FILEMON MARTINS
São Paulo/SP
Morte da árvore
(Lendo o soneto “Árvore morta”, do Padre Saturnino de Freitas)
Árvore triste, que ontem foi bonita,
Não tens mais ramos, frutos e nem flores,
Dos pássaros não és mais favorita
E não abrigas mais tantos amores.
Neste teu tronco já ninguém habita,
Sequer amantes loucos, sonhadores,
Que outrora segredavam na mesquita
De suas folhas vivas, multicores...
Quantas vezes ouviste namorados
Em carinhos e beijos, descuidados,
Como se o tempo não fosse passar.
Hoje, teus galhos secos, ressequidos,
São lembranças de sonhos esquecidos,
Que nunca mais, na vida, vão voltar!
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Poema de
MARIA LUÍZA WALENDOWSKY
Brusque/SC
Musa Espada
Como duas bocas vivas,
que dividem
a mais tênue luz da vida,
protegendo ou ferindo.
Segue a musa da espada,
avançando sobre tudo
e todos que a cercam.
Por ora,
usa esta arma
para libertar e trazer a nova vida
cortando o que une à sua mãe.
Por vezes,
a espada machuca,
mata
toda a dor que tem dentro de si
para assim,
talvez,
vir a paz terrena
e alcançar uma vida plena,
ou cheia de esperança.
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Poema de
CAILIN DRAGOMIR
Timisoara/ Romênia
Caminho na Floresta
Entre as árvores um caminho se traça,
e os raios de sol filtram-se com cuidado,
pintando de ouro o chão enfeitado.
Sussurram os pássaros a vida que passa.
O rio corre, com risos e cantos,
pedras e musgos em verde profundo,
reflete o céu claro, em seus encantos,
guardando segredos do mundo fecundo.
E ao final da trilha, um lago sereno,
espelho do céu num azul pleno.
A natureza abraça com calor e ternura...
Um convite ao descanso, à alma pura.
(tradução por José Feldman)
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Spina de
ANA MEIRELES
Belém/PA
Comigo ninguém pode
Comigo ninguém pode,
Maria era dessas
sem firulas, falava.
Sentia, dizia, palavras saíam quentinhas.
O Amigo Moura sabia, presenteou-lhe
com simbólico colar que personificava
uma força interior quase inabalável
de fragilidade, fortaleza, se temperava.
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Soneto de
VESPASIANO RAMOS
Caxias/MA, 1879 – 1915, Porto Velho/RO
Soneto da Volta
Desde este instante, sem cessar, maldigo,
Aquele instante de felicidade!
Para que tu vieste ter comigo,
Meu amor! Minha luz! Minha saudade?!
Dês que te foste, foram-se contigo
Todos os sonhos desta mocidade...
A tua vinda — fora-me um castigo;
A tua volta — uma fatalidade!
Dês que te foste, dentro em mim plantaste
A ânsia infinita dos desesperados
Porque voltando, nunca mais voltaste...
Correm-me os dias de aflições, cobertos:
Eu entrei para o amor de olhos fechados
E saí para a dor de olhos abertos!
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Soneto de
MARIA NASCIMENTO SANTOS CARVALHO
Rio de Janeiro/RJ
E-mail
Deletei muitas coisas que me disse,
digitadas em seu computador;
assim que descobri que era tolice
guardar frases bonitas, sem amor.
Temendo que a memória me traísse,
deixei à vista as que me causam dor
para que, nunca mais eu me iludisse
e, em vão, corresse o risco de me expor...
Deletei muita coisa e, na verdade,
não pude deletar toda a saudade
que salvei num arquivo do meu peito...
Pois quanto mais tentava deletar,
mais vinha uma mensagem me avisar
que deletar saudades... não tem jeito...
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Soneto de
LUÍS VAZ DE CAMÕES
Coimbra/Portugal, 1524 – 1580, Lisboa/Portugal
Soneto I
Enquanto quis Fortuna que tivesse
Esperança de algum contentamento,
O gosto de um suave pensamento
Me fez que seus versos escrevesse.
Porém, temendo Amor que aviso desse
Minha escritura a algum juízo isento,
Escureceu-me o engenho co' tormento,
Para que seus enganos não dissesse.
Ó vós que Amor obriga a ser sujeitos
A diversas vontades! Quando lerdes
Num breve livro casos tão diversos,
Verdades puras são, e não defeitos...
E sabeis que, segundo o amor tiverdes,
Tereis o entendimento de meus versos!
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Poema de
PEDRO DU BOIS
(Pedro Quadros Du Bois)
Passo Fundo/RS, 1947 – 2021, Balneário Camboriú/SC
Calma
Na calmaria cede espaço ao cansaço.
