sábado, 27 de fevereiro de 2010

Trova 119 - Jorge Murad (Rio de Janeiro/RJ)


Belmiro Braga (1872 – 1937)



por J. G. de Araujo Jorge, abril de 1959, in prefácio do livro 100 Trovas de Belmiro Braga.

Estranha essa velha e sempre novíssima Minas Gerais. Dá Belmiro Braga e Carlos Drumond de Andrade. Montanhas de ferro, vermelhas, enferrujando-se no ar, pastagens e campos verdes, de águas claras e brancos leites.

Escrevi certa vez: "Inglaterra do Brasil' ao mesmo tempo liberal e conservadora, desconfiada e expansiva, na alta clausura de suas montanhas, fabrica tudo: místicos, satíricos, ironistas, tímidos, aventureiros. Fechada em seus limites, se abre para o alto, voltando-se para o céu, - a sua imensa janela; para baixo olhando de cima e de longe, como de camarote.

De extremos: revolucionária e tradicional. Na política, na poesia, na arquitetura, em tudo. Tiradentes e Bernardo de Vasconcelos, Ouro Preto e Pampulha, Belmiro e Carlos Drummond. Nela os extremos se tocam, se combinam. Vai vivendo assim com sua dupla face, sua alma bifronte.

Terra de poetas, de grandes é a "grande ilha da poesia" brasileira. Não sobrevive só: faz parte de um arquipélago. Mas é a ilha maior, a principal; ontem, hoje. Ilha montanhosa, de altos cumes.

Aqui vamos falar de um de seus filhos, de um de seus poetas: Belmiro Braga.

Aparentemente, pouco mineiro: expansivo, jovial, exuberante, transbordando-se em versos pela vida. Voltado pra fora; ao contrário da maioria: de costas pro mar.

Belmiro era um temperamento simples, sem complicações. Por isto sua poesia escorreu das montanhas como um curso dágua transparente, córrego alegre, tirando música de cada obstáculo, de cada acontecimento.

Nasceu o poeta na Fazenda da Reserva, antigo Distrito de Vargem Grande (hoje Município com o seu nome), perto de Juiz de Fora, a 7 de janeiro de 1872, e morreu em Juiz de Fora, a 31 de março de 1937. Herdou possivelmente a veia poética do avô materno, Francisco Lourenço de Barros, "versejador mordaz" no dizer de Alves Cerqueira.

Filho de José Ferreira Braga, comerciante português, e de Da. Francisca de Paula Braga, brasileira, Belmiro estudou as primeiras letras no "Ateneu Mineiro", em Juiz de Fora, de onde voltou a Vargem Grande com a morte da mãe, ajudando o pai nos negócios.

Esteve depois em Muriaé, em Carangola, e em 1901 era comerciante na Estação de Cotegipe, onde o foi encontrar o poeta nortista Antônio Sales, que passava tempos numa fazenda próxima.

Foi Antônio Sales quem o apresentou depois, em artigo na imprensa carioca, como o "João de Deus Mineiro". Na mesma ocasião conhece Belmiro Braga a Fernandes Figueira, médico, que colaborava em revistas da capital do país, com o pseudônimo de Alcides Flávio. Tornando-se seu companheiro de tertúlias literárias, Fernandes Figueira o orientou, de certa forma, em sua formação intelectual e conseguiu que os primeiros versos de Belmiro fossem publicados no Rio.

Com a divulgação de seus trabalhos Belmiro Braga granjeou em pouco tempo popularidade. E de seu conhecimento em Minas com Antônio Figueirinhas, editor português que andava em viagem de negócios pelo Brasil, surgiu o lançamento do seu primeiro livro. "Montesinas" saiu prefaciado por Batista Martins, um amigo de Carangola, quando ele era comerciante, e Martins, estudante de Direito e jornalista.

Lançado o primeiro livro em 1902, Belmiro publicou depois: "Cantos e Contos", em 1906; "Rosas", em 1911; "Contas do Meu Rosário", em 1918; "Tarde Florida", em 1925, e finalmente, "Redondilhas", em 1934. Escreveu também para o Teatro.

Hoje há em Minas dezenas e dezenas de academias e grêmios literários com o nome do poeta. E Juiz de Fora, muito particularmente, reverencia e cultua a memória de Belmiro Braga que dedicou à "sua cidade", e ao lar paterno, um amor extremoso. Antônio Sales, seu grande amigo, no livro "Retratos e Lembranças" traça, num dos capítulos, um perfil completo do poeta, seu temperamento, caráter e formação. Diz ele:

"O lar paterno era uma obsessão sentimental de Belmiro. O sitio Reserva, onde nasceu e passou a primeira fase da infância, depois tão dolorosa, tão brutalízada pelos maus tratos da vida, esse sítio era a Meca para onde seu espírito se voltava num culto perene".
Um de seus mais tocantes poemas, redigido em forma impessoal, foi este que ele escreveu, depois de uma visita à casa paterna:

"Foi aqui, neste plácido retiro
ouvindo a voz amiga dos teus pais,
que a infância alegre te correu, Belmiro,
a alegre infância que não volta mais.. . "

Num outro poema, dirigindo-se a amigos, exalta a alegria de rever o torrão natal:

"Meus amigos da cidade,
morrei de inveja!
Eis-me aqui na ridente
soledade onde nasci.

"Belmiro era fundamentalmente um homem simples, um homem bom. Tinha direito de se reconhecer como tal no Prólogo que escreveu para o livro "Contas do Meu Rosário":

"Sendo minha alma simples, compreendida por outras almas simples, que prazer! Tudo que a gente faz melhor na vida é aquilo que se faz sem aprender."

E, modesto:

"Que este livro não é uma obra de arte,
mostram suas estrofes sem lavor:
- do triste coração meu verso parte
como o aroma do cálice da flor."

Enganava-se entretanto. Seu livro era uma beleza. Uma verdadeira obra de arte. Sem artificialismos estéticos, fazendo sua poesia como andava, como respirava, ele dava-se todo, de alma e coração, às palavras em que se traduzia. E por isto, as palavras ganhavam essa música simples de cantigas, traduzindo em versos e rimas sentimentos e pensamentos de toda gente. Ele tinha razão, a poesia estava nele, como o perfume na flor, como o pássaro no céu, como a água na terra.

De Belmiro se poderia dizer que ele quase falava em versos. E se não falava, escrevia. Eis o testemunho de seu amigo Alves Cerqueira:

"Comerciante em Cotegipe, Belmiro costumava dirigir-se aos fregueses em versos", porque sentia mais facilidade em se expressar desta forma do que em prosa.

Os amigos de Juiz de Fora, de tanto vê-lo versejar com a facilidade que lhe era característica, acabaram por lhe solicitar versos em todas as oportunidades. O caso de Irineu Rocha é por demais conhecido. Chefe de Oficinas do "Jornal do Comércio" de Juiz de Fora, Irineu lhe pedia quadrinhas a propósito de qualquer acontecimento, do mais alegre ao mais triste, de um batizado a um falecimento.

Um dia, passando pelo jornal, Belmiro soube da morte do Irineu. E como se atendesse a uma solicitação póstuma, homenageou o velho gráfico com estas três quadrinhas:

"Se um seu amigo morria,
êle vinha ter comigo
e umas quadras me pedia
para a morte dêsse amigo.

Hoje, lembrando esse fato,
eu pensei, em mágoa imerso,
que talvez lhe seja grato
ser também chorado em verso.

E assim nestas quatro linhas
venho aqui dizer-lhe, triste:
- Irineu, toma as quadrinhas
que tu nunca me pediste."

Trovador, no velho e no novo sentido da palavra, estava em permanente dueto lírico com a vida. Tudo lhe era assunto para uma quadra, um soneto, uma redondilha. A gente vai lendo e se admirando de que as palavras casem tão bem no fim dos versos, como se tudo já estivesse feito, e o poeta fosse apenas o "Instrumento" que as cantava e divulgava. Foi um grande, um extraordinário versejador.

Com a subversão dos modernos conceitos de poesia, como definir esta poesia discursiva, descritiva, profundamente extrovertida, sem mistérios, limpa e transparente, de Belmiro Braga? E quando falo em Belmiro, me refiro a um sem número de outros grandes poetas que continuam versejando, com tônicas bem postas, métrica, rima, todos os chamados artifícios formais da poesia tradicional.

Que há beleza, emoção, comunicabilidade no que escrevem, não há dúvida. Que realizam autênticas obras de arte, só sectários podem negar. E então teremos que rebatizar o gênero literário de que se servem, já que as correntes modernas se apoderaram da palavra poesia - e erígiram novos tabus de conceituação.

Para os estetas das novas correntes, os cristais teriam de subverter as leis da cristalografia se quisessem permanecer como símbolos de beleza, nos tempos atuais.
Belmiro é um autor que está, de corpo inteiro, em sua obra. Lírico e satírico, mas de uma sátira jocosa, sem maldade, era fundamentalmente um grande emotivo, um sentimental incorrigível. Amigo dos amigos, tomando a própria família como tema permanente de seus versos, êle viveu em versos. Era uma espécie de "ópera" viva, ambulante! Sua vida, sua infância, a vida dos seus, seus negócios, suas pretensões políticas, tudo para ele era verso, era poesia. Até seu próprio testamento, antecipadamente redigiu, numa auto-sátira bem humorada. Nomeado tabelião em Juiz de Fora, em 1903, aproveitou-se logo da sugestão do cargo:

Morto não quero o belengar dos sinos
enchendo de tristeza o espaço imenso,
nem esses tristes, merencórios hinos
da charanga do bairro a que pertenço.

Cante-me o padre alguns textos latinos
por entre nuvens de cheiroso incenso,
mas desde já previno-o: pequeninos,
que os longos textos com prazer dispenso.

No cemitério, nada de discursos!
Acautelem-me ali dessa estopada
os bons amigos dos amigos ursos,

pois, em casa, o orador, à sobremesa,
dirá pensando em mim: "Não somos nada!
Lá se foi o Belmiro... Que limpeza!"

É muito citado o soneto que dirigiu como carta, ao pai da moça, quando seu filho queria se casar:

Artur Fernandes de Oliveira - abraços.
Tens, amigo, uma filha e eu tenho um filho
que desejam da vida o mesmo trilho
palmilhar, a sorrir, contando os passos.

Se o amor os tem prendido nos seus laços,
se entre os dois não existe um empecilho,
tu te envaideces, eu me maravilho,
por vê-los, um ao outro abrindo os braços.

Se dela o coração é manso e puro,
tem ele garantido hoje o futuro
servindo à Pátria com amor e fé.

Mas vamos nestas linhas por um ponto;
o que eu quero de ti, aqui te conto:
- é de Cordélia a mão para o José.

E não satisfeito, na véspera do casamento, mandou ao filho a sua bênção e as congratulações pelo acontecimento:

"Meus parabéns, José, porque suponho
que a vida que a Cordélia te assegura
há de ser de carinho e de ventura
sob a tranqüila paz de um céu risonho.

Dos teus sonhos de moço o melhor sonho
foi, meu filho, essa jovem de alma pura
em cujos dons de afeto e de ternura
todas as minhas esperanças ponho.

Abençoado seja, pois, o laço
que prende para sempre num abraço
os vossos corações de ouro de lei.

Em nossa vida a mesma estrela brilha,
que a mulher que amanhã me dás por filha
é igual àquela que por mãe te dei..."

Depois foram os netos. Abrindo o volume "Tarde Florida" está o poemeto "Versos do Coração", que começa assim:

"Cláudio e Jorge... A minha vida
de amor, carinhos, afetos,
tenho-a toa resumida
nestes dois netos!"

Candidato a deputado estadual, contando com o apoio político de seu amigo, o Coronel Martins Ferreira, de Leopoldina, este lhe escreveu, querendo mexer com Belmiro, que só ia lhe dar a metade da votação, porque a resposta à sua carta lhe chegara em prosa. Belmiro não se fez de rogado. E conquistou a votação inteira com este soneto:

"Meu caro Coronel Martins Ferreira,
candidato extra-chapa a deputado
ao congresso da Câmara Mineira,
desejo ser aí o mais votado.

A minha fé de ofício é de primeira,
vale por um programa o meu passado,
e no congresso não direi asneira
todas as vezes.. . que ficar calado...

