Escada com treze degraus é queda inevitável. Casa com treze janelas, roupa com treze botões, caravana com treze camelos, carta com treze linhas, frases com treze palavras, horta com treze melancias, tudo, enfim, que some treze deve ser evitado. O treze é sinal de luto; é número azarento, calamitoso!”

“Nesse ponto, o rei Nezigã interrompeu o seu vizir informante e indagou: “E o dia treze? Entra esse dia na contagem funesta do meu povo?” Esboçando nos lábios o veneno de um sorriso irônico, o vizir bajulador respondeu:

“Cumpre-me dizer, ó rei, que é essa a superstição mais séria dos suqués. Quando acontece de o dia treze cair numa sexta-feira, dupla crendice, o povo fica alarmado. Dia treze, sexta-feira, em Timbuctu, é dia de luto nacional. Cessa toda a atividade. Os pescadores recolhem seus barcos; os caravaneiros fecham-se em suas tendas; os carregadores de sal deixam-se ficar, como dervixes mendicantes, debaixo das árvores, olhando assustados para as nuvens cinzentas debruadas de ouro que rolam pelo céu. É um dia perdido para a vida da cidade.”

“Aquela crendice relativa ao dia treze irritou o soberano sudanês. Era um absurdo, um exagero. “Acabemos com tais superstições”, arrematou o monarca com voz surda. “É preciso convencer o povo de que o dia treze, seja sexta-feira, sábado ou domingo, é um dia como outro qualquer do calendário.”

‘Decorridas poucas semanas, verificou-se a coincidência: as folhinhas assinalavam TREZE, sexta-feira! Nesse dia, pela manhã, o rei Nezigã reuniu seus vizires e declarou enfaticamente que ia festejar, com incomparável pompa, o dia treze. Majestoso cortejo — no qual figuraram treze elefantes ricamente ajaezados e treze carros adereçados com flores e bandeiras — desfilou pelas ruas. Os elefantes conduziam o rei Nezigã e sua corte: ministros, oficiais doutores, juízes e embaixadores; nos carros iam músicos, palhaços, faquires e encantadores de serpentes. Por determinação de Sua Majestade, as casas deviam ficar abertas e o povo era convidado a assistir ao aparatoso desfile. Logo, em meio da marcha festiva, o rei Nezigã, do alto de seu pesadíssimo elefante, observou que havia, na praça principal, uma casa inteiramente fechada.

“Quem mora ali?”, inquiriu o rei, dirigindo-se a seu ajudante de ordens. O interrogado prontamente informou: “Reside naquela casa um sujeito chamado Talig Mospel, rico negociante de sal. Recusou-se a tomar parte na festa por ser hoje dia treze e sexta-feira. Alegou que tem medo de azar e que prefere ficar fechado em casa, numa sala escura, rezando.”

“Enfureceu-se o rei ao ouvir aquela informação: “Esse mercador de sal não passa de um ignorante. Faremos obra altamente meritória arrancando do espírito desse homem essas crendices idiotas. Determino que ele seja trazido à minha presença.”

“A ordem foi logo transmitida ao corpo da Guarda Roxa — uma espécie de polícia especial de Timbuctu. Que fizeram os homens da Guarda Roxa? O rei pediu dois e eles completaram duzentos. Arrombaram as portas do prédio em que morava o honrado mercador, arrebentaram as janelas, partiram os móveis, agrediram os moradores e prenderam o dono da casa, que, afinal, já ferido, meio aparvalhado, com as vestes em frangalhos, foi levado à presença do rei.

“Desceu o monarca de seu elefante e veio ao encontro do preso. “Meu amigo Talig Mospel”, disse-lhe com vaidosa entonação, “queria apenas aconselhá-lo a deixar essas superstições grosseiras que denotam ignorância e atraso. O dia treze — convença-se da verdade — é um dia como outro qualquer.”

“O pobre homem ajoelhou-se diante do rei e, depois de beijar a terra entre as mãos, assim falou, com voz desolada e um pasmo idiota na face: “Como poderei, ó rei, convencer-me de uma coisa que os próprios fatos desmentem? Como negar a evidência sob a luz da verdade? Logo hoje, precisamente hoje, por ser treze, sexta-feira, o negro azar foi cair sobre mim. Minha casa foi assaltada, meus filhos espancados e eu, ferido e injuriado, sou arrastado pela rua como se fosse um criminoso da pior espécie. E isto tudo por quê? Por ser aziago e funesto o dia treze, sexta-feira!”

“Não encontrou o  rei Nezigã, o Calmo, palavras que pudessem justificar as violências praticadas contra o honrado mercador de sal. Arrependeu-se de ter promovido aquela passeata ridícula com faquires e encantadores de serpentes. Mandou dissolver o cortejo e, abatido pelo fracasso de sua infeliz iniciativa, voltou para o palácio. Figurava, porém, entre os vizires do rei, um certo Kahn Tazuk, homem judicioso e sábio.

“Ao notar a tristeza e o desânimo do monarca, o ministro Tazuk, sempre transigente e benévolo, achou que seria de bom aviso consolar o pávido monarca. Acercou-se, pois, do chefe africano e, arqueando-se em solene cortesia, assim falou: “Permiti, ó rei do universo, que eu manifeste a minha obscura e desvaliosa opinião sobre o caso. Seculares superstições, enraizadas na alma do povo, não podem ser eliminadas com cortejos de músicos e palhaços. Só há um meio de combater as crendices que entravam o progresso e estiolam as energias — é por meio da educação e da instrução. É preciso instruir e educar os homens para livrá-los dos fantasmas, libertá-los dos duendes e desembaraçá-los das abusões. Proporcionando ao povo instrução sadia e bem orientada — tendo essa instrução caráter nitidamente educativo —, as superstições nocivas, ridículas ou perniciosas vão pouco a pouco desaparecendo.

“As crendices, na Antiguidade, eram muito mais numerosas do que são hoje. Quem, nos dias que correm, vê no rebrilhar do raio ou no ribombar do trovão uma advertência de Júpiter? Ninguém. Há superstições que desaparecem; outras há que surgem, transfiguram-se com o passar dos séculos e vão reaparecer, irreconhecíveis, em clima bem diverso. E, muitas vezes, o fato hoje proclamado como verdade científica não passa, amanhã, de ridícula crendice. Hoje, ciência; amanhã, superstição! Levemos, pois, a luz da instrução ao povo; eduquemos os homens e veremos como eles se libertam desses ridículos sortilégios e acabam com as feitiçarias.”

