sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Contos do Oriente (Os três tigres)

Nos últimos anos, nossa aldeia foi infestada por tigres, que devoraram muitas pessoas, mais do que se conseguiria contar. Viajantes que passavam por aqui diziam que isso acontecia também no resto da China.

Segundo muitos, os tigres errantes seriam enviados do céu, encarregados de procurar aqueles que tinham conseguido escapar do seu encontro com uma morte violenta. Outros afirmavam que debaixo da pele do tigre se escondem demônios ferozes, espíritos vingadores no estado de furor extremo. A verdade pode existir nessas duas explicações, mas nenhuma é tão estranha como a do velho Huang.

O velho Huang morava em Mixi, a alguns quilômetros do distrito de Qiao. Ele tinha três filhos grandes na força da idade. Na primavera daquele ano, ele ordenou que eles fossem lavrar o campo nas colinas e durante muitos dias eles saíam bem cedo e voltavam no fim da tarde.

Um dia um vizinho disse ao Huang:

— Teu roçado está cheio de mato.

— Como pode ser? - respondeu o velho Huang. Meus filhos passam lá, trabalhando o dia inteiro.

— Parece que não - respondeu o vizinho.

Intrigado, Huang decidiu seguir seus filhos. Na manhã seguinte, foi atrás deles. Logo que chegaram no bosque, no pé da colina, eles tiraram a roupa e a penduraram em galhos de árvore. Depois se transformaram em tigres, pulando e dando terríveis rugidos.

Aterrorizado, o velho Huang voltou depressa para a aldeia. Ele contou ao seu vizinho o que tinha visto e depois se trancou dentro de casa.

De noite, seus filhos voltaram. Esperaram muito, diante da porta fechada, mas ninguém respondia quando chamavam. No fim, o vizinho saiu e explicou que seu pai os renegava, depois do que tinha visto no bosque.

— O que ele viu foi verdade - reconheceram os rapazes. - Mas não fazemos assim por nossa vontade. É o mestre dos Céus que nos obriga.

Em seguida, o mais velho chamou seu pai.

— Pai, como poderíamos ser ingratos com o senhor? Sua bondade para conosco é sem limites. Ficamos desesperados por termos sido escolhidos já há tanto tempo para esse papel funesto. Nos últimos dias corremos por montes e vales, na esperança de encontrar alguém para pegar nosso lugar, porque não aceitamos a sorte que nos foi reservada. Não deu certo. Agora, mesmo com o senhor sabendo o que está acontecendo, não podemos desobedecer as ordens. No bolso de cima do meu casaco, pai, tem uma caderneta. Pega essa caderneta, pai, senão o senhor está perdido, e teremos nós três aqui assinado sua sentença de morte.

O velho Huang pegou a candeia e procurou no bolso de cima do casaco, de onde tirou a caderneta. Ele leu os nomes de todos aqueles que, no distrito, deviam ser mortos pelos tigres. Seu nome vinha em segundo lugar na lista.

— O que podemos fazer? — gritou, desesperado.

— Abre a porta, respondeu o mais velho. Acho que tem uma saída.

O velho Huang abriu a porta. O filho mais velho pegou a caderneta, e os três filhos, retendo os soluços, inclinaram-se diante do pai. Depois disseram:

— Que seja o destino do Mestre dos Céus. Agora, pai, veste quatro ou cinco calças e camisas, uma por cima da outra, mas não afivela o cinto. E agora, reza ajoelhado. Temos um jeito de salvá-lo.

O velho Huang obedeceu. Nem bem tinha se ajoelhado, seus três filhos já tinham virado tigres e caíram sobre ele com as garras afiadas. Com patadas e dentadas, cada um arrancou uma camada das roupas e foram embora rugindo, com farrapos de roupa na garganta.

Nunca mais eles foram vistos na aldeia, e o velho ainda hoje mora no mesmo lugar.

Fonte: 

4º Concurso do Projeto de Trovas Para Uma Vida Melhor (Trovas Premiadas)


5ª Etapa 
A Busca da Paz, do Equilíbrio em Sociedade.

Tema: Agressão

GRUPO 1

VENCEDORES

1º LUGAR
Troca os trapos da agressão
por vestes de amor profundo
e serás ''o cara'', então,
mais bem vestido do mundo!
Carlos Henrique da Silva Alves
(Senhor do Bonfim/BA)

2º LUGAR
Quando a injustiça é patente,
a palavra não dosada
pode ser mais contundente,
que a agressão, ou bofetada! 
Carolina Ramos
Santos/SP

3º LUGAR
Dizer palavras horríveis
– não há maior agressão!
Feito flechas invisíveis,
vão direto ao coração. 
Aparecida Gianello dos Santos
Martinópolis / SP

 MENÇÃO HONROSA

Mesmo com raiva não xingue,
busque a paz na relação.
Não faça da vida um ringue
para a troca de agressão. 
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho
Juiz de Fora/MG

2
Toda agressão é violência
urdida contra um irmão...
Quem a usa com frequência
perde o direito e a razão! 
Myrthes Mazza Masiero
São José dos Campos/SP

3
É uma agressão desumana,
uma falta de respeito...
Num país com tanta grana,
hospitais faltando leito. 
Edy Soares
Vila Velha/ES

4
Toda agressão cometida
contra o ambiente, onde for,
reverte-se contra a vida
e atinge o próprio agressor... 
Antonio Augusto de Assis
Maringá/PR

5
O que é preciso fazer,
nesta contenda falaz,
para o mundo compreender
que agressão não gera paz? 
Joel Hirenaldo Barbieri
Taubaté/ SP