Fui caixeiro, depois fui negociante,
e do torrão natal representante
agora aspiro ser como escrivão:

e eleito, espero, mas que maravilha!
- ser pai da Pátria e receber da filha
todo o subsídio, quer trabalhe ou não!

Um outro amigo seu, Abílio Barreto, reclamou de certa feita contra o silêncio do poeta. Já escrevera três cartas e nada de resposta. Belmiro, apanhado em esquecimento, apressou-se em penitenciar-se. E compõe às pressas uma resposta ao amigo Abílio, na própria Agência do Correio:

"Prezado Abílio, perdoa
a resposta demorada:
tu sabes, quem vive à toa
não tem tempo para nada."

Filósofo do povo, ele, com graça e inteligência, ia fixando a alma de sua gente. Estava nele, - ele próprio não sabia que encarnava e simbolizava, em sua poesia, ao fixar a vida, - a alma do nosso homem do interior.

As duas faces da poesia de Belmiro foram sempre estas. Um profundo amor pelos amigos, pelos parentes, aos quais dedicava um sentimento de grande ternura; e o tom chistoso, alegre, com que brindava àqueles a quem não podia dedicar apenas carinho. No fundo, um humor sadio, às vezes irreverente, mas nunca agressivo ou ferino. Era terna e alegre a sua Musa. E acima de tudo, humana.

De certa feita um jornalzinho da terra, chamado "Justiça" pediu-lhe uns versos para um número de aniversário. O trabalho foi feito, pequena obra-prima, mas não foi publicado. Leiam-no e compreenderão:

"Quanto é bela a Justiça! Aplaina escolhos e os interesses vela
do grande e do pequeno.. . E ela, depois,
fechando os olhos e abrindo a goela,
engole os dois...

Reta, ao dirimir uma contenda
ajusta as artes, e, num gesto nobre,
em vez de pôr a venda, põe à venda
os bens do pobre..."

Este espírito crítico de Belmiro, que nascia da bondade de seu coração, se manifestou até em relação aos próprios problemas estéticos. Belmiro, sem mais delongas, não aceitava o modernismo na poesia. Intimamente havia de achar que estes poetas modernos faziam complexa uma coisa que nêle nascia sem nenhuma dificuldade. Mas se o negócio era esse, ele também era capaz de fazer "modernismo". No prefácio de seu livro "Redondilhas", chamando aos futuristas de "um aluvião de turcos que invadiram a praça obrigando-o a cerrar as portas e a recolher, como alcaides e refugos, os seus pobres sonetos, quadras e sextilhas", ele, incoerentemente, publica seu livro, e ainda perpetra poemas desalinhavados, para provar que pode fazer versos iguais.

Floriano de Lemos, em belo artigo que lhe dedicou no "Correio da Manhã", do dia 18 de abril de 1954, cita este outro fato; e comenta:

"A obra de Belmiro Braga é um monumento de naturalidade, graça e delicadeza. Não há em toda ela um verso forçado ou uma idéia nascida sem inspiração. Sabendo fazer poesias rigorosamente parnasianas, não desculpava, entretanto, a mania das rimas difíceis que certos autores tinham. O estilo afetado foi por ele duramente criticado em uma série de quadrinhas que começa por estas duas:

"Recebi de um jovem bardo
uns versos nefelíbatas
de quatro pés, que não tardo
chamá-los... de quatro patas!

Ao lê-los a gente fica
pensando, e afinal descobre
que é sempre uma rima rica
que veste uma idéia pobre."

Realmente, da poesia de Belmiro Braga se pode dizer que, se há rimas e versos pobres, estes são ricos de emoção, de ternura, de beleza.

Em gênero nenhum Belmiro Parece tão à vontade como na trova. Poeta popular por excelência, espontâneo, ele usava a trova com uma facilidade espantosa. E assim como os críticos têm lembrado que Bilac já trazia um perfeito verso alexandrino no nome (Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac), Belmiro Braga trazia uma redondilha menor, um verso de 7 sílabas: Belmiro (Ferreira) Braga. Dele, eu poderia dizer:

"Fez trovas como quem ri
chora, canta, ou roga praga.
Troveiro igual nunca vi:
- Belmiro Ferreira Braga."

Foi ela o seu Universo
cantou-a, sem querer paga,
e ao nascer, trazia um verso:
- Belmiro Ferreira Braga.

Trovador, troveiro ou trovista nato, a trova era uma medida ideal para a sua inspiração, quer desabafando mágoas e alegrias, quer "desopilando" suas inofensivas maldades satíricas. Humorista de fina sensibilidade, servia-se dos versos para fixar coisas, pessoas e fatos, em rápidas caricaturas poéticas.

Neste volume que apresentamos iniciando a "Coleção Trovadores Brasileiros", Belmiro Braga aparece com 100 trovas, líricas e humorísticas. Numa e noutra realizações, foi perfeito. Vamos citar um exemplo de cada face de seu trabalho. De certa feita, Belmiro Braga satirizou um advogado juiz-de-forano, que falava, como diz o povo, "Pelas tripas do judas", mas cacete que nem êle só:

"Um certo orador maçante,
das margens do Paraibuna
ao falar, de instante a instante
vai esmurrando a tribuna.

E quem o conhece, sente
por mais ingênuo ou simplório,
que os murros são simplesmente
para acordar o auditório."

E agora, o Belmiro sentimental, lírico, autor de verdadeiras obras-primas, cujo coração era uma misteriosa e insondável concha univalva a fabricar e expelir pérolas e mais pérolas. Aqui está uma destas "pérolas", dedicada justamente àquela que o deixou órfão, tão cedo:

"Acima de tudo, acima
do céu te devemos pôr,
pois teu nome não tem rima
nem limite o teu amor."

Mas suas trovas não são apenas sentimento. Eram também pensamento.

Despreocupadamente, - com beleza e sinceridade - Belmiro aconselha a dois noivos, no dia das bodas:

"À notícia bato palmas
e mando um conselho aos dois:
- primeiro, casem as almas,
casem os corpos depois."

"Que eu tenho os olhos cansados
de ver (umas mil talvez),
dentro de corpos casados,
almas em plena viuvez."

A verdade em relação a Belmiro Braga é uma só. Um poeta, com tal força de expressão e com tão profundo sentimento de humanidade, não precisa de escolas. É um Poeta.

Sobreviverá a qualquer tempo. Será sempre ouvido. E isto basta. Está cumprida a sua missão.
–––––––––––––––-
Continua – As 100 Trovas de Belmiro Braga
___________________
Fonte:
JORGE, J. G. de Araujo e OTÁVIO, Luiz (organizadores). Belmiro Braga. 100 Trovas. 1959.

Instituto Memória de Curitiba (Eventos)


* 27/02/2010 - 19h - CASA CECY- PARANAGUÁ - PARANÁ:
Lançamento do livro sobre a vida de OSWALDO LOPES da profa. Marilu Cordeiro

* 01/03/2010 - 19h - LIVRARIA CULTURA CONJUNTO NACIONAL - SÃO PAULO:
Lançamento da 2a. Edição do livro NINGUÉM SOFRE PORQUE QUER de Adauto Suannes

* 12/03/2010 - 19h - PORTO ALEGRE - RIO GRANDE DO SUL:
Lançamento do livro DOMINGOS JOSÉ DE ALMEIDA - O ESTADISTA E O HOMEM DE LETRAS DA REPÚBLICA RIOGRANDENSE de Carla Menegat

* 15/03/2010 - 19h - PALACETE DOS LEÕES - CURITIBA - PARANÁ:
Lançamento do livro de Ficção A VERDADE ORIGINAL REVELADA de Luiz Afonso Erbano
& Lançamento do livro MEMÓRIAS DE UM CAIXA DA CAIXA de Neyd Maria Montingelli

* 31/03/2010 - 19h
INAUGURAÇÃO DA NOVA SEDE DO INSTITUTO MEMÓRIA Curitiba - Paraná:

Lançamento do livro CURITIBA 317 ANOS em homenagem ao aniversário de Curitiba e em memória de Túlio Vargas, com a participação de membros do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná e da Academia Paranaense de Letras.

Lançamento do livro DICIONÁRIO DE CURITIBANÊS,com direito a Leite Quente - Trubisko - Cetra - Inhapa - Jococa - Bidê - Foco - etc. Afinal, sejamos universais por cantar a nossa aldeia.

Lançamento da Terceira Edição da REVISTA RAÍZES REGIONAIS, que tem distribuição nacional gratuita e dirigida às Academias de Letras, Institutos Históricos, Instituições Culturais e Universidades.

Eliza Augusta Gouveia Gregio (Lançamento do Livro Sentimentos da Alma)

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Fabio M. Said (Lançamento de “O clã Almeida de Caravelas e Alcobaça”)


Toda família tem uma história para contar. Este livro é a história não de uma família, mas de muitas, todas ligadas entre si por laços genéticos indissolúveis. São as famílias que compõem o clã dos Almeida de Caravelas e Alcobaça, com origem em Lisboa (Portugal) e ramificações sobretudo na Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná.

Pertenceram ao clã Almeida diversos prefeitos de Caravelas (BA), como Ernesto Caetano de Almeida e Achiles de Jesus Siquara, o prefeito de Prado (BA) Orlando Sulz de Almeida, o prefeito de Itabuna (BA) José de Alcântara Almeida, o prefeito de Curitiba (PR) Cyro Persiano de Almeida Vellozo e o prefeito de Santos (SP), deputado e senador João Galeão Carvalhal.

Este livro, fruto de dez anos de pesquisas, contém centenas de minibiografias de doze gerações do clã, álbuns de família, árvores genealógicas, crônicas e testamentos. Contém ainda um estudo sobre a genealogia da família do jurista Ruy Barbosa, que tinha provável parentesco com o clã Almeida. Com rigor documental e entretenimento, é uma obra voltada não só para membros do clã, como também para estudiosos de genealogia e história e para qualquer pessoa em busca de uma saga familiar recheada de elementos políticos e pitorescos, que revelam um pouco sobre o desenvolvimento da família brasileira.

Fonte:
Colaboração do autor.
http://clubedeautores.com.br/book/13482--O_cla_Almeida_de_Caravelas_e_Alcobaca

Ronald Augusto (1961)



Ronald Augusto da Costa nasceu no Rio Grande-RS, 1961.

Poeta, músico, letrista e crítico de poesia.

Ronald Augusto tem publicações e trabalhos culturais de diferentes espécies: além da produção como poeta e músico, possui artigos publicados sobre a obra de Cruz e Sousa, sobre a poesia concreta e sobre a poesia negra brasileira.

É autor, entre outros, de Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004) e No assoalho duro (2007).

Traduções de seus poemas apareceram em Callaloo African Brazilian Literature: a special issue, vol. 18, n. 4, Baltimore: The Johns Hopkins University Press (1995); Dichtungsring — Zeitschrift für Literatur, Bonn (de 1992 a 2002, colaborações em diversos números).

Artigos e/ou ensaios sobre poesia estão publicados em revistas do Brasil e sites de literatura: Babel (SC/SP), Porto & Vírgula (RS), Morcego Cego (SC), Suplemento Cultural do Jornal A Tarde (BA), Caderno de Cultura do Diário Catarinense (SC), Todapalavra, Slope, entre outros.

É co-editor, ao lado de Ronaldo Machado, da Editora Éblis.

Ministra oficinas de poesia.

É integrante do grupo os poETs.

Assina os blogues Poesia-Pau Poesia Coisa Nenhuma.

A produção poética de Ronald Augusto se caracteriza pela coragem e pela experimentação sutil e corrosiva do mundo da linguagem, como indica este depoimento do autor: “A poesia é um objeto estranho, uma contradição que se processa na raiz da função meramente comunicativa da linguagem. [...] O real que ela escrutina e ao mesmo tempo finge nos desvelar, comparece aos nossos olhos vertido em imagem indecisa e, no mais das vezes, conflitante com aquele real que até há pouco julgávamos conhecer como a palma da mão”.(AUGUSTO, 1998:39).

