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quinta-feira, 2 de maio de 2024
Carolina Ramos (Trovando) “14”
Mensagem Na Garrafa = 116 =
Belo Horizonte/MG
SOMBRINHAS
Sombrinhas, assim se chamavam pois eram usadas para que as mocinhas e senhoras, cujas peles eram alvas primando sempre pela brancura, se cobrissem do sol em seus passeios vespertinos.
Hoje, quando o bronzeado é a característica de beleza, elas, as sombrinhas, continuam tendo a sua utilidade, porém diferente. Sombras, não fazem mais, apesar de continuarem a ter este nome.
Olhando de minha janela a chuva que cai sem cessar, vejo várias parecendo um desfile interminável de cores. Lindas, coloridas, com estampas variadas de flores, geométricas, algumas bem humoradas em seus desenhos, outras mais clássicas, de uma só tonalidade.
Elas cobrem sim, cobrem os rostos, os corpos de quem olha, como eu, com curiosidade, tentando descobrir quem está passando nesta manhã chuvosa.
Que mistérios se escondem embaixo das sombrinhas que cobrem da chuva? Será que ainda se roubam beijos debaixo delas, como nos idos tempos de nossas avós?
Penso que não, os tempos são outros, os beijos são explícitos. Nada mais há para esconder. Estamos no século vinte e um onde tudo pode ser dito e mostrado. Nós, mulheres conquistamos nossa independência.
Mas... continuamos misteriosas... Escolhemos com esmero nossas sombrinhas, que vão nos cobrir da chuva, e talvez, de algum olhar furtivo, ao cruzarmos com alguém nas chuvas do caminho, num delicioso e clandestino flerte.
Aparecido Raimundo de Souza (Como um barquinho de papel navegando em águas procelosas)
EM UMA PISCINA de plástico retangular de três mil litros de água cercada pela calmaria de um quintal de muros altos, uma simplória réplica de um bote feito pelo avô do pequeno Heitor (de seis anos) à custa de uma simples folha de papel arrancada às escondidas do caderno de sua mãe, a jovem Luana Cristina, o guri terrivelmente travesso lança à agua de um azul límpido e transparente, com muito cuidado e uma pitada enorme de esperança o seu frágil brinquedo construído pelo pai de sua mãe. Essa embarcação pintada com vários lápis coloridos (ele não sabe, não entende, mas cá entre nós), é extremamente franzino e raquítico. Em razão desse evento, o brinquedo de folha de papel se acha depauperado (debilitado), quase sem forças. Se projeta aos olhos do piá como um paquete (embarcação pequena) ágil e cauteloso, soberbo e indestrutível. Ele foi construído à base de sonhos e fantasias, se fez conhecido por carregar muitas histórias de sua dona nas antigas aulas da faculdade de enfermagem.
E agora, do nada, a folha à imagem de um navio, desliza suavemente enlevado pela brisa amena que sopra sem pressa e parece dançar sorridente na sua lerdeza, sobre as ondas diminutas que se formam por baixo de seu casco quase todo encharcado. Bem sabemos, Heitor desconhece o futuro da criação que lhe foi dada de bom grado. Nem sempre o destino aos nossos olhos é um lago sereno, ou uma piscina de plástico retangular com capacidade para três mil litros de água no escondido de um quintal de muros altos. Às vezes, um diminuto vapor de papel pintado pode se encontrar em águas de traços estranhos, ou em situações perigosas e caóticas, onde o risco de naufragar no próximo minuto se faz cada vez mais presente –, ou melhor –, cada vez mais flagrante e iminente. As cálidas águas tranquilas da piscina, num repente podem dar lugar às correntezas impetuosas. Sendo assim, o que deveria ser um divertimento caseiro para um inocente sem visão do agora, menos ainda do porvir, pode se tornar em uma luta ferrenha pela sobrevivência.
Nessas águas, o transatlântico de Heitor enfrenta tempestades inesperadas. Se depara com chuvas torrenciais invisíveis, e se vê colhido por ventos fortes que o fazem bater perigosamente contra a borda da piscina e também em decorrência da sua frágil construção delicada. Para piorar o quadro, ondas gigantescas açoitadas pelas batidas das mãozinhas do pirralho ao encontro das águas, ameaçam engolir a tenra folha a cada novo milésimo de segundo. Entretanto, apesar das intempéries, a piroga segue lisonjeira e destemida pervagando em frente. Peleja com o fôlego de um leão indomável e não se entrega aos percalços da má sorte que ronda a sua trajetória. Aos tapas e beijos, sopapos e petelecos, a débil folha de caderno transformada numa espécie do lendário Titanic, navega trôpego aos olhos do seu dono e senhor, com a coragem indômita de um Sansão, de um Super-Homem, de um herói afoito e peitudo, invencível, aguerrido e resoluto, que sabe e mesmo se conscientizando pequeno, possui a força hercúlea de continuar avançando, tentando não soçobrar.
Cada sopapo que o atinge, é um desafio novo. Cada vento que sopra, um teste de resistência. Apesar dos pesares, a minúscula nau de papel segue altaneira e feliz. Vai capengando aos trancos e barrancos, desviando daqui e dali entremeado por uma imensidão de pedras submersas, não vistas à olho nu, porém, evitando os redemoinhos que tentam, a todo custo, arrastá-lo de sua rota para os recônditos de um fundo profundo e medonhamente colossal, ainda que daquele mar abarbarado (barbarizado) e mavórcio (bélico) que lhe parece indomável. O navegante do pequeno menino é uma espécie de metáfora transladada da vida. Apesar de inválido, sequioso por pleitear açambarcando uma margem segura, é capaz de encarar sem medos ou receios, as diversidades com resistência e determinação. Essa simples réplica do gigante dos sete mares do pequeno Heitor, a bem da verdade, nos ensina uma lição impecável e grandiosa: mesmo circundado nas ondas mais ebulitivas (ferventes) e irrequietas (ainda que de uma piscina montada num fundo de quintal) podemos apreciar a beleza e o arroubo escondidos, e não só ver, mas sentirmos a primazia e a esperança brotarem do nada em toda a sua elegância e formosura.