“Concordou o rei Calmo com as sábias palavras de seu preclaro ministro e comentou muito sério, olhando-o de esguelha: “Você tem toda razão, meu caro Tazuk! Hoje não era, realmente, um dia indicado para iniciar a nobre campanha contra a superstição. Desci da cama, sem querer, com o pé esquerdo; ao atravessar o salão, pela manhã, avistei aquele servente magro, meio calvo, que tem mau olhado; quando cheguei à janela, vi um gato preto no jardim e ouvi um pescador, na rua, cantando: ‘Xô, xô, peixe fino, xô, xô!’ Essa música me dá um azar incrível para a semana inteira. Precisamos consultar um oráculo benzedor e escolher um dia auspicioso em que os astros estejam em boa posição.” Ao ouvir aquelas palavras do rei Nezigã, o douto ministro Tazuk franziu a testa, retorceu a boca e arregalou os olhos.

O monarca sudanês era mais supersticioso do que um pobre e desprezível cameleiro do deserto africano.”

Neste ponto da narrativa, depois de ligeira pausa, Lenora acrescentou, ajeitando com graça os cabelos ondeados:

— Não me lembro mais do final de teu conto. Confesso que não me
lembro. Sei apenas que o tal ministro Kahn Tazuk citava, a respeito do caso um provérbio árabe que ia servir como chave de ouro para a triste aventura  do supersticioso rei de Timbuctu.

— Pois minha encantadora amiga — repliquei, sincera e admirativamente emocionado. — Essa aventura do rei Nezigã, o Calmo, parece-me interessante e apresenta alguns traços de originalidade. Encerra ensinamentos notáveis; envolve vários temas folclóricos; leva o leitor para um país exótico (o Sudão) e apresenta-o aos suqués, povo mais exótico ainda. Sinto-me, entretanto, forçado a confessar a verdade. Esse conto que acabo de ouvir, enlevado, não é meu. Acredite, minha incomparável Scherazade do século XX! Acredite. Jamais escrevi essa aventura intitulada “Treze, sexta-feira”.

Fitou-me Lenora, muito séria, e, num tom mavioso, misto de zanga, gentileza e sedução, declarou numa doce intimativa:

— Pois se não era teu, meu caro xeique, se não era teu, fica sendo! Em submissa admiração, agradeci comovido. E tive ímpetos de repetir, bem alto, em árabe bem puro, os versos deliciosos que ouvi uma tarde, em Damasco, de um velho beduíno:

“Louvado seja Alá, que fez a Mulher com toda a sua Bondade, com toda a sua Beleza e com toda a sua Alma generosa e simples!”

Alá seja louvado!

Fonte:
Malba Tahan. Novas Lendas Orientais. RJ: Record, 2013.

Galileo Santana (Poemas Diversos)


AMOR OCULTO

Talvez não saibas quanto te venero,
e nem percebas tanto amor ardente,
mas, mesmo assim, eu te amo ocultamente,
e quanto mais te vejo, mais te quero!

Tenho por ti um grande amor sincero,
que o peito meu cativa e alegra a mente,
a paz não tenho quando estás ausente,
aflijo-me sem ver-te, e desespero.

Sinto alegria por te ver sorrindo,
mas, se tu partes, a minha alma chora,
pela tristeza de te ver partindo...

Ah! se eu pudesse possuir-te agora,
pra te adorar, feliz, num sonho infindo,
e amar-te sempre pela vida afora!
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CIGARRAS

Soando como acordes de guitarras,
nas frondes do arvoredo, na devesa,
maravilhado ouvia, com surpresa,
a estranha sinfonia das cigarras!

Era um cantar festivo, em algazarras,
a ressoar no espaço — uma beleza,
qual um concerto nobre à Natureza,
com voz vibrante e aguda das fanfarras!

Cigarra, nos teus cantos irradias
a tua mágoa, as grandes nostalgias...
e de saudade choras em teu hino!

Canta cigarra, canta assim dolente,
o teu cantar sonoro agrada a gente
e faz lembrar meus tempos de menino!
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ETERNO PEREGRINO

Fiquei do teu olhar sem a ternura
e solitário sigo o meu caminho.
Por que no amor encontro tanto espinho?
Por que me traz o amor tanta amargura?

Sem ti, vivo a curtir tamanha agrura,
mas é Destino meu viver sozinho,
em um amor, sem lar e sem carinho,
na triste solidão que me tortura.

Por que te conheci, se o meu Destino
torna-me eterno e triste peregrino
me arrebata os entes meus tão caros?

Que importa a vida assim, sem ter sentido
Se o teu olhar não vejo e estou perdido?
Se os dias meus felizes me são raros?
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MARIELA

Alma inocente — lírio de candura,
em pleno alvor da vida foi-se embora,
alçou-se para o Azul, espaço afora,
buscando sua pátria a grande altura.

Os anos não apagam a figura
dessa alma que partiu mas inda mora
num coração de pai que a rememora,
numa saudade eterna e com ternura.

Sua partida foi-nos deprimente,
quão doloroso o seu adeus pungente,
pela tristeza e a mágoa de perdê-la!

O Céu, que a humana sorte determina,
traçou-nos tão amarga e triste sina,
mas nos permitirá um dia vê-la!
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MEU PAI

Nos meus distantes tempos de criança,
meu pai eu via, sóbrio, mas amigo,
a proteger-nos sempre do perigo,
a transmitir-nos sempre confiança.

Os tempos se passaram, e a lembrança
dos bons conselhos seus, que ainda sigo,
revela-me a nobreza que bendigo,
do pai que nos traria segurança.

Mui triste, um dia, vi meu pai velhinho:
tinha os cabelos brancos como arminho,
chegara, enfim, cansado, ao fim da vida.

Levaram-no pra sempre: ia dormindo.,.
sereno como um justo, o vi partindo,
e… então, rolou-me a lágrima incontida!
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SAUDOSA MARÍLIA

Choramos tua morte prematura,
a tua sorte má, teu sacrifício;
porém não é a morte um malefício,
para quem ama e vive com ternura.

Choramos pela tua desventura,
sofremos pelo teu atroz suplício;
mas para o justo a morte é beneficio
que traz a luz e a paz da Grande Altura.

Descanse em paz tua alma tão sofrida.
De ti lembrar-se~ão por toda vida
as tuas inocentes sete flores!