A poesia de Ronald Augusto causa estranhamento no leitor precisamente pela provocação radical que opera no interior da linguagem, no ritmo sincopado e responsável por uma estética que não se conforma com a palavra mimética ou (apenas) escrutinadora do real. O real retratado é o muito próximo, porém irreconhecível, deslocado, ressignificado. Esse real é transformado pela palavra, assim como acontece na oralidade, que tem a capacidade de reinventar significações cristalizadas pela escrita, deslocando-os, readaptando-os. E é precisamente graças a esse legado da oralidade – uma oralidade transfigurada pelos cortes herméticos da poesia – que Ronald Augusto realiza a alquimia entre o que soa familiar e o que soa estranho, entre o que é reconhecível como legado cultural afro-brasileiro (“minha capoeira”) e a maneira como esse elemento atua na interação com o sujeito. Desse encontro, entre universal e individual, entre o evento e o que acontece além do evento, nasce o improviso, a quebra (rítmica, sintática,semântica), como sugere o poeta nestes versos: “assopro [a capoeira] para além de duas /quadras /com imediateza e // antepassadas lâminas // um linguajar / de músculos paisanos//” (1983).

Ronald Augusto trabalha constantemente no limiar desse paradoxo, entre a construção de uma oralidade e de determinados referentes culturais (onde são reconhecíveis o samba, o lundu, a senzala, o pagode, mas também uma maneira diferente de olhar “as resoluções ocidentais”) e a deconstrução dessa que o autor chama de “oralidade atravessada”. Nesse sentido, conforme escreve o prefaciador de Puya, Van Hingo (1987: 9), “a palavra é uma ilha [...] o verso é um arquipélago. Para conhecê-lo deve-se ir estrategicamente ilha a ilha”. E é assim, de palavra em palavra, que Ronald Augusto constrói o seu “canto de provocação”, na medida em que faz dialogar não só o universo afro-brasileiro com outros elementos da diáspora negra nas Américas (o próprio título do livro Puya é uma expressão afro-cubana que significa, precisamente, canto de provocação), mas também – entre si – outros universos sígnicos e estéticos. Isso ocorre, por exemplo, quando o poeta trabalha com a poesia experimental ou, através da epígrafe do livro Puya, retirada do Paraíso de Dante, quando aponta para uma junção na qual o signo é encarado na sua dupla consistência, abstrata e material, conceitual e visual. Decorre disso um cuidado com a sonoridade dos poemas, nem tanto no desejo de prende-los em rimas ou esquemas tradicionais, mas na tentativa de reproduzir aberturas à maneira das jam session, sem cair em virtuosismos afetados e deixando fluir os improvisos ao gosto tenso da fala.

Fontes:
http://algaravaria.blogspot.com/
http://www.msmidia.com/

Ronald Augusto em Xeque



Miscelânea de entrevistas realizadas pelo Jornalista Douglas Resende do diário O Tempo, de Belo Horizonte e entrevista para a Revista Algaravaria

Porque poeta?

Lá pelos meus 12 ou 13 anos, minha mãe me escolheu como o ouvinte primeiro de seus poemas. Aquilo para mim foi uma tortura. Ela lia entusiasmada os seus versos. Meu jeito quieto e reflexivo ou minha condição de filho mais velho, talvez tenham lhe sugerido a idéia de que eu seria o leitor adequado. Fiquei sem palavras. Era tudo muito chato. Uns três anos depois, escrevi meus primeiros versos. Que lição tiro disso? Nenhuma.

Qual sua trajetória literária até o primeiro livro? E do primeiro para o último?

Duas perguntas que suscitam respostas intermináveis. Mas, não vou dar essa alegria ao divino internauta. Escrevi muito e li, durante algum tempo, só Manuel Bandeira. Depois dos poemas motivados pelas paixões da adolescência, resolvi sondar a real qualidade do que eu vinha escrevendo. Entrei em concursos literários. Em 1979, um poema meu mereceu menção de "destaque" num certame que envolvia várias etapas ao longo de um ano. Fiquei feliz porque o júri era composto, aos meus olhos, pelos melhores poetas da época: Mário Quintana, Heitor Saldanha e Carlos Nejar. Ao final do concurso uma antologia foi publicada e lá estava o meu poema. Minha estréia em livro. Meu primeiro livro não foi o primeiro, é que antes dele (1980, 1981), "pirado" com a poesia marginal, editei livrinhos em xerox bem vagabundos e participei de intervenções-bomba de autores independentes na Feira do Livro. O leão de chácara da Feira aparecia para expulsar a patota. Numa dessas, o Heitor Saldanha foi visitar os poetas marginais para prestar sua solidariedade, e folheando os precários livretos, abriu o meu e elogiou com entusiasmo as imagens e metáforas que encontrara. Isto para mim serviu como o empurrão definitivo: pronto, eu era um poeta, meio hippie, mas poeta. Mas, Homem ao Rubro, de 1983, é que foi, de fato, o meu livro inaugural. Eu tinha 22 anos. De lá até agora, é como diz Borges, a cada novo livro, acho que tento reescrevê-lo.

Quais livros fizeram parte de sua formação? Há uma obra com a qual tenha descoberto a poesia de um modo mais contundente?

A obra capital para a minha formação é a de Manuel Bandeira. Sua poesia é tanto mallarmeana, quanto antropofágica, isto é, Bandeira consegue dosar anti-poesia e poesia pura em seu percurso textual; suas traduções, que vão desde o barroco da poeta mexicana Sor Juana Ines de la Cruz (séc. 17), passando pelo poeta e ativista negro Langston Hughes (1902-1967) e chegando até os "poemas à maneira de...", que gosto de interpretar como exemplos de traduções heterodoxas, onde o velho Manu (como o chamava Mário de Andrade) inventa, por exemplo, um poema afivelando a máscara de E. E. cummings. Também adoro sua prosa voltada às questões da poesia, isto é, sua metalinguagem. Itinerário de Pasárgada é um livro incomparável. Outros livros: A Commedia de Dante, Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis, Museu de Tudo de João Cabral de Melo Neto, etc. Nada de especial.

Teve algum incentivador?

Que eu saiba, não. Sempre associei a imagem do chato à do incentivador. Hoje em dia há a figura do motivador, pior ainda. O incentivador esconde um moralista. Prefiro os opostos e complementares: o admirador e o crítico.

Recebeu ou recebe conselhos importantes de escritores? Como foi e é o diálogo com outros escritores?

Escritor que dá conselhos não merece crédito. O diálogo com os outros escritores não difere muito daquilo que acontece com qualquer pessoa que vive em sociedade, é preciso que haja afinidades eletivas. A expressão parece pernóstica, mas é isso. E é comum acontecer que o seu melhor amigo seja um torcedor obtuso do time adversário. E tem aquele para quem a gente dá "bom dia" não se sabe porquê, o sujeito não fede nem cheira. Vá de retro.

Tentou vários gêneros literários? Ainda os pratica em segredo?

Quando fiz curso de interpretação teatral (fiz e, por enquanto, não nego), escrevi textos dramáticos. Passou. Na mesma época, década de 80, também escrevi alguns contos. Passou também.

Com que se inspira para escrever? O que é matéria para a poesia? Com quantas metáforas se faz um poema? Quando escreve, qual o efeito estético visado?

Geralmente aquilo que me "inspira" é alguma solução de linguagem que hesita, como diz Valéry, entre som e sentido, uma paronomásia, para usar um conceito de Roman Jakobson. Qualquer coisa pode se tornar matéria para um poema. Do contrário, eu estaria jogando as minhas fichas no anacronismo da "poesia pura". Um poema se faz com metáforas boas. Dependendo da situação, nenhuma metáfora é a melhor saída. Aliás, na minha opinião, a metáfora representa o kitsch da função poética. Qualquer resposta criativa no trato com a linguagem que ponha em cheque a sua naturalização (da metáfora) e os medianeiros da metaforização indecorosa, seráválida. Eu viso um poema que suscite muitas e contraditórias leituras.

Tem obsessão em reescrever o mesmo texto? Ou a emenda é pior do que o soneto? E mais: guarda tudo o que escreve? Ou elimina sumariamente?

Homem ao Rubro foi um livro escrito a partir desta perspectiva, da reescritura em abismo. Hoje em dia, sou mais atraído pelos poemas "errados e estropiados", como diz o poeta Mauro Faccioni, da Ilha do Desterro. Não guardo, não. Também não tenho livros engavetados. Minha produção é mirrada. Atualmente, considero que tenho dois livros in progress, só. Livro pronto, na gaveta, nenhum.

Para escrever, precisa conhecer muitas cidades e ler todos os livros?

Algumas cidades e alguns livros. Passei minha infância no Rio de Janeiro, mais exatamente em Niterói. Depois, durante a crise dos meus 30 anos, morei em Salvador/BA. Ambas são cidades fundamentais para mim. Mas, éclaro que tudo depende da leitura, do nosso ponto de vista de forasteiro. E as cidades estão na base das mitologias da modernidade. Baudelaire, T. S. Eliot, Oswald de Andrade, etc., todos os grandes poetas do cânone ocidental leram o livro das cidades.

Há idéias ou imagens que lhe perseguem no fio dos anos e das obras?

Não, acho que não. Talvez porque me assuste um pouco a questão da repetição ou da auto-imitação, estou sempre tentando experimentar lances novos. Não chega a ser uma idéia, mas a minha divisa é: experimentação.

Como define a sua poesia? Como caracterizaria suas ambições estéticas principais?

Isso é trabalho para os críticos interessados. Mas, para não deixar o divino internauta sem resposta, indico o texto do poeta Cândido Rolim a respeito da minha poesia, que apareceu recentemente em www.cronópios.com.br . Este mesmo texto foi re-trabalhado e ampliado e será publicado oportunamente por Edimilson de Almeida Pereira (MG), que organiza um livro de ensaios onde diversos autores escrevem sobre questões poéticas.

Qual a relação entre seu trabalho e sua escrita?

Nenhuma.

Qual a relação entre sua poesia e as artes plásticas?

Quanto a esta questão, ainda sou poundiano, "a poesia está mais perto da música e das artes plásticas ou visuais do que da literatura", cito de memória. Hoje em dia poderíamos ampliar o parentesco incluindo o cinema. Muita gente se opõe a esta proposição de Pound. Com efeito, ela causa algum desconforto, principalmente para quem vê na literatura este arco generoso a abrigar todas as manifestações verbais marcadas por uma desenvoltura de imaginação. Mas, para Ezra Pound, literatura não é senão a forma refinada desta instituição pernóstica conhecida como sistema literário. Acho que esta proximidade, intuída por ele, entre a poesia e tudo o que não fosse "lixeratura", só confirma a sua devoção a esta arte que é, toda, apenas "cernes e medulas". E há um esforço violento por detrás deste apenasque, agora sim, a literatura é incapaz de experimentar.

Qual a relação entre sua poesia e a música?

Pode parecer estranho, já que também sou músico, mas acho que não há nenhuma relação notável. Gosto muito de música, de fazer e de ouvir. Assim como gosto de cinema. A música na minha poesia representa um estímulo como qualquer outro. Quando faço um poema, deixo o músico no banco de reservas.

Em que geração literária você se concebe? Ela tem um projeto definido?

Minha formação se deu durante a década de 80 e meus primeiros livros também foram publicados neste momento. Os teóricos de estética acomodam este trecho histórico dentro do período pós-moderno. Um traço desta geração parece ser o de uma construção poética que se espoja num pastiche tanto do passado como de um futuro algo cínico.

Como vê a pontuação na (sua) poesia?

Não vejo, porque não a utilizo. Exceto quando busco algum efeito icônico, por exemplo: um parêntese aberto sugerindo um "crescente", uma "vírgulágrima", etc.

Como percebe suas principais qualidades como escritor? Há algum defeito de que não abra mão?

Não sei se é uma qualidade, mas só começo a escrever quando acho que esbarrei em alguma coisa que escapa à convenção. Um defeito de que não abro mão: os parênteses.

Muitos poetas hoje apresentam uma versatilidade acadêmica. Eles falam várias línguas, traduzem, fazem ensaios, críticas, resenhas, estudam várias disciplinas. O poeta precisa ser um erudito? Poesia só se faz com muito estudo?

Os poetas contemporâneos não se envergonham de um certo virtuosismo técnico a que se submetem ludicamente. Transitam com leveza pelo círculo vicioso da competência. Sua erudição é um banquete após uma expedição de conquista. O refinamento é tudo. Numa espécie de réplica soft ao politicamente correto, re-instauram o poeticamente correto.

O que mais lhe agrada em um poema, dado o variegado múltiplo da poesia atual?

A beleza do difícil que ele possa conter. E a coragem da anti-poesia, que pode ser uma tradução para a beleza já referida.