Há a chance de navegar, bem ainda, de contrapeso, o desafio imperturbável de explorar e de chegar a destinos nunca antes visitados ou imaginados. Mesmo uma simples réplica de papel colorida pode realizar grandes viagens, obviamente se o seu comandante tiver a coragem de desacatar e afrontar o obscuro, ou aquilo que não está visível e palpável aos sentidos e mais, igualmente é e se faz, se mostra superior e, como tal, pugna a insultar o acaso e a vencer contrastando o anônimo. O heteróclito (eclético) não é um bicho de sete cabeças. O funambulesco (ridículo) ou o desconhecido não é o fim da linha; tampouco o ponto final; menos ainda o término da viagem. Representa, acima de nossa visão, a venustidade (graça), a força motriz, a galhardia que nos impulsiona, ou a sapiência que nos leva (ainda que a toque de caixas, a imaginar, como o pequeno Heitor) ou dito de forma mais clara e concisa, para nos lembrarmos sempre... haja o que houver, nunca devemos desistir, notadamente jamais abandonarmos os nossos sonhos e objetivos.
Fonte: Texto enviado pelo autor
Carmem Andrea Soek Pliessnig (Carmemnatureza) (Poemas avulsos)
A nascente do rio das suas lágrimas
lavam a alma com a beleza da sua face
que cada vez mais encanta a formosura
do seu pensamento através
de um olhar que chora louvando
a felicidade por apreciar a vida
comparando a chuva como um banho
de revestimento surpreendente do céu,
transforma suas corridas divertidas
para esconder-se deste clima brincalhão
feito criança.
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LUXO
Toda alma é revestida de um sentimento
que ilumina a vida proporcionando
ao exterior o vigor das emoções
entrelaçadas aos olhares físicos e mentais.
A força dos sonhos são o respirar
das intenções que a todo instante
é moldado por um fio dourado feito
a luz do sol e o prateado da lua.
Tece a arte de acomodar a alma,
o ser que faz da calmaria
o mais sublime artesanato vital.
Cria uma peça brilhante
com a transparência da íris
e das lágrimas quando convém
manifestar-se de uma alegria
tão expressiva que somente
um profundo suspiro proporciona
a função de instrumento de enlaces.
E assim, representa o próprio eu
passeando com destino sem parada,
pois os mistérios bordados não têm fim.
Os lados entre aqui e lá geram
a imersão do pensamento sábio
sem precisar de perguntas
e respostas diante de quem somos.
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OUSADIA
Um dia, tomei banho de chuva
Era verão intenso, mergulhei
Sorrindo na felicidade molhada
Senti o sabor da água. Sorri!
Inesquecível instante, quero mais,
O tempo passa e lembramos
Das inocentes aventuras
Faz bem experimentar, ousar-se
Tudo é um crescimento, avanço,
É feito tatuagem na alma, sonhos,
A realidade encoraja a sinestesia
Alegria, explosão no coração
Não existe o medo nesta hora
Por muitas vezes foi planejado
Quietinho no pensamento…
Surpresa boa a nós mesmos
Hoje, tomei banho de chuva
Fase adulta, coração de criança
Nenhuma preocupação, doce paz
Páginas da vida que voltamos
Ao livro antigo e nos descobrimos
Somos o reflexo da doce infância
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VIDA
Vida! Receba o meu sublime
despertar de todas as manhãs.
Acordo com o coração repleto de paz,
ternura que brota em meu olhar
com o florescer do bem-estar.
A noite me proporciona tranquilidade
sem pensar como será meu futuro.
Aqui estou para ser um especial presente
divino que me ilumina
e me identifica com o amor.
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Carmem Andrea Soek Pliessnig (Pseudônimo: Carmemnatureza), nasceu em 1976,em Telêmaco Borba/Pr. Poetisa e professora graduada em Português/Espanhol. Pós-graduada - Língua Portuguesa/Estrangeira e Neuropsicopedagogia. Foi radialista com mensagens espirituais. Membro da Banca Examinadora Literária Projeto Chá da Vida por Hupomone Vilanova. Convidada especial da Galeria 50 + em Curitiba para criar poemas das obras da artista plástica Vivien Zanlorenzi no evento: Metamorfose. Atuante de antologias poéticas, principalmente, do novo estilo poético SPINA. Membro da cadeira 111 da ALBAP/ Academia Luso Brasileira de Artes e Poesias. Participante de contos pela Revista Multiverso. Administradora especialista da Comunidade Literária Intercontinental de Poesias Cantinho do Amor.
