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sábado, 22 de fevereiro de 2025

José Feldman (Roteiro para uma peça teatral) A Pensão do riso

CENÁRIO: 

Uma pensão antiga e um tanto bagunçada, com paredes descascadas e um cheiro peculiar de feijão com arroz. Os hóspedes são uma mistura de personagens excêntricos. 
 
PERSONAGENS: 

- Dona Teresa: A proprietária da pensão, uma senhora de idade avançada, cheia de energia e sempre com um comentário engraçado na ponta da língua. 

- Seu Joaquim: Um aposentado que vive contando histórias de sua juventude, sempre exageradas. 

- Mariana: Uma jovem estudante de teatro, sonhadora e cheia de ideias malucas. 

- Tio Mário: Um viajante que nunca sai da pensão, sempre esperando uma oportunidade de ganhar na loteria. 

- Clara: Uma mulher que vive reclamando, mas que no fundo é bem-humorada. 
 
CENA 1: O CAFÉ DA MANHÃ
 
(A manhã começa com Dona Teresa na cozinha, fazendo barulho enquanto prepara o café. Seu Joaquim já está à mesa, contando uma de suas histórias épicas.) 

Seu Joaquim: (com entusiasmo) E então, eu disse ao piloto: "Se você não me deixar pilotar, eu vou gritar!" E não é que ele deixou? 

Dona Teresa: (sem olhar para ele) Joaquim, você nunca pilotou um avião na vida! 

Seu Joaquim: (fazendo uma pausa dramática) Exatamente. Por isso gritei! O medo é um excelente motivador! 

(Mariana entra, com uma toalha na cabeça e um olhar sonolento.) 

Mariana: Bom dia, pessoal! Alguém viu meu texto? Deixei em cima da mesa. 

Dona Teresa: (rindo) O que você escreveu, querida? "Como fazer uma omelete sem ovos"? 

Mariana: (revirando os olhos) Muito engraçado, Dona Teresa. Era sobre a vida no teatro! 

Tio Mário: (interrompendo) O que eu queria mesmo era um papel no teatro! Se eu ganhar na loteria, vou ser ator famoso! 

Clara: (entrando com um olhar de reprovação) E se você ganhar na loteria, Tio Mário, você vai comprar um par de sapatos novos primeiro? 

Tio Mário: (com um sorriso) Sapatos? Para quê? Para ficar em casa? 
 
CENA 2: O ALMOÇO 

(Durante o almoço, Dona Teresa serve um prato de feijão e arroz, enquanto os hóspedes discutem animadamente.) 

Dona Teresa: (colocando o prato na mesa) Aqui está: feijão com arroz, o verdadeiro banquete da pensão! 

Seu Joaquim: (mordendo o feijão) Ah, Dona Teresa, este feijão é tão bom que eu poderia jurar que você tem um chef escondido na cozinha! 

Dona Teresa: (piscando) Tenho sim. Ele se chama "meu marido". Mas ele não cozinha desde 1980! 

Mariana: (rindo) Então, se você não tem um chef, você é a chef ou a "chefa"? 

Dona Teresa: (com uma expressão de orgulho) Sou a chefa! E não aceito reclamações, a menos que sejam sobre o feijão frio. 

Clara: (murmurando) Se o feijão estiver frio, eu vou reclamar! 

Tio Mário: (levantando a mão) Eu tenho uma ideia! Vamos fazer um concurso de quem consegue comer mais feijão! 

Mariana: (brincando) Isso vai acabar em uma competição de flatulência! 

(Todos riem, exceto Clara, que faz uma cara de desgosto.) 
 
CENA 3: O JOGO DE TABULEIRO 

(Após o almoço, os hóspedes se reúnem na sala para jogar um jogo de tabuleiro. O clima é descontraído.) 

Dona Teresa: (distribuindo as peças) Então, quem vai ser o banqueiro? 

Tio Mário: (levantando a mão) Eu! Afinal, estou esperando a minha grande chance! 

Seu Joaquim: (com um sorriso) Espero que você tenha mais sorte aqui do que na vida real! 

Mariana: (sorrindo) Vamos ver se você consegue ganhar algo além de um sorriso! 

(O jogo começa, e logo a competição esquenta.) 

Clara: (reclamando) Não vale! O Tio Mário está trapaceando! 

Tio Mário: (fazendo cara de inocente) Eu? Nunca! Estou apenas... ajustando as regras! 

Dona Teresa: (rindo) Ajustando as regras? Você quer dizer "mudando as regras conforme sua necessidade"? 

Seu Joaquim: (apontando) Isso soa como uma ótima estratégia para a vida, não é? "Mude as regras e ganhe sempre!" 

Mariana: (pensativa) E se a vida fosse um grande jogo de tabuleiro? Eu escolheria ser uma peça colorida! 
 
CENA 4: A NOITE 

(À noite, os hóspedes se reúnem no terraço da pensão, onde Dona Teresa serve chá.) 

Dona Teresa: (observando as estrelas) Olhem essas estrelas! Lindo, não é? 

Mariana: (suspirando) Eu sempre quis ser uma estrela de teatro, mas acho que vou me contentar em ser uma estrela da pensão! 

Clara: (brincando) E quem disse que você não é? Você já tem um público fiel! 

Seu Joaquim: (levantando o chá) A um brinde, então! Às estrelas da pensão! 

Tio Mário: (interrompendo) Mas eu quero brinde à loteria! 

Dona Teresa: (rindo) Tio Mário, você e suas loterias! Um dia você vai ganhar, e quando isso acontecer, não esqueça de nós! 

Tio Mário: (sonhando) Claro! Vou comprar a pensão e transformar isso em um hotel cinco estrelas! 

Clara: (sarcasticamente) Com o feijão como prato principal, certo? 

(Todos riem e brindam juntos.) 

CENA FINAL: REFLEXÕES E RISADAS 

(Os hóspedes se acomodam nas cadeiras, conversando e rindo sobre suas vidas e sonhos.) 

Mariana: (pensativa) Sabe, acho que a vida é como esse jogo: cheia de surpresas e algumas armadilhas. 

Seu Joaquim: (com um sorriso) E o melhor de tudo é que, mesmo com as armadilhas, temos sempre uns aos outros! 