A poesia tem prestígio no âmbito da nossa cultura?

Não, acho inclusive que a condição marginal da poesia, relativamente ao prestígio gozado por outras formas de linguagem no âmbito do embate cultural e malgrado o risco de desaparição que tal marginalidade pressupõe , é interessante porque obriga o poeta a assumir uma postura de maior autonomia crítica. E jáque nada se espera dele, talvez desde aí possa surgir alguma coisa.

Qual a função social da poesia?

Propor formas estéticas ao indecidível e ao equívoco que marcam o privado e o individual, de modo que eles disponham de forças para a deglutição meditativa/corrosiva dos signos do espaço público.

A poesia se esgotou como gênero literário? Se não, que caminhos podem evitar um futuro esgotamento?

Se eu soubesse como identificar os sinais de um tal esgotamento a rondar a arte da poesia, eu não os revelaria. Injetaria o contraveneno só na minha poesia. Você pensa que é mole ser um novo Homero?

Há obras meramente comerciais de poesia? O que pensa delas?

Alguém já disse que a expressão "poesia formalista" é uma redundância, pois poesia é forma, mesmo. Então, "poesia comercial" para mim, é uma contradição entre termos. Tem poesia ruim, isto é uma coisa. Mas, se é comercial, não é poesia. Portanto, a indignação de Augusto de Campos dizendo, num seu poema, que não se vende, tem algo de moralismo teatral. Faltou aprender a lição de Pessoa/Ricardo Reis: "Cala e finge./ Mas finge sem fingimento".

Quanto tempo dedica à leitura de crítica literária? Concorda com a idéia de que, nos jornais e revistas, ela está mais digestivo-introdutória do que analítico-crítica?

O tempo que dedico à leitura de textos críticos é mesmo que dedico à leitura de poesia, isto é, o tempo que dura o prazer textual. Meu desejo de linguagem dita as regras. O jornalismo literário tende cada vez mais a tornar-se um mero relações-públicas do mercado editorial.

Políticas literárias: faz qualquer negócio para sua obra ser editada? é justa a percentagem que fica para o editor e para as livrarias? É justo que o escritor seja a causa produtora de um sistema literário que não o beneficia corretamente? O que se pode fazer?

Não. Não. Não. Aproximar a poesia da música e das artes não-verbais. Afastá-la da literatura do sistema literário.

Quais são os vícios e as virtudes da poesia brasileira moderna e contemporânea?

Só um: o verso livre. Embora seja um exagero insistir em dizer que o "ciclo histórico do verso está encerrado", parece ficar cada vez mais claro que o verso livre modernista que, diga-se de passagem, a maioria pratica ainda imperitamente, sem fazer vacilar suas contradições e possibilidades constitutivas experimenta um momento de estagnação. Nem mesmo as vanguardas, que inventaram a "música sem-versista": o poema como uma constelação suspensa na página; nem mesmo elas conseguiram mudar o quadro. Talvez isso se deva, em parte, a precoce canonização do versolibrismo. Aliás, sua defesa, em alguns casos, foi tão dogmática quanto a dos que o repudiavam. O verso livre ainda tem alguma coisa a ver com o verso metrificado que pretendeu substituir.

"Escrever sobre escrever é o futuro do escrever"? (Haroldo de Campos)

Escrever sobre escrever sempre fez parte do nosso repertório, desde Homero, passando pelos griots africanos, pelos cantores provençais, pelos simbolistas, etc., e chegando até aqui. A metalinguagem está no passado da tradição e no presente que põe em cheque ou em movimento este passado. Escrever sobre escrever é um dos quesitos do escrever. Se isso tem futuro? É cedo para saber.

Alguma epígrafe que o acompanha sempre? Algum epitáfio lhe contém?

Invejo o poeta peruano Mirko Lauer que colocou como epígrafe ao seu livro Os poetas en la republica del poder, esta maravilha de José Lezama Lima : "...el encapotado odio de siempre de los poetas tejedores de la gran resistencia en contra de los asquerosos y progéricos, porcinos y tarados protectores de las letras". Como epitáfio, um poema-verso do Ricardio Silvestrin: "quero ser cromado".

Como você se vê frente ao recebimento de originais? Comenta tudo o que recebe?

Hoje em dia considero um trabalho. Quando me pedem para ler, eu cobro pela leitura e escrevo um comentário crítico. É claro que leio, "na faixa", os originais dos poetas de minha predileção e geração. Neste caso, não estou na posição de orientador, volto a minha condição de fruidor. Ultimamente ando lendo, entre outros, os originais do Ademir Demarchi e do Paulo de Toledo, estou adorando. Ambos grandes poetas que conheci de uns anos para cá. Outro poeta de quem espero e recebo sempre poemas perturbadores, é o Cândido Rolim, autor do livro Pedra Habitada.

Que livro prepara? Qual seu eixo principal?

Os editores da Ameopoema, Alexandre Brito e Ricardo Silvestrin, querem lançar um livro reunindo todos os meus livros anteriores ao Confissões Aplicadas, editado pela mesma editora em 2004. Acho uma bela idéia, jáque estes livros remotos tiveram edições bastante reduzidas. O Homem ao Rubro, por exemplo, foi o de maior tiragem, teve 300 exemplares.

Além de poeta que tem seus versos publicados no papel, você é músico e letrista. Uma coisa influencia a outra? Ou são produções separadas?

Tenho uma vida dupla. Mas a vivo sem grandes traumas. Não misturo as duas formas de arte. Entretanto, não obstante a conjunção entre poesia e música seja uma realidade estética possível, decidi não enveredar por esse caminho. Para mim, o poema tem uma música toda peculiar que pode eventualmente prescindir de sua presença digamos assim audível no mundo; o poema pode ser fruído no silêncio do pensamento do leitor. Não se trata de recusar sua performance oral, isto é, a enunciação à viva voz do verbal para além da sua visualidade na página impressa. Já a canção é "palavra voando" (como escreve James Joyce), um lance de linguagem cujas regras se ligam à respiração vital do corpo. Em resumo: minha poesia está nos livros e minha música (compósito inextrincável de letra e melodia) nos CDs que lancei individualmente ou com a minha banda Os poETs.

Você acaba de participar do "ECO: Performances poéticas", na cidade de Juiz de Fora. Como você vê a performance como meio de expressão da poesia? Você escreve poemas para serem lidos em voz alta ou em algum tipo específico de performance?

Escrevo poemas para serem fruídos, não importa a maneira encontrada pelo leitor-executante-intérprete para alcançar esse ponto de re-invenção. Sempre gostei de simplesmente ler o poema, sem quase nada de intensidade teatral que, não raro, resulta em retórica altissonante típica de um gosto retrô, que ratifica a imagem da poesia como essa coisa caipira, esse vociferar maneirista do coração. A performance é um meio de expressão possível da palavra poética. Cada poema, potencialmente, inaugura e exaure uma chance de linguagem. Assim, cada performance deve se lançar desde a específica solução estética constitutiva do poema.

Quais são suas principais referências na poesia? Numa resenha do seu Confissões Aplicadas (Ameopoema), Ricardo Aleixo fala de um "mixer" que inclui a poesia concreta, que inclusive tem a ver com a idéia contemporânea da "materialidade" do poema.

Manuel Bandeira é o maior, a vida inteira. Para mim, dentro da tradição brasileira, o poema "Organismo", de Décio Pignatari, é o mais importante do século XX: a conquista para a poesia de uma visualidade cuja precisão opera sobre a imprecisão do icônico transformado em simbólico, ou do verbal em trânsito para o não-verbal. Uma poesia (a visual) que nunca resta no lugar onde há pouco a deixamos.

Qual o último livro de poesia que você leu? E qual o último que você releu?

Estou finalizando a leitura de A Lógica do Erro, de Affonso Ávila (é verdade, não faço média com a tradição poética mineira, não!). Sou um admirador do Affonso, o sábio da poesia do escárnio. O poeta sabe dar ao erro, ao defectivo da linguagem, o assentamento de um quatro que se contenta de seu pé quebrado, porque foi arduamente conquistado, cito um pequeno trecho: "o infenso à inferência do lobby/ de palavras astutas artísticas...". Estou relendo os contos de Kafka enfeixados no livro Um Médico Rural (tradução de Modesto Carone). Mais do que com a lógica do sonho, o autor de O Processo lida com a lógica do pesadelo. Kafka reinventa o humor numa perspectiva exasperante.

Além das questões formais, é possível falar de um universo representado por seus poemas? Quero dizer, se o lírico seria a manifestação de um "eu interior", que eu é esse nos seus poemas? E no caso de No Assoalho Duro (Éblis), seu último livro? Ronaldo Machado menciona suas leituras de Nietzsche como fator relevante em seus poemas...

Mas além das questões formais não há mais nada. Poesia é forma, mesmo. Forma: estrutura significante de controle do acaso, plasticidade do pensamento-arte. Gostaria de lembrar uma máxima mallarmeana, diz assim: quem fala no poema não é o poeta, mas a linguagem, ela mesma. A poesia contida nesse livro é a que me foi possível conquistar durante os três anos em que vivi em Salvador, Bahia. Em Nietzsche, vontade de poder se resolve criticamente em vontade de engano. A alegria do engano e a poesia como essa viagem empreendida pelo leitor ao (seu) desconhecido.

Qual a história de No Assoalho Duro? São poemas escritos entre 1988 e 2006, o que é um longo intervalo de tempo. Trata-se de uma reunião de poemas aleatórios ou existia uma consciência de um livro sendo gerado ou nada disso?

É um livro-resto, livro-refugo. Um álbum de formulações de linguagem expurgadas, colocadas de lado, deslocadas, postas à prova da margem, do derrisório. Quando comecei a organizar o livro, resolvi partir do seguinte ponto: configurar um livro não-virtuoso, isto é, que não ratificasse essa "costumização" que o poeticamente correto impõe ao discurso de muitos dos meus pares.

Você trabalha também na veiculação de poemas, como editor (além de exercer a crítica literária). É uma coisa cada vez mais comum essa pulverização dos mercados, conteúdos veiculados pela internet, selos independentes de pequenas turmas de escritores, em locais específicos, talvez atingindo públicos também mais localizados, ao contrário da lógica globalizante da indústria de massa. Como você percebe e vive isso?

Sinto-me confortável, por enquanto, dentro da figura do poeta-crítico, ou seja, acho importante pensar sobre os limites, as singularidades e as imposturas do gênero, tentando escrever, inclusive, poemas que inventem outros problemas. O poema não tem que resolver nada. De resto, um bom poema não admite solução. A veiculação a que você se refere é mais ao trabalho da editora Éblis que conduzo em parceria com Ronaldo Machado. Mantemos diálogo com muitos poetas e realizações estéticas. Vivemos um nutrimento mútuo. Hoje, o atrito vertiginoso entre diversas ações relacionadas à poesia é uma experiência valiosa. Relações transversais abertas no espaço-tempo virtual.

A internet se tornou um lugar de encontros, disseminação, uma espécie de mercado independente e paralelo. Você possui o blog Poesia-pau. Como você atua na internet, no blog e de outras formas? Você acha que o potencial da internet está sendo bem usado no caso da crítica e difusão da poesia? Do lado da crítica, às vezes não é tão fácil encontrar fontes e escritos consistentes...

A internet permanece em movimento, para o bem e para o mal. Ainda está por ser feita uma análise mais abrangente acerca de suas simulações, desdobramentos e invenção de uma nova ordem sócio-cultural que esse meio, quem sabe, estaria apto a nos oferecer. O que é interessante de observar na dinâmica sígnica da rede mundial é que é possível fazer conviver de forma mais rente o pensamento refinado com a intervenção cultural prática. Há uma agilidade saudável na tensão entre esses dois pólos tradicionalmente cindidos. Do lado de cá do não-internético também há muito texto crítico de segunda categoria. É apenas uma questão de intensidades.

Fontes:
http://www.artistasgauchos.com.br/
http://algaravaria.blogspot.com/

Sarah Goulart (A Relação do Artista com a Mídia e a Arte da Boa Comunicação)


No último final de semana (9/maio/2009) participei do evento Papo de Artista, promovido pelo Portal Artistas Gaúchos, na Farol, em Porto Alegre, com o tema “A relação do artista com a mídia”. A grande quantidade de artistas presentes, para uma tarde de sábado, comprovou que este tema chama a atenção da classe artística. Ficou clara a dificuldade sentida por eles em conseguir um mínimo espaço junto aos veículos de comunicação para divulgarem seus projetos, seus trabalhos, sua arte. São artistas visuais, músicos, escritores, poetas, entre outros, que batalham e acreditam na sua arte e desejam vê-la reconhecida. Querem que sua mensagem chegue aos seus públicos e precisam da mídia para isso.

