Ele estava no aeroporto. Acabara de chegar e ia tomar o avião para o Rio. Sim, porque esta história aconteceu em São Paulo. Ele acabara de chegar ao aeroporto, como ficou dito, quando viu um homem que se dirigia com passos largos, pisando duro, em direção à moça que estava ao seu lado, na fila para apanhar a confirmação de viagem. O sujeito chegou e não falou muito. Disse apenas:
— Sua ingrata. Não pense que vai fugir de mim assim não — e, no que disse isso, tacou a mão na mocinha. Essa não era tão mocinha assim, pois soltou um xingamento desses que não se leva para casa nem quando se mora em pensão. E lascou a bolsa na cara do homem. Os dois se atracaram no mais belo estilo vale-tudo e ele — que assistia de perto — tentou separar o belicoso casal. Houve o natural tumulto, veio gente, veio um guarda e a coisa acabou como acaba sempre: tudo no distrito.
Tudo no distrito, inclusive ele, que já ia tomar o avião, mas que teve de ir também, convocado pela autoridade na qualidade de testemunha ocular.
Em frente à mesa do comissário (um baixinho de bigode, doido para acabar com aquilo) o casal continuou discutindo e o homem mentiu, afirmando que fora agredido pela mulher. Ele — muito cônscio de sua condição de testemunha ocular — protestou:
— Não é verdade, seu comissário. Eu vi tudo. Foi ele que avançou para ela e deu um bofetão.
— CALE-SE!!! — berrou o comissário.
— Mas é que.. .
— CALE-SE!!! — tornou a berrar o distinto policial, com aquele tom educado das autoridades policiais.
Ele calou-se, já lamentando horrivelmente ter sido arrolado como testemunha ocular. Ficou calado, preferindo que todos se esquecessem de sua presença, e ia-se dando muito bem com esta jogada até o momento em que a mulher que apanhara apontou para ele e disse para o comissário:
— Se esse cretino não se tivesse metido, não tinha acontecido nada disto.
— Eu??? — estranhou ele, apontando para o próprio peito.
— O senhor mesmo, seu intrometido.
— Mas foi ele quem a agrediu, minha senhora.
— Mentira — berrou o homem. — Eu apenas fui lá para impedir o embarque dela para a casa dos pais. Tivemos uma briguinha sem importância em casa e ela, coitadinha, que anda muito nervosa, quis voltar para a casa dos pais. (Dito isto, abraçou a mulher que pouco antes chamara de ingrata e premiara com uma bolacha. Ela se aconchegou no abraço, a sem-vergonha.)
E ele ali, num misto de palhaço e testemunha ocular. Quis apelar para o guarda que o trouxera, mas este já retornara ao posto. Estava a procurá-lo com um olhar circulante pela sala, quando ouviu o comissário mandando o casal embora.
— Tratem de fazer as pazes e não perturbar em público.
O casal agradeceu e saiu abraçado, tendo a mulher, ao virar-se, lançado-lhe um olhar de profundo desprezo. E, quando os dois saíram, virou-se para o comissário e sorriu:
— Doutor, palavra de honra que eu...
Mas o comissário cortou-lhe a frase com um novo berro. Em seguida aconselhou-o a não se meter mais em encrencas por causa de briguinhas sem importância entre casais em lua-de-mel.
— Eu só vim aqui para ajudar — admitiu ele, com certa dignidade.
— CALE-SE!!! — berrou o comissário: — E some daqui antes que eu o prenda...
Não precisou ouvir segunda ordem. Apanhou a valise e saiu com ódio de si mesmo. "Bem feito" — ia pensando — "que é que eu tinha que entrar nessa encrenca?" Entrou em casa chateado, ainda mais porque perdera o avião e a hora em que tinha de estar no Rio para assinar as escrituras com o corretor. Tratou de afrouxar o laço da gravata e pedir uma ligação interurbana, a fim de dar uma explicação ao patrão.
Somente no dia seguinte retornou ao aeroporto para fazer a viagem. Saiu de casa cedo e foi para a esquina apanhar um táxi. Foi quando houve o assalto. Ia passando por um café quando três sujeitos saíram lá de dentro, atirando a esmo, para abrir caminho. Ele — coitado — ficou entre os três, com a mão na cabeça sem saber se corria ou se encolhia. Os assaltantes entraram num carro que já os aguardava de motor ligado e sumiram no fim da rua. Logo acorreram pessoas de todos os lados, na base do que foi, do que não foi. Um guarda tentava saber o que acontecera, quando um senhor gordo, que parecia ser o dono do bar assaltado, apontou para ele e disse:
— Seu guarda, esse homem viu tudo. Os assaltantes passaram por ele.
O guarda se encaminhou para ele e perguntou:
— O senhor viu quando eles deram os tiros?