Dona Teresa: (orgulhosa) Isso mesmo! Aqui na pensão, somos uma família, mesmo que um pouco maluca! 

Tio Mário: (com um brilho nos olhos) E quem sabe um dia eu ganho na loteria e nos levo para uma viagem! 

Clara: (brincando) Desde que eu não tenha que comer mais feijão! 

(Todos riem, enquanto as luzes se apagam lentamente, deixando a cena com uma sensação de calor e camaradagem.) 
 FIM 
Fontes:
José Feldman. Labirintos da vida. Maringá/PR: Plat. Poe. Biblioteca Voo da Gralha Azul.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing  

quinta-feira, 3 de maio de 2018

Carlos Leite Ribeiro (Aquela Boneca)


(Peça teatral dramática)

Elenco:
- Fernando, 50 anos. Frequentador do café "Ti Pedro" e seu grande amigo ...
- Pedro, 65 anos. A quem o povo chamava carinhosamente, "Ti Pedro" ...
- Joana, 60 anos. A mãe de Américo ...
- Maria do Carmo, 45 anos. Foi ela quem criou a Eunice ...
- Américo, 42 anos. Para que Eunice tivesse oportunidade de ser operada quando era ainda criança e, depois para lhe pagar os estudos, entrou numa de contrabando, e foi preso. Depois, imigrou para o estrangeiro …
- Eunice, 22 anos. Durante muitos anos apreciou e desejou "aquela boneca", nunca pensando que anos mais tarde seria sua ...
____________________________ 

Em todas as pequenas localidades, existe sempre um local, onde se sabe e se discute a vida dos seus habitantes. No local onde se vai desenrolar a nossa história, esse local de encontro era o café do "Ti Pedro". Uma pequena loja com pintura e mobiliário já muito antigo.

Atrás do velho balcão, o seu proprietário, já septuagenário, a quem o povo, respeitosamente e carinhosamente, chamava "Ti Pedro".

Nas poucas prateleiras de vidro que se encontravam por detrás do balcão, na prateleira central e em destaque, encontrava-se uma linda boneca, metida numa caixa de celofane.

Aquela boneca tinha uma história ...

Estávamos em princípios de Junho, quando os dias começam a aquecer. Neste momento entra no café, o Fernando, grande amigo do "Ti Pedro" ...

Fernando: - Boa tarde, Pedro. Os jornais já chegaram ?

Ti Pedro: - Ainda não chegaram, Fernando. O Expresso, como habitualmente, está atrasado. Olha lá, amigo, bebes o costume ?

Fernando: -  Não, hoje apetece-me... nem sei o quê...

Ti Pedro: - Olha, "nem sei o quê", é uma bebida que não tenho cá !

Fernando: - Vejo que hoje estás muito espirituoso. Aproveitando essa tua boa disposição, mais uma vez te peço que me contes a história dessa boneca, que há tantos anos se encontra aí atrás desse balcão.

Ti Pedro: - Qual boneca ?! ... ah, a boneca! Pois está aqui há mais de dezesseis anos, mas por estes dias deve sair daqui.

Fernando: - Nem quero acreditar que vais dar essa boneca ...

Ti Pedro: - Estás completamente enganado, pois eu vou dar esta boneca e com grande prazer e à pessoa certa!

Fernando: - Pedro, tu cada vez estás a ficar mais misterioso. O que se passa contigo, homem? Vá lá, desembucha e diz-me que mistério tem essa boneca?

Ti Pedro: - Podes crer que não tem mistério nenhum. Nenhum mistério...

Fernando: - Então, se não tem qualquer mistério, sê amigo e conta-me a história dessa boneca. 

Ti Pedro: - Amanhã ou por estes dias, conto-te.

(Entra em cena nova personagem)

Joana: - Boa tarde, "Ti Pedro" e Sr. Fernando. Olhe, troque-me esta garrafa vazia por uma cheia de vinho tinto. Se possível, pode ser fresquinho.

Ti Pedro: - Olha a tia Joana! Então, tem tido notícias do seu filho Américo?

Joana: - Tenho, tenho. Ele continua lá pelos "estrangeiros". É a vida dele, sabe?

Fernando: - Vocês desculpem-me de me meter na vossa conversa. Se não me engano, o seu Américo, desde que imigrou para o estrangeiro, nunca mais veio a Portugal, pois não?   

Joana: - O meu filho é um homem de vergonha e, assim que saiu da prisão, foi logo para o estrangeiro, e nunca mais cá voltou.

Fernando: - Que pena! um rapaz tão trabalhador e tão honesto... custa a compreender como é que se meteu naquela embrulhada do contrabando.

Joana: - Nem eu compreendo, Sr. Fernando, pois, o meu Américo sempre foi o que se pode chamar "uma joia de pessoa" e um filho exemplar. Agora é um inválido

Fernando: - O quê? Um inválido?! ... ora diga-me lá o que se passa, tia Joana!

Joana: - Não se passa nada... nada, nada. "Ti Pedro", dê-me a garrafa, pois estou com muita pressa...

Ti Pedro: - É muito curioso. A tia Joana, habitualmente, não vinha aqui comprar vinho, mas, há  uns tempos para cá, vem todos os dias comprar uma garrafa...

Joana: - Sim, sim uma garrafa. Sabe, é para, para temperar a comida ... ganhei agora o hábito de temperar todos as comidas...fazer "vinho d`alhos”... compreende, não compreende ?

Ti Pedro: - Francamente, não compreendo mesmo nada. Mas enfim ...

Joana: - Bem, agora que já estou aviada, tenho que me ir embora.

Ti Pedro: -  Tia Joana, fique mais um pouco, por favor. Disse-nos há pouco que o Américo estava inválido?

Joana: - Mas eu disse isso ?

Ti Pedro: - Pois disse...

Joana: - Então, foi sem querer !

Ti Pedro: - Eu logo compreendi que tinha sido sem querer. Tia Joana, diga-me: o Américo está cá?

Joana: - Ai que chatice... deixe-me ir embora, "Ti Pedro"!

Ti Pedro: - Tia Joana, o Américo está cá?

Joana: - Por favor deixem-me ir embora! Deixem-me, deixem-me. E deixem-no a ele, ao meu pobre filho, pois ele, coitadinho, está inválido!

