quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Estante de Livros (“Contos Exemplares”, de Sophia de Mello Breyner Andresen)


Sophia de Mello Breyner Andresen, conhecida por sua poesia, também explorou a prosa em seu livro Contos Exemplares, publicado em 1962. As histórias, permeadas por uma profunda reflexão ética e poética, exploram temas como a justiça, a liberdade, a opressão e a busca pela dignidade humana. O contexto em que a obra foi escrita, por exemplo, é importante para entender as motivações e as intenções de Sophia. O livro foi publicado durante a ditadura Salazarista, o que pode explicar a temática da justiça e da liberdade presente em alguns contos.

O título da obra, com a palavra "exemplares", sugere que os contos não são meramente narrativas, mas sim fábulas morais que convidam o leitor a uma reflexão mais profunda sobre a condição humana e a sociedade. A escritora usa a prosa para expressar o mesmo discurso de justiça e liberdade presente em sua poesia. A prosa escrita por uma poeta, possui características específicas, como a busca pela tensão poética e o uso de símbolos.

Contos

O Jantar do Bispo
Este conto aborda o tema da justiça social e da hipocrisia das elites. A narrativa apresenta um bispo que, ao se deparar com a miséria, confronta a sua própria consciência e as suas responsabilidades para com os mais desfavorecidos. O conto explora a dualidade entre o discurso religioso e a prática social, expondo a falência moral de uma classe que prega a caridade, mas vive no luxo, alheia ao sofrimento do povo. 

Retrato de Mônica
Neste conto, a autora apresenta uma reflexão sobre a busca pela santidade e a renúncia do mundo material. Mônica, a personagem central, é um ser complexo, que lida com o conflito entre a sua vocação espiritual e a vida mundana. Através de Mônica, Sophia convida o leitor a questionar o significado da santidade, mostrando que a renúncia é um processo diário e que a negação da espiritualidade é um fardo repetido todos os dias. 

A Viagem
Este conto alegórico aborda a ideia de irreversibilidade e perda. A viagem, que pode ser interpretada como a jornada da vida, é um percurso de perdas constantes, de coisas que não podem ser recuperadas. A narrativa, construída com uma atmosfera de melancolia, explora a fragilidade da existência humana e a necessidade de aceitar a passagem do tempo e as inevitáveis perdas que ela traz. 

A Casa do Mar
Neste conto, a casa é descrita em profunda sintonia com o mar, funcionando como uma extensão da natureza. A história, cheia de simbolismo, evoca a serenidade, a paz e a comunhão com o mundo natural. O mar é uma metáfora recorrente na obra de Sophia e aqui, mais uma vez, representa a liberdade, a profundidade e a constante transformação da vida. 

O Homem
Este conto, com um tom mais tenso e urbano, explora a desumanização e a injustiça na sociedade moderna. A narrativa se concentra na degradação da sociabilidade nas cidades, mostrando como as pessoas podem se tornar insensíveis diante do sofrimento alheio. O conto questiona o resgate da humanidade em um mundo dominado pela indiferença e pela repressão. 

Outros contos notáveis

O Silêncio: 
A narrativa explora o peso do silêncio e as consequências da negação ou omissão, mostrando como um grito sufocado pode reverberar e distorcer a realidade.

A Árvore: 
Aborda temas como a passagem do tempo e o ciclo da vida, destacando a conexão entre o ser humano e a natureza.

Praia: 
O conto apresenta a fusão do mundo real com o mundo onírico, explorando a simbologia e a significação profunda do ser humano.

Homero: 
Assim como em Praia, este conto também funde o real e o sonho, apelando para uma interpretação mais profunda da vida e da religiosidade. 
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Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) foi uma das mais importantes e celebradas poetisas portuguesas do século XX. Sua obra, que abrange poesia, contos, livros infantis, ensaios e traduções, é marcada por um profundo amor pela natureza, pela busca da justiça e pela defesa da liberdade.  Nasceu na cidade do Porto em 6 de novembro de 1919, em uma família aristocrática. O sobrenome Andresen, de origem dinamarquesa, vem do seu avô paterno. Passou a infância entre o Porto e a Granja, onde a família possuía uma casa de praia, o que lhe proporcionou um contato próximo e duradouro com o mar. Estudou Letras Clássicas na Universidade de Lisboa, onde se envolveu em círculos culturais e políticos. Aderiu ao movimento estudantil que se opunha à ditadura do Estado Novo. Em 1975, no pós-Revolução dos Cravos, foi eleita deputada pelo Partido Socialista para a Assembleia Constituinte.  
Sua escrita, embora lírica e ligada à tradição clássica, é também profundamente moderna e engajada. Entre seus temas mais recorrentes estão:
O mar e a natureza: A paisagem litorânea e o mar são elementos centrais de sua poesia, servindo como metáforas para a liberdade, a verdade e a pureza.
Justiça e liberdade: Com uma forte consciência social, Sophia abordou a resistência à ditadura, a busca pela justiça e a luta pela liberdade em seus versos.
A arte e a palavra: A poeta explorou a arte de escrever como um ato de criação e de busca pela perfeição e clareza, características que lhe renderam reconhecimento nacional e internacional. 
Principais obras
Poesia: Poesia (1944), Livro Sexto (1962), O Nome das Coisas (1977).
Contos e ficção: Contos Exemplares (1962).
Literatura infantil: A Fada Oriana (1958), O Cavaleiro da Dinamarca (1964). 
Em 1999, tornou-se a primeira mulher portuguesa a receber o prestigiado Prêmio Camões, o mais importante da literatura em língua portuguesa. Faleceu em Lisboa, aos 84 anos, em 2 de julho de 2004, sendo sepultada no Panteão Nacional em 2014, um reconhecimento inédito para uma mulher.

Fontes:

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