A questão é essa, uma boa comunicação com a imprensa também pode ser considerada uma arte. Não uma arte do artista e sim do assessor de imprensa cultural. Um jornalista formado, preparado para ajudar o artista a disseminar o conteúdo de seu trabalho. Todo o artista deveria ter o direito de exercer com plenitude e tranqüilidade o seu talento, assim como todo o artista tem o direito de ter seu talento divulgado com profissionalismo.

Junto com a jornalista Luciana Thomé, também assessora de imprensa cultural, conversamos sobre isso, abrindo espaço para que os artistas presentes expusessem suas dúvidas. Como produzir um bom release? Qual o melhor horário para fazer uma ligação para a imprensa? O que rende uma nota exclusiva em alguma coluna? Como agendar uma entrevista? Quanto tempo antes do lançamento a pauta deve ser encaminhada? O que é um press kit?

A relação do assessor com os jornalistas (seus colegas de profissão) facilita esse trabalho e garante melhores resultados. O profissionalismo evita erros comuns que podem ser cometidos quando a divulgação do trabalho do artista fica a cargo de alguém não especializado no assunto (em geral um parente ou um amigo).

Sabemos que nem sempre o artista tem orçamento disponível para poder custear uma assessoria de imprensa. Não há uma tabela de valores para isso. Tudo dependerá das demandas de trabalho. O Um lançamento de livro, por exemplo, é muito mais em conta do que um lançamento de filme, que geralmente tem financiamento. Essa é outra questão importante e deve ser abordada. Muitas vezes o artista esquece de acrescentar ao seu projeto o orçamento para divulgação. Chegada a hora do lançamento, precisa tirar do próprio bolso, ou fazê-lo de forma precária.

Uma artista presente afirmou durante o bate-papo ter gasto mais na impressão de panfletos, do que investiria em um profissional de assessoria de comunicação. É preciso medir o custo benefício. Um bom relatório de imprensa, com análises qualitativas e quantitativas da clipagem publicada, pode ser muito útil, para obter apoios e patrocínios - afinal quando apóia ou financia um projeto, a empresa e/ou entidade quer dar visibilidade a sua marca.

Para melhores resultados, o ideal é o assessor acompanhar o projeto desde o princípio. Ele poderá auxiliar o artista desde as definições de datas, o que é fundamental em alguns casos, através de um planejamento estratégico de comunicação, até a elaboração do relatório final. O assessor redigirá e aprovará com o artista os releases, notas exclusivas e sugestões de pauta, de acordo com a linguagem necessária, unificando o discurso. Ele sabe como devem ser encaminhadas as imagens para ilustrar a pauta – digo e repito, uma boa foto vende uma nota. Ele tem um mailing completo, com praticamente todos os contatos dos jornalistas que escrevem sobre arte e cultura em jornal, revista, rádio, TV, sites e blogs. Mas principalmente, ele tem essa relação, tão almejada pelos artistas e que fará com que seu projeto se dissemine.
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Sarah Goulart

Jornalista, atuante na área de assessoria de imprensa cultural.
Entre os trabalhos já realizados, destacam-se a divulgação local e nacional de importantes projetos culturais de Porto Alegre, como lançamentos de filmes, espetáculos teatrais, livros, exposições e festivais.
Na área de cinema é responsável pela CineEsquemaNovo – Festival de Cinema de Porto Alegre, desde sua primeira edição.
Fez os lançamentos dos filmes “Cão Sem Dono”, de Beto Brant e Renato Ciasca (em Porto Alegre); “3 Efes”, de Carlos Gerbase (nacional); “Nome Próprio”, de Murilo Salles (na última edição do Festival de Gramado e seu lançamento no RS e SC); “Ainda Orangotangos”, de Gustavo Spolidoro (filmagens e lançamento).
Atualmente atende o núcleo de cultura do Instituto Cultural Brasileiro Norte-Americano. Em abril fez assessoria de imprensa para a segunda edição da FestiPoa Literária.
É a responsável pela implantação da área de Assessoria de Imprensa na Maria Cultura, empresa gaúcha que trabalha com comunicação cultural.


Fonte:
Artistas Gaúchos

Celso Sisto (Circo Mágico)



Hoje tem marmelada? Hoje tem goiabada?!

Provavelmente os mais antigos conhecem o verso: hoje tem marmelada? Tem sim senhor! Hoje tem goiabada? Tem sim senhor! E o palhaço o que é? É ladrão de mulher! Com esse bordão se anunciava a chegada do circo! E atrás, vinha o desfile das atrações. E algumas atrações dos grandes circos atravessaram o tempo, como os palhaços Piolin e Carequinha ou o mágico Houdini. E assim como a acrobacia circense extrapolou os domínios da China, o circo ainda vive, nos quatro cantos do mundo!

E circo sempre desperta a imaginação. Pode ser o circo de antigamente ou os novos circos, com bichos ou sem bichos, de variedades ou temáticos (como costumam ser os circos modernos!), daqui ou de longe, brasileiro ou estrangeiro. Não importa! A imaginação se arma para a festa, para a surpresa e para o riso, tudo na base da emoção. E de repente todo mundo parece ter a mesma idade, mesmo que tenham variados tamanhos e diferentes anos de vida.

Mas se circo atiça a imaginação, também provoca poesia.

No livro “Circo mágico” vamos encontrar 20 poemas sobre os personagens clássicos de um circo; desde o bilheteiro ao apresentador; do tratador ao adestrador de animais; do equilibrista ao domador; do palhaço ao malabarista. O livro é quase uma fotografia da família circense, dessas charmosamente amareladas feitas por um lambe-lambe. Digo “fotografia” porque os poemas “focalizam” justamente o elenco que compõem um circo. Mas são mais do que mero registro de luz e sombra, mais que papel e líquidos reveladores e fixadores! São poemas revestidos pela química do tempo e do olhar perscrutador do poeta.

Mas não é assim tão simples. Falar de cada tipo desses na forma de poema é a proposta do livro. E não é poema desses rimadinhos pra ficar bonitinho. Não! São poemas bem construídos com versos grandes ou pequenos, com estrofes (“divisórias”) maiores ou menores; com palavras conhecidas ou desconhecidas. O que importa é que os poemas não são simples jogos de palavras (a poesia infantil, por vezes, esquece o jogo dos sentidos para ficar apenas no vazio dos jogos de palavras!). Eles apontam para a brincadeira sim, para a delícia das palavras sonoras, para o ritmo da fala (poema sempre é melhor quando lido em voz alta!), mas também para umas idéias engraçadas e brincalhonas, como no poema “a mulher borracha”:

a mulher-borracha
é que tem jogo de cintura

parece de látex
retorce pra lá, retorce pra cá
vira do avesso
se estica toda
que nem cobra, lombriga, minhoca
até encostar o umbigo nas costas
então se desenrosca

depois
coça a cabeça com o pé
as pernas põe atrás da orelha
e sai caminhando com as duas mãos
sobre os dedos
na maior

mas o namorado largou dela
diz que era muito enrolada.

O poeta vai jogando com o sentido duplo das coisas, em vários poemas, como faz acima, com o verso “diz que era muito enrolada” ou, como faz no verso “para o homem-bala/ a vida é um tiro no escuro”, do poema “o homem-bala”. E com isso, instaura o riso. Ou faz cessar o riso e instaura a reflexão, como no poema “o palhaço”:

o palhaço
tem cinco filhos
riso, sorriso, risada e gargalhada.

o mais velho
fica em casa
veste preto
gosta de rock pesado
vara noite e madrugada

se chama lágrima

Como num circo de verdade, os poemas do livro conseguem despertar no leitor uma gama de emoções muito grandes, que vão do riso ao suspense, da melancolia ao medo, por exemplo. E num circo de sentimentos, a emoção, por vezes, é um corte, como neste poema:

a mulher do atirador de facas
confia no marido de olhos fechados

errar é humano
mas ela nem desconfia

Se no circo é o “número, a cena” quem traz a marca do sentimento (por exemplo, um número de palhaço traz sempre a marca do riso, a platéia sabe que vai rir com aquele número), no livro, o personagem descrito no poema além de trazer uma marca prévia, conhecida, é acrescido por um discurso que reforça ou desconstrói tudo isso, de uma forma inusitada. O sentimento impresso no tipo que ele representa é reforçado pelo discurso, é somado ao discurso, mas com um toque a mais (do contrário seria a repetição do que já se sabe ou se conhece!). Vejamos, por exemplo, o poema “o mágico”, em que o sentimento de surpresa emerge de várias formas, seja pelas mágicas executadas pelo mágico, seja pela falha do mágico em suas próprias mágicas, como se o poema construísse e desconstruísse o “natural” dos personagens, dos tipos que cria, indo além de uma mera descrição:

o mágico
gosta de enganar os olhos da gente

fazer sumir e aparecer coisas
é com ele mesmo
nessa hora ninguém pisca
todo mundo quer ver se decifra
e num passe de mágica
o que se escafedeu se desescafede
e reaparece

quer ver o menino rir
a mocinha sorrir, o velhinho feliz
nem que seja por um instante só.

mas a sua maior mágica
é fazer gente grande virar gente pequena

quando não funciona, ele pensa:
ó, que pena

Ainda poderíamos pensar que em “circo mágico”, os poemas mostram o lado espetacular e o lado humano de cada tipo desses. Como se fosse um espelho. Ou como se fosse o “de dentro e o de fora”:

a mulher que engole fogo
é cuca fresca
não se queima com nada

era fogo quando criança
quase incendiava a casa
mas de noite
nada de xixi na cama

não gosta de pilotar fogão
prefere uma churrasqueira
uma fogueira, um fogo de chão

certas piadinhas ela não aceita
quando se irrita solta fogo pelas ventas

sabe que não é bonita
mas também não é nenhum dragão


Há, contudo, no livro, umas frases sob medida, construídas para ficarem rodando na cabeça do leitor, como esta do poema “o apresentador”:

(...)
tem que entrar no picadeiro de peito aberto
pra fazer o céu chegar mais perto Ou uns toques-revelação contidos em alguns poemas, como este do “tratador de animais”:

o tratador de animais
é um cara intratável
prefere viver com os bichos
... são mais verdadeiros
(...)

Mas, no final das contas não é isso o que a poesia quer? Ficar morando nos olhos, na memória, no coração do leitor? O mais legal é isso, esse jogo de dubiedades, de ritmos, de graças, de sentimentos, que fazem dos poemas desse livro, um festival de brincadeiras sonoras e imaginárias, em que a palavra corporifica o seu significado real, ampliado, renovado, atualizado pelo simbólico. Precisa mais?

Em última instância, o livro fica a nos lembrar que para sentir e se espantar com o que os olhos vêem e com o que os outros fazem de espetacular, não há idade. O circo das palavras de Alexandre e Eduardo liberta bichos, feras, homens e meninos. Fazendo tudo e todos conviverem magicamente no mesmo tempo e lugar:

o circo
tem cheiro de pipoca
e algodão doce

é o paraíso
hoje, ontem, amanhã
vira sempre

é um lugar exato no espaço
fora do tempo
dentro do coração

onde o velho e a criança
dão as mãos.

Essa idéia, de paraíso, de lugar idílico, de território que abole fronteiras perpassa o livro em muitos momentos, e certamente ecoará depois que o leitor fechar o livro, principalmente porque a solenidade do significado de tudo isso está magnetizada e aromatizada pelo riso, pela leveza, pelo inesperado.

As ilustrações parecem feitas em tela e deixam o leitor ver os risquinhos do tecido, essa textura que é tão própria dos quadros. E as cores são abundantes. E o colorido é uma alegria só. Desenhos com cara de antigos pôsteres de propagandas.

Alexandre Brito estréia em livro solo para criança, e estréia muito bem. Traz consigo a experiência da banda “os poETs”, da qual faz parte. Eduardo Vieira Cunha entrou com as ilustrações amplas e enxutas. Na medida. A dupla faz samba, quero dizer, poesia pura, em vários sentidos!