Fernando: - Tia Joana, o que se passa, ou melhor, o que se passou com o Américo?... Nós somos amigos dele e por isso, temos o direito de saber, para assim o podermos ajudar.

Ti Pedro: - Tia Joana, o Américo sofreu algum acidente?

Joana: - Meu Deus, que infeliz que eu sou... o meu pobre filho sofreu um acidente com a máquina que trabalhava e, ficou sem um braço. Aquele infeliz nunca teve sorte na vida!

Fernando: - Lamento muito. Coitado do Américo!

Ti Pedro: - Mas diga-me lá, tia Joana, o Américo está cá ou não?

Joana: - Está cá, está. Mas tem vergonha de sair de casa. O espectro da prisão persegue-o, e agora pior ainda, pois não tem um braço. Que infeliz é o meu Américo!

Fernando: - Lamento muito, mas mesmo muito. Mas, tia Joana, por favor, acalme-se.

Ti Pedro: - Mas ainda bem que o Américo está cá, pois eu preciso muito de falar com ele.

Joana: - Quem me dera que o meu filho saísse de casa, que convivesse com os amigos. Que saísse daquele quarto escuro, em que voluntariamente se encerrou. Talvez daqui a algum tempo perca os complexos que hoje tem, e então comece a sair. Oxalá que comece novamente a viver a conviver!

Ti Pedro: - Tia Joana, eu hoje sem falta, tenho de falar ao Américo!

Joana: - Falar para quê, "Ti Pedro" ?!... Por acaso, o meu filho ficou a dever-lhe alguma coisa? Se é isso, diga-me por favor, pois eu, apesar de ser muito pobre, com certeza que lhe pagarei.

Ti Pedro: - O Américo não me deve nada, e que eu saiba, não deve nada a ninguém. Mas eu preciso de falar com ele, sobre um assunto pessoal, de interesse comum. Tia Joana, pode crer que é um assunto que interessa a ambos...

Joana: - Se por acaso o meu filho vem a saber que eu contei a alguém que ele está cá, vai ficar muito zangado comigo! E eu não quero que ele fique desiludido comigo, que sou a sua mãe! O Américo tem sofrido muito, muito, e só eu, com o coração de mãe, o posso compreender.
Desculpe-me, "Ti Pedro", mas eu não lhe posso dar o seu recado!

Fernando: - A tia Joana pode-lhe dizer que eu, um dia destes, passei perto de sua casa e que o ouvi falar. Logo fiquei muito desconfiado, e que hoje, por acaso, a encontrei no café e lhe falei no caso. E a tia Joana, sem querer caiu na armadilha que eu lhe montei, para saber se ele tinha ou não regressado a Portugal. Valeu? ...

Joana: - Não sei, Sr. Fernando... Se o meu filho vai aceitar essa desculpa, pois, como é natural, anda muito desconfiado.

Fernando: - Resulta, sim, tia Joana! vai ver que vai resultar. Para mais, o rapaz não pode passar o resto da vida escondido. Lá por ter estado preso por causa de contrabando, e depois, ter ficado sem um braço, quando trabalhava no estrangeiro, não é razão para ele se esconder.

Ti Pedro: - Olha, Fernando. Mudando de assunto, tenho a sensação que vêm aí os jornais.

Fernando: - Tens toda a razão, pois também a mim me parece que estou a ouvir o barulho do motor do expresso ...

Joana: - E eu vou indo para casa. Mas antes, peço-vos que não digam a ninguém que o meu filho Américo, está cá.

Ti Pedro: - Fique descansada, tia Joana!

Fernando: - Tia Joana, peço-lhe que não se esqueça de fazer o que eu lhe disse, está bem?

Ti Pedro: - Assim como também não se esqueça, que eu hoje, sem falta, preciso de falar com o Américo!

Fernando: - Olha que nos enganámos, Pedro. Ainda não é desta vez que chegam os jornais. O barulho que estávamos a ouvir, era de um expresso de excursão, mas...

(Nova personagem entra em cena)

Maria do Carmo: - Boa tardes, "Ti Pedro" e Sr. Fernando! O tempo está a aquecer. O que também não admira, pois já estamos perto do Verão.

Ti Pedro: - Olá, garotona!

Fernando: - Aqui a nossa querida Maria do Carmo, cada vez está mais bonita!

Maria do Carmo: - Ora, ora. O Sr. Fernando está sempre a brincar comigo. Estou a ver que hoje, o expresso, está muito atrasado, não está?

Ti Pedro: - Tens toda a razão, Maria do Carmo.

Fernando: - E os jornais hoje nunca mais chegam!

Ti Pedro: - A tua, ou melhor, a nossa menina, a Eunice, deve chegar ainda hoje, não é verdade, Maria do Carmo?

Maria do Carmo: - Conto que ela venha na próxima carreira, pois já deve ter terminado os exames finais.

Ti Pedro: - Que cabecinha d` ouro que ela tem! Por isso é que ela tem sido uma magnífica estudante e que nunca chumbou nenhum ano!

Fernando: - E só de pensar que ela, por causa daquela doença nos ossos, passou aqueles anos todos num sanatório. Mas, felizmente que hoje, quase não se nota que ela coxeia um pouco.

Maria do Carmo: -  Teve a sorte de ter encontrado um grande cirurgião, além de ter também tido a sorte de uma pessoa desconhecida, que lhe pagou todas as despesas da operação, e também os estudos. Mas Graças a Deus, a esta hora já deve estar licenciada!

Fernando: - Sempre gostava de saber quem foi esse desconhecido que lhe pagou tudo ?

Maria do Carmo: - Eu também não sei e gostava de saber, mas nunca cheguei a descobrir. E parece-me que nem aqui o "Ti Pedro", embora todo o dinheiro que essa pessoa desconhecida mandou para a Eunice, lhe tivesse passado pelas suas mãos. Ou será que o "Ti Pedro" sabe quem é, e não nos quer dizer ...?!

Ti Pedro: - Eu já vos tenho dito muitas vezes que não sei quem é. Por favor não me venham agora com essas conversas, porque eu já vos tenho dito que também não sei quem é essa pessoa; o que também pouco interessa...

Fernando: - Tenho-me questionado se seria algum dos muitos amantes que a mãe teve?

Ti Pedro: - Não, não é esse o caso.