 MENÇÃO ESPECIAL

1
A pior agressão vem,            
findas as guerras verbais,
no silêncio de um desdém,
que ao coração fere mais. 
Edweine Loureiro da Silva
Saitama/Japão

2
Demonstra não ter razão               
quem tenta, em qualquer contenda,
fazer uso da agressão,
seja o que for que pretenda.
Julimar Andrade Vieira
Aracaju/SE

3
Agressão é ferimento 
que machuca o coração.
E se atinge o sentimento...
não tem cicatrização. 
Paulichi
Atibaia/SP

4
Quem anda em busca da paz
deve ter como missão
desarmar-se, e isto se faz
não revidando agressão! 
Nemésio Prata Crisóstomo
Fortaleza/CE

5
O que será desse mundo
sofrendo tanta agressão,
por um povo que no fundo
só tem amor ao cifrão? 
Luiz Moraes
São José dos Campos/SP

DESTAQUE

1
Ao sofrer uma agressão,
o Mestre não revidava;
olhava com compaixão
o próximo a quem amava. 
Sonia Regina Rocha Rodrigues
Santos/SP 

2
Nem dá para relatar,
na polícia, as aflições;
o desprezo de um olhar
é a pior das agressões. 
Geraldo Trombin
Americana/SP 

3
Pelas agressões sofridas,
Jesus se compadeceu,
perdoou dores curtidas
e  por seu povo morreu. 
Olga Maria Dias Ferreira
Pelotas/RS

4
Felicidade é viver  
na alegria e na união;
no entanto, há quem tem prazer
de praticar a agressão.
Marina Gomes de Souza Valente
Bragança Paulista/SP 

5
Quando qualquer atitude,
for seguida de agressão,
o causador não se ilude:
não tem justificação! 
Nadir Nogueira Giovanelli
São José dos Campos/SP

GRUPO 2

VENCEDORES 

1º LUGAR
Eu acho uma crueldade,
até mesmo uma agressão,
o tamanho da saudade
que sinto no coração. 
Maria Lúcia Fernandes Rocha
São Fidélis/RJ

2º LUGAR
Mesmo o Pai nos dando a prova                
que devemos perdoar,
agressão que se renova
é difícil suportar. 
Ana Maria Nascimento
Araçoiaba/CE

3º LUGAR
Agressão é sentimento   
de profunda  autoridade,
mas acaba no momento
que o outro, mostra  humildade. 
Elenir Ferreira
Santos/SP

MENÇÃO HONROSA

Para educarmos o mundo,
temos que ter mansidão; 
pois o carinho profundo
repele sempre a agressão! 
Wanda Duarte
Ribeirão Preto/SP 

2
A agressão desfaz o amor
e grava na alma amargura.
Mas da paz vem o clamor  
com um gesto de ternura. 
Madalena Ferrante Pizzatto
Curitiba/PR

3
A mãe Natureza roga
ao Criador proteção.
Mas, ao homem, interroga
o motivo da agressão. 
W. Mota
Taubaté/SP

4
Agressão contra mulher
ou criança dói-nos n'alma
O castigo que vier
será justo ou só acalma?
Angela Guerra
Rio de Janeiro/RJ

5
Irmão deve amar irmão,
sem agressão, sem rancor,
viver como bom cristão
e difundir muito amor. 
Claudio Morais
Taubaté/SP 

MENÇÃO ESPECIAL

1
Agressão de qualquer jeito
deve ser denunciada,
pois prevalece o direito
de ser sempre respeitada.
Maria Zilnete de Moraes Gomes
Campos dos Goytacazes/RJ 

2
Toda agressão prejudica
a pessoa que a recebe;
o agressivo não dá dica
da maldade que concebe. 
Mifori
São José dos Campos/SP 

3
Não importa a agressão
– seja física ou verbal –,
diga um veemente “Não!”,
seja exemplo fatual! 
George Gimenes
Ontario/Canadá

4
Depois de tanta agressão
com toda maledicência,
você me pede perdão
e quer que eu tenha clemência?!... 
Nair Lopes Rodrigues
Santos/SP

5
A nossa grande missão:
zelar, observar, cuidar,
qualquer tipo de agressão;
praticando o verbo amar! 
Leonir Aparecida Ligor Menegati
Dourados/MS 

DESTAQUE

1
Está o mundo agressivo,
no olhar a agressão, revolta...
É um olhar destrutivo,
que talvez, não tenha volta!... 
Lora Saliba
São José dos Campos/SP 

2
Mulher que sofre agressão, 
deve o mal já denunciar,
jogue o agressor na prisão
pra ninguém importunar.
Marcos Coelho
Dourados/MS 

GRUPO: ALUNOS

VENCEDORES 

1º Lugar
Agressão não é legal,
seja lá qual a razão,         
sendo física ou moral
maltrata alma e coração.
Leandro Sena Carvalho 
8º A – EM Profª Elza Farias Kintschev Real
Dourados/MS 

2º Lugar
Quando vir uma agressão  
não fique parado, olhando,
diminui o valentão,
diga-lhe que vá parando. 
Lucas Sampati Pereira 
 6º C – EM Profª Elza Farias Kintschev Real
Dourados/MS

3º Lugar
Eu não gosto de agressão,
ainda mais contra mulher
dá uma grande tensão
- O que essa pessoa quer? 
Luiz Fernando Dias Barbosa 
8º A – EM Profª Elza Farias Kintschev Real
Dourados/MS

MENÇÃO HONROSA

Eu sempre fui ameaçada,
sofri uma forte agressão.
Minha vida regaçada,
o meu caso: coração. 
Grabriela de Mattos Santos 
6º A – EM Profª Elza Farias Kintschev Real
Dourados/MS