No coração de todos, na saudade,
tu viverás por toda a eternidade,
e hão de cessar, pra sempre, as tuas dores!
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VÉSPER

Meus olhos na vigília já cansados,
buscando amor na noite dos meus dias,
perdidos em tristeza e nostalgias,
radiosa estrela viram deslumbrados!

Vênus formosa, mãe dos meus pecados!
Deusa do Amor, das ternas alegrias,
envolve-me num sonho, em fantasias,
oh! vem suavizar meus tristes fados!

Quem te enviou, divina, ao meu caminho?
Vens me trazer ternura, amor, carinho,
eliminar pra sempre as minhas dores?

Meu coração é teu, vem aos meus braços,
ó luminosa Vésper dos Espaços!
dá-me os afagos teus, os teus amores!

Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Anuário de Poetas do Brasil – Volume 4. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1979.

Aparecido Raimundo de Souza (Comédias da Vida na Privada) Parte Doze



INIMIGOS SILENCIOSOS

DEPOIS DE muito relutar a boa senhora dona Gertrudes resolveu ligar para a secretária e marcar uma consulta com seu clínico geral. No dia aprazado, lá foi ela ter com o especialista, um pouco angustiada, ruborizada e muito, muito embaraçada e confusa:

—  Bom dia, doutor.

—  Bom dia, dona Gertrudes — gritou o médico.  —  Quanto tempo! Estava sentindo a sua falta. A última vez em que a senhora esteve aqui o doutor Godofredo ainda gozava de boa saúde:

— Como?  Ah sim, é verdade.

—  Por favor, sente-se. O que me conta de bom?

—  Como disse, doutor?

—  Pedi para a senhora se sentar (voltou o médico a falar alto) e me contar o que há de bom.

— Ah claro, de bom. Entendi. Doutor, de bom... De bom, nada. As mesmas baboseiras de sempre. Tenho, porém, um problema novo... Nem sei por onde começar... Nesta idade, quase beirando os oitenta e nove... Sinto um certo constrangimento e... Confesso, estou com vergonha do senhor.

—  Que é isso, dona Gertrudes — voltou a berrar o esculápio. — Vergonha de mim?

—  Que foi que disse, doutor?

— A senhora disse estar com vergonha de mim?

— Nunca. Jamais. Mas o senhor deve ter em mente que apesar de ser meu médico há mais de trinta anos, os motivos que me trouxeram aqui antes eram outros e claro, não tão sérios.

—  Vamos fazer o seguinte: faça de conta que no meu lugar a senhora está vendo seu marido, o falecido e saudoso doutor Godofredo —, que o Altíssimo o tenha em sua santa bondade. Abra o jogo. Não pense em mim... Concentre-se...

—  Dá para repetir, doutor?

— Eu disse para a senhora se concentrar.

— Me encontrar com quem?

— Se concentrar, dona Gertrudes. Se concentrar. Pense em seu falecido marido, doutor Godofredo.

— O que tem o Godofredo? Ele morreu...

Novo grito do médico se fez ouvir:

— Olhe para mim e veja na minha pessoa o retrato do doutor Godofredo. E me conte o que a trouxe aqui.

— Entendi. Sabe o que é doutor?

— Só saberei se a senhora me contar o que está realmente acontecendo.

—  Doutor... Misericórdia, que horror! Estou cheia de gases.

—  Isso é natural, dona Gertrudes. Todos nós temos problemas com gases. Eu, particularmente, minha esposa, meus filhos, minhas netas, minha secretária, até nossos bichinhos de estimação...

—  Como disse, doutor? Repita, por gentileza.

— Falei, dona Gertrudes, que seus gases são naturais. Todos nós temos problemas com gases.

  — Eu sei, eu sei, acredite doutor, não me aborrece a coisa, ou o fato em si. Me deixa avechada a coisa. Ou melhor, as coisas...

—  As coisas?

—  Isso mesmo, doutor. E são estas coisas que me causam estranheza. Eles...

—  Eles, dona Gertrudes? Eles quem?!

—  Quem falou em quem?

— A senhora falou que  certas coisas lhe causam estranheza. E mencionou eles. Eles quem, dona Gertrudes?

 — Ah, sim, me lembrei.  Os traques...

—  Ah agora entendi. Claro, os traques, ou as flatulências...

—  O pior vem agora, doutor. Eles nunca cheiram.

—  Pois sim!... Isso é normal.

—  O que foi que disse, doutor? Isso é anormal?

— Não dona Gertrudes, eu disse que isso é NORMAL, NORMAL.

— Por que o senhor está gritando, doutor?  Não sou surda!

— Desculpe, dona Gertrudes.

— E são literalmente silenciosos.

—  Silenciosos?

—  Completamente, doutor. Não fazem barulho.

— Um bom quadro, dona Gertrudes. Um bom quadro. Silenciosos e sem odores acres.

—  Horrores a que? Doutor, dá para o senhor falar mais alto?

O médico voltou a aumentar um pouco mais o tom da sua voz:

— Eu disse odores, dona Gertrudes. Odores.

— As dores... As dores  o quê?!

—  Perdão. Quis dizer que não exalam mau cheiro.

— Ah! Pois bem, doutor. Desde que cheguei ao seu consultório, contando o tempo que passei na recepção —, soltei aproximadamente uns trinta puns. Sua secretária, tão amável —, serviu várias xícaras de café e água gelada. Coitadinha, não reclamou, nem fez cara de deboche. Significa dizer que não sentiu nenhum cheiro esquisito nem torceu o nariz ao ouvir minhas  bufas.

— Honestamente não vejo onde reside a sua preocupação, dona Gertrudes.

—  Vou tentar ser mais clara. Posso?

—  Por favor!

— O senhor está me ouvindo bem?

— Perfeitamente, dona Gertrudes.

— Enquanto estou aqui a falar com o senhor, soltei meus repolhos intestinais... Desculpe... Soltei mais uns quarenta ventinhos. O senhor não percebeu.

Sempre sorridente o médico prescreveu uma receita:

—  Compre estas pílulas na farmácia e tome uma de duas em duas horas durante uma semana. Após esse prazo, retorne e marque um novo horário com a Fabiana. Vamos ver que progresso conseguimos.

—  Conseguimos progresso? Que progresso?

— Dona Gertrudes, compre o remédio que lhe prescrevi.