Maria do Carmo: - Também não me parece que seja, pois esses, só a exploraram. Por isso é que a desgraçadinha morreu na pior das misérias!

Tio Pedro: - Já o pai tinha morrido, tragicamente, na chamada Guerra do Ultramar. Se não fosse o tal misterioso benfeitor, o que teria sido da nossa Eunice?

Fernando: - Aqui p`ra nós, vocês não desconfiam mesmo quem possa ser essa misteriosa personagem?

Ti Pedro: - Eu já vos disse que não desconfio de nada nem de ninguém!

Maria do Carmo: - Eu lá desconfiar, desconfio. Mas é assunto só para eu comentar com os meus botões.

Fernando: - Por acaso será que este mistério esteja dentro daquela boneca, que o "Ti Pedro" tem ali naquela prateleira, há tantos anos?

Ti Pedro: - Francamente, por muita vontade que tenha, não vos estou a compreender. Aquela boneca não tem qualquer mistério. Vocês hoje é que se voltaram p`ra aí...

Fernando: - Mas o certo é que tu já me disseste que hoje, aquela boneca, ia sair dali para sempre. Não foi? 

Ti Pedro: - E daí, homem? Em minha casa não poderei dizer o que muito bem queira?

Fernando: - Não é por nada, Pedro, e por favor, não te irrites. Para mais, daqui a pouco deve chegar a Eunice, já com o "canudo" e com o título acadêmico de "doutora".

Ti Pedro: - Cá p`ra mim, tu continuas a tentar esconder alguma coisa ... cada vez te compreendo menos, Fernando!

Maria do Carmo: - Escutem, escutem. Parece que estou a ouvir o barulho do motor do expresso. Vocês, por acaso, não ouvem?

Ti Pedro: - Sim, sim. Também parece que estou a ouvir o motor, do outro lado do vale. Fernando, os teus jornais já devem de estar a chegar...

Fernando: - Como sempre, anseio que eles cheguem, para saber o que vai por esse mundo. Mas, não sei o que sinto, ou melhor, pressinto. Parece-me que hoje vai acontecer qualquer coisa de muito especial

(neste momento entra em cena outra personagem)

Américo: - Boa tarde a todos. A minha mãe disse-me que o "Ti Pedro" me queria dizer qualquer coisa.

Ti Pedro: - Olha, mas és tu, és tu, o Américo, o filho da tia Joana?!

Fernando: - Olha, o Américo! Que saudades já tinha de ti!

Américo: - Sim, vocês não se enganam, meus amigos. Sou eu, o Américo, ex-presidiário e maneta permanente!

Ti Pedro: - Tu, meu rapaz! Que alegria me dás!

Américo: - Alegria... ou piedade ?!

Ti Pedro: - Qual piedade, qual carapuça! Tu, com ou sem um braço, és e serás sempre o mesmo: um grande homem!

Fernando: - Atenção que o expresso, cada vez está a aproximar-se mais.

Ti Pedro: - Américo, por acaso sabes que é que está a chegar no expresso?

Américo: - Como é que eu posso saber, se há tantos anos estou afastado desta terra?

Ti Pedro: - Tens toda a razão Américo, mas eu vou-te dizer: deve vir lá a Eunice, a nossa querida Eunice!

Américo: - De verdade ?!... Então, vou-me já embora, "Ti Pedro".

Ti Pedro: - Não. Tu Não te podes ir já embora, pois ainda não falei contigo!

Américo: - "Ti Pedro", deixe-me ir embora!

Ti Pedro: - Espera um pouco mais, Américo. Olha p`ra aqui: a boneca que há muitos anos deste à Eunice, ainda está aqui. Tu, antes de ires para a prisão, encarregaste-me de ser o seu "fiel" depositário. Pois bem, a Eunice ...

Maria do Carmo: - A nossa menina, a nossa Eunice, finalmente, chegou!

Ti Pedro: - O que vocês querem dizer, é que a nossa querida doutora Eunice, chegou !

(entra em cena outra personagem: a Eunice ...)

Eunice: - Olá!!! Mal estou a chegar e já me estão a ofender. Eu sempre fui e continuarei a ser a Eunice, a vossa menina!

Ti Pedro: - Mas tu agora, tens um curso superior, Eunice!

Eunice: - O que eu tenho é uma valorização pessoal, que muitos podiam ter, se tivessem a sorte de encontrar um benfeitor como eu tive. Mas, com esta barafunda toda, nem sequer ainda os cumprimentei: Boas tardes a todos!... Cheguei, sou a Eunice, aquela menina que vocês bem conhecem desde pequenina !

Ti Pedro: - Senta-te aqui, ao pé do Sr. Américo.

Eunice: - Com todo o prazer. Já há muito tempo que não tinha o prazer de o ver. O Sr. Américo, dá-me licença que eu lhe dê um beijo na sua face?

Américo: - Um beijo?! Um beijo a mim?!

Eunice: - Porque não, Sr. Américo?! Olhe que eu não tenho nenhuma doença contagiosa!

Américo: - Não é isso. È que eu, é que eu ... já estive preso e, além disso, não tenho um braço.

Eunice: - E o que é que isso importa?!... se esteve preso, pagou uma dívida que teve com a Sociedade; se teve um acidente, do qual perdeu um braço, é uma situação que pode acontecer a qualquer pessoa.

Américo: - E também já tenho os cabelos grisalhos.

Eunice: - Ora. Ora. A isso, chama-se vaidade masculina. Vejam lá por ter uns cabelitos brancos, já se considera velho! O Sr. Américo ainda é um belo homem!

Ti Pedro: - Peço desculpa, mas tenho de interromper a vossa agradável conversa, pois, há mais de dezesseis anos que ando como embuchado. Américo, está aqui a boneca que tu, naquele dia em que foste preso, deixaste aqui para quando a Eunice acabasse o curso, a entregar-lhe. Pois bem, entrega-a tu. Eu, estou velho, cansado, mas muito feliz por ter cumprido esta missão.

Eunice: - Esta boneca é para mim?!... E foi o Sr. Américo que me ofereceu?! ... Muito obrigado. Como sabem, eu sempre adorei esta boneca. O "Ti Pedro" deve-se lembrar bem que, quando era pequena, ficava longos minutos a admirá-la. Mas o "Ti Pedro" nunca me disse que a  boneca era para mim!