Recordando Velhas Canções (Retalhos de Cetim)
Ensaiei meu samba o ano inteiro
Comprei surdo e tamborim
Gastei tudo em fantasia
Era só o que eu queria
E ela jurou desfilar pra mim
Minha escola estava tão bonita
Era tudo o que eu queria ver
Em retalhos de cetim
Eu dormi o ano inteiro
E ela jurou desfilar pra mim
Mas chegou o carnaval
E ela não desfilou
Eu chorei na avenida, eu chorei
Não pensei que mentia a cabrocha, que eu tanto amei
Minha escola estava tão bonita
Era tudo o que eu queria ver
Em retalhos de cetim
Eu dormi o ano inteiro
E ela jurou desfilar pra mim
Mas chegou o carnaval
E ela não desfilou
Eu chorei na avenida, eu chorei
Não pensei que mentia a cabrocha, que eu tanto amei
Mas chegou o carnaval
E ela não desfilou
Eu chorei na avenida, eu chorei
Não pensei que mentia a cabrocha, que eu tanto amei
Mas chegou o carnaval
E ela não desfilou
Eu chorei na avenida, eu chorei
Não pensei que mentia a cabrocha, que eu tanto amei
Mas chegou o carnaval
E ela não desfilou
Eu chorei na avenida, eu chorei
Não pensei que mentia a cabrocha, que eu tanto amei
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Desilusão em Festa: A Dor do Amor no Carnaval
A música 'Retalhos de Cetim', composta e interpretada por Benito Di Paula, é uma expressão melancólica que contrasta com a alegria habitualmente associada ao carnaval. A letra narra a história de um homem que se dedicou durante um ano inteiro preparando-se para o carnaval, investindo tempo e recursos em seu samba, instrumentos e fantasias, movido pela promessa de que sua amada desfilaria com ele.
A repetição do verso 'Ela jurou desfilar pra mim' ressalta a confiança e a expectativa do narrador na palavra da 'cabrocha', termo carinhoso e antigo para se referir a uma mulher jovem e bonita, geralmente associado ao universo do samba. A escola de samba, descrita como 'tão bonita' e adornada com 'retalhos de cetim', simboliza o sonho e a paixão do narrador, que se vê despedaçado quando a promessa não é cumprida.
A dor do protagonista é evidenciada pelo choro na avenida, lugar onde a festa acontece e onde ele esperava compartilhar a felicidade com sua amada. A traição e a mentira são reveladas no clímax do carnaval, momento de celebração que se transforma em palco de sua desilusão. A música, portanto, aborda temas como a expectativa, a traição e a dor do amor não correspondido, tudo isso emoldurado pelo cenário festivo do carnaval brasileiro.
quarta-feira, 1 de maio de 2024
Arthur Thomaz (Zorriso)
Cleyderson assistiu ao noticiário na TV em que o apresentador avisava que o uso de máscara seria obrigatório. Passou o dia trabalhando na fábrica sem conseguir esquecer a notícia.
Na saída, passou na loja e comprou a máscara. Antes de entrar no “buteco”, colocou-a no rosto.
Até hoje não é sabido se ele comprou uma máscara do Zorro por brincadeira ou por total ignorância a respeito do assunto pandemia. Ouviu dos amigos de bar uma sonora gargalhada após o olhar espantado de todos.
Um gaiato, lá no fundo, gritou, perguntando onde estava o Tonto. Outro perguntou onde está o Sargento Garcia. E ainda perguntaram se ele tinha deixado o cavalo Silver lá fora.
Cleyderson abriu um largo sorriso, o que foi suficiente para alguém dizer “Zorriso”, uma mistura de Zorro com sorriso.
Enquanto tomavam suas bebidas habituais, o assunto permaneceu o mesmo. Voltando para casa, o rapaz começou, inconscientemente, a incorporar o apelido em sua mente.
Pensou horas seguidas em como capitalizar esse fato. Pesquisou na internet tudo sobre o personagem herói. Não tinha um cavalo, não tinha um amigo índio chamado Tonto, tampouco sabia manejar uma espada ou um revólver. A única coincidência era o fato de também ser solitário como o cavaleiro herói dos filmes.
Com a ideia já inexoravelmente incutida em sua mente, passou dias seguidos tentando encontrar uma solução para esse desafio que o destino lhe impunha em ser um herói.
Passando em frente a uma loja de esportes, observou um taco de beisebol no canto da vitrine. Pechinchou até conseguir um preço adequado às suas economias.
Assistiu alguns jogos para entender o manuseio do objeto e percebeu que poderia ser uma poderosa arma em suas mãos, já que era um rapaz de forte compleição física.
Revestiu a ponta do taco com espuma de um velho travesseiro, para amortecer o impacto porque não suportava ver sangue. Como era conhecido no bairro, resolveu agir em um local distante.
Para isso, pintou sua bicicleta de branco e passou a chamá-la de Silver. Nas primeiras noites de ronda, não encontrou ninguém praticando atos ilícitos. Já quase desistindo de se tornar herói, certa noite deparou-se com dois meliantes roubando um carro.
Partiu como uma flecha em sua bicicleta na direção da dupla, gritando: “aiou Silver”, como no filme. Os bandidos ficaram tão surpresos com essa aparição, que nem esboçaram reação e foram atingidos com o taco.
Zorriso amarrou-os com a corda que trazia, e afastando-se do local, informou à polícia. Esta cena repetiu-se algumas vezes, causando-lhe a sensação de ser um verdadeiro herói. Sabendo que se contasse suas proezas no “buteco” seria zombado pelos amigos, jamais compartilhou seus heroicos feitos.
Determinada noite em ronda, localizou três pessoas em atitude suspeita na frente de uma loja. Sem titubear, entrou em ação, golpeando-os. Quando estava amarrando os bandidos, surgiu uma equipe da ROTA, que ordenou a ele que levantasse as mãos.
Zorriso abriu um imenso sorriso. Inadvertidamente, ao ver outros heróis, ergueu a mão com o taco para saudá-los, o que foi considerado pelos policiais um ato hostil.
Baleado, foi a óbito no local.
Conduziram seu corpo ao IML. O legista atestou a morte como anemia aguda, causada por perfuração de projétil de arma de fogo. Comentou com os outros profissionais nunca ter visto um cadáver estampando tão largo sorriso. Cleyderson não teve honras de herói em seu funeral.
Fonte: Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor
Recordando Velhas Canções (Oceano)
Assim que o dia amanheceu lá
No mar alto da paixão
Dava pra ver o tempo ruir
Cadê você? Que solidão!