— Comprarei, doutor. Assim que sair de seu consultório. Fico muito agradecida, doutor. Passe bem.

Uma semana depois a velha Gertrudes retornou ao consultório:

—  Doutor, não sei que droga me aviou. Por Nossa Senhora do Sagrado Coração de Maria. Meus gases, desde então, passaram a feder terrivelmente. Carniça, doutor, carniça. Já sentiu, alguma vez, em sua vida, cheiro de carniça?

O médico começou a rir:

— Do que está rindo, doutor?  Perguntei se sentiu cheiro de carniça. Um horror, doutor! No meu caso, não estou aguentando mais ficar perto de mim. Parece que morri e esqueceram de me enterrar. Todavia, devo esclarecer um detalhe importantíssimo: eles, ao menos, continuam silenciosos e comportados.

— Dona Gertrudes, graças a Deus embrenhamos pelo caminho certo. Conseguimos curar definitivamente a sua sinusite. Agora que vencemos esta etapa, vamos dar uma atenção maior e mais acentuada aos seus ouvidos.

— Não entendi, doutor. Aos meus ouvidos?

—  Sim dona Gertrudes. Vou encaminhá-la, agora mesmo ao otorrinolaringologista.

— Eletricista? Doutor, não estou entendendo. O que tem a ver um eletricista comigo?

— Eu disse que vou encaminhá-la a um otorrinolaringologista.

Fonte:
Aparecido Raimundo de Souza. “Comédias da vida na privada”. RJ: Editora AMC-GUEDES, 2020.

domingo, 30 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 363

 


Emílio de Meneses (O Último Corvo de César)


Estes "Salpicos", em geral são rimados, mas a rima, coisa de poeta, participa da natureza deste. É inconstante e indolente. Até a última hora, não nos chegaram os versos esperados e resolvemos preencher a seção de qualquer maneira. Há sempre numa redação coisas inúteis, insultas e malvernaculizadas, que ficam a entulhar gavetas e armários para os dias fatais de falta de matéria. (Falta rara, felizmente, cá por casa). São colaborações anônimas e gratuitas de vários gêneros e sabores vários.

Numa devassa pelos móveis, com todos os rigores de busca e apreensão com que Aurelino costuma arranjar as provas de uma conspirata (conspiração), resolvemos tudo e demos com essas tiras que aí vão, em súmula, já amarelentas, como as faces semitapuias do Sr. Pires Ferreira. O que aí segue perdeu em graça o que julgou ganhar em filosofia e perdeu em filosofia o mesmo que deixou de ganhar em graça. É uma velha anedota de cunho autenticamente histórico e que, apesar da falta de graça e ausência de filosofia, talvez possa, com retoques, ter uma aplicação de atualidade.

Vamos resumí-la. Como sabem, o corvo, na Europa, só tem de comum com o nosso urubu, malandro ou não-malandro, a cor. É um conirostro palrador que, dentro da plumagem hemeterícamente escura, e sem os tons verde-amarelos da alma jacobina do Sr. Lopes Trovão e do nosso papagaio, fala como este e como este aprende coisas.

Quando César voltava triunfalmente das Gálias, um patriota qualquer, desses que amam o oportuno fio da espada, conseguiu ensinar o seu corvo predileto que, por sinal, não era de todo negro, a dizer esta frase: "Eu te saúdo, César vencedor!" César, ao passar ficou maravilhado ante o prodígio e fez imediatamente adquirir o plumitivo exaltador da sua onipotência e da sua vaidade. Foi uma praga. Quem tivesse corvo à mão, entrava logo a ensinar-lhe aquelas palavras excelentemente glorificadoras. E César começou a comprar corvos, mas tantos comprou que já se lhe entupiam as oiças com o coro infernal das glorificações.

Um mísero sapateiro, cuja vida lhe corria pior que a do Sr. Cunha Vasconcelos nos tempos de hoje, concentrou todas as esperanças de salvação financeira, tal qual Pernambuco, num corvo que filha amorosa lhe mandara de longes terras. Todos os dias, por vinte ou cem vezes, pacientemente repetia as palavras sagradas e o corvo moita (mudo). Mantinha-se fúnebre, no seu crocitar primitivo, sem mostras de entender patavina daquilo, na mesma pirronice com que o Bezerra não quer entender de agricultura.

De todas as vezes, o velho sapateiro se erguia desolado, abandonava a sovela (instrumento para fazer furo no couro) e o cerol e exclamava: "Perdi meu tempo e meu trabalho!" e o corvo moita. Passam-se as semanas, correm os meses. "Eu te saúdo, César vencedor!" - "Perdi meu tempo e meu trabalho!

Acontece, porém, que César, passando certo dia pela tenda do gaspeador de botas, com o ruído das aclamações, o corvo, até então mudo como o índio no Senado, despertou e, por singular coincidência, pronunciou inconscientemente a saudação por tanto tempo ouvida.

César, já cansado de comprar corvos, não ligou. Mas o corvo tinha decorado também o resto e grasnou: "Perdi meu tempo e meu trabalho!" 0 vencedor das Gálias retrocedeu e foi esse o último corvo que adquiriu.

Quem será o último corvo de César?
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Gazeta de Notícias, seção Salpicos.

Fonte:
Emílio de Meneses. Prosa de Circunstância. in Obra Reunida. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio, 1980.

Gislaine Canales (Glosas Diversas) XIX


CIDADANIA

MOTE:
Cidadania é civismo;
sobretudo é comunhão:
É ajuda mútua, é altruísmo,
partilha justa do pão!
A. A. de Assis
Maringá/PR

GLOSA:
CIDADANIA É CIVISMO,
é muito amor à igualdade,
dizendo um "não", ao cinismo
e um "sim", à felicidade!

O civismo nos faz bem,
SOBRETUDO É COMUNHÃO:
é nunca magoar alguém,
que age só com o coração!

A semente do otimismo
plantada, assim, com carinho,
É AJUDA MÚTUA, É ALTRUÍSMO,
a iluminar o caminho!

É um sentimento profundo
poder sentir a emoção,
de poder ver pelo mundo:
PARTILHA JUSTA DO PÃO!
****************************************

NADA ALÉM...

MOTE:
Não tive ao teu lado a sorte
que a um grande amor se destina,
quem sonhou ser chuva forte
não foi além de neblina!
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora/MG

GLOSA:
NÃO TIVE AO TEU LADO A SORTE
que eu esperava na vida,
pois longe de ti, só morte
é o que eu encontro, querida!

