O advogado brasileiro Joaquim Taludo de Menezes havia se notabilizado, no Rio, pelo seus famosos expedientes de rábula. Os recursos de que lançava mão eram de tal ordem, que nunca perdera, praticamente, uma questão: ou ganhava-a legalmente, ou, se perdia, irritava de tal modo o advogado da outra parte, que este acabava por abandonar o pleito, para não se medir com semelhante adversário.
Forte, musculoso, bigode arrepiado, havia nele, ao mesmo tempo, o advogado e o capanga. Impetuoso, não media palavras; e onde não chegava a convicção, chegava o braço, de modo a ser necessário, de vez em quando, a intervenção dos guardas do foro para subjugar a sua eloquência.
Enriquecido por esse processo, resolveu Taludo de Menezes fazer uma viagem à Europa. Não falando nem compreendendo o francês, a Europa, na sua Geografia, se limitava a Portugal. Em Lisboa, viu, porém, que a língua espanhola pouco diferia da portuguesa, e atravessou a fronteira, com rumo a Madri.
Por essa ocasião, agitava-se o país todo com a primeira campanha dos mouros contra o domínio espanhol, em Marrocos. Na imprensa, nos "meetings", no parlamento, não se discutia outra coisa. Soprava na península um vento de indignação, que se detinha, apenas, amainando as velas dos galeões do entusiasmo, na fronteira de Portugal. O próprio monarca, vibrando com o seu povo, dirigiu ao parlamento uma "fala do trono", em que dizia, ao estilo protocolar: "Querem tirar ao Vosso Rei aquilo que ele herdou dos seus maiores. Melila, joia da minha coroa, está ameaçada. Cabe-vos defender o patrimônio do Vosso Soberano, pondo-o a salvo de qualquer surpresa dos meus inimigos".
Essa proclamação impressionou Taludo de Menezes. Fosse ele advogado em Espanha, e não tomariam ao seu augusto monarca a "joia da coroa".
— Mas eu vou intervir! — resolveu, de repente, dando um murro na mesa do restaurante onde fazia refeições. — Vou procurar o Rei, e ensinar-lhe um meio de não perder Melila!
Dois dias depois, era, realmente, o advogado brasileiro recebido pelo soberano.
— Majestade — declarou, solene, após uma infinidade de "gafes". — Eu tenho um processo para Vossa Majestade não ficar sem a "joia da Coroa". Posso dizer!
— Pois, não! — aquiesceu o monarca.
Taludo de Menezes subiu um degrau do trono, olhou em torno, e, chegando a boca ao ouvido do Rei, segredou:
— Ponha-a no nome da sua esposa!...
E esfregou as mãos, contente.
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Humberto de Campos Veras nasceu em Miritiba/MA (hoje Humberto de Campos) em 1886 e faleceu no Rio de Janeiro, em 1934. Jornalista, político e escritor brasileiro. Aos dezessete anos muda-se para o Pará, onde começa a exercer atividade jornalística na Folha do Norte e n'A Província do Pará. Em 1910, publica seu primeiro livro de versos, intitulado "Poeira" (1.ª série), que lhe dá razoável reconhecimento. Dois anos depois, muda-se para o Rio de Janeiro, onde prossegue sua carreira jornalística e passa a ganhar destaque no meio literário da Capital Federal, angariando a amizade de escritores como Coelho Neto, Emílio de Menezes e Olavo Bilac. Trabalhou no jornal "O Imparcial", ao lado de Rui Barbosa, José Veríssimo, Vicente de Carvalho e João Ribeiro. Torna-se cada vez mais conhecido em âmbito nacional por suas crônicas, publicadas em diversos jornais do Rio de Janeiro, São Paulo e outras capitais brasileiras, inclusive sob o pseudônimo "Conselheiro XX". Em 1919 ingressa na Academia Brasileira de Letras. Em 1933, com a saúde já debilitada, Humberto de Campos publicou suas Memórias (1886-1900), na qual descreve suas lembranças dos tempos da infância e juventude. Após vários anos de enfermidade, que lhe provocou a perda quase total da visão e graves problemas no sistema urinário, Humberto de Campos faleceu no Rio de Janeiro, em 1934, aos 48 anos, por uma síncope ocorrida durante uma cirurgia. Além do Conselheiro XX, Campos usou os pseudônimos de Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano, Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios. Algumas publicações são Da seara de Booz, crônicas (1918); Tonel de Diógenes, contos (1920); A serpente de bronze, contos (1921); A bacia de Pilatos, contos (1924); Pombos de Maomé, contos (1925); Antologia dos humoristas galantes (1926); O Brasil anedótico, anedotas (1927); O monstro e outros contos (1932); Poesias completas (1933); À sombra das tamareiras, contos (1934) etc.
Fontes:
Humberto de Campos. Grãos de Mostarda. Publicado originalmente em 1926. Disponível em Domínio Público.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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