quinta-feira, 2 de outubro de 2025

Asas da Poesia * 104 *


Soneto de
LUIZ POETA
Rio de Janeiro/RJ

Afetos de menino

Em todas vezes que eu vivi... eu fui criança...
sobrevivi... e sobrevivo... até então,
do mesmo amor que reconstrói meu coração,
quando ele teima em se perder da esperança.

Lembranças boas são saudades... a constância
que me desvia da aspereza desse mundo
o faz com que eu voe na ternura de um segundo
para bem longe da mentira e da arrogância.

Ingenuidade, inocência, sonhos, risos
afetuosos para quem sequer merece
são minhas marcas indeléveis... pueris…

... e embora diante dos que não mostrem seus guizos...
sempre propenso a crer no amor que me apetece,
construo afetos... de menino... e sou feliz.
= = = = = = 

Poema de
VANICE ZIMERMAN
Curitiba/PR

Flutuam as taças...

Noite fria,
O castelo em silêncio -
Na sala com o piso de pedras
Há sensação de saudade:
Dos sons do piano e dos passos,
E, as cadeiras permanecem vazias
Sobre a mesa,
Entre os candelabros - pontes de teias
E ao lado de umas das três taças de prata
A chave quebrada...
A toalha branca, suavemente tingida
Em sintonia
Com algumas gotas de vinho...
Depois da meia-noite,
Percebe-se
Que as velas despertam,
Em tons de amarelo
E, no espelho da sala
Os reflexos das taças surgem -
Aproximam-se para brindar
Mas, misteriosamente
As mãos que as seguram
Não aparecem no espelho,
Enquanto as pétalas da rosa azul
Do poema anterior
Aconchegam-se à chave quebrada...
= = = = = = 

Soneto de
FLORBELA ESPANCA 
Vila Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos

Errante

Meu coração da cor dos rubros vinhos
Rasga a mortalha do meu peito brando
E vai fugindo, e tonto vai andando
A perder-se nas brumas dos caminhos.

Meu coração o místico profeta,
O paladino audaz da desventura,
Que sonha ser um santo e um poeta,
Vai procurar o Paço da Ventura…

Meu coração não chega lá decerto…
Não conhece o caminho nem o trilho,
Nem há memória desse sítio incerto…

Eu tecerei uns sonhos irreais…
Como essa mãe que viu partir o filho,
Como esse filho que não voltou mais!
= = = = = = 

Soneto de
FILEMON MARTINS
São Paulo/SP

Velho mar

Nasci longe do mar, mas seduzido
por seu fascínio belo, encantador,
fico ouvindo, na praia, o seu gemido
e os madrigais de um velho pescador.

Mas às vezes me sinto assim perdido
como um barco singrando sem motor,
ouço as ondas num grito dolorido,
uma angústia que cala a própria dor.

Vejo, da praia, a imensidão do mar,
as ondas que o rochedo vêm beijar,
depois, voltam serenas sem rancor.

Cada onda que vem morrer na praia,
parece a minha vida que desmaia
ao pensar em perder o teu amor.
= = = = = = 

Poema de 
FERNANDO PESSOA
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

Vendaval

Ó vento do norte, tão fundo e tão frio,
Não achas, soprando por tanta solidão,
Deserto, penhasco, coval mais vazio
Que o meu coração!

Indômita praia, que a raiva do oceano
Faz louco lugar, caverna sem fim,
Não são tão deixados do alegre e do humano
Como a alma que há em mim!

Mas dura planície, praia atra em fereza,
Só têm a tristeza que a gente lhes vê
E nisto que em mim é vácuo e tristeza
É o visto o que vê.

Ah, mágoa de ter consciência da vida!
Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles — teu pulso divida
Minh'alma do mundo!

Ah, se, como levas as folhas e a areia,
A alma que tenho pudesses levar -
Fosse pr'onde fosse, pra longe da ideia
De eu ter que pensar!

Abismo da noite, da chuva, do vento,
Mar torvo do caos que parece volver -
Porque é que não entras no meu pensamento
Para ele morrer?

Horror de ser sempre com vida a consciência!
Horror de sentir a alma sempre a pensar!
Arranca-me, é vento; do chão da existência,
De ser um lugar!

E, pela alta noite que fazes mais'scura,
Pelo caos furioso que crias no mundo,
Dissolve em areia esta minha amargura,
Meu tédio profundo.

E contra as vidraças dos que há que têm lares,
Telhados daqueles que têm razão,
Atira, já pária desfeito dos ares,
O meu coração!

Meu coração triste, meu coração ermo,
Tornado a substância dispersa e negada
Do vento sem forma, da noite sem termo,
Do abismo e do nada!
= = = = = = 

Hino de 
Amajari/RR

No extremo norte do Brasil
Surge opulenta
Terra querida Amajari
És o primeiro imponente e altaneiro
Força, Varonil, nunca se viu; Vila Brasil.

