quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Arthur Thomaz (Cururuquira)


Enfim, chegara o momento da tão temida pergunta:

— Mãe, pode me explicar como eu nasci assim?

O pai, tomando a frente, responde tentando mostrar altivez.

— Meu filho, o papai colocou uma sementinha na barriga da mamãe, ela germinou e você nasceu.

— Pai, eu sei que vocês fizeram sexo, mas a minha dúvida é porque nasci assim, um cururuquira?

Atarantados, os pais entreolharam-se, permanecendo calados.

— Eu quero saber o porquê não nasci um lindo pavão, um forte leão ou mesmo um esbelto cavalo. Nem pesquisando no Google e sequer na Wikipedia encontrei qualquer referência à espécie Cururuquira.

Ainda estupefato, o pai retrucou:

— Meu filho, nossa família vem de um passado glorioso, onde nossos ancestrais sobreviveram às intempéries, às sucessivas pandemias e aos ferozes predadores. Somos uma raça forte e temos que nos orgulhar disso.

Diante deste quadro, insatisfeito, ele fez as malas e despediu-se, afirmando que só voltaria quando obtivesse respostas às suas dúvidas existenciais.

Adquiriu um exemplar do livro “A origem das espécies”, de Charles Darwin, e foi lendo em sua viagem inicial até as Ilhas Galápagos.

Nada encontrou no livro e tampouco no arquipélago algo relacionado à sua genealogia. Desapontado, mas obstinado em seus objetivos, resolveu empreender uma viagem por todos os continentes em minuciosa pesquisa.

Visitou alguns países da América do Sul, findando sua busca no Brasil. Desistiu quase imediatamente, quando no aeroporto foi cercado por estranhos seres trajando roupas vermelhas e que insistiram em levá-lo a um cartório para trocar seu nome para “Cururuquire”, por causa de uma tal ideologia de gênero que queriam impor no país.

Inconformado com esse absurdo, embarcou no primeiro voo com destino à América do Norte, pensando que ele, preocupado em encontrar as origens de sua espécie, e aqueles idiotas querendo trocar seu gênero.

Desembarcou no México, onde empreendeu muitas buscas em sítios arqueológicos das antigas civilizações astecas e maias, mas nada encontrou de seu interesse.

Foi assediado por “coyotes” que prometiam transportá-lo através da fronteira até os Estados Unidos. Conseguiu escapar desse bando e já no país vizinho reiniciou sua procura.

Visitou bibliotecas de inúmeras universidades, onde encontrou farto material, mas nada interessante que o ajudasse em seu propósito.

Nessa estadia angariou alguns quilos de tanto comer fast food. Em seu próximo destino, o continente africano, deparou-se com centenas de locais para pesquisar, porém, observou que eram semelhantes ao que estudara na América do Sul, o que comprovava a teoria da separação dos continentes em priscas eras.

Nas savanas escapou do ataque de alguns animais selvagens que estranharam sua aparência e embarcou para o “antigo continente”.

Vários países com culturas diversas e algumas dificuldades com as inúmeras línguas faladas tornaram extremamente dificultosos os seus estudos. Em algumas aduanas encontrou problemas para se identificar, pois os agentes não conseguiam constatar sua espécie, entretanto, o deixavam prosseguir, talvez com “pena” dessa “insignificante e inofensiva criatura”.

Isso naturalmente não o deixava feliz, mas facilitava sua locomoção. Na Ásia, as geleiras restringiram muito seu campo de ação. Escapou de alguns policiais russos e bielorrussos que teimavam em considerá-lo um potencial espião imperialista.

Em certo país, cientistas aventaram a hipótese de dissecá-lo para estudos genéticos em um laboratório. E quando estava quase sendo sacrificado, alguns hamsters condoeram-se daquele estranho ente e indicaram-lhe a saída e o melhor momento para a fuga.

Desalentado, alquebrado e já alguns anos mais velho, resolveu voltar à terra natal. Após demorados abra- ços em seus pais, e muito choro derramado, resumiu toda sua inútil procura em poucas frases.

— Meus amados pais, desejo externar a vocês minha gratidão por ser um cururuquira. Depois de conhecer várias espécies diferentes neste mundo imenso, cheguei à conclusão que somos os “esquisitos” mais interessantes e felizes.

— Imaginem se tivéssemos nascido seres frios de alma e materialistas como muitos neste planeta?

Os cururuquiras, a partir desta descoberta, tornaram-se uma das mais fortes e perenes espécies do planeta.
= = = = = = = = =  = = = = = = = = =  = = = = 
Arthur Thomaz é natural de Campinas/SP. Segundo Tenente da Reserva do Exército Brasileiro e médico anestesista, aposentado. Trovador e escritor, publicou os livros: “Rimando Ilusões”, “Leves Contos ao Léu – Volume I, “Leves Contos ao Léu Mirabolantes – Volume II”, “Leves Contos ao Léu – Imponderáveis”, “Leves Aventuras ao Léu: O Mistério da Princesa dos Rios”, “Leves Contos ao Léu – Insondáveis”, “Rimando Sonhos” e “Leves Romances ao Léu: Pedro Centauro”.

Fontes:
Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor 
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

Nenhum comentário: