Aqui está a lagoa de Paranaguá, limpa como um espelho e bonita como noiva enfeitada.
Espraia-se em quinze quilômetros por cinco de largura, mas não era, tempo antigo, assim grande, poderosa como um braço de mar. Cresceu por encanto, cobrindo mato e caminho, por causa do pecado dos homens.
Nas Salinas, ponta leste do povoado de Paranaguá, vivia uma viúva com três filhas. O rio Fundo caía numa lagoa pequena no meio da várzea.
Um dia, não se sabe como, a mais moça das filhas da viúva adoeceu e ninguém atinava com a moléstia. Ficou triste e pensativa. Estava esperando menino e o namorado morrera sem ter ocasião de levar a moça ao altar.
Chegando o tempo, descansou a moça nos matos e, querendo esconder a vergonha, deitou o filhinho num tacho de cobre e sacudiu-o dentro da lagoa.
O tacho desceu e subiu logo, trazido por uma Mãe-d'Água, tremendo de raiva na sua beleza feiticeira. Amaldiçoou a moça que chorava, e mergulhou.
As águas foram crescendo, subindo e correndo, numa enchente sem fim, dia e noite, alagando, encharcando, atolando, aumentando sem cessar, cumprindo uma ordem misteriosa. Tomou toda a várzea, passando por cima das carnaubeiras e buritis, dando onda como maré de enchente na lua.
Ficou a lagoa encantada, cheia de luzes e de vozes. Ninguém podia morar na beira porque, a noite inteira, subia do fundo d'água um choro de criança, como se chamasse a mãe para amamentar.
Ano vai e ano vem, o choro parou e, vez por outra, aparecia um homem moço, airoso, muito claro, menino de manhã, com barbas ruivas ao meio-dia e barbado de branco ao anoitecer.
Muita gente o viu e tem visto. Foge dos homens e procura as mulheres que vão bater roupa. Agarra-as só para abraçar e beijar. Depois, corre e pula na lagoa, desaparecendo.
Nenhuma mulher bate roupa e toma banho sozinha, com medo do Barba Ruiva. Homem de respeito, doutor formado, tem encontrado o Filho da-Mãe-d'Água, e perde o uso de razão, horas e horas.
Mas o Barba Ruiva não ofende a ninguém.
Corre sua sina nas águas da lagoa de Paranaguá, perseguindo mulheres e fugindo dos homens. Um dia desencantará, se uma mulher atirar na cabeça dele água benta e um rosário indulgenciado. Barba Ruiva é pagão, e deixa de ser encantado sendo cristão.
Mas não nasceu ainda essa mulher valente para desencantar o Barba Ruiva. Por isso ele cumpre sua sina nas águas claras da lagoa de Paranaguá.
Fonte:
Luís da Câmara Cascudo. Lendas brasileiras para jovens. Projeto LpT (Livro para Todos).
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