sábado, 31 de março de 2018

Trova 281 - Janske Niemann (Curitiba/PR)


Contos e Lendas do Mundo (Brasil: Zinho, O Detetive)

O Detetive Zinho estava em seu quarto arrumando suas coisas de detetive, quando ouviu um grito pavoroso:

- Aaaiiiii!

Zinho saltou da cama, pegou sua lupa e seu chapéu, e abriu a porta do seu quarto. Daí ouviu o grito de novo:

- Aaaiiiii!

Zinho quase se assustou. Mas aí lembrou-se que um verdadeiro detetive não se assusta. Engoliu o susto em seco e pegou um desentupidor de pia que estava no corredor. Com o desentupidor debaixo do braço ele se sentiu mais confiante para enfrentar aquela ameaça terrível. E pôs-se a investigar de onde viriam os gritos.

- Aaaiiiii!

Era o grito pavoroso de novo. Zinho já estava no alto da escada quando decidiu pegar mais uma arma: entrou no quarto da mãe e saiu de lá com um sutiã na mão para usar como se fosse estilingue. Testou o suti-estilingue e... funcionava. Lançou uma bola de meia longe. A bola bateu no espelho do corredor, voltou e bateu na cabeça de Zinho, que ficou meio atordoado. O que mostrava que o suti-estilingue funcionava.

- Aaaiiiii!

Quanto mais descia a escada mais pavoroso o grito ficava. E o detetive Zinho resolveu se armar de um tênis largado pelo irmão mais velho bem no pé da escada. O tênis estava muito sujo e Zinho fez a besteira de cheirar o tênis do irmão.

- Arrgghh! Que chulé! - “ disse Zinho tapando o nariz.

Era mais uma arma perfeita contra o que quer que fosse que estava causando aqueles gritos de medo. E por falar em grito:

- Aaaiiiii!

Passando pelo banheiro no corredor o detetive Zinho entrou. Pelo barulho que fez deve ter derrubado um monte de coisas lá dentro. E saiu armado de papel higiênico (pra amarrar o inimigo), uma escova de dentes (caso ele esteja com mal-hálito) e um rodo (que podia ser usado como espada ou coisa assim).

Carregado com todos esses apetrechos o detetive Zinho ouviu novamente:

- Aaaaaahhhhhh!

O grito tinha ficado ainda mais pavoroso. E finalmente Zinho pode identificar de onde vinha o grito: da cozinha.

Aproximou-se com cuidado da porta da cozinha, que estava fechada. O detetive Zinho ainda se lembrou de pegar um espanador que estava numa mesinha perto da porta. Por um segundo ou dois hesitou. Devia mesmo entrar? Que terríveis perigos o aguardavam atrás daquela porta.

- Aaaaahhhhhhhh!

Quando ouviu esse último grito não teve dúvidas: ele ia fazer o que tinha vindo fazer. E chutou a porta da cozinha com tanta força que ela se abriu estrondosamente. Pode ver então sua irmã mais velha em cima de uma cadeira. A irmã olhava para o lado e deu mais um grito horripilante:

- Socoorroooo!

Que terríveis monstros marcianos atacavam a cozinha querendo raptar sua irmã? Que perversos bandidos assaltavam a casa em busca dos doces que sua mãe tinha feito para o jantar? Que cruéis monstros sanguinários invadiam a casa prontos para sugar todo o leite da geladeira até a morte? O detetive Zinho tentou manter a calma. E reparou que sua irmã olhava para baixo. Estalou os dedos e concluiu brilhantemente:

- Ahá! O que está assustando minha irmã deve estar no chão!

Então o detetive aproximou-se do ser maligno que estava causando todo esse terror em sua parente tão próxima. Armado com todos os objetos que pegou pela casa ele não tinha medo, não podia falhar.

E foi então que ele chegou bem perto e pode ver, ali no chão limpo da cozinha... uma barata.

Fonte:
Contos de Encantar

Fernando Pessoa (Quadras ao Gosto Popular) IV


Ai, os pratos de arroz doce
com as linhas de canela!
Ai a mão branca que os trouxe!
Ai essa mão ser a dela!

