segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Mensagem na Garrafa 146 = Amigos loucos e sérios (de Oscar Wilde)


Oscar Wilde
Dublin/Irlanda, 1854 – 1900, Paris/França

Amigos loucos e sérios

Meus amigos são todos assim: metade loucura, outra metade santidade.

Escolho-os não pela pele, mas pela pupila, que tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante.

Fico com aqueles que fazem de mim louco e santo.

Deles não quero resposta, quero meu avesso.

Que me tragam dúvidas e angústias e aguentem o que há de pior em mim.

Para isso, só sendo louco.

Louco que senta e espera a chegada da lua cheia.

Quero-os santos, para que não duvidem das diferenças e peçam perdão pelas injustiças.

Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta.

Não quero só o ombro ou o colo, quero também sua maior alegria.

Amigo que não ri junto, não sabe sofrer junto.

Meus amigos são todos assim: metade palermice, metade seriedade.

Não quero risos previsíveis, nem choros piedosos.

Pena, não tenho nem de mim mesmo, e risada, só ofereço ao acaso.

Quero amigos sérios, daqueles que fazem da realidade sua fonte de aprendizagem, mas lutam para que a fantasia não desapareça.

Não quero amigos adultos, nem chatos.

Quero-os metade infância e outra metade velhice.

Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto, e velhos, para que nunca tenham pressa.

Tenho amigos para saber quem eu sou, pois vendo-os loucos e santos, bobos e sérios, crianças e velhos, nunca me esquecerei de que a normalidade é uma ilusão imbecil e estéril.
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Oscar Fingal O'Flahertie Wills Wilde nasceu em 1854, na cidade irlandesa de Dublin. Na infância, era muito apegado à mãe, uma poetisa casada com um famoso cirurgião. O dr. William Wilde, pai do escritor, esteve envolvido em um escândalo sexual quando foi a público um caso amoroso (ou de suposto abuso) com uma jovem. Oscar estudou em Dublin e em Oxford, onde iniciou sua carreira literária com o premiado poema Ravenna, em 1878. Mudou-se para Londres, em 1879. Com a publicação de seu primeiro livro — Poemas —, em 1881, começou a ficar conhecido. No ano seguinte, viajou aos Estados Unidos como palestrante. Casou-se, em 1884, com a escritora Constance Lloyd (1858-1898). Além de ser dramaturgo e poeta, também trabalhou em uma revista de moda feminina chamada Woman’s World. A essa altura, entre 1887 e 1889, já era bastante famoso na Inglaterra. Em 1889, iniciou a escrita do romance O retrato de Dorian Gray e se tornou amigo de Robert Ross (1869-1918), uma pessoa que seria seu grande apoiador durante os anos de prisão. Esse fim trágico teve início quando Wilde conheceu, em 1891, o jovem Alfred Douglas (1870-1945), sua grande paixão. Era um rapaz mimado e egoísta, como o autor sugere em seu livro De profundis. Com ele, o escritor vivenciou uma fase de homossexualismo intenso, mas também de muitos gastos. O rapaz tinha uma relação conturbada com o pai, o marquês de Queensberry. Ele queria que o filho terminasse seu relacionamento amoroso com o escritor. Revoltado, o marquês chamou Wilde de “sodomita”. Assim, em 1895, influenciado pelo amante, Wilde processou o marquês por difamação. Mas os testemunhos contra o escritor durante o julgamento fizeram com que ele fosse julgado e preso por sua homossexualidade. Wilde foi condenado a dois anos de trabalhos forçados por sua orientação sexual, e foi muito humilhado. Foi solto em 1897, mas, desprezado pela sociedade da época, exilou-se na França com o nome falso de Sebastian Melmoth. Apesar de receber a ajuda de alguns amigos fiéis, morreu na pobreza, em um hotel de Paris, em 30 de novembro de 1900.
O esteticismo, movimento artístico a que pertenceu Oscar Wilde, defendia a beleza como principal objetivo estético. Essa concepção de arte buscava criar uma realidade ideal e prazerosa. Dessa forma, em suas obras trazem reflexões em torno da fugacidade da vida e da beleza. O autor, ao expor questões sociais e morais da época, recorreu à ironia e ao paradoxo. O individualismo é valorizado em detrimento do que é coletivo. Por isso, seus textos tratam de questões existenciais, como a culpa, mas também falam de corrupção, sacrifícios, luxúria, violência e mostram uma sociedade decadente ainda presa ao esnobismo de classe.
Fontes:
Oscar Wilde. A esfinge sem segredo e outras histórias. Publicado originalmente em 1887 . Disponível em Domínio Público.
Imagem criada por Jfeldman com Microsoft Bing

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