Do meu canto ouço um cantar conhecido. E lindo! Será corruíra, será garrinchão? Meus ouvidos, velhos ouvidos, já não o discernem mais se um, se outro. São tão parecidas as vozes... a corruíra, mais sensível, o garrinchão, melódico.
Um ou outro? As mãos em conchas abraçam o que pode o belo som, mas são insuficientes a possibilitarem o discernimento. Encosto-me à parede a auscultar na insistência de ouvir e bem diferenciar, mas os ouvidos reclamam em não o identificar.
Nesse ficar, cismo, como cisma em cantar o passarinho de voz de corruíra. Ou será de garrinchão? Dúvida que me aguça, estimulando.
— Que bom que ainda ouço. — Que bom que ainda ouço — repito na reflexão, no repetir de velho metódico com as mãos fazendo conchas.
A melodia melada, saída molhada da siringe da corruíra – ou será garrinchão? – penetra pela veneziana, expande-se pelo aposento a me pôr em pé a alimentar os sentidos. Bons são os sons que esta manhã de segunda me concebe. Não será terça?
A certeza do dia da semana escorreu da minha folhinha...
Mas esse som, esse do cantar que me põe os ouvidos a ouvir com imaginação, esgravata inspirando meus tímpanos endurecidos, e os cutuca a mexer nas suas membranas para que também acordem e ouçam! É um pássaro que canta... É a beleza da voz a embelezar a manhã.
Já ouviu corruíra? Ouviu garrinchão? Não? Que pena! Eles me dão, sabe o quê? Avivamento da atenção; é como me enlevar em sublimidade, tal qual é a voz do pássaro liberto a cantar, encantando.
Em silêncio ouço que do outro lado, quiçá sobre um ramo qualquer, a vida voa por meio da voz que continua a fervilhar. A liberdade, por si só, já é uma bela canção...
Lá ele canta. Aqui, encantado, escuto. E calo. Calado, não corto os seus sons.
Não consigo vê-lo, nem ele a mim, mas só a voz me basta: minhas asas envelheceram a só permitirem voos de passos... curtos, imprecisos, como os primeiros gorjeios da corruíra. Ou seria do garrinchão?
E o canto faz meu dia.
Tão pouco e tão rápido, mas tão comum e extraordinário que me liberta do pijama de velho para me acordar para a vida nesta manhã de segunda — ou terça, seja o que for.
A emoção da liberdade, apenas ela, pule meus ouvidos a colocar luz nos olhos. E sede de vida, de muita vida em minha garganta.
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Renato Benvindo Frata nasceu em Bauru/SP, radicou-se em Paranavaí/PR. Formado em Ciências Contábeis e Direito. Professor da rede pública, aposentado do magistério. Atua ainda, na área de Direito. Fundador da Academia de Letras e Artes de Paranavaí, em 2007, tendo sido seu primeiro presidente. Acadêmico da Confraria Brasileira de Letras. Seus trabalhos literários são editados pelo Diário do Noroeste, de Paranavaí e pelos blogs: Taturana e Cafécomkibe, além de compartilhá-los pela rede social. Possui diversos livros publicados, a maioria direcionada ao público infantil.
Fontes:
Texto enviado pelo autor.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing
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