Os teus heróis e ancestrais que escreveram
As páginas da tua história,
Algo vistoso o que lhe é peculiar

Cheio de lutas e vitórias.
e na vanguarda tu deves ir
preeminente és Amajari

Amajari, rio Parimé
Ereu, Santa Rosa, Tiporém
Tuas palmeiras; proteção.
Aos aborígenes, irmãos.
Teu campo é um referencial da pecuária
Minérios e beleza têm,
No Paiva, Tepequém

A tua fauna abriga o tamanduá
Tua flora, pau-rainha e variedades,
Em Maraça para a posteridade.
Na sinfonia dos teus pássaros que lindo ouvir!
O belo canto do bem-te-vi,
Tens em teu nome a conjugação do verbo amar
Quem te vê, te ama e não esqueceu de ti.
Amajari
= = = = = = 

Soneto de 
FRANCISCA JÚLIA
(Francisca Júlia da Silva Munster)
Eldorado/SP (antiga Xiririca) 1874 –  1920, São Paulo/SP

A um artista

Mergulha o teu olhar de fino colarista
No azul: medita um pouco, e escreve; um nada quase:
Um trecho só de prosa, uma estrofe, uma frase
Que patenteie a mão de um requintado artista.

Escreve! Molha a pena, o leve estilo enrista!
Pinta um canto do céu, uma nuvem de gaze
Solta, brilhante ao sol; e que a alma se te vaze
Na cópia dessa luz que nos deslumbra a vista.

Escreve!... Um céu ostenta o matiz da selagem
Onde erra o sol, moroso, entre vapores brancos,
Irisando, ao de leve, o verde da paisagem...

Uma ave banha ao sol o esplêndido plumacho...
Num recanto de bosque, a lamber os barrancos,
Espumeja em cachões uma cachoeira embaixo...
= = = = = = 

Soneto de
LUCÍLIA A. T. DECARLI
Bandeirantes/PR

Amor Primeiro

Amei-te, sim, meu Deus, como eu te amei!
Relembro, aqui, dos meus sofridos passos...
Inenarráveis dores suportei,
vagando, enquanto estavas noutros braços.

À tua indiferença eu me curvei...
Longe de ti, consciente dos fracassos,
Deixei a luta, e ali, me acovardei,
Ouvi a razão, rompi meus frágeis laços.

Contudo, agora enxergo claramente,
Após tentar tirar-te, em vão, da mente:
— ninguém esquece o imenso amor primeiro!

Há muitos anos vivo neste mundo...
O tempo vem provar: — mesmo infecundo,
Tão grande amor se fez ... o derradeiro!
= = = = = = = = =  

Soneto de
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Velho Rio

Deslizas velho rio, amargo e silencioso,
a esconder, bem ao fundo, a injúria e a dor calada.
Cresceste manso, puro! E teu caudal piscoso
refletia o esplendor da luz da madrugada!

Quantas milhas coleaste! Fértil, dadivoso,
quantos lares supriste! E se a sede saciada
afugentou a seca, esse fantasma odioso,
tiveste, em paga injusta, a face maculada!

Hoje, segues tristonho… sujo… moribundo...
tendo no seio o estigma e, na alma dolorida,
toda a angústia de ser a lixeira do mundo!

Velho rio... depois de tanto desengano,
entendo porque, enfim, protestas contra a vida
e afogas tua dor no abismo do oceano!
= = = = = = = = =  

Poema de
ANA MAFALDA LEITE
Lisboa/Portugal

Caixinha De Música

impregno-me em ti como um perfume
como quem veste a pele de odores ou a alma de cetins
quero que me enlaces ou me enfaixes de muitos laços
abraços fitas ou fios transparentes
 
em celofane brilhando uma prenda
uma menina te traz vestida de lumes
incandescendo incandescente
te quer embrulhado em véus de seda e brocado

 encantada a serpente a flauta o mago
senhor a toca
e quando me toca
o corpo eu abro

 caixinha de música
dentro
com bailarina que dança
= = = = = = = = =  

QUADRA POPULAR

As rosas é que são belas,
são os espinhos que picam,
mas são as rosas que caem,
são os espinhos que ficam...
= = = = = = = = =  

Soneto de
ROMILTON ANTÔNIO DE FARIA
Juiz de Fora/MG

Bons Tempos

Sou do tempo do pão posto à janela,
de contemplar a lua cor de prata,
do tempo que guardava a carne em lata,
do meu blusão xadrez, chita ou flanela.

Nesse tempo benzia até espinhela.
Via o leite fervido dando nata,
do tempo que dizia a paixão mata
chorando ao machucar sem ter sequela.

Os conselhos, histórias e respeitos,
todos os bons valores, seus efeitos
se afastaram de mim. Eu vivo, agora,

sem moda de viola em minha sala,
sentindo que a saudade, hoje, me cala,
percebo que esse tempo foi-se embora!
= = = = = = = = =  

Spina de
ZEZÉ DE DEUS
Contagem/MG

Família Pulgões

Estava eu sugando
a seiva do
brotinho da planta.

Tudo ia muito bem, quando 
veio sobre todos nós aquela
fedida botina do tipo jamanta.
Logo, gritei: filhinhos, saiam fora!
Deixem para depois a janta!
= = = = = = = = =  

Poema de
ABEL FERREIRA DA SILVA
Cabo Frio/RJ

Galo cantando

Tem tempo que não ouço um galo
cantando na madrugada
um galo chamando o dia
dentro da noite calada

Seu canto marcando o terreno
de sua própria ousadia
entre a sombra e o clarão
na noite a sua vigia

Canto que puxa o tempo
de dentro do poço escuro
sangue de um outro dia
carne de um outro futuro.
= = = = = = = = =

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