- Por favor, me ensine a dançar?
O senhor Ono permaneceu em silêncio, com os olhos mergulhados na sopa de misô. Pedaços de tofu flutuavam como icebergs em um mar em chamas. O vapor subia exalando a alma das algas cozidas.
Após algum tempo, o mestre da dança tomava a tigela em suas mãos. Logo, haveria sabor de oceano entre seus dentes.
— Por favor, me ensine a dançar?
O ser humano é estranho. Pergunta a mesma coisa várias vezes, como se isso fosse capaz de, por si só, gerar uma resposta. Ono não perguntava para a sopa de misô se ela poderia ser sopa de misô. Não perguntava ao vapor se ele poderia fazer o favor de subir às suas narinas, nem para o sabor se ele poderia permanecer em sua boca, após sorver a soja de seu caldo.
— Por favor, me ensine a dançar?
Ono terminou a sopa. Mas as perguntas não cessaram. Já havia se passado um bom tempo, desde que o jovem Takeda se encantou com um espetáculo de dança dirigido pelo senhor Ono. Assistiu a dança sentado na penúltima fileira, trazido ali apenas para agradar uma amiga pela qual se sentia apaixonado desde criança. Mas, ao final do espetáculo, sua carnal paixão se decompôs. A partir dali, seu único amor seria a dança. A dança do senhor Ono.
— Por favor, me ensine a dançar?
Takeda era persistente. Acreditava que na vida e na dança, o mais importante era a persistência. Era preciso repetir centenas de vezes o mesmo passo para compreendê-lo, para só depois ousar dar o seguinte. E repetir o seguinte outras centenas de vezes. Assim, passo a passo, aprenderia a coreografia. E de coreografia em coreografia criaria o seu repertório de vida para os palcos do mundo. Sentiria o mesmo que os dançarinos do espetáculo de butô do senhor Ono sentiam: liberdade.
Takeda sentiu que, ao contrário do que o amor pela amiga na plateia proporcionava, um sentimento de aprisionamento, a dança no palco era um amor que libertava. Havia, claro, uma aparente dependência entre os elementos que dançavam em conjunto, porém, como no sistema solar, há o movimento em torno do Sol — a dança — e o movimento em torno de si — o corpo.
O amor que sentia pela amiga de infância passou a ser percebido como o movimento da Lua em torno da Terra. O brilho do amor que sentia pela amiga nada mais era do que a ilusão do amor verdadeiro, refletido em seu rosto de mulher. Sendo assim, um falso sentimento.
A dança por sua vez lhe pareceu autêntica. Claro que ela poderia ser uma prisão também, mas era uma prisão mais espaçosa. Imagine um microrganismo encerrado em uma poça de água. Mesmo estando preso, seria o mesmo que estar livre, pois os limites da poça, infinitamente maior do que ele, nunca seriam encontrados. Assim para Takeda se apresentou o universo da dança. Que lhe importava o infinito, se ele nunca encontraria os limites do finito?
— Por favor, me ensine a dançar?
O senhor Ono não respondia.
Takeda perguntou aos demais alunos de Ono como eles haviam obtido consentimento para iniciarem seus estudos na dança com o mestre. Não havia resposta única. Cada um havia conquistado o direito de se apresentar com Ono de maneira distinta. Apenas uma coisa parecia unir todas as aceitações: a sinceridade. Aproxime-se da dança da forma mais natural e ela a aceitará. Poucos foram aceitos. Muitos desistiram.
Para Ono, a dança não apenas merecia a verdade. A dança era a própria verdade. E a verdade existe mesmo que as perguntas não sejam feitas.
Ao final de mais uma aula, Ono dirigiu-se novamente ao restaurante em que costumava tomar sopa de misô. Takeda o aguardava. Um ano já havia se passado desde o primeiro pedido. Porém, naquele dia, Takeda não estava sozinho como das vezes anteriores. Sua antiga amiga de infância o acompanhava. Não era mais apenas sua amiga, era agora a sua namorada. Como isso havia acontecido?
Takeda havia pedido a amiga em namoro, uma única vez. Foi naquela noite em que a levou ao espetáculo de dança do senhor Ono, que ela tanto queria ver. Com a ausência da resposta, envergonhou-se e nunca mais teve coragem de pedi-la novamente. Tentou esquecê-la, convencendo-se a todo custo de que havia encontrado outra paixão: a dança.
No ano que se seguiu, evitou a amiga. Ignorou-a. Concentrou-se apenas no desejo de aprender a dançar e em não permitir uma nova recusa em sua vida. Todavia, a amiga o procurou após um ano. Tímida como sempre fora, com muito custo conseguiu dizer:
— Sim — um sim que ecoou por um longo ano. O sim era a resposta ao pedido de namoro.
— Por que resolveu aceitar agora? — Takeda estava confuso.
— Não respondi naquela noite, porque pensei que já estivesse claro que sempre desejei isso. Sempre achei que desde sempre fomos namorados e que, por isso, a resposta não era necessária. Pensei que você soubesse que o meu sorriso já era o sim a cada dia em que nos víamos.
Takeda compreendeu.
Ono permaneceu em silêncio, com os olhos mergulhados na sopa de misô. Sem dizer uma única palavra, Takeda sentou-se à mesa de Ono. O jovem tomou a tigela, que Ono lhe oferecia em silêncio há tanto tempo, e sorveu vagarosamente o oceano. Ono sorriu.
Desde a primeira vez, Takeda já havia sido aceito pela dança.
Viver é assim.
Fonte:
André Kondo. Contos do Sol Renascente. Jundiaí/SP: Telucazu Ed., 2015.