Sonhava a felicidade
QUE A UM GRANDE AMOR SE DESTINA,
mas foi somente a saudade
a minha grande doutrina!

Só tive como consorte
essa triste solidão...
QUEM SONHOU SER CHUVA FORTE
foi estio de emoção!

Sou como a chuva fraquinha
respingando na campina,
que ao chegar a manhãzinha,
NÃO FOI ALÉM DE NEBLINA!
****************************************

DESPEDIDA

MOTE:
Adeus filho...Vive a vida!
Volta um dia, sem promessa...
Que a primeira despedida,
no ventre da mãe começa!
Carolina Ramos
Santos/SP

GLOSA:
ADEUS FILHO...VIVE A VIDA!
Vive que os dias são teus;
escala a tua subida
e que te ampare o bom Deus!

Mas não esqueças de mim,
VOLTA UM DIA, SEM PROMESSA...
que essa saudade ruim
o meu peito já atravessa!

Aceito, filho, a partida,
diz o meu amor profundo,
QUE A PRIMEIRA DESPEDIDA,
é quando chegas ao mundo!

Eu sei que a vida te chama,
vai filho, mas vai sem pressa,
pois esse adeus de quem ama,
NO VENTRE DA MÃE COMEÇA!
****************************************

VÍCIO DE ABRAÇAR-TE

MOTE:
Meu coração se reparte
no mais gostoso dos vícios;
o de poder abraçar-te
em todos os natalícios!
Edmar Japiassú Maia
Nova Friburgo/RJ

GLOSA:
MEU CORAÇÃO SE REPARTE
para estar junto de ti,
faz um trabalho, com arte,
se desdobra e chega aí!

E feliz, se delicia
NO MAIS GOSTOSO DOS VÍCIOS;
pois ver a tua alegria
compensa os seus sacrifícios!

Dessa história, a melhor parte
é esse vício risonho:
O DE PODER ABRAÇAR-TE
e envolver-te com meu sonho!

Felicidade, querida,
são meus maiores auspícios,
que sejas feliz na vida,
EM TODOS OS NATALÍCIOS!
****************************************

FAZER DA VIDA... UM POEMA!

MOTE:
Poeta não é somente
quem escreve sobre um tema.
Poeta é, principalmente,
quem faz da vida um poema!
Flávio Roberto Stefani
Porto Alegre/RS

GLOSA:
POETA NÃO É SOMENTE
saber versejar bonito
usando a rima excelente...
Ser poeta é quase um mito!

Possui sensibilidade
QUEM FAZ VERSOS SOBRE UM TEMA,
mas pra falar a verdade
isto não é nenhum lema!

Com sua palavra ardente
poetiza a emoção...
POETA É PRINCIPALMENTE,
quem ama de coração!

Não há de morrer jamais
numa poesia suprema,
sabendo viver, demais,
QUEM FAZ DA VIDA UM POEMA!

Fonte:
Gislaine Canales. Glosas. Glosas Virtuais de Trovas XIX. In Carlos Leite Ribeiro (produtor) Biblioteca Virtual Cá Estamos Nós. http://www.portalcen.org. 2004.

Humberto de Campos (O Nababo)



De regresso de uma excursão pelos subterrâneos da alma humana, um escritor louvava, certa vez, entre as virtudes que lá descobrira, o pecado da Vaidade. Esse defeito, na sua opinião, era o mais vantajoso de quantos possui o Homem. Foi pela vaidade de possuir um nome ressoante que Colombo descobriu a América. E é a Vaidade, ainda, que dá de comer aos humildes, utilizando nas oficinas milhões de operários, que tecem a seda, fabricam os leques, esculpem as jóias. Tudo, na terra, é Vaidade, e só Vaidade, afirma o Eclesiastes. E Pascal adianta: a Vaidade está de tal maneira inveterada em nosso coração, que os próprios filósofos não lhe fogem ao império: aqueles que escrevem contra a glória, querem a glória de haver bem escrito; e aqueles que lêem, querem a glória de ter lido.

Há, entretanto, um gênero de Vaidade que não tem, sequer, essa atenuante: é a do pavão que se espaneja sem cauda, a que repousa na mentira, na falsidade, no ridículo, a que procura, em suma, viver dos juros sem um risco evidente do capital, e da qual é sacerdote, no Rio de janeiro, o conhecido "gentleman" Dr. Alfredo Pereira da Cunha.

Modesto de posses, vivendo de um emprego que lhe dá dificilmente para as despesas imprescindíveis, esse meu jovem amigo tem uma fraqueza: pertencer ao número dos cavalheiros irrepreensivelmente elegantes, equiparando os seus coletes aos do Dr. Villaboim, as suas gravatas às do Dr. Darcy, os seus colarinhos aos do Dr. Galeno Martins, as suas botinas às do Dr. Arnaldo Guinle, os seus ternos aos do desembargador Ataulfo, as suas camisas às do Dr. Humberto Gotuzzo, e, até o seu monóculo de vidro ordinário, ao monóculo de cristal puro do eminente Dr. Leão Velloso. E tudo isso com a circunstância de atribuir-se tudo - coletes, gravatas, colarinhos, botinas, ternos, camisas, monóculos, - em quantidades verdadeiramente atordoantes. Dessa forma da sua vaidade, há uma demonstração curiosa, em que eu funcionei, há dias, como testemunha involuntária.

Sentados um diante do outro, tomávamos nós, no Alvear, o nosso chá das cinco horas. quando me chamaram a atenção, na elegância americana do meu amigo, uns arabescos em linha branca, traçados no cós da sua calça de flanela, no intervalo dos botões destinados ao suspensório. Curioso, apliquei melhor os óculos, e vi: era o número 846, em algarismos feitos a agulha, como esses que encontramos na roupa ao recebe-la da tinturaria.

- Que é isso, doutor? - indaguei.

O jovem advogado baixou os grandes olhos negros sobre o seu busto sem colete, em que a camisa de zefir se desfiava em alguns pontos com uma elegância de varanda de rede, e explicou, com um sorriso superior:

- É o número da calça.

- Você tem oitocentas e quarenta e seis calças? - estranhei, arregalando os olhos e parando a xícara a meio caminho da boca.

O Dr. Alfredo olhou-me com irreprimível piedade, e, lamentando intimamente a modéstia dos meus recursos, respondeu-me, apenas, num doce insulto à minha pobreza:

- Das de flanela...