Valter Luciano Gonçalves Villar (A Presença Árabe na Literatura Brasileira: Jorge Amado e Milton Hatoum) Parte VI

Gabriela (Juliana Paes) e
Nacib (Humberto Martins)
A perspectiva estético-ideológica adotada e o seu compromisso seriam, recorrentemente, tematizados por Jorge Amado, em seus escritos. Essa insistente tematização se efetivaria das mais variadas formas discursivas. Seja através de entrevistas, seja como elemento de seu próprio discurso romanesco, como se observa em São Jorge dos Ilhéus (1940), ou como elementos paratextuais, como se verifica em Cacau:

Joaquim trata Sérgio com mostras de grande respeito, dá importância ao que o poeta faz e durante muito tempo negou-se a opinar sobre os seus poemas. Porém, certa vez, muito instado pelo poeta, perguntou-lhe por que ele escrevia poesia revolucionária numa forma que nenhum operário poderia ler. Sérgio levara semanas preocupado com o problema e foi devido a essa observação que mudara seus ritmos e procurava, agora, numa busca por vezes frutífera, os ritmos populares. (AMADO, 1981 2, p. 140 – grifos nossos)

Tentei contar neste livro, com um mínimo de literatura para um máximo de honestidade, a vida dos trabalhadores das fazendas de cacau do sul da Bahia. Será um romance proletário? (AMADO, 1980, p. 8)

Se, no fragmento de São Jorge dos Ilhéus, é o narrador amadiano quem expressa, através do personagem Joaquim, seu projeto escritural, estruturado em dois eixos solidários, o militante e o popular; na epígrafe de Cacau, seria o próprio Jorge Amado quem, revestido do poder autoral, revelaria a sua perspectiva estético-ideológica.

Tornada num leitmotiv crítico de realce da “pouca literatura” amadiana, a epígrafe de Cacau revela, antes de tudo, uma faceta do Modernismo brasileiro que, em suas várias vertentes complementares, busca novas formas de expressão, de redefinição do papel da literatura e do escritor, de reinterpretação da cultura e do homem brasileiro, numa continuidade que se processa via desvio, via descontínuo, ou pelo endosso das velhas soluções propostas, como observa Wilma Mendonça (2002, p. 20). Na realidade, “o mínimo de literatura” e o “máximo de honestidade” amadianos indiciam a busca literária do escritor nordestino em resolver a contradição que caracteriza nossa cultura, como afirma Antonio Cândido, como também o seu engajamento ao contexto escritural e social de sua época, como se apreende das palavras de Luiz Lafetá, em seu estudo sobre o projeto estético e ideológico do Modernismo e da análise de Eduardo Assis Duarte sobre a narrativa Cacau:

Talvez se possa dizer que os romancistas da geração de Trinta, de certo modo, inauguraram o romance brasileiro, porque tentaram resolver a grande contradição que caracteriza a nossa cultura, a saber, a oposição entre as estruturas civilizadas do litoral e as camadas humanas que povoam o interior [...] a massa começou a ser tomada como fator de arte, os escritores procurando opor à literatura e à mentalidade litorâneas a verdade [...] No trabalho de revelação do povo como criador, que assinalei atrás, nenhum escritor se apresenta de maneira mais característica do que o Sr. Jorge Amado. (CÂNDIDO, 1992, p. 45-49 – grifos do autor)

Decorre daí que qualquer nova proposição estética deverá ser encarada em suas duas faces (complementares e, aliás, intimamente conjugadas; não obstante às vezes relacionadas em forte tensão): enquanto projeto estético, diretamente ligada às modificações operadas na linguagem, e enquanto projeto ideológico, diretamente atada ao pensamento (visão de mundo) de sua época. [...] na verdade o projeto estético, que é a crítica da velha linguagem pela confrontação com uma nova linguagem, já contém o seu projeto ideológico. O ataque às maneiras de dizer se identifica ao ataque às maneiras de ver (ser, conhecer) de uma época; se é na (e pela) linguagem que os homens externam sua visão-de-mundo (justificando, desvelando, simbolizando ou encobrindo suas relações reais com a natureza e a sociedade) investir contra o falar de um tempo será investir contra o ser desse tempo [...] Tal coincidência entre o estético e o ideológico se deve em parte à própria natureza da poética modernista. (LAFETÁ, 1974, p. 11-13 – grifos do autor)

O “mínimo de literatura” expressa, antes de tudo, oposição à retórica da pompa e circunstância, ao “falar difícil das classes dominantes e da tradição bacharelesca herdada do Império. Acoplado ao “máximo de honestidade”, soa como declaração de guerra à tradição ficcional idealizadora da vida no campo e porta-voz da ideologia do latifúndio. Uma literatura que propagava as imagens do bom senhor e do escravo contente, vivendo num ”paraíso” de fartura e inocência, livre de sofrimentos, longe das contradições. (DUARTE, 1995, p. 58 – grifos do autor)

Na verdade, em sua proposição modernista, Jorge Amado assenhora-se das linguagens populares da Bahia através das quais organiza a sua visão de mundo, em face dos problemas sociais do cenário nordestino. Nessa conjunção, se tornaria num dos escritores de maior repercussão popular entre nós, na mesma medida em que sofre restrições da crítica acadêmica.

