O prefeito de polícia estava naquele dia muito atarefado em providenciar a captura do Elefante Branco e, por isso, não pudera dar começo à audiência pública que tinha marcado.
Sua Excelência ainda conferenciava com o diretor das investigações, que lhe mostrava as impressões digitais do imenso paquiderme, impressões obtidas em um casebre abandonado do bairro da Saúde.
Pondo uma imensa lente sobre os desenhos que o diretor lhe apresentava, o prefeito perguntou:
— Doutor, elefante tem dedos?
O sábio diretor titubeou e por fim concordaram, o prefeito e o seu subordinado, que esse animal não possui dedos.
— Resolveram encaminhar as pesquisas para outros pontos e a audiência teve começo.
A primeira pessoa a entrar foi uma senhora. Dizemos senhora, porque em estilo administrativo e comercial todas as mulheres são senhoras. A diferença de tratamento entre elas fica reservado para outras ordens de estilo, entre as quais os daqueles que frequentam os clubes chiques e os bares noturnos.
Tratava-se de Madame Déchue, que foi logo dizendo ao prefeito:
— Vossa Excelência há de saber que ando pior do que o judeu errante.
— Quem é a senhora? — perguntou a poderosa autoridade colocando melhor o pince-nez.
— Eu sou Madame Déchue.
— Ahn!
— Não tenho onde morar.
— A senhora sabe que Lustosa, Garibaldi, Manzini e outros dão essa função à polícia?
— De andar tocando os viventes daqui para ali?
— A senhora é espirituosa.
— Não me creio assim, embora leia com atenção os seus despachos publicados nos jornais.
— Afinal... Nós não estamos aqui a trocar espírito... Que quer a senhora?
— Quero saber onde devo morar.
— Onde não houver famílias. Isto está em Rimato, Salvador Rosa e outros.
— Mas, doutor, em toda a parte há famílias. Já morei no Méier e a polícia fez-me mudar de lá porque era lugar de famílias. Mudei-me para a tal rua, porque não era de famílias... Agora...
— Pode ficar certa de que com isso nada tenho. A polícia só faz mudar; o resto é lá com vocês.
Fonte:
Lima Barreto. Contos.
Sua Excelência ainda conferenciava com o diretor das investigações, que lhe mostrava as impressões digitais do imenso paquiderme, impressões obtidas em um casebre abandonado do bairro da Saúde.
Pondo uma imensa lente sobre os desenhos que o diretor lhe apresentava, o prefeito perguntou:
— Doutor, elefante tem dedos?
O sábio diretor titubeou e por fim concordaram, o prefeito e o seu subordinado, que esse animal não possui dedos.
— Resolveram encaminhar as pesquisas para outros pontos e a audiência teve começo.
A primeira pessoa a entrar foi uma senhora. Dizemos senhora, porque em estilo administrativo e comercial todas as mulheres são senhoras. A diferença de tratamento entre elas fica reservado para outras ordens de estilo, entre as quais os daqueles que frequentam os clubes chiques e os bares noturnos.
Tratava-se de Madame Déchue, que foi logo dizendo ao prefeito:
— Vossa Excelência há de saber que ando pior do que o judeu errante.
— Quem é a senhora? — perguntou a poderosa autoridade colocando melhor o pince-nez.
— Eu sou Madame Déchue.
— Ahn!
— Não tenho onde morar.
— A senhora sabe que Lustosa, Garibaldi, Manzini e outros dão essa função à polícia?
— De andar tocando os viventes daqui para ali?
— A senhora é espirituosa.
— Não me creio assim, embora leia com atenção os seus despachos publicados nos jornais.
— Afinal... Nós não estamos aqui a trocar espírito... Que quer a senhora?
— Quero saber onde devo morar.
— Onde não houver famílias. Isto está em Rimato, Salvador Rosa e outros.
— Mas, doutor, em toda a parte há famílias. Já morei no Méier e a polícia fez-me mudar de lá porque era lugar de famílias. Mudei-me para a tal rua, porque não era de famílias... Agora...
— Pode ficar certa de que com isso nada tenho. A polícia só faz mudar; o resto é lá com vocês.
Fonte:
Lima Barreto. Contos.
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