Fonte:
Artistas Gaúchos

Celso Sisto (1961)


CELSO SISTO nasceu no Rio de Janeiro em 16/06/1961 e vive atualmente em Cidreira (RS).

É escritor, ilustrador, contador de histórias do grupo Morandubetá (RJ), ator, arte-educador, especialista em Literatura Infantil e Juvenil pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura Brasileira, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Doutorando em Teoria da Literatura, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Estreou na literatura em 1994, com o livro Ver-de-ver-meu-pai (Nova Fronteira) e tem hoje 36 livros publicados para crianças e jovens, tendo, inclusive, recebido alguns prêmios pela qualidade de sua obra (FNLIJ, Altamente Recomendável, Catálogo da Feira de Bolonha, Cantinho da Leitura, PNBE, etc).

É responsável pela formação de inúmeros contadores e grupos de contadores de histórias espalhados pelo país.

Tem viajado pelo Brasil e outros países, fazendo palestras e ministrando oficinas de produção de texto, narração oral e literatura.

Atualmente assina as colunas de crítica literária, Lugar na prateleira (revista Rainha dos Apóstolos), Com a boca cheia de livros (portal Cultura Infância) e no site Artistas Gaúchos.

Fontes:
http://www.celsosisto.com/
http://www.camaradolivro.com.br/

Oficinas Literárias Gratuitas no Centro Cultural Auxílio ao Tema (Porto Alegre)


Nos dias 16,17 e 18 de março o Centro Cultural Zona Sul promoverá

Oficinas Literárias Gratuitas, com vagas limitadas.

Os interessados devem fazer sua inscrição antecipada doando um livro de literatura infantil que será doado para uma Instituição.

Dia 16/03 - Escritora Valesca de Assis: Escrita Criativa
das 16h às 18h e das 18h30min às 20h30min.

Dia 17/03 - Escritora Laís Chaffe: Minicontos e Poesia
das 16h às 18h e das 18h30 às 20h30min

Dia 18/03 - Escritor Rubem Penz - Oficina de Crônicas
das 16h às 18h e das 18h30min às 20h30min.

Inscreva-se!
Entre em contato pelos telefones: 51 3268.1200 ou 51 9964.4412

Oficinas de Rubem Penz

Estão abertas as inscrições para as oficinas ministradas por Rubem Penz.

Oficina de Crônicas Módulo II
Ministradas às quartas-feiras às 14h30
Início: 31 de março

Oficina de Crônicas Módulo I
Ministradas às segundas-feiras às 19h30min
Início: 29 de março

Oficinas de Valesca de Assis

Estão abertas as inscrições para as oficinas ministradas por Valesca de Assis.

Escrita Criativa Avançada
Ministrada às terças-feiras, das 9h às 11h30min.
Início: 23 de março

Escrita Criativa Módulo III
Ministrada às segundas-feiras, das 14h30min às 17h
Início: 15 de março

Escrita Criativa Módulo I
Ministrada às terças-feiras, das 14h30 às 17h
Início: 23 de março

Oficina de Crônicas Do Escritor Fabrício Carpinejar

A oficina de crônica do escritor Fabrício Carpinejar propõe-se a investigar os desafios de compreender, produzir e avaliar a natureza da crônica. Através de debates, jogos e produção textual, o escritor discute os seguintes tópicos: jornalismo literário ou literatura de jornal; leveza e surpresa; diferenças entre crônica e conto; o humor no gênero brasileiro, de Sérgio Porto a Luis Fernando Veríssimo.

Quando: Dias 16, 23 e 30 de março, 06, 13, 20 e 27 de abril, 04, 11 e 18 de maio, terças-feiras, das 9h30 às 11h30

Vagas: 14

Oficina Literária Sintrajufe-RS

Em 1998, com coordenação da escritora Vera Karam, iniciou-se no SINTRAJUFE-RS a Oficina de Criação Literária. Atualmente coordenada pelo escritor Caio Riter, a oficina visa - através de exercícios de desinibição para a escrita, da produção e análise de textos narrativos - qualificar a leitura e a escrita dos participantes.

Anualmente, durante evento na Feira do Livro de Porto Alegre, é lançada uma coletânea com textos dos participantes. Em 2007, foi "A Semente e o Verbo".

As inscrições são feitas semestralmente, durante os meses de março e de julho. Os encontros ocorrem às quartas-feiras, das 19h30min às 22h30min, na sede do SINTRAJUFE-RS, rua Marcílio Dias, 660 - Menino Deus - Porto Alegre-RS - fone: 32351977.

Endereço Marcílio Dias, 660 – Porto Alegre
Telefone(s) 51-3235-1977 E-mail caioriter@uol.com.br

Palavra Mágica - Projetos Literários

O projeto ESCRITOR MIRIM surgiu da observação da ilustradora Alessandra Rosa Cruz às oficinas de literatura infantil ministradas pela escritora Christina Dias. As oficinas terminam com uma produção textual, da qual se origina uma história coletiva, sempre muito divertida e criada em meio a muita brincadeira e alegria. Por que não transformá-las em livro? Surge assim a OFICINA DE PRODUÇÃO TEXTUAL do PROJETO ESCRITOR MIRIM. O objetivo central do projeto é estimular a imaginação e oferecer caminhos para a construção de um texto de autoria do grupo. No final do projeto, a escola promove uma sessão de autógrafos que poderá ser realizada na FEIRA DO LIVRO DE PORTO ALEGRE ou na própria escola, onde cada criança recebe seu livro personalizado e com a mais alta qualidade de impressão.

Ao ver o seu nome escrito na capa de um livro e seu texto veiculado em forma impressa e sendo valorizado pelos demais, a criança desperta o interesse por outros textos e livros, constituindo assim o ciclo da formação de leitores. Desta forma o projeto alcança sua maior meta: a promoção de sujeitos que veem na literatura um ambiente de contemplação e também de criação.

Acesse o site do PALAVRA MÁGICA e veja os livros do projeto publicados.

Porto Alegre Telefone(s) 51-3246-6245 Celular 51-8463-1460
E-mail palavramagica@brturbo.com.br Site www.palavramagica.art.br/

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Centro Cultural Auxílio ao Tema

No momento em que a nossa Zona Sul se abre para um novo ciclo desenvolvimentista gerando as mais variadas expectativas é imprescindível que a cultura se faça mais presente.

É no que está empenhado o Centro Cultural-Pedagógico Auxílio ao Tema em sua proposta de trazer, para os moradores da Zona Sul, um projeto amplo valorizando a cultura, através de cursos, oficinas, palestras, lançamento de livros, contato direto com intelectuais e autores.

Ao lado das atividades pedagógicas, as atividades culturais, voltadas para os mais diversos grupos sociais e faixas etárias, ocuparão, a partir de agora, posição de relevância.

Um grupo de intelectuais se abre novas possibilidades de conhecimentos e tende a aproximar, de todos os interessados, os benefícios da cultura.
Endereço R. Pe. João Batista Reus, 911
Cidade Porto Alegre
Telefone(s) 51-3268-1200
E-mail centrocultural.edu@terra.com.br
Site www.auxilioaotema.com.br

Fonte:
Artistas Gauchos

II Seminário de Direito Militar



10 A 12 DE MARÇO DE 2010

CURITIBA-PR

PROGRAMA:

10 DE MARÇO DE 2010 - QUARTA-FEIRA.

13h20min às 14h20min - Credenciamento dos participantes.

14h20min - Solenidade de Abertura.

14h30min - Palestra de Abertura
Tema: “A Justiça Militar da União – sua composição, competência e perspectivas”.
Palestrante: Dr. Carlos Alberto Marques Soares - Ministro Presidente do STM.

15h30min – Palestra
Tema: “Segundo Centro Integrado de Defesa Aérea e Controle de Tráfego Aéreo – CINDACTA II – Estrutura e Missão”.
Palestrante: Coronel Aviador Leonidas de Araújo Medeiros Junior – Comandante Interino do CINDACTA II.

15h50min às 16h10min - Intervalo para o Café.

16h10min – Palestra
Tema: “Inquérito Policial Militar – princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório – presença de advogado constituído pelo indiciado”.
Palestrante: Dr. Marcelo Weitzel Rabello de Souza - Subprocurador-Geral da Justiça Militar, Presidente da Associação Nacional do Ministério Público Militar – ANMPM.

16h50min – Debates.

17h10min – Palestra
Tema: “A Atuação da Defensoria Pública da União no âmbito da Justiça Militar da União”.
Palestrante: Dra. Olinda Vicente Moreira – Defensora-Pública-Chefe no Paraná – Substituta.

17h50min – Debates.

11 DE MARÇO DE 2010 - QUINTA-FEIRA.

8h30min – Palestra
Tema: “Crimes Cibernéticos em Organização Militar”.
Palestrante: Dr. Demétrius de Oliveira – Delegado Titular do Núcleo de Combate aos Ciber Crimes (NUCIBER) da Polícia Civil do Paraná.

9h10min – Debates.

9h30min – Palestra
Tema: “As demandas das Forças Armadas no Judiciário”.
Palestrante: Dr. Fábio Prieto de Souza – Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

10h10min – Debates.

10h30min às 10h50min - Intervalo para o Café.

10h50min – Palestra
Tema: “Acidente em Serviço – considerações acerca do Decreto nr 57.272, de 16 de novembro de 1965”.
Palestrante: Tenente Washington Luis da Conceição Carvalho – Consultoria Jurídica-Adjunta do Comando da Aeronáutica - COJAER.

11h30min – Debates.

11h50min - Intervalo para o Almoço (livre).

14h00min - Palestra
Tema: “Aspectos Constitucionais do Processo Administrativo Disciplinar Militar”.
Palestrante: Dr. Gustavo Swain Kfouri – Advogado e Professor Universitário.

14h40min - Debates

15h00min - Palestra
Tema: “Responsabilidade Civil dos Agentes da Administração no Âmbito Militar”.
Palestrante: Dr. Flori Antonio Tasca – Advogado e Professor Universitário.

15h40min – Debates.

16h00min às 16h20min – Intervalo para o Café.

16h20min – Palestra
Tema: “Regime Disciplinar dos Servidores Públicos da União - Sindicância e Procedimento Administrativo Disciplinar – Princípios Constitucionais da Ampla Defesa e do Contraditório – Presença de advogado constituído pelo sindicado”.
Palestrante: Dr. José Marcos Manente – Coordenador do Núcleo de Assessoramento Jurídico da AGU no Paraná.

17h50min – Debates.

12 DE MARÇO DE 2010 - SEXTA-FEIRA.

8h30min – Palestra
Tema: "Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e as Forças Armadas".
Palestrante: Dr. Gabriel Pimenta Alves, Coordenador-Geral de Atividades Jurídicas Descentralizadas, Substituto – Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa – CONJUR/MD.

9h10min – Debates.

9h30min – Palestra
Tema: "O Brasil e as Operações de Manutenção da Paz".
Palestrante: Sr. Secretário Breno Hermann - Ministério das Relações Exteriores (MRE).

10h10min – Debates.

10h30min às 10h50min - Intervalo para o Café.

10h50min – Palestra de Encerramento
Tema: “Atuação Especial das Forças Armadas: Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Faixas de Fronteiras e Áreas Indígenas”.
Palestrante: General-de-Exército Raymundo Nonato de Cerqueira Filho – indicado para Ministro do Superior Tribunal Militar.

11h50min - Solenidade de Encerramento.

INSCRIÇÕES GRATUITAS:
Através de e-mail contendo Nome, Posto/Graduação, Cargo/Função, Organização Militar/Órgão Público, Entidade de Ensino (se for o caso), número de telefone e endereço de e-mail para
seminariodireitomilitar@gmail .com até 08/03/2010 – vagas limitadas.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Trova 118 - Maria Helena Calazans M. Duarte (São Paulo/SP)

Johnny Welch (A Marionete)


(tradução de José Feldman)

Se por um instante Deus se esquecesse
de que sou um boneco de pano
e me desse um sopro de vida,
possivelmente não diria tudo o que penso,
mas, definitivamente, pensaria tudo o que digo.

Daria valor às coisas, não pelo que valem,
sim pelo que significam
Dormiria pouco, sonharia mais,
entendo que por cada minuto
que cerramos os olhos,
perdemos sessenta segundos de luz.