Reconhecidamente um dos autores brasileiros mais conhecidos e festejados no Brasil e no exterior, Jorge Amado tinha ciência de que, não obstante o inegável sucesso editorial de sua obra, esta se movia com dificuldades entre os teóricos da literatura no Brasil, como revela em O sumiço da Santa: uma história de feitiçaria: romance baiano, publicada em 1988: 

Inegável audácia de um Autor, velho de idade e de batalhas perdidas, que ainda não conseguiu levar a crítica literária a gozar com a leitura de seus tapácios, de linguagem escassa, vazios de idéias, populacheiros. Quem não estiver de acordo com a inovação não é obrigado a ler. (AMADO, 1992, p. 409-410)

Levando em consideração o projeto literário de Jorge Amado, e as soluções estéticas por ele utilizadas para concretização de seu intento, nos voltaremos, através de um recorte étnico-identitário, à maneira, embora noutra direção, de Lúcia Lippi de Oliveira, para a leitura da narrativa amadiana, Gabriela cravo e canela: crônica de uma cidade do interior, na qual se verifica, através do intercurso amoroso entre o árabe Nacib Saad e a sertaneja mestiça do Nordeste, Gabriela, a representação do imigrante árabe no interior da Bahia.

2.2 NACIB SAAD: UM BRASILEIRO DAS ARÁBIAS

Era comum tratarem-no de árabe, e mesmo de turco, fazendo-se assim necessário de logo deixar completamente livre de qualquer dúvida a condição de brasileiro, nato e não naturalizado, de Nacib. Nascera na Síria, desembarcara em Ilhéus.

Publicada em 1958, dois anos após o afastamento de Jorge Amado do Partido Comunista do Brasil – PCB, a narrativa Gabriela, cravo e canela: crônica de uma cidade do interior é apreciada por Alfredo Bosi, juntamente com Dona Flor e seus dois maridos (1966), como “crônica amaneirada de costumes provincianos”, destituída, segundo esse crítico, dos esquemas ideológicos que caracterizaram a primeira fase da literatura amadiana, como se lê em sua História concisa da literatura brasileira:

Mais recentemente, crônicas amaneiradas de costumes provincianos (Gabriela, Cravo e Canela, Dona Flor e Seus Dois Maridos). Nessa linha, formam uma obra à parte, menos pelo espírito que pela inflexão acadêmica do estilo, as novelas reunidas em Os Velhos Marinheiros. Na última fase abandonam-se os esquemas de literatura ideológica que nortearam os romances de 30 e 40; e tudo se dissolve no pitoresco, no “saboroso”, no “gorduroso”, no apimentado do regional. (BOSI, 1980, p. 457)

Em visão assemelhada a Bosi, Tânia Pellegrini apreciaria a narrativa de Jorge Amado. Ao tratar do Sumiço da Santa, uma das últimas narrativas de Jorge Amado, Pellegrini qualificaria essa narrativa como um exemplar bem construído do que se denomina, atualmente, de literatura de mercado. Nessa avaliação, construída a partir de uma perspectiva mercadológica da obra amadiana, Pellegrini assinalaria que os recursos, largamente utilizados por Jorge Amado, não apenas já se encontravam em Gabriela, cravo e canela, como também se apresentavam, nessa narrativa, de forma mais relevada:

O Sumiço da Santa (Amado, 1988), de que nos ocuparemos, apresenta-se como um exemplo bem construído do que hoje se pode chamar de ‘literatura comercial’. Um dos últimos livros do escritor revela-se como um conglomerado de recursos já bastante usados em outros romances seus, com mais ênfase a partir de Gabriela, cravo e canela, considerado um ponto de ruptura no interior do conjunto de sua obra. (PELLEGRINI, 1999, p. 124)

Nessa compreensão, Tânia Pellegrini, como a maioria de nossos críticos, consideraria a narrativa do amor entre Nacib e Gabriela como marco de ruptura, de finalização do projeto ideológico amadiano e, ao mesmo tempo, como ponto de partida de sua trajetória literário-comercial. Assim, vê, no formidável êxito editorial, na contundente recepção popular à Gabriela, cravo e canela, apenas a celebração da nova inclinação de cunho mercadológico, de Jorge Amado:

Só para citar alguns exemplos, Gabriela, cravo e canela, publicada em 1958, vendeu imediatamente duzentos mil exemplares e, em edições sucessivas, atingiu a casa do milhão em 1990 [...] Como se vê, esses números ofuscam – desde a época em que uma indústria editorial brasileira de peso era apenas um quase-projeto – as tímidas tiragens de dois ou três mil exemplares que ainda hoje caracterizam a publicação da grande maioria das narrativas nacionais. (PELLEGRINI, 1999, p. 123)

Ao se voltar para a discussão sobre a relação da literatura/mercado e mídia, Tânia Pellegrini veria, na produção e na recepção literária contemporânea, as determinações mercadológicas e midiáticas, como elementos estruturadores desses escritos. Ao atribuir esses traços à maioria dos escritores jovens, que internalizaram as perspectivas da chamada pós-modernidade, Pellegrini ressaltaria que alguns antigos também se renderam a essas determinações, ilustrando como exemplo lapidar o caso de Jorge Amado:

Dentre estes últimos, o caso de Jorge Amado é lapidar. Tendo iniciado sua carreira literária como autor reconhecidamente engajado, que usava sua ficção como instrumento de luta política, alimentado por todo o contexto político-social das décadas de 1930 e 1940, aos poucos derivou para uma literatura descompromissada, leve crônica de costumes, exótico cartão postal da Bahia [...] O que nos interessa em particular na obra de Jorge Amado é de que maneira ela – um dos baluartes do regionalismo engajado – também acabou incorporando sensivelmente as mudanças nos modos de percepção gerados pelas transformações nos modos de produção da cultura (sobretudo a máquina da indústria cultural, no sentido adorniano do termo). (PELLEGRINI, 1999, 122-124)

Na perspectiva de que a obra mais recente de Jorge Amado se constitui como objeto da indústria cultural, Pellegrini iria, noutra passagem de seu texto, responsabilizar o gosto, ou a falta de gosto, do leitor amadiano, pelo sucesso editorial/comercial do escritor grapiúna, acentuando, antropofagamente, que Jorge Amado é consumido, com grande sucesso por todos os paladares ao redor do mundo (PELLEGRINI, 1999, p.122). Dessa forma, estende aos leitores de Jorge Amado, concebidos como abstratos, médios e poderosos, a desqualificação que procede ao próprio autor, numa passagem em que, contraditoriamente, registra o enorme êxito escritural de Amado, bem antes de Gabriela, cravo e canela.