E continuou, solene, a tomar o meu chá.

Fonte:
Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado em 1925.

Concurso Literário Piquete Chama Nativa – 15 anos (Prazo: 7 de setembro)

 


REGULAMENTO

O Piquete Chama Nativa, da Associação Dos Servidores do GHC – Aserghc, informa que estão abertas ao público em geral as inscrições para o Concurso Cultural Literário, em comemoração aos seus 15 anos normatizado pelo seguinte

1) As inscrições são gratuitas e estão abertas até a data de 07 de Setembro de 2020;

2) As inscrições serão apenas via internet, pelo e-mail: piquetechamanativa@gmail.com  

3) As modalidades do Concurso são: Poesia, Causo e Trova Literária (A/B/A/B);

4) O tema do concurso é livre para as modalidades Poesia e Causo Gauchesco, porém, deverá abordar a história, lendas, tradições, usos, costumes e vocabulário do Rio Grande do Sul.  A Trova Literária terá como tema: Saúde 100%SUS.

5) Os trabalhos deverão ser inéditos, com limite de 120 versos para poesia e duas páginas para o causo;

6) Nos trabalhos deverá constar apenas o pseudônimo do autor e a modalidade concorrente. Em anexo deve ser enviado documento constando: Nome do autor e foto para posterior divulgação, endereço, telefone, celular e e-mail;

7) Cada autor poderá concorrer com até três trabalhos em cada modalidade, ou seja, três poemas e três causos, mas somente um trabalho poderá vir a ser premiado;

 8) Os trabalhos serão julgados por comissões especializadas, indicadas pelo Piquete Chama Nativa;

9) PREMIAÇÃO: Os trabalhos classificados em 1º lugar receberão Troféu e Medalha. Os trabalhos selecionados do 2º ao 15º lugar receberão Medalha.

10) Os resultados serão proclamados e os prêmios conferidos, dia 20 de setembro de 2020, na página do Piquete Chama Nativa, no Facebook.
 

OBS: Na mesma página serão publicados os 15 trabalhos premiados em cada categoria, com foto do autor (a).

Porto Alegre, 10 de Agosto de 2020.

   Cândido Brasil
   Diretor Cultural

Jessu Silva
Patrão

sábado, 29 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 362

 


Aparecido Raimundo de Souza (A Lampadazinha Voadora)


Para Luana Aparecida Melo de Souza (Minha “Lulu”)

NUM DOMINGO À TARDE, eu passeava com a minha filha Luana,  de seis anos, pelo sítio imenso de meu avô João, em Sorocaba,  interior de São Paulo, quando, de repente, a minha princesinha se deparou com uma espécie de luz muito pequena, quase imperceptível, piscando continuamente em meio as enormes  árvores frondosas que enfeitavam a quinta:

— Pai, pai,  — observou ela, espantada e atônita. — Veja  aquela luzinha que está fazendo um monte de pisca-pisca e fica voando pra lá e pra cá no meio do matagal!

Olhei apressado para a minha criança e indaguei:

— Onde, filha? Não estou vendo nada. Mostra para o papai.

— Ali, pai, ali... É uma lampadazinha voadora...

Ao desviar as vistas para onde o indicador apontava, e então mais atentamente prescrutar o ponto nevrálgico do tal achado, percebi que se tratava de um simples e solitário vagalume. Tentei explicar dizendo à minha menina, que aquilo estava longe de ser uma luzinha piscando; se tratava de um animalzinho invertebrado conhecido como lanterninha, ou pirífora.

Em palavras simples e sem rebusques,  pontuei que por obra do Criador da natureza, Deus, tinha aquele pequenino ser, a capacidade mágica de produzir, no escuro, uma ínfima e contínua luminosidade, graças a uma substância que carregava no corpo, conhecida como luciferase.  

Todavia, apesar dessa explicação, a minha mocinha insistiu na ideia da lampadazinha voadora. Bateu pé, o que de certa forma achei de bom alvitre concordar. A garotinha tinha, logicamente, uma visão diferente da que eu expusera. Em outras palavras: via inspiração e ardor em uma coisa bucólica, onde criaturas comuns (como eu) simplesmente não enxergavam nada além da ponta do nariz.  

Por outro ângulo, Luana pequena demais, inocente aos extremos, incapaz, eu sabia, para entender o que significava um vagalume, ou pior, o que vinha ser essa tal de luciferase. Quando se tornasse adulta, certamente o dom que lhe era nato, fluiria. Ela seria uma poetisa, quem sabe uma escritora brilhante, a engendrar versos e textos bonitos e maviosos para enfeitar e colorir a vida das pessoas que encontrasse pelos seus caminhos.

Ainda um pouco espantada com a minha explicação (animalzinho invertebrado, lanterninha, pirífora, vagalume, luciferase...) senti que tudo o que falei entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Sem mais delongas, e batendo na tecla da lampadazinha voadora, inquiriu  com um sorriso maroto nos olhos castanhos claros que refletiam toda a ternura meiga que emanava de dentro da sua alma literalmente em festa:

— Papai, e à noite, na hora de dormir?

— O que tem minha linda?

— Ele, o vagalume?!

— Eu sei, gatinha! O que tem o vagalume à noite, na hora de dormir? Fala...

— Ele fica no claro ou prefere ir pra caminha no escuro?!

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Cecília Meireles (Poesias para Crianças) 2


BOLHAS

Olha a bolha d’água
no galho!
Olha o orvalho!

Olha a bolha de vinho
na rolha!
Olha a bolha!

Olha a bolha na mão
Que trabalha!

Olha a bolha de sabão
na ponta da palha:
brilha, espelha
e se espalha.
Olha a bolha!

Olha a bolha
que molha
a mão do menino:

A bolha da chuva da calha!
****************************************

LEILÃO DE JARDIM!

Quem me compra um jardim
com flores?

borboletas de muitas
cores,

lavadeiras e
passarinhos,

ovos verde e azuis
nos ninhos?

Quem me compra este
caracol?

Quem compra um raio
de sol?

Um lagarto entre o muro
e a hera,

Uma estátua da
Primavera?

Quem me compra este
formigueiro?

E este sapo, que é
jardineiro?

E a cigarra e a sua
canção?

E o grilinho dentro
do chão?