Esquecera de mim
Enfim, de tudo o que há na terra
Não há nada em lugar nenhum
Que vá crescer sem você chegar
Longe de ti, tudo parou
Ninguém sabe o que eu sofri
Amar é um deserto e seus temores
Vida que vai na sela dessas dores
Não sabe voltar, me dá teu calor
Vem me fazer feliz, porque eu te amo
Você deságua em mim, e eu, oceano
E esqueço que amar é quase uma dor
Só sei viver se for por você
Enfim, de tudo o que há na terra
Não há nada em lugar nenhum
Que vá crescer sem você chegar
Longe de ti, tudo parou
Ninguém sabe o que eu sofri
Amar é um deserto e seus temores
Vida que vai na sela dessas dores
Não sabe voltar, me dá teu calor
Vem me fazer feliz, porque eu te amo
Você deságua em mim, e eu, oceano
E esqueço que amar é quase uma dor
Só sei viver se for por você
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Navegando pelas Emoções Profundas de 'Oceano' de Djavan
A canção 'Oceano', do renomado artista brasileiro Djavan, é uma obra que mergulha nas profundezas do amor e da paixão, explorando a intensidade e a complexidade dos sentimentos que acompanham um relacionamento amoroso. A letra da música utiliza metáforas náuticas para descrever a experiência de estar apaixonado, sugerindo uma viagem pelo mar agitado das emoções.
A expressão 'mar alto da paixão' evoca a ideia de um amor grande e profundo, mas que também pode ser turbulento e incerto, como o mar. O tempo que 'ruir' pode representar as dificuldades e os obstáculos que surgem em um relacionamento, enquanto a solidão sentida pelo eu lírico reflete a ausência da pessoa amada. A repetição da frase 'Enfim, de tudo o que há na terra' reforça a ideia de que nada tem significado ou pode prosperar sem a presença do ser amado.
A música também aborda a dor intrínseca ao amor, como expresso nos versos 'Amar é um deserto e seus temores' e 'E esqueço que amar é quase uma dor'. Essas linhas sugerem que amar pode ser uma jornada solitária e cheia de desafios, mas apesar disso, há um desejo ardente pelo calor e pela felicidade que apenas o ser amado pode trazer. A declaração final 'Só sei viver se for por você' é um testemunho da dedicação total do eu lírico ao seu amor, indicando que a vida sem a pessoa amada é inconcebível. Djavan, com sua habilidade lírica e melódica, consegue transmitir a profundidade e a paixão de um amor oceânico, onde o eu lírico se vê imerso e dependente da presença do outro para encontrar sentido na vida.
Humberto de Campos (Aparências)
Em toda a rua São Gabriel, naquele movimentado bairro operário, o assunto mais em evidência era, há muitos dias, aquele: a saída furtiva, a horas altas da noite, daquela rapariga tão linda, desde que morrera o marido.
— É uma falta de vergonha, D. Inácia, o que está fazendo aquela desalmada — informava, de janela para janela, a vizinha da direita. — Ainda ontem, à noite, eu fiquei de vigília aqui por dentro da rótula*, e vi tudo: a atrevida esperou que se fechassem todas as casas, abriu a porta, espiou para um lado e para outro, e, como não visse ninguém, pôs um xale, e saiu. Imagine o que ela não foi fazer por ali...
— Dizem que vai para um clube dançar o maxixe com o Manoel português, — adiantava D. Inácia.
— A Vitalina, outro dia, quando voltava do baile do Alfredo, alta madrugada, encontrou-se com ela, que saía de casa. A desnaturada ficou tão envergonhada que cobriu o rosto, para não ser conhecida.
— Que mulher cínica! — terminava uma.
— Que falta de vergonha! — confirmava a outra.
Divulgada a notícia do escândalo, toda a rua ficava, horas e horas, à espreita, aguardando, pelas frestas das janelas, a saída clandestina da viúva. E quando esta desaparecia, ao longe, na esquina, as rótulas se escancaravam, as cabeças emergiam, e começavam as observações!
— Viu?
— Vi!
— Sim, senhora! Quem diria?!...
— Que escândalo!
— Que horror!...
Certa noite, porém, instigados pelas mulheres, resolveram alguns operários acompanhar de longe a notívaga, fiscalizando-lhe os passos, para desagravo do morto. Pé ante pé, espiando de canto em canto, escondendo-se pelos portais, andaram os homens de rua em rua, até que foram ter a um campo deserto, em frente a um mercado. E ali viram, enxugando os olhos rasos de pranto: a "pervertida" saía todas as noites, embuçada na treva, para disputar aos porcos, no monturo, uma fruta podre, para a fome do filho!…
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* Rótula = Grade de madeira de certas janelas e portas que deixa entrar luz e ar pelo intervalo das ripas entrecruzadas de que é feita.
Fonte> Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925.
Disponível em Domínio Público.
