CARTA-SONETO
"Escrevo pra dizer-te", meu amor,
que minhas já não são as tuas cartas.
De folheá-las — velhas, já sem cor —
as minhas mãos nunca ficaram fartas!
As tuas cartas! Doces e amargas...
Luar iluminando com fulgor
a minha escura estrada! Portas largas,
abrindo pra jardins plenos de flor!
Vão publicá-las. Dei-as de presente
(perdoa, amado, essas ideias loucas
que a meu viver já deram mil escolhos...)
Quero, dando-as a ler a toda gente,
que o amor que morreu em nossas bocas
possa ressuscitar em outros olhos...
CONFISSÃO NO CÉU
Um dia eu contarei a Deus
tudo que tive de bom
quando vivi na Terra:
Fui bonita!
E a beleza é uma coroa
deliciosa de se usar!
Fui rica!
E o dinheiro é um cetro
valioso de se empunhar!
Fui artista!
E a Arte é uma graça
maravilhosa de se desfrutar!
Fui... Não será melhor
fazer das coisas resumo?
Deus deve ser muito ocupado!
Direi, então, apenas que Amei...
E terei dito tudo, porque o Amor
é parcela maior que o todo!
LOUCURA
Eu não creio em mais nada sobre a Terra!
Eu nego a luz que o sol gera e derrama!
Nego a virtude: todo mundo erra!
Nego a felicidade de quem ama!
Nego a bondade! Altruísmo? Não existe!
Nego a esperança! Fé? Que fantasia!
Nego a beleza que há na lua triste…
Nego o consolo sem par da poesia...
Eu nego tudo! Até o último esteio;
Eu nego Deus! Do nada o homem veio...
Eu nego o Céu, o Inferno e suas chamas!
Mas... por ironia do destino cego,
existe uma só coisa que eu não nego;
Eu creio, meu amor, que tu me amas…
SÚPLICA
Tira-me — por piedade! — agulha e linhas,
tira-me da prisão desta cadeira,
que essas mãos não são as de uma freira,
são mãos de pecadora, são as minhas!
Tarefa! Estas paredes! Oh, tormento!
Não nasci pra fazer dessas fazendas,
bordados raros, preciosas rendas,
não tenho tempo! A vida é um momento...
Quero vivê-lo presa nos teus braços,
tecendo sonhos em teus olhos garços,
bordando beijos em teu lábio quente.
Tu és a plenitude em meu caminho,
eu me completarei com teu carinho,
em ti, por teu amor, unicamente!
VIVESTE
Passaram… Uns ligeiros como o vento,
outros tão lentos como as agonias...
Trezentos e sessenta e cinco dias!
E em todos eles, no meu pensamento,
uma única imagem floresceu;
Tua imagem! Lembrança que o passado
plantou no meu Destino — doce amado —,
flor, sempre-viva, que nunca morreu;
em todos os instantes que hei vivido,
viveste, como eco em meu ouvido,
viveste no sabor da minha boca.
Por toda minha vida só de abrolhos,
viveste na retina dos meus olhos,
viveste sempre em meus sonhos de louca!
VOCÊ QUE ME ENSINOU. . .
Você que me ensinou a ouvir do mar o canto...
a descobrir na lua feiticeira encanto…
a despertar bem cedo para ver a aurora...
a acreditar que a noite pelo orvalho chora…
Você que me ensinou que o Amor é um momento
que devemos viver com pureza de prece
para relembrar com saudade e encantamento!...
Você que me ensinou tanta coisa, querido,
por que não me ensinou também como se esquece?
Fonte:
Aparício Fernandes (org.). Anuário de Poetas do Brasil – Volume 4. Rio de Janeiro: Folha Carioca, 1979.
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