Ti Pedro: - E também nunca te disse que o teu benfeitor, era o Sr. Américo!

Eunice: - O Sr. Américo?!!! ... Mas, mas porquê?

Américo: - Por favor, "Ti Pedro", peço-lhe que não fale mais neste assunto.

Eunice: - Desculpe, Sr. Américo, mas eu quero saber tudo - tudo, percebem? Eu tenho o direito de saber, por favor, digam-me!

Ti Pedro: -  É um conto muito longo. Mas eu vou tentar ser o mais sucinto possível, pois encontro-me muito cansado, muito doente. Este meu coração...

Américo: - "Ti Pedro", por favor, não se canse mais, pois não merece a pena estar a falar mais neste assunto.

Ti Pedro: - Merece, merece meu rapaz. Para mais, eu tenho de terminar este trabalho que me deste há dezesseis anos. Eunice, vem cá. O Sr. Américo sempre gostou muito da tua mãe (da tua pobre mãe, que tão cedo nos deixou), mesmo antes de ela ter casado com o teu infeliz pai, que lá ficou naquela maldita Guerra Colonial...

Fernando: - Pedro, tu não estás bem, pois não. Deixa-me pôr esta almofada nas tuas costas.

Ti Pedro: -  Põe lá essa almofada. Assim, estou muito melhor  -  obrigado,  Fernando. Mas como ia a contar, tu eras muito pequenina e já há muito que estavas internada num sanatório, para os lados de Lisboa. Precisavas, urgentemente, de seres operada...

Fernando: - Tu não estás a sentir-te muito bem, pois não, Pedro?... Estás cada vez a ficares mais pálido...

Ti Pedro: - Estou a sentir-me muito cansado... ai, este meu coração... mas vamos ao que interessa. Tu precisavas de ser operada por um grande especialista, mas não havia dinheiro. Foi, para conseguir essa importância, que o Américo se meteu nessa do contrabando, acabando por ser preso. Mas, mesmo assim, conseguiu o dinheiro necessário para a tua operação ...

Américo: - Por favor, "Ti Pedro", não continue.

Ti Pedro: - Já falta pouco, podes crer... Depois de sair da prisão, o Américo, por vergonha e por necessidade de ganhar dinheiro para os teus estudos, emigrou para o estrangeiro...

Eunice: - Eu, estou tão confusa, tão surpreendida... tão agradecida, que não consigo encontrar palavras adequadas para me exprimir!

Ti Pedro: - Dentro da boneca, encontra-se um papel, que eu quero que o leiam... depois de eu morrer...

Américo: - O "Ti Pedro" está tão pálido...

Eunice: - Atenção !!!... O "Ti Pedro" está a cair!... Por favor, chamem já uma ambulância. Depressa, depressa...

Ti Pedro: - Não se incomodem... Já não merece a pena, meus filhos... ai, este meu coração... Olha lá, Américo...

Eunice: - Um médico por favor, por favor...                                         
Ti Pedro: - A minha missão... está cumprida... parto em paz...

* * * * * * * * * 
Eunice: - Morreu, morreu o "Ti Pedro" - que bondoso velhinho!

Américo: - Eu, um ex-presidiário e um inválido, é que devia ter morrido!

Fernando: - Tu, Américo, ainda não cumpriste a tua missão cá na Terra. Hoje, morreu um grande homem, o "Ti Pedro". Amanhã morrerá outro ...

Américo: - Para o "Ti Pedro", acabou-se tudo!

Maria do Carmo: - Se há funerais bonitos, este foi um deles.

Eunice: - Tanta gente o acompanhou até à sua última morada... ele bem o mereceu, pois sempre foi muito educado e bondoso para toda a gente.

Maria do Carmo: - Descansa em paz, "Ti Pedro"!

Américo: -  E nós vamos embora, pois nada mais fazemos aqui.

Maria do Carmo: - Nenhum familiar dele o veio acompanhar.

Fernando: - Ele, também nunca nos falou que tinha família.

Maria do Carmo: - Então, não deve ter descendentes... 

Eunice: - Pois não. E sendo assim, é uma pena aquele café ficar encerrado. Por falar em café, tenho que lá passar para ir buscar a minha boneca.

Fernando: - E dentro da boneca, como o "Ti Pedro" nos disse, deve de estar um papel com alguma mensagem. Por curiosidade, gostava de saber o conteúdo dessa mensagem.

Eunice: - Então, podemos ir agora todos ao café.

Maria do Carmo: - E até nos calha em caminho.

Américo: - E assim podemos a ficar a saber a última vontade do "Ti Pedro".
* * * * * * * * * 

Eunice: -  Quem havia de dizer que esta boneca um dia seria minha! Madrinha, estou tão impressionada...

Maria do Carmo: - A boneca é muito linda, mas, sobretudo representa um gesto muito bonito de um verdadeiro altruísta, ou seja, o Américo.

Américo: - Por favor, não falem mais em mim. Ainda me obrigam a eu ir-me embora.

Fernando: - Oh Américo, modéstia em demasia, é um grande defeito que deve ser corrigido. Para mais, tu és tão brioso!

Maria do Carmo: -  O Fernando tem toda a razão. O Américo não pode ser tão modesto, pois é um homem que tem muito valor.                                                                                              
Fernando: - Com esta conversa toda, já estou a ficar ansioso por saber qual o teor da mensagem que o "Ti Pedro" deixou dentro dessa boneca.

Eunice: - Tenha calma, Sr. Fernando, pois já vamos ver.

Américo: - A caixa de celofane está deslocada na parte de trás.

Eunice: - Tem razão, e é por esse lado que eu vou tirar a boneca do celofane ... Olhem, cá o papel. O Sr. Américo quer lê-lo? 

Américo: - Eu mal sei ler. Lê tu, Eunice.

Eunice: - Então tomem muita atenção: "A 2 de Janeiro de mil novecentos e tal, no cartório da cidade, fiz o meu testamento, considerando meu herdeiro universal, Américo Araújo. Depois de eu morrer, entreguem esta mensagem ao Américo Araújo, pois, a partir dessa data, este café passa a ser dele ...".

Américo: - Não compreendo... Porque seria que o "Ti Pedro" me fez seu herdeiro universal?!... Mas eu não posso aceitar, para mais, sou um inválido ...

