Duas saudades no mundo,
esqueça lá quem puder...
Primeiro amor de menino,
último amor de mulher.
2
A saudade e o desejo
deram um casal desgraçado.
Ele inda quer no futuro,
ela só quer no passado.
3
Quando vejo o encarnado
me lembra meu regimento.
Minha espada, minha lança,
meu soldo, meu fardamento.
4
Esta tapera foi casa,
este terreno cidade.
Como não queres que eu chore,
que eu daqui tenha saudade!
5
Em despedir-me de ti
sinto uma grande aflição!
Adeus, meu querido amor,
prenda do meu coração!
6
Lá se vai estrada afora
o dono do meu carinho;
De saudades já não posso
apertar o meu corpinho.
7
Dentro do meu peito tinha
duas pombas se criando,
Uma voou. foi-se embora,
outra ficou me matando.
8
Há três dias que não janto.
Há quatro que não almoço;
À falta dos teus carinhos
quero comer e não posso.
9
Distante de um bem que adoro,
prazer minh'alma não tem.
Reflito a cada momento:
– Muito sofre quem quer bem.
10
Amor de perto querido,
de longe mais estimado.
De perto me causa pena,
de longe, pena e cuidado.
11
Saudade consumidora,
eterna sócia do amor,
serás minha companheira,
irás comigo onde eu for.
12
Quem quiser comprar saudade,
eu tenho semente e dou:
Um canteiro tenho cheio,
que aquele ingrato deixou.
13
Quem me dera estar agora
onde está meu coração!
Lá no campo da saudade,
onde os meus suspiros vão.
14
Cada vez que boto a vista
para a banda onde morais,
Uma coisa me amofina:
Saudades cada vez mais.
15
Quando me aperta a saudade,
eu chego à janela e digo:
– Alto céu, serenas nuvens,
quem me dera estar contigo!
16
Aquelas tardes alegres,
aquelas noites serenas
que eu te tinha nos meus braços...
Hoje me servem de penas.
17
Sexta feira fez um ano
que meu peito se fechou:
Quem morava dentro dele
tirou a chave e levou.
18
Se você não me queria
para que me acarinhou,
e, depois de acostumada,
nesta ausência me deixou?
19
Quando eu vim de minha terra
muita moça me chorou;
Eu também chorei um pouco
por uma que lá ficou.
20
Fui no jardim passear
disfarçar a minha dor:
Via sempre o teu retrato,
quando encontrava uma flor.
21
Você diz que amor não dói,
dói dentro do coração:
Queira bem e viva ausente
veja lá se dói, ou não.
22
A chuva está no céu
com vontade de chover,
como não estará meu bem
com vontade de me ver?!
23
Suspirando à noite,
lamentando passo o dia.
Ausente de ti, meu bem,
não posso ter alegria
24
Aceita minha saudade
já que lá não posso ir.
Quando estou de ti ausente
não posso brincar, nem rir.
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Júlio Afrânio Peixoto (Lençóis/BA, 1876 – 1947, Rio de Janeiro/RJ) foi um médico, político, professor, crítico literário, ensaísta, romancista e historiador brasileiro. Ocupou a cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras, e a cadeira 2 da Academia Brasileira de Filologia, da qual foi fundador. Passou sua infância no interior da Bahia, na cidade de Canavieiras (onde há uma biblioteca e rua com seu nome), vivenciando situações e paisagens que influenciariam muitos dos seus romances. Formou-se em Medicina, em Salvador, no ano de 1897. Sua tese inaugural, "Epilepsia e crime", despertou grande interesse nos meios científicos do país e do exterior. Em 1902, mudou-se para a capital do país, na época, Rio de Janeiro, onde foi inspetor de Saúde Pública e diretor do Hospital Nacional de Alienados, em 1904. Ministrou aulas de Medicina legal na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro (1907) e assumiu os cargos de professor extraordinário da Faculdade de Medicina (1911); diretor da Escola Normal do Rio de Janeiro, em 1915 e diretor da Instrução Pública do Distrito Federal no ano seguinte. Em 1916, após 3 anos ministrando a disciplina de Medicina Legal, torna-se professor titular da cadeira na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ. Foi eleito deputado federal pela Bahia, ficando no cargo no período de 1924 a 1930. Após isto, voltou à atividade do magistério sendo professor de História da Educação no Instituto de Educação do Rio de Janeiro, em 1932. Em 1934 foi agraciado com a Grã-Cruz da Antiga, Nobilíssima e Esclarecida Ordem Militar de Sant'Iago da Espada, do Mérito Científico, Literário e Artístico de Portugal. Foi reitor da Universidade do Distrito Federal em 1935 e, após 40 anos de relevantes serviços, aposentou-se. Iniciou na literatura no ano de 1900 com a publicação do drama Rosa mística. Drama em cinco atos, luxuosamente impresso em Leipzig, com uma cor para cada ato. Entre 1904 e 1906 esteve em vários países da Europa, a fim de adquirir novos conhecimentos. Ao retornar ao Brasil esqueceu-se da literatura e pensou apenas na medicina. Nesse período foi grande sua produção de obras de cunho médico-legal-científica. O romance foi uma implicação a que o autor foi levado em decorrência de sua eleição para a Academia Brasileira de Letras, em 7 de maio de 1910, para a qual fora eleito à revelia, quando se achava no Egito, em sua segunda viagem ao exterior. Quase como que por obrigação, começou a escrever o romance A esfinge, o que fez em três meses antes da posse da Cadeira nº 7. O Egito inspirou-lhe o título e a trama novelesca. O romance, publicado no mesmo ano, obteve um sucesso incomum e colocou seu autor em posto de destaque na galeria dos ficcionistas brasileiros. Afrânio Peixoto obteve, na época, grande aprovação de crítica e prestígio popular. Existe no Palácio Imperial, em Petrópolis, uma placa comemorativa onde se lê: "Nesta sala, durante cinco verões, Afrânio Peixoto disse cousas. Que cousas! e como as disse!". Como ensaísta escreveu importantes estudos sobre Camões, Castro Alves e Euclides da Cunha. Como médico, conheceu e estudou as ideias e teorias de Freud, levando-as para muitos de seus romances. Teve colaboração na publicação periódica Atlântida (1915–1920) e na revista luso-brasileira Atlântico.
Algumas obras: Rosa mística — drama (1900); Lufada sinistra — novela (1900); A esfinge — romance (1911); Trovas brasileiras (1919); Fruta do mato — romance (1920); As razões do coração — romance (1925); História da literatura brasileira (1931); Livro de horas (1947), etc.
Fontes:
Afrânio Peixoto (seleção). Trovas populares brasileiras. RJ: Francisco Alves, 1919. Disponível em Domínio Público.
Biografia = https://pt.wikipedia.org/wiki/Afrânio_Peixoto
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