Vereda da Poesia = 1
Cabedelo/PB
CORDEL DE NOVELAS
Belíssima Despedida de solteiro
A próxima vítima O rei do gado
O profeta Roque santeiro
Sassaricando O bem amado
Cabocla Da cor do pecado
A favorita Estrela guia
O astro Cordel encantado
A padroeira Eterna magia
Alma gêmea As três Marias
A sucessora Vereda tropical
Mulheres de areia Maria Maria
Selva de pedra Lua de cristal
Olho no olho Pecado capital
O amor está no ar
Salomé Fera radical
Escrava Isaura Livre para voar
Aquele beijo Toma lá da cá
Carinhoso Sabor da paixão
Corpo a corpo Direito de amar
Final feliz Explode coração
Pedra sobre pedra O casarão
Terra nostra O mapa da mina
Dancin days A próxima atração
Cambalacho Negócio da China
Feijão maravilha Gina
A gata comeu Marrom glacê
Anjo mau gente fina
Tiêta Voltei pra você
Roda de fogo Bambolê
Laços de família Esplendor
Começar de novo Renascer
Amor eterno amor
Mandala Vila Madalena
Torre de babel Escalada
Deus nos acuda Helena
Minha doce namorada
Eu prometo A viagem
Viver a vida Um sonho a mais
Vida nova Irmãos coragem
A sombra dos laranjais
América Pátria minha
Paraíso Tropicaliente
Gabriela a Moreninha
Por amor A vida da gente
Chega mais cama de gato
Beleza pura felicidade
Mico preto Bicho do mato
O dono do mundo celebridade
Um anjo que caiu do céu
Fina estampa sete pecados
Dona Xepa Barriga de aluguel
De corpo e alma Coração alado
Baila comigo Estúpido cupido
O amor é nosso Passione
O noviço O homem proibido
Tempos modernos O clone
Quatro por quatro Locomotivas
Louco amor Pecado rasgado
Como uma onda Água viva
Sol de verão corpo dourado
Sinhá moça Meu bem querer
Perigosas peruas Vira lata
Senhora do destino Quem é você
Zazá Rainha da sucata
Fogo sobre terra Bang bang
Porto dos milagres Araguaia
Jogo da vida Pacto de sangue
Era uma vez Saramandaia
De quina pra lua Brilhante
Marina Meu bem meu mal
Pai herói Coração de estudante
Cubanacan Paraíso tropical
Sinhazinha Flô Desejo proibido
O primeiro amor Hipertensão
Partido alto Sétimo sentido
Vale tudo insensato coração
O outro Anjo de mim
Morde e assopra Padre Tião
Pé na jaca terras do sem fim
Meu pedacinho de chão
O cravo e a Rosa Duas vidas
Te contei Que Rei sou eu
O semiDeus fera ferida
As três irmãs Sonho meu.
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Lima Barreto (Esta minha letra...)
A minha letra é um bilhete de loteria. Às vezes ela me dá muito, outras vezes tira-me os últimos tostões da minha inteligência. Eu devia esta explicação aos meus leitores, porque sob a minha responsabilidade tem saído cada coisa de se tirar o chapéu. Não há folhetim em que não venham coisas extraordinárias. Se, às vezes, não me põe mal com a gramática, põe-me em hostilidade com o bom-senso e arrasta-me a dizer coisas descabidas. Ainda no último folhetim, além de um ou dois períodos completamente truncados e outras coisas, ela levou à compreensão dos meus raros leitores — grandeza — quando se tratava de pândega; num artigo que publiquei há dias na Estação Teatral, este então totalmente empastelado, havia coisas do arco-da-velha.
Aqui já saiu um folhetim meu, aquele que eu mais estimo, “Os galeões do México”, tão truncado, tão doido, que mais parecia delírio, do que coisa de homem são de espírito. Tive medo de ser recolhido ao hospício...
Que ela me levasse a incorrer na crítica gramatical da terra, vá, mas que me leve a dizer coisas contra a clara inteligência das coisas, contra o bom-senso e o pensar honesto e com plena consciência do que estou fazendo! E não sei a razão por que a minha letra me trai de maneira tão insólita e inesperada. Não digo que sejam os tipógrafos ou os revisores; eu não digo que sejam eles que me fazem escrever “a exposição de palavras sinistras” quando se tratava de “exposição de projetos sinistros”. Não, não são eles, absolutamente não são eles. Nem eu. É a minha letra.
Estou nesta posição absolutamente inqualificável, original e pouco classificável: um homem que pensa uma coisa, quer ser escritor, mas a letra escreve outra coisa e idiota. Que hei de fazer?
Eu quero ser escritor, porque quero e estou disposto a tomar na vida o lugar que colimei. Queimei os meus navios; deixei tudo, tudo, por essas coisas de letras.
Não quero aqui fazer a minha biografia; basta, penso eu, que lhes diga que abandonei todos os caminhos, por esse das letras; e o fiz conscientemente, superiormente, sem nada de mais forte que me desviasse de qualquer outra ambição, e agora vem essa coisa de letra, esse último obstáculo, esse premente pesadelo, e não sei que hei de fazer!
Abandonar o propósito; deixar a estrada desembaraçada a todos os gênios explosivos e econômicos de que esses Brasis e os políticos nos abarrotam?
É duro fazê-lo, depois de quase dez anos de trabalho, de esforço contínuo e — por que não dizer? — de estudo, sofrimento e humilhações. Mude de letra, disse-me alguém.
É curioso. Como se eu pudesse ficar bonito, só pelo fato de querer.
Ora, esse meu conselheiro é um dos homens mais simples que eu conheço. Mudar de letra! Onde é que ele viu isso? Com certeza ele não disse isso ao Sr. Alcindo Guanabara, cuja letra é famosa nos jornais. Que o fizesse, com certeza, ele não diria ao Sr. Machado de Assis também. O motivo é simples: o Sr. Alcindo é o chefe, é o príncipe do jornalismo, é deputado; e Machado de Assis era grande chanceler das letras, homem aclamado e considerado; ambos, portanto, não podiam mudar de letra; mas eu, pobre autor de um livreco, eu que não sou nem doutor em qualquer história — eu, decerto, tenho o dever e posso mudar de letra.
Outro conselheiro (são sempre pessoas a quem faço reclamações sobre os erros) disse-me: – Escreva em máquina. – Ponho de parte o custo de um desses desgraciosos aparelhos, e lembro aqui os senhores que aquilo é fatigante, cansa muito e obrigava-me ao trabalho nauseante de fazer um artigo duas vezes: escrever a pena e passar a limpo em máquina.