Jorge Amado é, reconhecidamente, um dos primeiros autores que aqui se podem considerar de ‘profissionais’, ou seja, aquele autor que consegue viver dos lucros auferidos pela venda de seus livros [...] capaz de mobilizar a máquina editorial e as glórias acadêmicas, além de seduzir o mercado estrangeiro e conquistar o abstrato e poderoso ‘leitor médio brasileiro’. (PELLEGRINI, 1999, p. 122-123)

Autodefinindo-se, com simplicidade, como apenas um baiano romântico e sensual (apud BOSI, 1980, p. 455), Jorge Amado inundaria suas narrativas com a temática do amor e da sensualidade, como bem observa Antonio Cândido, em seu texto, “Poesia, documento e história”, como se verifica abaixo:

O amor carrega de uma surda tensão as páginas dos seus romances, avultando por cima do rumor das outras paixões. Na nossa literatura moderna, o sr. Jorge Amado é o maior romancista do amor, da força da carne e de sangue que arrasta os seus personagens para um extraordinário clima lírico. Amor dos ricos e dos pobres; amor dos pretos, amor dos operários, que antes não tinha estado de literatura senão edulcorado pelo bucolismo ou bestializado pelos naturalistas. (CÂNDIDO, 1992, p. 52)

Contemplando, com a temática do amor e da sensualidade, todos os estratos sociais presentes em sua obra, como já observara Antonio Cândido, Jorge Amado transformaria Gabriela, cravo e canela numa verdadeira polifonia amorosa. Há o amor trágico e adúltero de dona Sinhazinha Guedes Mendonça, esposa do coronel Jesuíno, e o dentista Osmundo Pimentel, símbolo desconstrutor do velho código da família patriarcal, cujos assassinatos assinalam, cronologicamente, o início do amor entre Nacib e Gabriela:

Essa história de amor – por curiosa coincidência, como diria dona Arminda – começou no mesmo dia claro, de sol primaveril, em que o fazendeiro Jesuíno Mendonça matou, a tiros de revólver, dona Sinhazinha Guedes Mendonça, sua esposa, expoente da sociedade local, morena mais para gorda, muito dada às festas de Igreja, e o dr. Osmundo Pimentel, cirurgião–dentista chegado a Ilhéus há poucos meses, moço elegante, tirado a poeta. (AMADO, 1979 1, p. 9)

Há o idílio, delicadamente insinuado entre o dr. Mundinho Falcão, exportador de cacau e símbolo da nova ordem econômica, e Jerusa, neta do coronel Ramiro Bastos, representante do poder da velha ordem econômica, cuja perspectiva de um desfecho feliz funciona como solução conciliatória, preservadora da posição, do prestígio e das vantagens das antigas e poderosas famílias dos senhores do cacau, como indicia, continuadamente a narrativa:

Houve ainda duas sensações no baile. Uma foi quando Mundinho Falcão [...] reparou na moça loira de pele de fina madrepérola, de olhos cor do azul celeste: – Quem é? – perguntara. – A neta do coronel Ramiro, Jerusa, filha do dr. Alfredo. Sorriu Mundinho, parecia-lhe divertida ideia [...] O aniversário do coronel Ramiro [...] Mundinho Falcão não fora à missa nem lhe levara pessoalmente o seu abraço. Mandara, porém, um grande ramalhete de flores para Jerusa, com um cartão onde escrevera: “Peço-lhe, minha jovem amiga, transmitir a seu digno avô meus votos de felicidade. Em campo oposto ao dele, sou, no entanto seu admirador”. Foi um sucesso [...] O próprio coronel Ramiro Bastos, ao ler o cartão e olhar as flores, comentou: É sabido esse senhor Mundinho! Se me manda o abraço por minha neta, não posso deixar de receber... Por um curto espaço de tempo chegou-se a pensar num acordo [...] Esse Mundinho, podre de rico, rapaz elegante do Rio, combatia num combate mortal a família dos Bastos. Uma luta com jornais queimados, homens surrados, atentados de morte. Fazia frente ao velho Ramiro, disputava-lhe os cargos, levava-o a ataques de coração. E, ao mesmo tempo, dava um conto de réis, duas reluzentes notas de quinhentos, por meia dúzia de xícaras de louça barata, prenda da neta de seu inimigo [...] Tonico Bastos espiava a conversa. Não entendia esse tipo. Sonhava ainda com um acordo de última hora, a salvar o prestígio dos Bastos. (AMADO, 1979 1, p. 192; 229; 299 – grifos nossos)

Se o amor entre Mundinho e Gerusa não se realiza no tecido narrativo, Jorge Amado, à maneira de Gregório de Matos, é extremamente discreto quando se volta para as relações sensuais do feminino patriarcal, isto é, das mulheres brancas e de posse, o acordo sonhado e esperado por Tonico Bastos se concretizaria plenamente, como demonstra a passagem na qual Mundinho, vencedor, revela o desejo de não prejudicar a família dos Bastos, principalmente o pai de Jerusa: Não penso em perseguir ninguém. Não sou disso. Ao contrário, o que desejo é discutir com o senhor a maneira de não prejudicar o Dr. Alfredo (AMADO, 1979 1, p. 335)