Fernando: - O "Ti Pedro" fez-te seu herdeiro universal, porque te apreciava muito. Agora, meu rapaz, é preciso teres brio, pois capacidade tens tu. E este café não pode fechar...

Eunice: - O Sr. Américo, só é um inválido se quiser. Mas eu, ou melhor, todos nós temos confiança em si, pois temos a certeza que irá reagir. Madrinha, vamos fazer a limpeza ao café? 

Maria do Carmo: -  É p`ra já. O "Ti Pedro", tinha os utensílios de limpeza e os detergentes todos bem arrumadinhos, naquela dispensa. Vou já buscá-los.

Fernando: - E eu também vou ajudar... a limpar o pó, claro!
Américo: - Ai! Aonde eu estou metido!... Um inválido como eu, e além disso, não percebo mesmo nada deste negócio, pois eu sempre trabalhei na indústria metalúrgica.

Maria do Carmo: - Olha Américo, escusas de estar p`ra aí com essas lamúrias, pois ninguém te está a ouvir. Vamos mas é ao trabalho!

Fernando: - Se nós te não conhecessemos tão bem, diríamos que estavas a fugir ao trabalho, e que não querias fazer nada, alegando que estavas inválido!

(Outra personagem entra em cena : Uma Voz mais outra Voz)

Voz: - Boa tarde. Vendo refrigerantes, águas e cervejas - o que é que precisa para a próxima semana ?

Américo: - O senhor é o distribuidor ?
Voz: - Sou o empregado do distribuidor.

Américo: - Então, para a próxima semana pode trazer: três grades de sumos, duas de águas e quatro de cervejas.

Voz: - Muito bem. Então, até p`ra a semana, e obrigado.

2ª Voz: - Vizinho, pode aviar-me um sumo de maçã, sem borbulhas?

Américo: - Pois posso, pois não estou aqui para outra coisa. Olha, queres um copo?

2ª Voz: - Pode ser e, também quero daqueles chocolates.

Américo: - Este aqui?

2ª Voz: - O que está ao lado desse. Está aqui o dinheiro e trocadinho.

3ª Voz: - Um maço de cigarros e uma bica curta. Já chegaram os jornais?

Américo: - Ainda não chegaram, mas o expresso não deve tardar aí. Queres que te guarde algum?

3ª Voz: - Eu espero pelo expresso.

2ª Voz: - Vizinho, o chocolate tem um prêmio.

Fernando: - Chiuu, cheguem aqui. Estão a ver o que eu estou a ver?

Maria do Carmo: - Isto aqui p`ra nós que ninguém nos está a ouvir: o Américo tem muito jeito para o negócio. Até parece que passou toda a sua vida atrás de um balcão.

Eunice: - E sobretudo, muita força de vontade. È um homem brioso. Reparem como ele, apesar de não ter um braço, consegue tirar tão bem as tampas das garrafas!

Fernando: - Temos o homem. O café "Ti Pedro" vai continuar...

Américo: - E vocês aí só falam, falam e não trabalham. Daqui a pouco os clientes começam a reclamar, pois há muito pó no ar!!!

FIM

Peça teatral dramática de Carlos Leite Ribeiro – Marinha Grande – Portugal

Fonte:

terça-feira, 27 de maio de 2014

Gerson Cesar Souza (Peça Teatral: A Floresta da Tristeza sem Fim)

ATO 1:

(Caco e Magú jogando futebol. Leleco entra e quer jogar também).

LELECO - Mano, deixa eu jogar também?

CACO - Não, não, tu é muito ruim.

LELECO - Ah, mano deixa...

MAGÚ - Não, da outra vez tu quebrou o vidro da casa da véia chata ali do lado, e ela ficou brigando com a gente. (Imita a véia)

LELECO - Ah, só um chute vai.

CACO - Tá, espera a gente jogar e depois tu joga. São só 150 chutes prá cada um.

LELECO - Tá

(Leleco faz que vai esperar, mas na hora que Caco vai chutar ele chuta e a bola vai para o pátio da vizinha)

MAGÚ - Bá, foi lá pro pátio da véia!

CACO - Eu te falei Leleco, agora tu vai buscar.

(Leleco indeciso começa a falar. Enquanto fala a vizinha aparece atrás dele com a bola na mão).

LELECO - Ah, eu vou. Eu não tenho medo, não sou covarde como vocês. Não vou ter medo daquela véia chata e coroca.

VIZINHA - Quem é véia chata e coroca?

LELECO - Aquela que mora ali ó!

(Se vira, vê a véia e leva um susto).

LELECO - Oi vizinha; trouxe a bola, que bom. Toma a bola mano e cuidem prá não incomodar a vizinha.

VIZINHA - Escuta aqui seu pivetinho, fecha essa matraca. E vocês, parem de ficar jogando essa bola pro meu pátio, pois se eu pegar ela  novamente, vou picar tanto essa bola que açougueiro vai querer vender como guisado.

MAGÚ - Desculpa vizinha, mas nosso irmão é um pouco mal educado. Eu já não te falei Leleco prá não chamar a véia de vizinha?

VIZINHA - O que tu disse?

MAGÚ - Quer dizer, não chamar a vizinha de véia.

CACO - Dona, isso não vai acontecer mais. Eu vou guardar essa bola e ninguém mais vai jogar.

VIZINHA - É bom mesmo, porque se quebrar o meu vidro outra vez eu esmago vocês.

(Velha sai. Assim que ela vai embora Caco larga a bola no chão)

CACO - Tá liberado pessoal, vamos jogar.

LELECO - Oba, eu chuto, é minha vez...

MAGÚ - Tu não, tu quase estragou o nosso jogo.

CACO - É, tu não joga mais.

LELECO - Ah, vocês vão vê! Então eu vou pegar a minha funda e vou caçar passarinho lá na Floresta.

MAGÚ - Tu é louco? Essa é a Floresta da Tristeza sem Fim. Tem fantasma!

CACO - Dizem que tem uma bruxa também. Ela pega as crianças e transforma em sapos.

MAGÚ - E essa bruxa tem três monstros que ajudam ela.

LELECO - Eu não tenho medo de bruxa nem de fantasma. Se eles vierem eu pego minha funda e ó... Tchau prá vocês.

MAGÚ - É louco!

CACO - A bruxa vai pegar ele...