O mais interessante é que a minha letra, além de ter-me emprestado uma razoável estupidez, fez-me arranjar inimigos. Não tenho a indiferença que toda a gente tem pelos inimigos; se não tenho medo, não sou neutro diante deles; mas isso de ter inimigos só por causa da letra, é de espantar, é de mortificar.
Já não posso entrar na revisão e nas oficinas aqui da casa. Logo na entrada percebo a hostilidade muda contra mim e me apavoro. Se fosse no cenáculo do Garnier ou em outro qualquer, seria bom; se fosse mesmo no salão literário do Coelho Neto, eu ficaria contente; entre aqueles homens simples, porém, com os quais eu não compito em nada, é para a gente julgar-se um monstro, um peste, um flagelo. E tudo isso por quê? Por causa da minha letra. Desespero decididamente.
De manhã, quando recebo a Gazeta ou outra publicação em que haja minhas coisas, eu me encho de medo, e é com medo que começo a ler o artigo que firmo com a responsabilidade do meu humilde nome. A continuação da leitura é então um suplício. Tenho vontade de chorar, de matar, de suicidar-me; todos os desejos me passam pela alma e todas as tragédias vejo diante dos olhos. Salto da cadeira, atiro o jornal ao chão, rasgo-o; é um inferno.
Eu não sei se todos nos jornais têm boa caligrafia. Certamente, hão de ter e os seus originais devem chegar à tipografia quase impressos. Nas letras, porém, não é assim.
Eu não cito autores, porque citar autores só se pode fazer aos ilustres, e seria demasia eu me por em paralelo com eles, mesmo sendo em negócio de caligrafia. Deixo-os de lado e só quero lembrar os que escreveram grandes obras, belas, corretas, até ao ponto em que as coisas humanas podem ser perfeitas. Como conseguiram isso?
Não sei; mas há de haver quem o saiba e espero encontrar esse alguém para explicar-me.
De tal modo essa questão de letra está implicando com o meu futuro que eu já penso em casar-me. Hão de surpreender-se em ver estas duas coisas misturadas: boa letra e casamento. O motivo é muito simples e vou explicar a gênese da associação com toda a clareza de detalhes.
Foi um dia destes. Eu vinha de trem muito aborrecido porque saíra o meu folhetim todo errado. O aspecto desordenado dos nossos subúrbios ia se desenrolando a meus olhos; o trem se enchia da mais fina flor da aristocracia dos subúrbios. Os senhores com certeza não sabiam que os subúrbios têm uma aristocracia.
Pois têm. É uma aristocracia curiosa, em cuja composição entrou uma grande parte dos elementos médios da cidade inteira: funcionários de pequena categoria, chefes de oficinas, pequenos militares, médicos de fracos rendimentos, advogados sem causa etc.
Iam entrando com a “morgue” que caracteriza uma aristocracia de tal antiguidade e tão fortes rendimentos, quando uma moça, carregada de lápis, penas, réguas, cadernos, livros, entrou também e veio sentar-se a meu lado.
Não era feia, mas não era bela. Tinha umas feições miúdas, um triste olhar pardo de fraco brilho, uns cabelos pouco abundantes, um colo deprimido e pouco cheio. Tudo nela era pequenino, modesto; mas era, afinal, bonitinha, como lá dizem os namorados.
Olhei-a com o temor com que sempre olho as damas e continuei a mastigar as minhas mágoas.
Num dado momento, ela puxou um dos muitos cadernos que trazia, abriu-o, dobrou-o e pôs-se a ler. Que não me levem a mal o Binóculo e a Nota Chic e não deitem por isso excomunhão sobre mim! Sei bem que não é de boa educação ler o que os outros estão lendo ao nosso lado; mas não me contive e deitei uma olhadela, tanto mais (notem bem os senhores do Binóculo e da Nota Chic) que me pareceu, a moça o fazia para ralar-me de inveja ou encher-me de admiração por ela.
Tratava-se de álgebra, e as mulheres têm pela matemática uma fascinação de ídolo inacessível. Foi, portanto, para mostrar-me que ela o ia atingindo que desdobrou o caderno; ou então para dizer-me sem palavras: Veja, você, seu homem! Você anda de calças, mas não sabe isso... Ela se enganava um pouco.
Mas... como dizia: olhei o caderno e o que vi, meu Deus! Uma letra, um cursivo irrepreensível, com todos os tracinhos, com todas as filigranas. Os “tt” muito bem traçados — uma maravilha!
Ah! pensei eu. Se essa moça se quisesse casar comigo, como eu não seria feliz? Como diminuiriam os meus inimigos e as tolices que são escritas por minha conta? Copiava-me os artigos e...
Quis namorá-la, mas não sei namorar, não só porque não sei, como também porque tenho consciência da minha fealdade. Fui, pois, tão canhestro, tão tolo, tão inábil, que ela nem percebeu. Um namoro de... caboclo.
Seria, casar-me com ela, uma solução para esse meu problema da letra, mas nem este mesmo eu posso encontrar e tenho que aguentar esse meu inimigo, essa traição que está nas minhas mãos, esse abutre que me devora diariamente a fraca reputação e pouca inteligência.
Fonte> Publicada originalmente na Gazeta da Tarde, de 28.06.1911, posteriormente no livro Feiras e Mafuás, em 1953, em obra póstuma.
Hinos de Cidades Brasileiras (Monteiro Lobato/SP)
A Senhora do Bonsucesso,
É a tua leal padroeira,
Oh! Joia preciosa!
Da Serra da Mantiqueira.
Na trilha dos bandeirantes,
Reluzente igual safira,
Nasceste fulgurante,
Com o nome de Buquira.
