Há alguns anos, em jornal de circulação nacional, tomei conhecimento de matéria sobre o Dia das Bruxas, do qual só vim ouvir falar depois de homem feito. Mais uma entre as inúmeras expressões de colonialismo cultural a que muito brasileiro, sob pretexto de modernidade ou globalização, servilmente se curva. Quem, na nossa infância, escutou um dia um palavrão como “Halloween”? Hoje, pelo contrário, até cidadezinhas do interior comemoram uma data que não nos diz absolutamente nada. Que temos em comum com os antigos celtas ou com os emigrantes irlandeses que colonizaram a América do Norte?
Pessoas de bom senso e de amor pelas nossas tradições dão um duro danado em defesa de mitos brasileiros como o Curupira, o Boitatá, a Mula sem cabeça, o Mapinguari, a Mãe-d'água, o Caapora... e, claro, o simpático Saci-Pererê. Entendem que não precisamos tomar emprestadas figuras do folclore estrangeiro. Com as nossas e as de domínio universal já estamos bem abastecidos. Não carecemos de elementos culturais (serão culturais mesmo?) do grande poder do hemisfério norte
Aproximando-se o Natal, reaparece o símbolo da dominação consumista que escraviza o Ocidente. Não há espaço em que não se meta o velho de fardão vermelho, figura máxima do comércio natalino. Nosso Chacrinha era mais interessante.
Incrível a capacidade que o deus Mercado demonstra de substituir personagens históricos, além de sagrados, por ícones do lucro imediato. O Natal existe por uma única razão: celebrar o nascimento de Jesus, filho de Deus, que se fez homem para nossa salvação. Mas vá perguntar qual a figura marcante do Natal hoje. Possivelmente nove entre dez pessoas respondam que é o Papai Noel.
Natal nada tem da febre por alentadas vendas que, nesta época, deixa agitados o comércio e a indústria. É festa sagrada, apelo à presença amorosa de Deus, que não abandona os seus filhos. Natal remete ao pensamento de Rabindranath Tagore: “Cada criança que nasce é uma prova de que Deus ainda não perdeu a esperança nos homens.” Que vem fazer esse intruso numa celebração de fé e de amor? No calor infernal de dezembro brasileiro, que faz vestido como um esquimó no gelo? Que pretende a estranha figura?
Uma ideia me ocorreu, faz tempo: já que a verdade histórica não conta, por que não dar ao Saci-Pererê o lugar do chamado Bom Velhinho? Lenda por lenda, ele, pelo menos, é brasileiro e se veste com mais propriedade. Usa apenas calção e gorro vermelho. Magrinho, negro, garoto, não fica suando feito tampa de chaleira numa fatiota ridícula que por aqui ninguém usa. Pobre, identifica-se bem mais com o aniversariante e com a imensa legião dos que, nestes dias, se angustiam por não poderem dar aos filhos os artigos caros que as lojas anunciam. Natal no Brasil tem a ver muito mais com o moleque da mata do que com o velhote da neve. Imagino que, se o nascimento de Jesus tivesse acontecido no curral de qualquer sítio do Brasil, o Saci-Pererê, comportado e respeitoso, ia alisar com carinho a crina do burro. Jamais lhe teceria a fieira de nós, que é seu costume aplicar em animais que gosta de montar, à noite, pelos pastos afora.
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Monsenhor Orivaldo Robles nasceu em Polôni (SP) em 1941. Estudou em Jales e Poloni e ingressou no Seminário Nossa Senhora da Paz, em São José do Rio Preto, em 1953. Cursou Filosofia em Curitiba (PR), graduando-se na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, de Mogi das Cruzes SP, com diploma reconhecido pela USP, São Paulo. Graduou-se em Teologia no Studium Theologicum de Curitiba, afiliado à Pontifícia Universidade Lateranense, de Roma. Lecionou no Colégio Estadual Dr. Gastão Vidigal, e no Instituto de Educação, em Maringá (PR) (1967-1969). No Colégio Estadual e na Escola Normal de Paranacity (PR) (1970-1972). Por quase onze anos trabalhou como pároco de Marialva, de onde saiu no início de 1983 para assumir, por seis anos, o cargo de reitor do Seminário Arquidiocesano Nossa Senhora da Glória – Instituto de Filosofia de Maringá. Em 1989 assumiu a Paróquia Santa Maria Goretti, em Maringá, onde trabalhou por mais de 20 anos. Desde 2009, trabalhou na Catedral Metropolitana de Maringá, exercendo a função de vigário paroquial. Foi palestrante convidado a discorrer, em colégios ou outros núcleos humanos, sobre temas ligados à cidadania, formação pessoal e sobre ética pessoal ou pública. Em 2012 teve publicado o livro “Celeiro Desprovido”, com 270 páginas, contendo 118 crônicas e artigos escritos desde 1995. Em 2017, foi publicado o livro dos 60 anos da Diocese de Maringá. Foi articulista mensal ou semanal, por mais de quinze anos, de jornais editados em Maringá, além de ter matérias reproduzidas em revistas ou blogs da região.Faleceu de enfisema pulmonar, em 2019, em Maringá/PR.
Fontes:
Recanto das Letras do autor. 20.12.2011.
https://www.recantodasletras.com.br/cronicas/3398196
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