Há o amor romântico, tísico e infeliz, de Ofenísia pelo Imperador. O amor adúltero de Glória, amásia do coronel Coriolano e Josué, professor, metido a poeta, como anota o narrador. Os amores dos pobres, das prostitutas, dos retirantes. Entrelaçadas, em meio ao cenário da transformação econômico-política de Ilhéus, essas múltiplas narrações amorosas, tecidas pela simpatia e cumplicidade do narrador, não ofuscam e nem comprometem a primazia do amor entre Nacib e Gabriela, caracterizada como doida paixão, como o ponto de irradiação de toda a vida ilheense, como o qualifica o narrador, nas páginas iniciais de Gabriela, cravo e canela:

Naquele ano de 1925, quando floresceu o idílio da mulata Gabriela e do árabe Nacib, a estação das chuvas tanto se prolongara além do normal e necessário que os fazendeiros, como um bando assustado, cruzavam-se nas ruas [...] Ninguém, no entanto, fala desse ano, da safra de 1925 à de 1926, como o ano do amor de Nacib e Gabriela e, mesmo quando se referem às peripécias do romance, não se dão conta de como, mais que qualquer outro acontecimento, foi a história dessa doida paixão o centro de toda a vida da cidade naquele tempo, quando o impetuoso progresso e as novidades da civilização transformavam a fisionomia de Ilhéus. (AMADO, 1979 1, p. 19)

Estruturado por essa temática, o romance narra, em meio ao contexto do apogeu do cacau no sul da Bahia e das grandes transformações econômicas que caracterizam o Nordeste cacaueiro, a relação amorosa entre o imigrante árabe, Nacib Saad, e a imigrante sertaneja, cujo sobrenome, ou epíteto, nos remete aos cheiros do mundo do Oriente: Gabriela, cravo e canela.

Oriunda da cultura popular, mais propriamente do cancioneiro baiano, universo do qual Jorge Amado se alimenta e estrutura o seu projeto estético, Gabriela é personagem de  versos anônimos, das modinhas cantadas pelos trabalhadores da zona cacaueira, transposta para a cultura letrada, como ressalta, em epígrafe, o próprio escritor:

‘O cheiro de cravo,
A cor de canela,
Eu vim de longe
Vim ver Gabriela’.
(Moda da zona de cacau, apud AMADO, 1979 1, p. 8)

Nessa transposição e transfiguração do popular, Jorge Amado elaboraria a sua primeira 
narrativa em que o imigrante árabe é elevado à condição de protagonista, como explicita o narrador amadiano, ao anunciar o assunto de sua narração romanesca, como se lê, nas páginas iniciais de Gabriela, cravo e canela:

Aventuras e desventuras de um bom brasileiro (nascido na Síria) na cidade de Ilhéus, em 1925, quando florescia o cacau e imperava o progresso – com amores, assassinatos, banquetes, presépios, histórias variadas para todos os gostos, um remoto passado glorioso de nobres soberbos e salafrários, um recente passado de fazendeiros ricos e afamados jagunços, com solidão e suspiros, desejos, vingança, ódio, com chuvas e sol e com luar, leis inflexíveis, manobras políticas, o apaixonante caso da barra, com prestidigitador, dançarina, milagre e outras mágicas ou um brasileiro das arábias. (AMADO, 1979 1, p. 11)
______________________
continua…

Fonte:
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Letras da Universidade Federal da Paraíba, como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em Literatura Brasileira. Universidade Federal da Paraíba – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – Programa de Pós-Graduação em Letras. João Pessoa/PB, 2008

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Folclore de Campos dos Goytacazes (Ururau, da Lapa)

Entende-se por FOLCLORE o conjunto de crenças, lendas, festas, trava-línguas, parlendas, advinhas, superstições, artes e costumes de um povo. Muitos nascem da pura imaginação das pessoas, principalmente dos moradores das regiões do interior do Brasil. Tal conjunto, normalmente é passado de geração a geração, por meio dos ensinamentos e da participação real dos festejos e dos costumes. De origem inglesa, o folclore é uma palavra originada pela junção das palavras folk, que significa povo; e lore, que significa sabedoria popular. Formou-se então a palavra folclore que quer dizer sabedoria do povo. 

A cidade de Campos dos Goytacazes tem um total de mais de 150 bairros. A LAPA é um bairro da cidade, de origem operária, formada em torno de uma fábrica de tecidos que existia, na cidade. Neste bairro, em uma curva do rio Paraíba do Sul, existe a Igreja da Lapa, onde havia um orfanato, que foi mantido por uma ordem religiosa, cujas irmãs de caridade cuidavam de meninas órfãs, algumas abandonadas à porta da Igreja, outras colocadas na Roda dos Enjeitados, existente no antigo prédio da Santa Casa de Misericórdia de Campos (no centro da cidade), instituição que essas freiras ajudavam a administrar. Esse prédio, patrimônio histórico de Campos, foi demolido, seu espaço serviu como um estacionamento, durante muitos anos e hoje é um shopping.

Em Campos destacam-se algumas manifestações folclóricas, tais como: Jongo,Cavalhada, Mana-Chica, danças típicas, Folia de Reis, Boi Pintadinho, que a cultura transformou em Boi-de-Samba, além da lenda do URURAU DA LAPA, que passaremos a narrá-la a seguir.