ATO 2:

(Leleco entra na Floresta. Caco e Magú saem de cena. Leleco procura passarinhos, dá tiros com a funda e conversa com a plateia ).

LELECO - Ah, o Caco e o Magú disseram que tinha fantasma aqui, mas não tem nada. Bom eu vou dormir um pouco, se aparecer um fantasma vocês avisam, tá?

(Quando Leleco dorme, entra em cena a Fantasminha Rafaela, plantando flores. A plateia grita para avisar. Rafaela vai até Leleco com curiosidade. Leleco acorda e Rafaela esconde-se atrás das árvores).

LELECO - Porque vocês estão gritando? Não tem fantasma nenhum aqui.

(Vai atrás das árvores, procura e vai dormir de novo)

LELECO - Eu vou dormir de novo. Qualquer coisa vocês gritam.

(Rafaela vai até ele novamente).

LELECO - Vocês estão gritando de novo, não tem fantasma aqui. Atrás de mim não tem nada.

(Vira e leva um susto. Pega a funda.)

LELECO - Ah meu Deus, sai prá lá coisa ruim...

RAFAELA - Calma, calma.

LELECO - Quem é você?

RAFAELA - Eu sou a Fantasminha Rafaela.

LELECO - Os fantasmas são do mal! Sai!

(Rafaela senta e começa a chorar)

RAFAELA - Eu não sou do mal, sou do bem! Ninguém gosta de mim, todo mundo foge de mim.

(Leleco tenta fugir, árvores fecham o caminho)

ÁRVORE1 - Menino mau!

ÁRVORE2 - Você fez a Rafaela chorar.

LELECO - Vocês falam? Eu vou fugir!

ÁRVORE1 - Na na não. Volte lá e peça desculpas!

LELECO - Mas ela é um fantasma...

ÁRVORE2 - Vá lá agora!

LELECO - Mas eu tenho medo...

ÁRVORE1 - Se você não for lá nós vamos fazer soprar um vento forte, que vai levar você para muito longe daqui.

ÁRVORE2 - Você nunca mais vai voltar.

LELECO - Tá bom, eu vou!

(Leleco vai até Rafaela. Quando toca nela, ela chora mais ainda, e ele se assusta. Rafaela fala chorando e ele não entende. Leleco acalma ela)

RAFAELA - Eu sou boazinha, mas ninguém quer ser meu amigo... Todo mundo tem medo de mim.

LELECO - Mas eu pensei que os fantasmas fossem maus.

RAFAELA - Mau é você que fica com essa funda matando os passarinhos. E eu não era um fantasma! Eu era uma menina normal, e cuidava dessa floresta. Plantava flores, dava comida pros bichinhos. Aí, a Bruxa Magnólia me pegou e me jogou um feitiço. Eu virei uma fantasma e esta floresta virou a Floresta da Tristeza sem Fim.

LELECO - Puxa! que bruxa malvada. E não tem como acabar com esse feitiço?

RAFAELA - A única maneira é pegar a varinha mágica da Bruxa e quebrar. Mas ninguém consegue chegar perto dela.

LELECO - Deixa comigo Rafaela. Vou pegar essa varinha e acabar com o feitiço)

(Risadas da Bruxa)

RAFAELA - É a Bruxa Magnólia, ela vem vindo... Vamos nos esconder!

LELECO - Não, eu vou enfrentar ela. Dou um soco assim, outro assim...

RAFAELA - Mas ela tem três monstros que ajudam ela, e adora transformar as crianças em sapos, e depois arrancar as pernas prá fazer feitiços.

LELECO - Pensando bem, vamos nos esconder.

ATO 3:

(Rafaela e Leleco escondem-se. Entra a bruxa com os três ajudantes).

BRUXA MAGNÓLIA - Eu estou sentindo cheiro de crianças. Tem crianças aqui! Trac, Trec e Troc, procurem!

(Monstros procuram e não acham.).

BRUXA MAGNÓLIA - Olhem essas flores! Aquela Fantasminha idiota andou plantando flores na minha floresta outra vez. Eu acabo com a Rafaela.

(Enquanto a Bruxa fala, gesticula e derruba Trac)

BRUXA MAGNÓLIA - Arranquem essa flores e depois venham me ajudar a procurar a Rafaela!

(Bruxa sai, Monstros – sempre em fila – vão arrancando as flores, e entregando um para o outro. O último monstro vai replantando as flores. Quando acabam:).

MONSTRO1 - Serviço completo.

MONSTRO2 - É, serviço completo.

MONSTRO3 - Completíssimo!

(Olhar para trás.)

MONSTRO1 - Seu idiota, é prá arrancar as flores, e não para plantar. (Arrancam de novo e saem)

(Rafaela e Leleco saem do cenário, depois dos monstros. Magú e Caco voltam a jogar bola)

MAGÚ - Acho que o Leleco está na floresta agora e não vai nos incomodar.

CACO - É, vamos aproveitar e jogar...

(Jogam um pouco até quebrarem a janela da vizinha)

CACO - Iiih, Magú, a velha vai nos pegar...

(A vizinha grita de fora do cenário)

VIZINHA - Quebram a minha janela, eu vou matar vocês!!!

MAGÚ - E agora???

CACO - Vamos nos esconder na floresta!

MAGÚ - Mas na floresta tem a bruxa!

(Ficam na indecisão e decidem pela floresta)

ATO 4

(Meninos na floresta)

MAGÚ - Que floresta horrível. Agora é sei porque chamam de Floresta da Tristeza sem fim. Chega a dar medo...

CACO - É, dizem que a bruxa é má e transforma as crianças em sapos.

MAGÚ - É, e os monstros que ajudam ela são terríveis...

(Monstros entram e escondem-se atrás das árvores. O monstro Trac se disfarça de árvore)

MAGÚ - Ah, que árvore mais feia....

(Trac começa a rir e outros monstros cutucam ele)

CACO - Parece um monstro!

MAGÚ - Vamos Caco, vamos achar o Leleco e dar o fora desta floresta.

(Sai um atrás do outro. Monstros saem das árvores e pegam Caco. Outro monstro segue atrás do Magú. Bruxa dá uma risada)

MAGÚ - Ouviu é a Bruxa.... Dá a mão, Caco, porque senão ela nos pega...

(Magú agarra a mão do monstro).