(Este é o meu leilão!)
****************************************

O CAVALINHO BRANCO

À tarde, o cavalinho branco
está muito cansado:
mas há um pedacinho do campo
onde é sempre feriado.

O cavalo sacode a crina
loura e comprida
e nas verdes ervas atira
sua branca vida.

Seu relincho estremece as raízes
e ele ensina aos ventos
a alegria de sentir livres
seus movimentos.

Trabalhou todo o dia, tanto!
desde a madrugada!
Descansa entre as flores, cavalinho branco,
de crina dourada!
****************************************

PESCARIA

Cesto de peixes no chão.
Cheio de peixes, o mar.
Cheiro de peixe pelo ar.
E peixes no chão.

Chora a espuma pela areia,
na maré cheia.

As mãos do mar vêm e vão,
as mãos do mar pela areia
onde os peixes estão.

As mãos do mar vêm e vão,
em vão.
Não chegarão
aos peixes do chão.

Por isso chora, na areia,
a espuma da maré cheia.
****************************************

TANTA TINTA

Ah! Menina tonta,
toda suja de tinta
mal o sol desponta!

(Sentou-se na ponte,
muito desatenta...
E agora se espanta:
Quem é que a ponte pinta
Com tanta tinta?...)

A ponte aponta
e se desaponta.
A tontinha tenta
limpa a tinta,
ponto por ponto
e pinta por pinta...

Ah! A menina tonta!
Não viu a tinta da ponte!

Fonte:
Cecília Meireles. Ou isto ou aquilo. Publicado em 1964.

Vilma Medina (O Coelhinho Pirracento)

Vivia no bosque verde um coelhinho doce, meigo e macio, mas pirracento. Sempre que via algum animal do bosque tirava sarro dele. Um dia, quando estava sentado à sombra de uma árvore, aproximou-se dele um esquilo, e disse: “Olá senhor coelho!”  O coelho não respondeu.

Olhou, mostrou a língua e saiu correndo. Que mal educado! Pensou o esquilo. A caminho da sua toca, o coelho encontrou um cervo, que também quis saudá-lo. “Bom dia, senhor coelho!” De novo o coelho mostrou a língua ao cervo e saiu correndo.

Assim aconteceram várias vezes com todos os animais do bosque que o coelho encontrava pelo caminho.

Um dia todos os animais decidiram dar uma boa lição no coelho mal educado, e fizeram um acordo para que, quando algum deles visse o pirracento coelho, não o cumprimentasse. Iriam fazer como se não o tivessem visto.

E assim aconteceu. Nos dias seguintes todo mundo ignorou o coelho. Ninguém falava com ele, nem o saudava. Um dia, todos os animais do bosque organizaram uma festa e o coelho ouviu onde iriam celebrar e pensou em ir, mesmo não sendo convidado.

Naquela tarde, enquanto todos os animais se divertiam, apareceu o coelho no meio da festa. Todos fizeram de conta que não o tinham visto. O coelho, constrangido pela falta de atenção dos seus companheiros, decidiu ir embora com as orelhas baixas.

Os animais, com pena do coelho, decidiram ir até a sua toca e convidá-lo para a festa. Não sem antes fazê-lo prometer que nunca mais faria pirraça a nenhum dos animais do bosque.

O coelho, muito contente, prometeu nunca mais pirraçar dos seus amiguinhos do bosque, e todos se divertiram muito na festa e viveram felizes para sempre.

FIM

Moral da estória: Procure nunca pirraçar seus pais, seus irmãos, nem amiguinhos.

Fonte:
Guia Infantil

sexta-feira, 28 de agosto de 2020

Varal de Trovas n. 361

 


Cláudio de Cápua (Quadrinhos) 2

O Indianópolis, 17 de fevereiro de 1979

Texto: Cláudio de Cápua
Desenho: Luis Antonio Adensohn

Fonte:
Cláudio de Cápua. Retalhos de Imprensa. São Paulo: EditorAção, 2020.
Livro gentilmente enviado pelo escritor.

A. A. de Assis (Maringá Gota a Gota) Hiran, do latim ao clarinete


Na Rua do Rosário, em Ponte Nova de Minas, acabara de nascer uma criança. Menino ou menina? Professor. De quê? De tudo. Um nome chique lhe deram: José Hiran Salée.

No Departamento de Letras da UEM, onde fomos colegas durante uns bons anos, minha mesa ficava ao lado da dele na sala dos professores. Ali, de papo em papo, em meio a intermináveis discussões sobre sinédoques e anaptixes, acabei conhecendo tintim por tintim sua movimentada biografia. Um dos personagens mais queridos da história de Maringá.

O menino foi crescendo, concluiu o grupo escolar na terra natal, fez o ginásio em Lorena, até que de repente um estalo lhe disse que sua vocação era para o sacerdócio. No seminário salesiano (não me lembro se em São João Del Rei ou Cachoeira do Campo), fez o clássico, depois Filosofia e Pedagogia. Um currículo da pesada: português, francês, inglês, espanhol, grego, latim, além de várias outras disciplinas – e os padres professores não davam moleza. Mas havia tempo também para curtir música e praticar esportes. E foi pelo seu amor à música que o garoto de Ponte Nova tornou-se logo uma grande atração, tocando flauta, saxofone e clarinete nos eventos festivos do seminário. Chegou a tocar harmônica em missas solenes.

Já na Teologia, próximo da ordenação, deu-se, porém, um fato que o obrigou a mudar os planos. Seu pai morreu e ele precisou deixar o seminário para ajudar no sustento da família. Nesse período deu aulas em vários colégios no Rio, Niterói e em outros lugares. Em Goiânia, fez concurso num colégio para ser professor de latim. Foi aprovado com louvor, porém ao se apresentar ficou sabendo que de início teria que dar aulas de desenho e trabalhos manuais. O jeito foi aceitar, mas acabou fazendo sucesso mesmo foi como instrutor da fanfarra.

Numa das férias de verão passou um mês no Rio de Janeiro. Por força do seu ideal, deu aulas de catecismo numa favela. Para ganhar uma graninha, fez bicos desenhando cenários em teatros de revista e trabalhando como ajudante na pintura de carros alegóricos para o carnaval. Foi nessa ocasião que ouviu falar de Maringá. Decidiu arriscar. Valeu o risco. Veio, ficou.

Era o ano de 1955. Com pouco dinheiro, antes de vir comprou uma rede para o caso de não poder pagar hotel. Chegando, preferiu ficar no hotel mesmo e vendeu a rede para pagar as diárias. Por indicação de um dos hóspedes, passou a fazer refeições na Cantina do Zitão, onde o conheci.