Essa lenda campista possui várias versões diferenciadas. Uma dessas versões conta que aconteceu, por volta de 1700, uma história de amor proibido entre um rapaz pobre e uma moça rica. O rapaz passou a ser perseguido pela ira do Coronel, pai da moça, protagonista desse amor proibido.

Combinados de fugir no dia da festa de São Salvador, padroeiro da cidade, foram surpreendidos pelos capangas do coronel que matam o rapaz e o jogam no Rio Paraíba do Sul. O deus das águas, vendo a maldade do coronel, eternizou a vida do rapaz e o encantou, transformando-o em um Ururau. Ururau é um enorme jacaré, de papo amarelo, que vive nas proximidades da curva da Lapa, assombrando as pessoas.  De vez em quando, quando é noite de Lua cheia, o Ururau  vem à superfície do rio, para matar a saudade de sua amada. Não a encontrando, pega algumas meninas (geralmente desse orfanato) para levá-las com ele. 

O coronel, arrependido, por medo de receber o castigo divino, como penitência desse seu pecado, mandou vir um sino de ouro de Portugal, para a Igreja da Lapa. Mas o Ururau, sem querer deixar que o coronel se penitenciasse pelo seu pecado, atacou e virou o navio que trazia o sino, que naufragou. O sino foi parar no fundo do rio Paraíba do Sul. Este sino de ouro está lá, no fundo deste rio, na curva da Lapa, até hoje. E o Ururau é o seu guardião.

Fontes:
Talita Batista – Seção da U.B.T. de Campos dos Goytacazes.
Imagem: https://www.behance.net/gallery/A-Lenda-do-URURAU-da-LAPA

Cidade de Campos dos Goytacazes/RJ (alguns aspectos)


Campos dos Goytacazes é um município do interior do Estado do Rio de Janeiro, no Brasil. De acordo como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, possui uma população de 487 186 habitantes. É a mais populosa cidade do interior do Estado. Este é o município de maior extensão territorial do Estado do Rio de Janeiro, ocupando uma área de 4 826,696 quilômetros quadrados. 

Localizam-se no município, importantes universidades públicas. Segundo o IBGE, Campos dos Goytacazes teve, em 2013, o sétimo maior PIB do Brasil, sendo a cidade brasileira, que não é capital, com o maior PIB nacional, naquele ano.

Originalmente foi habitada pelos índios da tribo Goitacá, que se caracterizavam por ter um porte atlético, serem exímios nadadores e muito hábeis na arte de lidar com cavalos. Guerreiros, defendiam o seu chão do domínio estrangeiro, com muita garra, chegando a ter fama de antropófagos. 

Com a chegada dos padres jesuítas e beneditinos, na região e da pacificação junto aos índios é que as terras passaram a ser conhecidas pelos colonizadores e senhores de engenhos. A colonização de origem portuguesa porém, só se iniciou a partir de 1627, quando o governador Martim Correia de Sá, em reconhecimento ao heroísmo nas lutas contra os índios, doou algumas porções de terra da capitania aos SETE CAPITÃES, que, em 1633, construíram currais para o gado, próximos da Lagoa Feia e da ponta de São Tomé.

A partir de então, começou a verdadeira ocupação de origem portuguesa na cidade de Campos. Os capitães moravam em seus engenhos, no Rio de Janeiro e Cabo Frio, arrendando quinhões de suas sesmarias, contribuindo, assim, para o crescimento da população. A criação do gado, neste período, se multiplicou de forma assombrosa, assim como a diversificação de atividades.

Os canaviais começaram a aparecer nas regiões mais elevadas da planície. A política, até então estável, foi quebrada com a chegada de latifundiários poderosos, entre eles Salvador Corrêa de Sá e Benevides, que abusou do poder e da posição (pois era o governador da capitania na época), estabeleceu parcerias com os religiosos, que se beneficiavam na partilha da planície. Começaram, então, as lutas pelas terras. 

De um lado, herdeiros dos SETE CAPITÃES, pioneiros, colonos, campeiros e vaquejadores; de outro, os ASSECAS, herdeiros de Salvador de Sá. Durante aproximadamente 100 anos, a capitania viveu em conflitos pela posse das terras. A Coroa chegou a retomar a terra várias vezes, mas, devido às crises vividas pela mesma, voltou para as mãos dos Assecas. Somente em 1752, com a compra da capitania e a contribuição pecuniária da própria população, é que a região foi finalmente pacificada.

No decorrer do domínio dos Assecas, predominava a pequena propriedade, mas também condicionada pelo meio natural, devido à inexistência de áreas contínuas de grande extensão, já que havia inúmeras lagoas. Campos possui um importante bacia hidrográfica, formada pela Lagoa de Cima, Lagoa do Vigário, Lagoa Limpa, Lagoa do Sapo, Rio Paraíba do Sul e Lagoa Feia.

A partir do domínio da CANA-DE-AÇÚCAR, a região passou por um período de recuperação, mas continuava isolada da capital do Estado do Rio de Janeiro. No início dos anos 1800, toda a planície encontrava-se ocupada e partilhada, mas ainda restavam quatro latifúndios: Colégio dos Jesuítas e São Bento (correspondentes à cidade de Campos e seu entorno), Quiçamã, além da fazenda dos Assecas, onde surgiu o povoado da Barra Seca (atual município de São Francisco de Itabapoana).

No ano de 1833, foi criada a Comarca de Campos e, em 28 de março de 1835, a Vila de São Salvador é elevada à categoria de cidade, com o nome de CAMPOS DOS GOYTACAZES. A pecuária e o cultivo da cana-de-açúcar se estenderam pela planície entre o Rio Paraíba do Sul e a Lagoa Feia. Em 1875, a cidade tinha 245 engenhos de açúcar, com 3 610 fazendeiros estabelecidos na região. 