MAGÚ - Lelecoooo! Leleeeeco, onde é que tu tá?

(Magú dá a volta puxando o monstro e chega aonde Caco está preso)

MAGÚ - É Caco, não achamos o Leleco.

(Caco tenta avisar, mas está amordaçado)

CACO - Hummmmmm.

MAGÚ - Que foi Caco, fala.

CACO - Hummmmmm.

MAGÚ - Ô Caco, como é que tu está aí e aqui atrás?

CACO - Hummmmmm.

MAGÚ - Se tu tá aí...

(Se vira e leva um susto, Monstros correm atrás e pegam. Amarram junto com Caco).

MONSTRO1 - Trac, chama a Bruxa!

(Trac sai e vai chamar a Bruxa. Troc e Trec ameaçam os meninos. Trac volta com a Bruxa).

BRUXA MAGNÓLIA - Eu sabia que haviam crianças aqui!!! Eu falei! Agora vou transformá-los em sapos e arrancar as pernas de vocês. Monstros, cuidem deles. Eu vou buscar meu livro de feitiços. Vou deixar minha varinha aqui. Não saiam de perto dela.

(Bruxa sai de cena)

ATO 5


MONSTRO1 - A bruxa ficou contente, pegamos os meninos...

MONSTRO2 - É, nós somos bons.

MONSTRO3 - É, agora ela vai transformar essas crianças em monstros feios como vocês.

MONSTRO1 - Cale essa boca, você não serve nem prá ser monstro.

MONSTRO2 - É, tu te disfarçou de árvore, quase estragou tudo!!!

MONSTRO3 - Mas...

MONSTRO1 - Sai daqui. Tu cuida da varinha e nós cuidamos dos meninos.

MONSTRO2 - É, babaca.

(Trac sai chorando até a varinha. Chegando na varinha, tem a ideia de vingança. Pode até conversar com as crianças para decidir transformar os monstros em animais. Após todas as transformações a Bruxa volta).

BRUXA MAGNÓLIA - O que é isso, o que você fez com eles? Chega! Eu quero que vocês voltem a ser monstros.

(Bruxa transforma eles em monstros novamente).

BRUXA MAGNÓLIA- Vocês três, agora, agarrem as crianças e calem a boca que eu vou procurar o feitiço no livro.

ATO 6

(Rafaela e Leleco voltam à Cena e conversam encobertos pelas árvores, próximos à plateia)

LELECO - Rafaela, a Bruxa pegou os manos...

RAFAELA - Ela vai transformar eles em sapos!

LELECO - Temos que fazer alguma coisa!!!!

RAFAELA - Mas a gente precisa pegar a varinha...

LELECO - Já sei, você vai lá prá trás da Bruxa. Eu vou chamar a atenção dela. Você pega a varinha, joga prá mim e eu quebro.

(Leleco combina com as crianças da plateia, pedindo que elas ajudem a quebrar a varinha. Enquanto a Bruxa começa a falar, Rafaela desloca-se com a árvore por trás dela.)

ATO 7

BRUXA MAGNÓLIA - Achei! Achei o feitiço! Silêncio, eu tenho dizer “Xixi xiriri xipum. Pelos poderes das trevas, eu Bruxa Magnólia, transformo em sapos essas crianças!”.

(Bruxa pede ajuda das crianças para falar o xixi xiriri xipum)

BRUXA MAGNÓLIA - Tudo bem, tudo bem, vamos começar. Xixi xiriri xipum. Pelos poderes das trevas, eu Bruxa Magnólia, transformo...”

MONSTRO1 - Majestade...

BRUXA MAGNÓLIA - Cale a boca. Tenho que me concentrar!!!! Xixi xiriri xipum. Pelos poderes das trevas, eu Bruxa Magnólia, transformo...

MONSTRO2 - Mas Majestade...

BRUXA MAGNÓLIA - Fiquem quietos.

(Rafaela se posiciona atrás da bruxa e combina com as crianças em fazer de conta que vai ajudar)

RAFAELA - Senhora Bruxa, agora a gente vai te ajudar a dizer tudo!!!

BRUXA MAGNÓLIA - Ah, muito obrigado!!!!

RAFAELA - Xixi xiriri xipum!

BRUXA MAGNÓLIA - Xixi xiriri xipum!

RAFAELA - Pelos poderes das trevas...

BRUXA MAGNÓLIA - Pelos poderes das trevas...

RAFAELA - Eu, Bruxa Magnólia...

BRUXA MAGNÓLIA - Eu, Bruxa Magnólia...

RAFAELA - transformo em sapos...

BRUXA MAGNÓLIA - transformo em sapos...

RAFAELA - esses monstros!

BRUXA MAGNÓLIA - esses monstros!

(Monstros viram sapos)

BRUXA MAGNÓLIA - O quê? Rafaela, você me enganou. Eu vou acabar com você!!!!

(Leleco aparece, chama atenção da Bruxa cantando)

BRUXA MAGNÓLIA - Eu é que vou te transformar numa minhoca, seu pirralho!!!! Xixi xiriri xipum! Pelos poderes das trevas, eu Bruxa Magnólia transformo em minhoca...”

(Leleco atira com a funda. A varinha cai. Rafaela pega. Joga prá Leleco. Bruxa corre de um lado para o outro. Até que a Bruxa pega Leleco e ele joga a varinha para a plateia quebrar.)

LELECO - Quebrem!!!

BRUXA MAGNÓLIA - Devolvam minha varinha!

RAFAELA - Quebrem a varinha!!!

(Crianças quebram a varinha. Bruxa morre. Rafaela volta a ser criança, bem como os monstros)

LELECO - Rafaela, você voltou a ser uma menina!!!

RAFAELA- Voltei sim!!! Obrigado Leleco, vocês me salvaram!!!

MONSTRO1 - Nós também estamos livres.

(Monstros soltam os meninos)

RAFAELA - Agora minha floresta vai voltar a ser alegre, com flores, com pássaros, ninguém mais com fundas.

LELECO - Isso mesmo Rafaela. Ninguém mais vai maltratar os bichinhos e a floresta, que agora será a Floresta da Alegria sem Fim.

(Final cantando)

Fontes:
SOUZA, Gérson César. Dons Diversos.
Imagem = http://www.desvendandoteatro.com