E ele, com a cara mais cínica do mundo:
— Tiros? Que tiros???
Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. Dois amigos e um chato. Ed. Moderna, 1996
— Sua ingrata. Não pense que vai fugir de mim assim não — e, no que disse isso, tacou a mão na mocinha. Essa não era tão mocinha assim, pois soltou um xingamento desses que não se leva para casa nem quando se mora em pensão. E lascou a bolsa na cara do homem. Os dois se atracaram no mais belo estilo vale-tudo e ele — que assistia de perto — tentou separar o belicoso casal. Houve o natural tumulto, veio gente, veio um guarda e a coisa acabou como acaba sempre: tudo no distrito.
Tudo no distrito, inclusive ele, que já ia tomar o avião, mas que teve de ir também, convocado pela autoridade na qualidade de testemunha ocular.
Em frente à mesa do comissário (um baixinho de bigode, doido para acabar com aquilo) o casal continuou discutindo e o homem mentiu, afirmando que fora agredido pela mulher. Ele — muito cônscio de sua condição de testemunha ocular — protestou:
— Não é verdade, seu comissário. Eu vi tudo. Foi ele que avançou para ela e deu um bofetão.
— CALE-SE!!! — berrou o comissário.
— Mas é que.. .
— CALE-SE!!! — tornou a berrar o distinto policial, com aquele tom educado das autoridades policiais.
Ele calou-se, já lamentando horrivelmente ter sido arrolado como testemunha ocular. Ficou calado, preferindo que todos se esquecessem de sua presença, e ia-se dando muito bem com esta jogada até o momento em que a mulher que apanhara apontou para ele e disse para o comissário:
— Se esse cretino não se tivesse metido, não tinha acontecido nada disto.
— Eu??? — estranhou ele, apontando para o próprio peito.
— O senhor mesmo, seu intrometido.
— Mas foi ele quem a agrediu, minha senhora.
— Mentira — berrou o homem. — Eu apenas fui lá para impedir o embarque dela para a casa dos pais. Tivemos uma briguinha sem importância em casa e ela, coitadinha, que anda muito nervosa, quis voltar para a casa dos pais. (Dito isto, abraçou a mulher que pouco antes chamara de ingrata e premiara com uma bolacha. Ela se aconchegou no abraço, a sem-vergonha.)
E ele ali, num misto de palhaço e testemunha ocular. Quis apelar para o guarda que o trouxera, mas este já retornara ao posto. Estava a procurá-lo com um olhar circulante pela sala, quando ouviu o comissário mandando o casal embora.
— Tratem de fazer as pazes e não perturbar em público.
O casal agradeceu e saiu abraçado, tendo a mulher, ao virar-se, lançado-lhe um olhar de profundo desprezo. E, quando os dois saíram, virou-se para o comissário e sorriu:
— Doutor, palavra de honra que eu...
Mas o comissário cortou-lhe a frase com um novo berro. Em seguida aconselhou-o a não se meter mais em encrencas por causa de briguinhas sem importância entre casais em lua-de-mel.
— Eu só vim aqui para ajudar — admitiu ele, com certa dignidade.
— CALE-SE!!! — berrou o comissário: — E some daqui antes que eu o prenda...
Não precisou ouvir segunda ordem. Apanhou a valise e saiu com ódio de si mesmo. "Bem feito" — ia pensando — "que é que eu tinha que entrar nessa encrenca?" Entrou em casa chateado, ainda mais porque perdera o avião e a hora em que tinha de estar no Rio para assinar as escrituras com o corretor. Tratou de afrouxar o laço da gravata e pedir uma ligação interurbana, a fim de dar uma explicação ao patrão.
Somente no dia seguinte retornou ao aeroporto para fazer a viagem. Saiu de casa cedo e foi para a esquina apanhar um táxi. Foi quando houve o assalto. Ia passando por um café quando três sujeitos saíram lá de dentro, atirando a esmo, para abrir caminho. Ele — coitado — ficou entre os três, com a mão na cabeça sem saber se corria ou se encolhia. Os assaltantes entraram num carro que já os aguardava de motor ligado e sumiram no fim da rua. Logo acorreram pessoas de todos os lados, na base do que foi, do que não foi. Um guarda tentava saber o que acontecera, quando um senhor gordo, que parecia ser o dono do bar assaltado, apontou para ele e disse:
— Seu guarda, esse homem viu tudo. Os assaltantes passaram por ele.
O guarda se encaminhou para ele e perguntou:
— O senhor viu quando eles deram os tiros?
E ele, com a cara mais cínica do mundo:
— Tiros? Que tiros???
Fonte:
Stanislaw Ponte Preta. Dois amigos e um chato. Ed. Moderna, 1996
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