Descansa o silêncio e se desentende
em ritos descontinuados. Desavenças
e calçadas ressoam passos. Acalma
o vento. Reclama ao vento a passagem.
Impressiona o sono em ideias aleatórias
de descobertas e conformismos. No
dito recupera da razão o lídimo saber
sobre a calma na alma despossuída.
Em passos atravessa a hora e despede
do gerânio a flor inacabada. Gira o Sol
em retorno: o dia permanece na explosão
sintética da espera. A calma na calúnia
desdita arrebenta os sinos entre torres.
O desafogo na morte: calma arrebatada
ao espírito. Acalma o corpo ao começo.
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Soneto de
ANTÔNIO OLIVEIRA PENA
Volta Redonda/RJ
Improviso
Não qual a estrela, na manhã serena,
à flor de um lago, quase a se esconder,
o modo peculiar de me envolver
com o riso à flor da boca, tão pequena!
Nem qual a ave do céu, que, junto ao ninho,
chama contente pelo companheiro,
em cujo peito o amor é mais fagueiro,
e é calmo, pra que haja algum espinho.
É várzea em flor, à noite, escondida,
emanando um perfume sem igual
à minha mal-aventurada vida...
(Quem dera fosse o seu olhar, quem dera!
a pino o sol, sobre esse mesmo val,
numa confirmação da primavera!)
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Poema de
JOSÉ CARLOS MOUTINHO
Maia / Porto / Portugal
Rio Tejo
Tu que vens de tão longe,
Pequeno, quase criança,
Deslizas, crescendo pela avenida do teu leito,
Ladeado pelas alamedas,
Verdejantes, arborizadas e floridas
Das margens da tua vida,
Tornas-te adulto,
Mais maduro e belo,
Quando os raios solares,
Refletem no teu corpo,
És romântico com o luar,
És sereno quando queres,
Turbulento, quando te provocam,
Podes ser a alegria e a morte,
Exiges respeito!
Não corras tão depressa,
Porque vais perder-te no mar.
Um dia, recusaste-me,
Nas águas do teu ventre,
Devolveste-me à vida,
Toleraste a minha inocência!
Tens a grandeza da tua autoridade
Serás eternamente importante
Marcaste a minha vida.
Meu Rio Tejo!
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Setilha Sobre o Mar de
MARIA ROSÁRIO PINTO
Bacabal/MA
É bom pegar uma onda
É bom nos banhar no mar.
O mesmo mar que atraí
Sempre vem nos assustar
Nele nos purificamos
Por Yemanjá clamamos
Mãe! Vem nos ajudar.
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Glosa de
NEMÉSIO PRATA
Fortaleza/CE
MOTE:
Sofredor desde menino
e tendo o sonho por meta
quis saber qual seu destino
diz-lhe o cigano: - Poeta!
CAROLINA RAMOS
Santos/SP
GLOSA:
Sofredor desde menino
neste mundo deletério,
sem instrução, sem ensino,
seu destino era um mistério.
Pelo mundo peregrino
e tendo o sonho por meta
o menino, em desatino,
pensou até ser profeta.
Nesta procura o menino,
quase louco, pobrezinho,
quis saber qual seu destino
consultando um adivinho!
Vejo uma luz reluzir
no teu futuro de esteta,
e posso te garantir,
diz-lhe o cigano: - Poeta!
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Poema de
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESSEN
Lisboa/Portugal, 1919 – 2004, Porto/Portugal
Jardim perdido
Jardim em flor, jardim de impossessão,
Transbordante de imagens mas informe,
Em ti se dissolveu o mundo enorme,
Carregado de amor e solidão.
A verdura das arvores ardia,
O vermelho das rosas transbordava
Alucinado cada ser subia
Num tumulto em que tudo germinava.
A luz trazia em si a agitação
De paraísos, deuses e de infernos,
E os instantes em ti eram eternos
De possibilidades e suspensão.
Mas cada gesto em ti se quebrou, denso
Dum gesto mais profundo em si contido,
Pois trazias em ti sempre suspenso
Outro jardim possível e perdido.
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Poema de
ARMANDO SILVA CARVALHO
Lisboa/Portugal
A chave inglesa
Era um corpo inteiramente
português.
Transido de ternura
o óleo das suas mãos
protegia-me
o coração.
Não sei que mecanismo
despertava em si
quando chorava,
fazia crescer a relva,
meus dentes indecisos
como crias
corriam e devoravam.
Escreveu-me duas cartas
em cima de um trator
e nelas descrevia
em frases simples
o modo tortuoso
que me fez traidor.
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