À roda dos dedos juntos
enrolaste a fita a rir.
Corações não são assuntos
e falar não é sentir.

A Senhora da Agonia
tem um nicho na Igreja.
Mas a dor que me agonia
não tem ninguém quem a veja.

A tua janela é alta,
a tua casa branquinha.
Nada lhe sobra ou lhe falta
senão morares sozinha.

Comes melão às dentadas,
porque assim não deve ser.
Não sei se essas gargalhadas
me fazem rir ou sofrer.

Comi melão retalhado
e bebi vinho depois,
quanto mais olho p'ra ti
mais sei que não somos dois.

Compreender um ao outro
é um jogo complicado,
pois quem engana não sabe
se não estava enganado.

Cortaste com a tesoura
o pano de lado a lado.
Porque é que todo teu gesto
tem a feição de engraçado?

Deixaste o dedal na mesa
só pelo tempo da ausência —
Se eu te roubasse dirias
que eu não tinha consciência.

Deram-me um cravo vermelho
para eu ver como é a vida.
Mas esqueci-me do cravo
pela hora da saída.

Dona Rosa, Dona Rosa.
de que roseira é que vem,
que não tem senão espinhos
para quem só lhe quer bem?

Dona Rosa, Dona Rosa,
quando eras inda botão
disseram-te alguma cousa
de a flor não ter coração?

Eu vi ao longe um navio
que tinha uma vela só,
ia sozinho no mar...
Mas não me fazia dó.

Floriu a roseira toda
Com as rosas de trepar...
Tua cabeça anda à roda
Mas sabes-te equilibrar.

Frescura do que é regado,
por onde a água inda verte...
Quero dizer-te um bocado
do que não ouso dizer-te.

Manjerico que te deram,
amor que te querem dar...
Recebeste o manjerico.
O amor fica a esperar.

O canário já não canta.
não canta o canário já.
Aquilo que em ti me encanta
talvez não me encantará.

O laço que tens no peito
parece dado a fingir.
Se calhar já estava feito
como o teu modo de rir.

O malmequer que colheste
deitaste-o fora a falar.
Nem quiseste ver a sorte
que ele te podia dar.

O que sinto e o que penso
de ti é bem e é mal.
É como quando uma xícara
tem o pires desigual.

O ribeiro bate, bate
nas pedras que nele estão,
mas nem há nada em que bata
o meu pobre coração.

Quando ela pôs o chapéu
como se tudo acabasse,
sofri de não haver véu
que inda um pouco a demorasse.

Quem te deu aquele anel
que ainda ontem não tinhas?
Como tu foste infiel
a certas ideias minhas!

Tens um anel imitado,
mas vais contente de o ter.
Que importa o falsificado
se é verdadeiro o prazer.

Uma boneca de trapos
não se parte se cair.
Fizeste-me a alma em farrapos…
Bem: não se pode partir.

Fonte:
PESSOA, Fernando, Quadras ao gosto popular, Lisboa, Ática, 1994.

quinta-feira, 1 de março de 2018

Olivaldo Júnior e José Feldman (Um Homem Solitário)

Pintor: Teun Hocks (Holanda, 1947-)
De Olivaldo Júnior para José Feldman

Só um homem solitário
tem na boca a lua cinza,
que sorri de modo vário,
mas acaba só, ranzinza.

Só um homem solitário
quer tornar a vida linda,
que, bonita, faz lendário
um herói que luta ainda...

Na janela, o calendário
"vira" pássaro e revoa,
busca o novo itinerário!...

Mas um homem solitário,
no silêncio que atordoa,
faz, sem sol, seu relicário.

26.12.2017

De José Feldman para o Olivaldo Júnior

Só um homem solitário
transforma em dias as trevas,
carregando em seu fadário
tantas tristezas malevas.

Só um homem solitário
sabe o sentido da dor,
e, exprimindo-a num rimário,
chora a ausência de um amor.

Faz de seus olhos vidraça,
do pranto seu vestuário,
das lágrimas a mordaça.

Pois, neste homem solitário
cujas ilusões abraça...
solidão é um rosário.

27.12.2017