Tens a honra de ser a mãe,
Da mais famosa filha,
No teu seio de magia,
Nasceu a boneca “Emília”.
És uma terra privilegiada,
Um paraíso tão belo,
De um “Sitio Encantado,
Do Pica Pau Amarelo”.
Meu torrão amado,
De encanto e rara beleza,
Por Deus és abençoada,
Oh! Cidade Natureza.
Por Deus és abençoada,
“Cidade Natureza”.
No ponteado da viola,
E na culinária saborosa,
Faz de ti, Monteiro Lobato,
A Cidade mais formosa.
Teu povo é tão contente,
Neste solo de Buquira,
Preserva as tradições,
Da tua raiz caipira.
Repleta de encantamento,
És lindo cartão postal,
Da literatura infantil,
Sois majestosa capital.
Lobato te engrandeceu,
Com reluzentes fanais,
No brilho forte e perene,
De suas obras imortais.
Meu torrão amado…
Coelho Neto (O pescador)
Todas as tardes, quando o sol sanguíneo, descendo no horizonte afogueado, parecia apagar-se nas águas lisas do rio; quando as jandaias, em grandes nuvens verdes, passavam chilreando na direção das ilhas, a piroga do moço pescador deslizava ligeira, rio acima, serena, ao som dos remos.
Era um lindo e guapo mancebo: moreno e forte, de olhos e cabelos negros. Mais de uma donzela corria à barranca quando lhe ouvia a voz afinada e seguia-o enamoradamente com o olhar apaixonado até que ele se perdia num dos igapós, entre ramas.
Não havia pescador tão ousado nem tão feliz como ele. Quando os outros, no tempo das cheias, receavam as águas temerosas, ele saia sozinho, cantando, ia lançar a rede longe e voltava com o barco cheio de pescado, não porque precisasse, senão por vaidade — para que vissem que não se abrigara em remanso, mas afrontara as águas revoltadas tirando os grandes peixes que não chegam às margens e só vivem nos lugares profundos.
A mãe, numa tarde borrascosa, disse, querendo prendê-lo:
— “Não te afoites, filho. A prudência é companheira segura e não é valentia provocar a Morte nos abismos. Se a tempestade cair acolhe-te a algum porto e deixa que os ventos amainem e que as ondas se abonancem. Não te arrisques inutilmente. A intrepidez é do bravo; a temeridade é do louco. Ouve-me, porque eu falo-te com o coração. Ai! de mim se te perderes nas águas traidoras. Os outros gabam-te a coragem e são tais louvores que te estão encaminhando à perdição. Julgas, talvez, que é só pela tua audácia que vais afrontar a morte? É a tua vaidade que te arrasta, filho. E a vaidade é pérfida como a iara que vive no fundo dos rios atraindo, com o seu canto, os imprudentes como tu.
“Muitos dos que te gabam rejubilarão no dia em que sucumbires, porque a inveja de tudo tira partido e, elevando-te, ela quer que subas bem alto para que a queda seja mortal. Não te fies.
“Quando o tempo estiver firme sai com o teu barco; em noites tormentosas faça como os demais que se deixam ficar seguros e agasalhados, gozando o calor do fogo, ouvindo o vento gemer nos ramos das árvores e a água do rio escachoar nas pedras.
“Sais, és o único que a tanto se aventura em frágil piroga e, quando passas ao largo e vês em terra uma luzinha de choça, murmuras, com a vaidade a encher-te o coração:
«Há ali alguém a pensar em mim.» E acendes a tua lanterna para que a vejam de terra e digam :
«Lá vai Amadeu. Não há outro de tanta coragem.»
“Sabes que assim exaltam a tua audácia e é para que murmurem à tua passagem: «Lá vai o mais valente pescador das ilhas», que andas imprudentemente a desafiar a morte.
“Quando a glória acena à audácia, compreende-se que um homem arrisque a sua vida; mas que proveito tiras tu de tais atos de louco? Deixas meu coração em sofrimento e, se pereceres, nem mesmo, talvez, o lodo do rio me restitua o teu cadáver para que eu o sepulte carinhosamente, marcando o túmulo com uma cruz e regando-o com as minhas lágrimas.
“Não te deixes levar pelas palavras, enganadoras. És bravo, espera ocasião oportuna para mostrares teu ânimo. Ninguém tem maior interesse na tua glória do que eu.”
O moço, que caminhava para o portinho, não deu atenção às palavras da velha e, desatracando a piroga, que balançava na onda, remou fazendo-se ao largo.
A tarde conturbava-se a mais e mais: relâmpagos inflamavam as nuvens pesadas e coriscos raiavam a densidão do horizonte. A folhagem das árvores parecia de bronze — dura e imóvel na calmaria morna. Aves passavam apressadas, em voo largo, recolhendo aos ninhos ou às tocas e as águas do rio desciam, rolavam grossas, escuras, refulgindo sinistramente quando o céu flamejava.
A piroga subia. De outras, que proejavam ligeiras à terra, pescadores perguntavam ao moço ousado:
— Vais sair com tal tempo?
— Porque não?
— Cuidado! O rio cresce e o temporal não tarda.
— Não é só com o luar que se avista o rumo; o relâmpago tambem alumia.
— Olha lá! As iaras fazem maldades nas noites sem estrelas.
— Dizem que são formosas e eu ainda as não vi. Queira Deus que hoje as encontre em meu caminho.
E lá ia. Ao passar perto das ilhas levantava a voz cantando para anunciar-se às donzelas e gozava, ufano, imaginando que todas pediam por ele, ajoelhadas diante das imagens milagrosas, acendendo lâmpadas e fazendo promessas.
Adensavam-se as trevas. O moço pescador tentou, por vezes, acender a lanterna, mas o vento logo a apagava. Ao lívido clarão do relâmpago via a água negra, o céu negro, a massa escura do arvoredo das ilhas e as montanhas longínquas.