Andaria quando os demais se detém,
despertaria quando os demais dormem.
Escutaria quando os demais falam
e como desfrutaria de um bom sorvete de chocolate.

Se Deus me desse um sopro de vida
vestiria simples, me atiraria de bruços ao
deixando descoberto
não somente meu corpo mas minha alma.
Deus meu, se eu tivesse um coração
escreveria meu ódio sobre o gelo
e esperaria que saísse o sol.

Pintaria com um sonho de Van Gogh
sobre as estrelas um poema de Benedetti,
e uma canção de Serrat seria a serenata
que lhes ofereceria à lua.

Regaria con lágrimas as rosas,
para sentir a dor de seus espinhos,
e o encarnado beijo de suas pétalas...
Deus meu, se eu tivesse um sopro de vida…

Não deixaria passar um só dia
Sem dizer às pessoas que quero, que as quero.
Convenceria a cada mulher
um homem de que são meus favoritos
e viveria enamorado do amor.

Aos homens lhes provaria quão equivocados estão,
ao pensar que deixam de enamorar-se quando envelhecem
sem saber que envelhecem
quando deixam de enamorar-se.
Para uma criança, lhe daria asas
e deixaria que ele sozinho aprendesse a voar.

Aos velhos lhes ensinaria que a morte
não chega com a velhice, mas com o esquecimento.
Tantas coisas aprendi com vocês, homens.
Aprendi que todo mundo quer viver
em cima da montanha,
sem saber que a verdadeira felicidade
está na forma de subir o declive.

Tenho aprendido que quando um recém nascido
aperta com seu punho
pela primeira vez, o dedo de seu pai
o terá agarrado para sempre.

Tenho aprendido que um homem
só tem direito de olhar o outro para baixo,
quando tem que ajuda-lo a levantar-se.
São tantas coisas as que teria podido
aprender de vocês,
mas realmente não vai ajudar muito,
porque quando me guardam dentro desta maleta,
infelizmente estarei morrendo.
------------------

Este poema foi escrito por Johnny Welch, um ventríloquo que trabalha no México, com o seu boneco de nome Mofles.

Fontes:
http://www.desdelalma.net/
Imagem = http://crisrubi.blogspot.com/

Carlos Leite Ribeiro (Revista Recanto da Prosa e do Verso – Ano III - Fevereiro de 2010 )


Nita Ferreira
SONETO A FEVEREIRO

O ano caminhando e é já Fevereiro
Do céu cinzento gotas cristalinas
E um vento agreste, frio e desordeiro
Varre a calma das horas peregrinas

Mascarado de alegre feiticeiro
No Carnaval dos anos a passar
Filho que mata a mãe ao soalheiro
Assim na meninice ouvi contar

Mas deve ser mentira ou balela
Pois que debaixo da minha janela
Vi passar o santinho Valentim

Trazia sorrisos, flores e abraços
Tudo numa caixa embrulhada em laços
E um bilhetinho de amor p'ra mim
G G G G G G G G
Ana Maria Nascimento
EROSÃO

Cingida por imensa solitude,
Busco, afinal, ouvir a tua voz
para extinguir esta tristeza algoz
que limitou a minha plenitude.

Mas, sem sucesso, vejo a finitude
surgindo em seu propósito veloz
acompanhada da tristeza atroz
presente em toda a sua latitude.

Àquele espaço ainda chega o pânico
entrelaçado num grande vazio
dando evasão ao ímpeto vulcânico.

A despertar, em torno, um arrepio,
transformando o aspecto do amor romântico,
numa tela de sonho em desvario.
G G G G G G G G
António Barroso (Tiago)
QUADRO SEM NOME

Era a imagem da degradação,
À porta do grande supermercado,
Apático, dobrado,
Com dois cães atados a um varão
Que suportavam a chuva, encolhidos,
Com olhitos meigos de sacrifício.
Ele amealhava, tostão a tostão,
As dádivas dos passantes mais sentidos,
Para, mais tarde, lá p'ro fim do dia,
Ir, de seringa em punho, matar o vício
Debaixo da ponte da ribeira.
Olhei o quadro e sem ironia,
Não senti pena de qualquer maneira,
Apenas me afastei, angustiado,
Calando fundo os sentimentos meus
Por ver os cães, com ar tão devoto,
Olharem aquele tipo escanzelado,
Porco, barbudo, sujo e todo roto,
Como um Deus!
G G G G G G G G
Cibele Carvalho
SOLIDÃO

Que invade o meu quarto, minha cama,
quando minha alma, por ti, chama.
Que domina meu corpo e pensamento
quando, longe de ti, experimento
o gosto do vazio que ficou
no espaço aberto que você deixou.
Com a solidão converso a cada dia
- ela me faz companhia
em meus momentos de dor
e também me acaricia
nas minhas noites de amor.
Reconheço os passos dela
na ausência dos teus passos
e ela é quem se apresenta
quando busco os teus abraços.
Bem diferente de ti,
ela não sai do meu lado
e, em sua boca, deposito
o meu beijo apaixonado.
(RJ, 22/02/10 )
G G G G G G G G
Dalton Luiz Gandin
NAS FOLHAS DA VIDA

Do ponto,
partida ou morte.
Marco sul,
risco pro norte.
Desenho,
assim, seu nome.
G G G G G G G G
Eugénio de Sá
DESISTÊNCIA

Enquanto outros combatem esforçados
eu trêmulo me atenho, impreciso
afivelado ao rosto patético sorriso
num jeito que me traz desfigurado

Simulação de um homem de verdade
sou parco de vontade, de ambição
Mais me não move o gesto e a razão
que o gosto de qualquer frivolidade

Sei desta vida pouco mais levar
que o atavismo de uma alma breve
Já conformada à negação de amar

Que almo inda me pode tornar leve
a terra que me vai acobertar;
outra expressão que tudo isto releve?

Bogotá, Colombia
26.FEV.2010
G G G G G G G G
Fernando Morais

PORTO

Aqui o silvo do comboio velho
ali o prédio acocorado à tarde

ouvem-se passos no lume do poente
é a mulher de xaile que vem de balde

ouvem-se vozes junto ao rio cinza
que o nevoeiro deixa tremeluzir a luz

mais outros passos esgueiram-se no leve
rodopiar das folhas … soma e segue …

o surdo mundo, pouco a pouco fala
nos rumores do voo de andorinhas

são as minhas mãos frias que apetece
meter nas tuas para matar o tempo

mas o tempo não passa como acontece ao dia
somos nós que passamos pelo tempo

e o Porto ajeita-se e estica as pernas
enquanto o sotaque, lindo, permanece.
G G G G G G G G
Flor de Esperança (Maria Beatriz Silva)
JURO

Nunca brinquei no carnaval
Nem nos sentimentos da poesia
Tenho várias formas de expressar alegria

Do carnaval sempre tive outro conceito
Mas... Para encontrar você lindo amor
Na folia vou entrar, pois esse é o único jeito.

No meu bloco imaginário sempre criei nosso cenário
Princesa, feiticeira, cigana... Para você já desfilei
Dança do ventre, tango, salsa, lambada, valsa já dancei.

Mas hoje eu juro que vou entrar nessa folia
Batuque, frevo, samba, suor e poesia...
Sou seu par, sua magia!

Lindo amor por você eu juro
Que vou dançar até o sol raiar
Olha nos meus olhos com desejos de bailar

Pega-me com sede... Com força...
E jura que não vai mais soltar
E que nesse carnaval você veio para ficar

Permita-me uma dança sensual
Estou pronta... Me vesti de Deusa do Amor
Deixa-me ser seu vendaval

No amor fazemos um temporal
Venha com calor,
meu pássaro verde do amor
Sentir esse sabor!

Olha-me dentro do meu olhar
Agarra na minha cintura e jura
Que comigo vai dançar com ternura
Com desejo, com loucura...

Quero um banho do seu amor
Navegar no seu cheiro, no seu sabor
E no embalo dessa dança
Leva-me por onde você for

Sussurra juras de amor no meu ouvido
Beija minha boca com um beijo atrevido
Hortelã é o sabor

Lindo amor jura, por favor,
Que essa dança
vai selar para sempre o nosso amor

Laje do Muriaé - RJ Em 13/02/2010
G G G G G G G G
José Feldman
UM DIA...

Um dia você pega as suas coisas, faz as malas, se despede de quem ama e sai porta afora, para um mundo novo, buscando a liberdade e a felicidade tão sonhada.

Um dia você aluga um apartamento ou uma casa, aprende que tem que cozinhar para si próprio, se quiser comer. Que tem que limpar sua casa, se quiser um lugar organizado, aprende que independência da casa dos pais não implica em fazer o que bem entende. A sociedade tem regras, e você começa a sentir isto na pele, e deve segui-las.

Um dia você vê que só o seu dinheiro poupado durante tantos anos a fio, já não é o bastante, então tem que procurar um emprego, para poder se sustentar. Sempre achava que a liberdade era uma coisa linda e maravilhosa, e você não precisaria se preocupar com nada. Agora vê, que ela engloba responsabilidades, deveres e direitos.

Um dia você se sente deprimido, pois a vida independente não é um mar de rosas, e se arrepende de ter saído da casa de sua família, e pensa em voltar. Mas, também pensa em tudo o que aconteceu para sair, e fica dividido entre o que fazer.

Um dia você descobre que apesar de estar sendo exatamente igual a seus pais, o seu lar é o seu castelo, e você se sente feliz consigo próprio, e assim como seus pais eram os reis na casa deles, você é o rei na sua.

Um dia você descobre que ser rei de seu castelo envolve deveres, direitos e responsabilidades, e que mesmo assim não é fácil, é uma batalha constante para manter seu pedacinho de chão.

Um dia você descobre que está envelhecendo, que está ficando mais chato, mais turrão, a memória está falhando, se sente mais cansado, se sente meio frustrado, pois seus sonhos eram apenas sonhos, e as lágrimas correm tão facilmente em momentos inesperados.
Um dia você percebe que nos momentos que deveria falar, se calou e em outros, quando deveria ficar calado, falou.

Um dia você descobre que muitas coisas que fez não tinham razão de ser, e que se pudesse voltar atrás, mudaria tudo, entretanto, existem tantas outras que mesmo com algum final desastroso, deixaria como está.

Um dia você descobre que os seus verdadeiros irmãos são aqueles que um dia passaram por sua vida e deram um encontrão em você e seguiram adiante. Outros, que estiveram sempre presentes, mesmo que ausentes.

Um dia você descobre que nunca esteve sozinho, que sua família esteve sempre ligada a você em todos os momentos de sua vida, e você sempre, na verdade, seguiu os passos dela, sem nem mesmo perceber.

Um dia você percebe que aquilo pelo qual você sempre lutou só vai ser reconhecido por você mesmo, pelos que acompanharam sua caminhada e aqueles que realmente te amaram, e sempre estiveram a seu lado torcendo por você e incentivando quando você cambaleava.

Um dia você percebe que os verdadeiros inimigos de sua evolução não estão nas ruas, mas dentro da casa que você abandonou, dizendo-se irmãos, primos, sobrinhos, etc. Percebe que você é infeliz, pois ainda está ligado ao que pensam de si.

Um dia você percebe que é hora de se desvincular disso tudo e seguir os seus próprios passos, caminhar com seus pés, fazer sua própria vida e ser aquilo que você quer ser, não aquilo que os outros querem que você seja.

Um dia você percebe que a felicidade está dentro de você, e você tinha este tempo todo a chave para abrir esta porta e liberta-la.

Um dia você vai ter coragem suficiente para deixar suas coisas de lado, abandonar as malas do passado, carregar dentro de seu coração aqueles a quem ama e quem realmente estiveram a seu lado e sair porta afora, para um mundo novo, livre e feliz...

Um dia você vai perceber que finalmente realizou seu sonho e finalmente é feliz.

(Ubiratã, Paraná, 22/05/08)

G G G G G G G G

Hermoclydes S. Franco

"GUERREIRA"

Pelos sonhos de mulher,
guardados no coração,
sonhados a vida inteira...
Pela visão da existência,
pelo calor da emoção,
tu foste, sempre, a primeira...

Nos dons da emotividade,
das intenções mais sutís,
tu és frondosa roseira
que dás perfume e dás flor,
espinhos tornas ternura,
do orvalho fazes goteira...