Daí para a frente todo maringaense conhece a bela história do inesquecível mestre José Hiran Sallée. Pilotando seu famoso DKV-Vemag, lecionou português e latim em quase todos os colégios da cidade, foi diretor do Gastão Vidigal, secretário municipal da Educação, organizador e regente de fanfarras, músico de banda e orquestra, desenhista e pintor nas horas vagas. Aposentou-se aos 70 anos, como professor da UEM. Mora no céu desde 2009. Aqui deixou saudade à beça.

Fonte:
texto enviado pelo autor

Samuel da Costa (Poemas Escolhidos) IV


FLORESCER
Para Flaubert Brutus

Estou aqui!
Não dobrei a esquina!
Não desapareci por completo,
Não sangrei até morrer...
Em praça pública,
Como alguns bem queriam.

Estou aqui...
Não evanesci mata adentro!
Não fugi para o Quilombo...
Não ouvi os cães ladrarem.

Ainda estou aqui!
Florescendo a cada dia...
Que passa!
Cada vez mais belo...
Cada vez mais forte...
Não desapareci completamente.
Não sumi das memórias das pessoas.
Floresci em pela luz do dia...
Não fui tragado!
Pelas areias do destino.

Ainda estou aqui...
Bem vivo!
Ainda não desapareci.
No meio da multidão resoluta...

Ainda estou aqui!
E não fui embora...
O tumbeiro não me levou.

Ainda estou aqui!
Negro como a noite...
Mas puro como o dia.
****************************************

NÃO! EU NÃO PLANTEI FLORES

Eu não plantei flores!
E nunca vou plantá-las!
Para não vê-las morrerem...
Abruptamente!
Pisoteadas cruelmente,
Pelas botas asseadas...
E lustradas.
Dos soldados desumanizados!
Fortemente armados,
Que em descompassados...
E uniformizados!
Passam em marcha.

Não! Eu não vou semear!
Flores algumas...
Para não vê-las...
Serem arrancadas...
Tiranicamente!
Da floresta negra em chamas.
Pelas mãos inumanas,
Para suprir um mercado em fúria.
Para serem vendidas...
A posteriori!
Em um ávido mercadejo qualquer!

Não! Eu não vou plantar flores!
Para não me desumanizar...
Em demasiado...
Para não ter que levá-las!
No campo-santo...
Em homenagem sepulcral.
Para aqueles que partiram,
Para o além vida...
E nunca mais voltarão!
****************************************

AO NASCER DE UM NOVÍSSIMO DIA
(Da série o amor em vermelho)

Ao nascer de um novo dia
Vamos nós dois
Sacrossanta negra musa
Até o vergel das almas perdidas
Sagrar o nosso etéreo amor

No alvor
Ao nascer de um novíssimo dia
Minha musa de ébano
Consagramos
O nosso hialino amor
À beira do místico lago encantado

No amanhecer
Na alvorada nova
Ao nascer de um novo dia
Sagrarmos o nosso divinal amor
Consorte minha
No cósmico altar
Dos deuses e deusas imortais
****************************************

DA ÁRVORE DOS ACONTECIMENTOS
(Da série o amor em vermelho)

Não se arvores negra ninfa
Dos nevoentos bosques
Eu fiz as minhas próprias escolhas
Alheias as tuas ignotas vontades

São mãos invisíveis do destino
A te guiar na celestial escuridão
Para longe de mim

Não se arvores aedo de ébano
Tu fizeste as tuas próprias escolhas
Alheias as minhas próprias vontades
Alheias as tuas sibilinas ambições
De ficar ao lado meu

Não se arvores poeta de ébano
Pois são as mãos impossíveis
A me guiar pelas álgidas
Imensidões cósmicas sem fim
Para longe do teu ebúrneo palácio
Das memórias perdidas

Não nós arvoremos negra ninfa
Somos nós dois
Flanando livremente para o além
Das imensidões astrais do hiperespaço

Somos nós dois
Enclausurados no hipertexto
Para todo o sempre
****************************************

O EQUILÍBRIO EQUIDISTANTE ENTRE NÓS
(Da série o amor em vermelho)

Pergunte-me tudo
Eu não vou me esquivar de nada
Só não me pergunte
De ontem à noite

Pergunte-me
Tudo o que quiseres
Para mim
Só não me pergunte o que fiz
Ontem à noite
Quando eu tentei em vão
Esquecer-te por completamente

Sobre o ontem à noite
Refugiei-me em mim
Eu não queria te ver novamente
Nem ouvir a tua eufêmica voz
Eu não queria rever a cena dantesca
De nós dois dançando
Na minha mente outra vez

Ontem à noite eu fugi
De nós dois
Não queria ser uma sibilina imagem
Presa em uma moldura digital
Nos teus estribilhos

Ontem à noite
Ao som de músicas impossíveis
Ao sabor do destino
Eu fugi de nós dois
*************************************

A MEDIDA DE TODAS AS COISAS
(Da série o amor em vermelho)

Nas medidas de todas as coisas
De todos os inaudíveis sons
Ao redor
De todas as abstratas cores
E de todas negras múltiplas
Escuridões ao meu redor

Nas medidas de todas as coisas
De todos os sintéticos sons
Ao redor
De todas as cores e as não-cores
Ao meu redor
Um simples bom dia teu
Para mim
Já não me basta
Mussulinosa negra ninfa

Nas medidas de todas as coisas
Do meu multiverso apoplético
Minha dulcíssima negra musa
Eu espero que tenhas venerado
Profundamente
De todos os vagos versos agrafos
Que a ti eu dediquei
A beira da fossa abissal

Nas medidas de todas as coisas
Eu espero que tu vás até as janelas
Do ebúrneo palácio das memórias perdidas
E contemple todos os ruidosos ruídos
E todos os silêncios profundos
Ao teu redor
De todas as cores e as escuridões
Ao teu redor

Nas medidas de todas as coisas
Espero que mergulhes
Os teus delicados pés
Nas ebúrneas áreas da praia desolada
Que esvoaces o trigal dos teus cabelos
Ao sabor dos ventos outonais atlântico

Nas medidas de todas as coisas
Espero que não interrompas
As tuas nevoentas quimeras
Nunca mais divina Luna

Fonte:
Poemas enviados pelo poeta.