Às rijas lufadas levantava-se marulho formidável, galhos estalavam e caiam na água, descendo na correnteza. Raios estrondavam, e a piroga, à mercê das ondas enfurecidas, mal obedecia a pá do pescador.
Sem ver na escuridão, Amadeu ouvia o rio rugir furioso e tiritava encharcado sob o aguaceiro torrencial.
Àquela hora a pobre mãe chorava aflita, pedindo o favor de Deus, e nas cabanas das ilhas quantos pequeninos corações batendo por ele, quantos lábios vermelhos balbuciando rezas!
Ah ! Se ele conseguisse escapar, tirar-se daquele perigo, como o haviam de admirar e, nas feiras, quando ele passasse airoso, afluiria gente para vê-lo e diriam com boca pequena :
« É o pescador que não teme as tempestades e ri das iaras que sobem à tona das águas quando não há estrelas no céu.»
Ao luzir dum relâmpago ele viu que estava a pouca distância de terra. Animou-se e, remando esforçadamente, conseguiu atracar. Prendeu a piroga e saltou na ilhota que a Providência lhe deparara. Estava salvo.
Ali podia esperar que a tormenta serenasse e, com a luz da manhã, regressaria à cabana tranquilizando a pobre velha e maravilhando a gente que, com certeza, já o julgava perdido, soçobrado naquelas águas que roncavam com tamanho fragor, arrancando violentamente grandes árvores das ribanceiras.
Encolheu-se, traspassado e com medo, ouvindo, através da zoada do vento e do estrondo das águas, o frêmito das onças apavoradas.
Já se sentia perto, ouvia o estralejar dos ramos sob as pesadas patas e, olhando, via reluzirem na treva as pupilas fosforejantes dos terríveis felinos. Mas era tudo ilusão do pavor: só tempestade reinava assoberbando o rio.
E, de novo, pôs-se Amadeu a pensar na volta triunfante e nas palavras que diriam os que o vissem aparecer cantando, a remar a piroga carregada de peixe.
Peixe ... Sim, era necessário que levasse algum para que os invejosos não dissessem, menoscabando-o : «Que ele, em vez de andar sobre as águas, acolhera-se covardemente a alguma ponta de terra. »
A prova era indispensável e, se a atroada da tormenta aconselhava prudência, o desejo de ser admirado, a ambição dos louvores impelia-o ao perigo e, como fora feliz salvando-se naquela ilhota, a mesma fortuna havia de segui-lo na aventura arriscada a que se ia meter.
Pensando nos companheiros e nas donzelas e já ouvindo, na imaginação, os elogios à sua coragem, saltou na piroga e fez-se ao largo.
O rio esbravejava. Grandes troncos boiavam levados na correnteza; remoinhos ferviam ameaçadoramente e, ao clarear dos relâmpagos, ele entrevia o abismo no qual a piroga valia tanto como uma leve folha.
Um tronco abalroou-a impelindo-a com violência e um grande jorro de água, assaltando-a pela proa, advertiu o imprudente moço do perigo.
Ai! dele, era tarde. Pôs-se a remar com desespero, mas a piroga não resistia ao ímpeto das águas e, girando, descia vertiginosamente aos encontrões nas árvores, emaranhando-se em camalotes (ervaçal à beira dos rios), sem que o esforço do pescador a pudesse salvar.
A pesca! Um peixe, ao menos, que servisse de prova aos que duvidassem da sua afoiteza. E o temporal rugia.
Passando, levado na correnteza, via na treva, a um e a outro lado, luzes que assinalavam cabanas. Onde estaria a dele, pouco além do portinho, entre coqueiros?
Em todas, por certo, pediam a Deus por ele.
Gritou. Pobre voz que o vento levou como levava as folhas das árvores! E as águas cresciam medonhas.
Um ramo roçou-lhe o rosto. Estremeceu lembrando-se das iaras traidoras que arrastam os pescadores imprudentes para o fundo das águas. Deviam ser elas que cercavam a sua pequenina piroga. Ai! Dele ... Nunca mais folgaria nos serões ouvindo os cantos alegres, dançando o sapateado á luz do luar.
E porque se precipitara? Não o guiara a mão benigna da Providência àquela ilhota? Não achara ele refúgio seguro naquele ancoradouro? Porque o deixara? Por vaidade e era a vaidade que o ia levando para a morte. E nunca mais falariam nele, outros teriam os amores das lindas moças enquanto que ele, rolando, desapareceria para o sempre no lodo do rio, como dissera a mãe por entre lágrimas pressagas.
Um relâmpago fulgurou e, súbito, sem que lhe desse tempo de desviar a piroga, um grande tronco virou-a. Amadeu nadou enfraquecidamente, lutando com as águas e com a treva e, no delírio, parecia que, de todos os lados, vozes o aclamavam vitoriando-o.
Exausto de forças desceu ao fundo das águas; ainda num derradeiro, supremo esforço emergiu à tona e pareceu-lhe ouvir uma voz, a voz da sua velha mãe, chamando-o : «Amadeu!»
Tentou gritar: a água abafou-lhe o grito e o rio rolou soberbo, tocado pela tempestade.
Hoje, quem se lembra do moço pescador? Só a pobre mãe que o chama com a voz da saudade. Os mais, sempre que aludem á sua morte, dizem: «O que o matou foi a vaidade.» E as velhas acrescentam: «Foi castigo do céu.»
Fonte> Coelho Neto. Apólogos: contos para crianças. Porto/Portugal: Livraria Chardron, de Lélo & Irmão Ltda, 1924. Disponível no Portal de Domínio Público. Convertido para o português atual por Jfeldman.
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