Pela graça do sorriso,
pelo calor dos abraços
e pelo ser companheira...
Pelo brilho dos olhares
- uma lágrima a esconder -
quanta vez te vi faceira...

Pelo enfrentar dissabores
sem blasfêmias, sempre altiva,
alma quase feiticeira,
que, na fé inquebrantável,
tua força espiritual
forjou-te a Grande Guerreira!...
G G G G G G G G
Humberto Rodrigues Neto
A ÚLTIMA NAMORADA

Já vem descendo sobre mim o outono
desta existência de gentis primores,
quando fui presa e ao mesmo tempo dono
de inesquecíveis e sutis amores!

Quantas premi de encontro aos lábios loucos
num fervilhar de anseios e arrepios,
paixões que agora vão tornando, aos poucos,
meus dias de sol cinzentos e vazios!

Mas neste inverno de uma vida finda,
que me aproxima da eternal morada,
no anonimato eu sei que me ama ainda
a minha derradeira namorada!

O amor que me dedica é uma benesse,
pois nunca teve algo em comum comigo;
dela só espero o mimo de uma prece
e o ramo de uma rosa em meu jazigo!
G G G G G G G G
Regina Bertoccelli
VENTOS E TEMPESTADES

Não temo os ventos fortes,
nem as tempestades violentas
que chegam varrendo tudo,
escancarando minhas janelas,
roubando meu sossego...

Não me importa que raios e trovões
gritem em meus ouvidos,
emudeçam minha voz,
tumultuem meus pensamentos...

Sei que isso é passageiro,
que a bonança virá e me trará de volta
o sol e a revoada de pássaros
farão festa em minha janela...

Mas temo os ventos e as tempestades
de teu coração que atingem o meu
num ímpeto de raiva e fúria descomunal

Chegam de repente, escurecem o meu dia
e me aprisionam no calabouço sórdido
de tua mente perversa e insana

Ah, quanta insensatez há em ti...
Do amor nunca saberás enquanto
viver em teu ser tanta estupidez...
G G G G G G G G
Tchello d'Barros
“M” E “H” NO 609

São Paulo é uma cidade grande, muito grande. M e H conheceram-se numa dessas situações inesperadas, que talvez por comodidade convencionamos chamar de acaso. M, há tempos que estava acostumada com a rotina do metrô, meia hora para ir e outra longa meia hora para voltar. Para suportar melhor esse limbo de tempo inútil, lia revistas de fotonovelas, que adquiria numa loja de livros usados, próxima à estação da Praça da Sé. A monotonia desse trajeto só era quebrada lá de vez em quando, com alguma paquera, pelo fuzuê com algum trombadinha ou algum ator fazendo sua performance e passando o chapéu.

Aquela manhã de sábado com garoa não prometia muito. Vagão cheio, M incomodou-se um pouco por ter que ficar em pé, e cavalheirismo, como se sabe, não anda muito na moda. Incomodou-se um pouco mais quando, no frenesi das pessoas que apressadamente entravam e saíam do vagão, um sujeito passou por trás dela, encostando-se, inevitavelmente. Este momento deve ter durado apenas um segundo, mas foi o suficiente para ela sentir um hálito de hortelã, e ele percebeu a fragrância de alfazema nos cabelos dela. Quando ele se afastou, ela olhou de soslaio, para identificar o atrevido, ao tempo que H, também discretamente, observava sua silhueta bem desenhada pelo reflexo da janela. Ato seguinte, um assento que ficou vago permitiu que a vida voltasse ao normal no escapismo de mais algumas páginas da fotonovela.

Desceu na estação de sempre e depois de mais uma manhã rotineira, ao meio-dia em ponto estava livre, seu fim-de-semana começou com o fim da garoa. Logo ela estava zanzando pelas barracas da feirinha da Liberdade, onde adquiriu umas bonequinhas de origami. O almoço se resumiu à alguns camarões no palito, assim, almoçava caminhando, observando os artesanatos e antigüidades espalhados pelas banquinhas. Naquele vai-e-vem de tanta gente, julgou ter visto o sujeito do metrô, próximo à uns quadros de paisagens japonesas que um pintor apresentava no chão de uma pracinha. Tímida do tipo ousada, aproximou-se para ter certeza, mas não viu mais o vulto, certamente era outra pessoa.

Lembrou-se que precisava renovar o estoque de suas revistas antigas de fotonovelas, e lá foi ela em direção ao sebo. Ao chegar foi diretamente à sala das tais revistas, onde levou um susto, pois ninguém menos que H estava ali, escolhendo alguns exemplares de bolsi-livros de faroeste, sua única distração literária. M imaginou inicialmente que H estivesse lhe seguindo, mas logo concluiu que isso não poderia ser, pois quando ela chegou ele já se encontrava no local. Depois pensou em coincidência, em destino, essas coisas que não entendemos muito bem, e logo já estava fantasiando que fosse algum investigador contratado, um tipo de detetive. Saiu de tais devaneios quando percebeu que ele já não estava mais naquela sala, então tratou de escolher alguns exemplares de revistas para sua coleção. O segundo susto foi na hora de pagar, pois ambos chegaram juntos ao balcão, o que fez com que o balconista perguntasse o típico 'quem está na vez?', o que inicialmente causou um certo constrangimento para ambos, mas foi a ocasião para uma breve troca de olhares e o esboço de um sorriso. O fato de H ter permitido que M pagasse primeiro, foi a senha para continuarem conversando e o manuseio do pagamento permitiu que ambos vissem que nenhum dos dois estava usando aliança.

As recentes aquisições permitiram que a conversa se prolongasse num café próximo dali. Esgotado o assunto das preferências literárias, trataram de puxar outros temas corriqueiros, amenidades bem triviais, apenas umas desculpas para poderem continuar se olhando, um adentrando o semblante do outro, tentando desvendar camadas de personalidades e nuances dessa atração inusitada. Esse mesmo ardente encontro de olhares, sequer permitiu que falassem sobre relacionamentos, fossem anteriores ou atuais, profissões ou endereços, esses itens que definem tanta gente. Eram apenas dois intensos olhares cruzados, que em seguida receberam a cumplicidade de duas mãos que se tocavam de leve, no início, e assim não demorou para que um certo par de lábios ávidos também se encontrassem. A vida naquele momento era apenas um sabor de hortelã e um suave aroma de alfazema, naquela esquina da megalópole.

Não se conheciam, não queriam se conhecer, mas desejavam se entregar. Talvez essa substância abstrata que chamamos de natureza humana, explique o fato de que dentro de poucas horas, já no número 609 de um hotel da rua Ipiranga, o par estivesse resfolegando num faiscante entrelaçamento com fusão de corpo e alma. O caos e o céu ao mesmo tempo. Depois, quando os corações foram desacelerando, o suor foi secando e os instintos permitiram que alguma lucidez se instalasse no recinto, começaram a conversar e, conversaram demoradamente, outro prazer que descobriram assim, sem querer. Concluíram que esse enigma, que as pessoas chamam de amor, pode acontecer assim, de repente, numa nublada tarde de sábado, no labirinto da gigantesca cidade. Ao saírem do hotel, ninguém sabia nome, idade, telefone, e-mail ou o que quer que fosse sobre o outro, esses ítens que identificam muita gente, o que não impediu de combinarem se encontrar no saguão do mesmo hotel, no mesmo horário, uma semana depois.

E passados sete dias, na tarde paulistana, desta vez ensolarada, lá estavam M e H novamente, tentando ser discretos na recepção do hotel, mas mal disfarçando a gana de avançar um sobre o outro, o que aconteceu de fato, logo que fecharam a porta do mesmo quarto 609. Pura selvageria. Frisson e êxtase. Volúpia e lascívia. Concupiscência e atração. Luxúria e lúbricas intimidades. Umidade e fricção. Ou o que muitos preferem resumir como tesão. Apagado o primeiro de muitos incêndios, M percebeu então que H havia trazido champanhe com morangos, e H pode enfim também notar os detalhes da lingerie provocante que M escolheu para o novo encontro. Algumas labaredas mais tarde, fruíram daquele prazer de conversar, de poder falar das sensações, dos sentimentos e das percepções desses momentos incandescentes. E falavam da saudade, e dos desejos, e dos medos, e das vontades, e das fantasias, e de todo um outro labirinto, o das afetividades que se entrelaçavam nas relações e no relacionamento. Antes de se despedir, H notou entre os pertences de M uma pequena réplica de espada japonesa, dessas para abrir envelopes, sinal de que ela devia ter passado novamente pela feirinha oriental. Já M, percebeu que H havia adquirido mais alguns livrinhos com histórias de bang-bang. Mas ninguém quis comentar nada, nada de observações, nada de perguntas. Manter algum mistério era muito mais excitante.

E assim se despediram, e assim se reencontraram, e assim foram repetindo seus encontros semanais, pontuados pela entrega total em suas experiências, preservadas por segredos mútuos, quase como se suas vidas particulares nem existissem, como se a vida real acontecesse apenas naquele idílico quarto 609. E mais não precisava. E como é próprio dessas raras uniões onde o casal se completa, se complementa e se funde, chegaram à um nível de cumplicidade e simbiose onde era possível sentir plenamente o estado emocional do outro, apenas pelo olhar, pela voz, pelo toque. Não raro, depois do descanso, abriam os olhos ao mesmo tempo, sonhavam um com o outro, e muitas vezes um ía dizer uma coisa e o outro completava. Ao final de um ano a sintonia era tanta que de vez em quando já se conseguia até mesmo ler o pensamento.

Foi mais ou menos por essa época que M começou a pensar na possibilidade de investigá-lo, de tentar saber mais sobre esse homem misterioso, que lhe fazia tão feliz. Talvez desvendar o cotidiano desse íntimo desconhecido, saber o que ele fazia durante a semana, onde morava, se era casado, no que trabalhava, essas coisas. Mas refletiu bem e escolheu deixar de lado a curiosidade, preferiu não quebrar a magia que os unia, não queria desconfianças, não queria que ele fizesse o mesmo, que descobrisse tudo sobre ela. E assim continuaram, já que toda a felicidade do mundo cabia naquele singelo quarto. Ali era o endereço do amor, da paixão, do romance e do desejo. O resto, era apenas o mundo. E pequenas mudanças naquele quarto eram quase um acontecimento. O dia em que trocaram as cortinas. Uma pequena gravura que apareceu em uma das paredes. Os desenhos florais na estampa de um lençol. E um dia as paredes receberam uma nova tonalidade, o salmão suave passou para um rosa pálido. Isso foi uma grande novidade.

E o tempo foi passando. As fronhas dos travesseiros foram naturalmente se gastando, perdendo a cor, a textura. As conversas agora tinham diminuído um pouco, entremeadas de breves silêncios, que aos poucos foram se prolongando e muitas vezes a falta de assunto era compensada com a leitura de fotonovelas e os livrinhos de bolso. Num dos encontros sequer fizeram amor, apenas trocaram carícias. Depois, uma viagem impediu o próximo encontro, e uma desculpa aqui e outra ali fizeram rarear os sábados dos amantes. Até que numa dessas tardes de muito calor, as paredes do 609 sequer viram o casal se despir, apenas conversaram, olharam-se demoradamente, choraram, abraçaram-se e então convenceram-se de que poderiam parar de se encontrar. O rio da vida que seguisse seu fluxo. Sem culpa, ou rancor, deram-se ainda um longo e afetuoso último beijo.

Na saída para a rua, nenhuma palavra, apenas dois semblantes que se encontravam quem sabe pela última vez e cada um seguiu para um lado. H dobrou a próxima esquina, refletindo sobre isso que as pessoas chamam de amor. Se isso existe mesmo, dura pouco, uns dois anos, concluiu. De seu destino nada sabemos, apenas que deixou de freqüentar uma certa loja de livros usados daquele lado da cidade. M, que tomou o metrô mais próximo, olhava demoradamente as fotografias da revista, mas nada via, apenas pensava em como era possível conhecer alguém com tal profundidade e sintonia sem sequer saber seu nome. Dela também pouco sabemos, apenas que continua usando xampu com perfume de alfazema e adquiriu o hábito de comprar pastilhas de hortelã.

Dizem que aquele sebo fechou. Dizem também que vai reabrir em outro ponto da cidade, mas não se sabe bem onde, pois como sabemos, São Paulo é uma cidade grande, muito grande.
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Fonte:
Colaboração de Carlos Leite Ribeiro