O senhor Ono permaneceu em silêncio, com os olhos mergulhados na sopa de misô. Pedaços de tofu flutuavam como icebergs em um mar em chamas. O vapor subia exalando a alma das algas cozidas.
Após algum tempo, o mestre da dança tomava a tigela em suas mãos. Logo, haveria sabor de oceano entre seus dentes.
— Por favor, me ensine a dançar?
O ser humano é estranho. Pergunta a mesma coisa várias vezes, como se isso fosse capaz de, por si só, gerar uma resposta. Ono não perguntava para a sopa de misô se ela poderia ser sopa de misô. Não perguntava ao vapor se ele poderia fazer o favor de subir às suas narinas, nem para o sabor se ele poderia permanecer em sua boca, após sorver a soja de seu caldo.
— Por favor, me ensine a dançar?
Ono terminou a sopa. Mas as perguntas não cessaram. Já havia se passado um bom tempo, desde que o jovem Takeda se encantou com um espetáculo de dança dirigido pelo senhor Ono. Assistiu a dança sentado na penúltima fileira, trazido ali apenas para agradar uma amiga pela qual se sentia apaixonado desde criança. Mas, ao final do espetáculo, sua carnal paixão se decompôs. A partir dali, seu único amor seria a dança. A dança do senhor Ono.
— Por favor, me ensine a dançar?
Takeda era persistente. Acreditava que na vida e na dança, o mais importante era a persistência. Era preciso repetir centenas de vezes o mesmo passo para compreendê-lo, para só depois ousar dar o seguinte. E repetir o seguinte outras centenas de vezes. Assim, passo a passo, aprenderia a coreografia. E de coreografia em coreografia criaria o seu repertório de vida para os palcos do mundo. Sentiria o mesmo que os dançarinos do espetáculo de butô do senhor Ono sentiam: liberdade.
Takeda sentiu que, ao contrário do que o amor pela amiga na plateia proporcionava, um sentimento de aprisionamento, a dança no palco era um amor que libertava. Havia, claro, uma aparente dependência entre os elementos que dançavam em conjunto, porém, como no sistema solar, há o movimento em torno do Sol — a dança — e o movimento em torno de si — o corpo.
O amor que sentia pela amiga de infância passou a ser percebido como o movimento da Lua em torno da Terra. O brilho do amor que sentia pela amiga nada mais era do que a ilusão do amor verdadeiro, refletido em seu rosto de mulher. Sendo assim, um falso sentimento.
A dança por sua vez lhe pareceu autêntica. Claro que ela poderia ser uma prisão também, mas era uma prisão mais espaçosa. Imagine um microrganismo encerrado em uma poça de água. Mesmo estando preso, seria o mesmo que estar livre, pois os limites da poça, infinitamente maior do que ele, nunca seriam encontrados. Assim para Takeda se apresentou o universo da dança. Que lhe importava o infinito, se ele nunca encontraria os limites do finito?
— Por favor, me ensine a dançar?
O senhor Ono não respondia.
Takeda perguntou aos demais alunos de Ono como eles haviam obtido consentimento para iniciarem seus estudos na dança com o mestre. Não havia resposta única. Cada um havia conquistado o direito de se apresentar com Ono de maneira distinta. Apenas uma coisa parecia unir todas as aceitações: a sinceridade. Aproxime-se da dança da forma mais natural e ela a aceitará. Poucos foram aceitos. Muitos desistiram.
Para Ono, a dança não apenas merecia a verdade. A dança era a própria verdade. E a verdade existe mesmo que as perguntas não sejam feitas.
Ao final de mais uma aula, Ono dirigiu-se novamente ao restaurante em que costumava tomar sopa de misô. Takeda o aguardava. Um ano já havia se passado desde o primeiro pedido. Porém, naquele dia, Takeda não estava sozinho como das vezes anteriores. Sua antiga amiga de infância o acompanhava. Não era mais apenas sua amiga, era agora a sua namorada. Como isso havia acontecido?
Takeda havia pedido a amiga em namoro, uma única vez. Foi naquela noite em que a levou ao espetáculo de dança do senhor Ono, que ela tanto queria ver. Com a ausência da resposta, envergonhou-se e nunca mais teve coragem de pedi-la novamente. Tentou esquecê-la, convencendo-se a todo custo de que havia encontrado outra paixão: a dança.
No ano que se seguiu, evitou a amiga. Ignorou-a. Concentrou-se apenas no desejo de aprender a dançar e em não permitir uma nova recusa em sua vida. Todavia, a amiga o procurou após um ano. Tímida como sempre fora, com muito custo conseguiu dizer:
— Sim — um sim que ecoou por um longo ano. O sim era a resposta ao pedido de namoro.
— Por que resolveu aceitar agora? — Takeda estava confuso.
— Não respondi naquela noite, porque pensei que já estivesse claro que sempre desejei isso. Sempre achei que desde sempre fomos namorados e que, por isso, a resposta não era necessária. Pensei que você soubesse que o meu sorriso já era o sim a cada dia em que nos víamos.
Takeda compreendeu.
Ono permaneceu em silêncio, com os olhos mergulhados na sopa de misô. Sem dizer uma única palavra, Takeda sentou-se à mesa de Ono. O jovem tomou a tigela, que Ono lhe oferecia em silêncio há tanto tempo, e sorveu vagarosamente o oceano. Ono sorriu.
Desde a primeira vez, Takeda já havia sido aceito pela dança.
Viver é assim.
Fonte:
André Kondo. Contos do Sol Renascente. Jundiaí/SP: Telucazu Ed., 2015.
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