A primeira USINA foi construída em 1879, com o nome de Usina Central do Limão, pertencente ao doutor João José Nunes de Carvalho. Devido à sua importância, a cidade de Campos recebeu a visita de D. Pedro II quatro vezes. Na primeira, em 1883, o imperador inaugurou a luz elétrica na cidade, passando assim a ser a primeira cidade da América do Sul a ter luz elétrica.

Ao final dos anos 1980, os municípios de Campos, Macaé e Conceição de Macabu, tinham uma agroindústria açucareira expressiva. A ascensão de São Paulo como maior produtor nacional, seus altos níveis de produtividade, além da expansão da área cultivada pela cana-de-açúcar no Nordeste do país, aliados à falta de modernização do complexo campista, fizeram com que a região passasse a ser coadjuvante no contexto nacional. 

O endividamento de algumas usinas obrigou muitas delas a se fecharem, atingido, consequentemente, a economia da região Norte Fluminense. A descoberta do PETRÓLEO na bacia de Campos, nos anos 1970, e a construção do Superporto do Açu têm contribuído para a recuperação da região, nos dias de hoje.

A história de Campos é rica em importantes acontecimentos políticos. Foi um dos primeiros do Brasil a embarcar voluntários para a guerra do Paraguai, em 28 de janeiro de 1865, pelo vapor Ceres.

Foi a primeira cidade da América Latina a ter energia elétrica, em 24 de julho de 1883. O movimento abolicionista também encontrou eco em Campos. A campanha abolicionista teve seu ponto alto em 17 de julho de 1881, com a fundação da Sociedade Campista Emancipadora, que propagava a luta pela emancipação dos negros, tendo, na pessoa do jornalista Luiz Carlos de Lacerda, o seu maior expoente. 

O grande vulto José Carlos do Patrocínio, o "tigre da abolição", foi também um dos principais nomes da luta pelo fim da escravidão, que mudaria os destinos políticos do Brasil imperial, preparando-o para a proclamação da República do Brasil.

Vários campistas governaram o Estado do Rio de Janeiro, como Nilo Peçanha, eleito pela primeira vez para o período de 1903 a 1906 e, pela segunda vez, de 1914 a 1917. Nilo Peçanha foi eleito vice-presidente do Brasil e assumiu o mandato, de 1909 a 1910, com a morte de Afonso Pena. Mais recentemente, o ex-prefeito de Campos, o radialista Anthony Garotinho foi eleito governador, em 1998. A sua esposa Rosinha Garotinho concorreu à sua sucessão e foi eleita em 2002. Esse mesmo grupo político permaneceu no poder até 2016, quando foi eleito o jovem vereador Rafael Diniz, por uma expressividade esmagadora de votos e passará a ser o novo prefeito da cidade a partir de 2017.

A cidade de Campos dos Goytacazes tem um total de mais de 150 bairros. A LAPA é um bairro da cidade, de origem operária, formada em torno de uma fábrica de tecidos que existia, na cidade. Neste bairro, em uma curva do rio Paraíba do Sul, existe a Igreja da Lapa, onde existia um orfanato, que foi mantido por uma ordem religiosa, cujas irmãs de caridade cuidavam de meninas órfãs, algumas abandonadas à porta da Igreja, outras colocadas na Roda dos Enjeitados, existente no antigo prédio da Santa Casa de Misericórdia de Campos (no centro da cidade), instituição que essas freiras ajudavam a administrar. Esse prédio foi demolido, junto com esse patrimônio histórico de Campos.

Campos tem muitas bordadeiras e artesãs. Existe uma feira municipal, cujas barracas são montadas no centro da cidade, com os mais variados trabalhos artísticos de bordados em ponto de cruz, tricô e crochê. Encontram-se lá também barracas de doces e salgados. 

Cidade do açúcar e do petróleo, Campos notabiliza-se, além da produção da cachaça. pela produção de muitos DOCES, como a GOIABADA e melado. Entre os doces típicos de Campos, destaca-se o CHUVISCO. Sabemos que as portuguesas são notáveis na habilidade de preparar doces, utilizando-se da gema e da clara de ovos. No Brasil, somente as campistas e as gaúchas de uma forma geral dominaram a arte de fabricar, além dos chuviscos a ambrosia e o papo de anjo. Além de docerias e fábricas, o doce é produzido de forma artesanal e caseiro por diversas cozinheiras, residentes em diversos pontos do município, que fabricam o doce por encomenda, para as festas de casamento, aniversário, batizado e jantares especiais. 

O doce chamado CHUVISCO já foi tema de teses e pesquisas em universidades campistas. Em 2011, foi tombado como patrimônio imaterial da cidade pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Municipal (Coppam). O doce é parte da culinária portuguesa e chegou ao Rio com a vinda da Família Real, em 1808. Diz-se que os portugueses utilizavam claras de ovos para engomar as roupas e, para aproveitar as gemas, faziam o chuvisco. 

A receita foi parar em Campos e, mais de cem anos depois, pelas mãos de Nilze Teixeira de Vasconcellos, a Mulata Teixeira ficaram ainda mais famosos. Conta-se que os ex-presidentes Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek teriam saboreado a guloseima da Mulata Teixeira quando visitavam Campos. 

O chuvisco pode ser cristalizado (como é este da foto abaixo), caramelado, em calda, com nozes, passas ou chocolate. Ele é produzido, em larga escala, por fábricas do município e também de forma artesanal por pequenas docerias. As gemas são batidas pelo menos cem vezes até a massa engrossar. De colherinha em colherinha, o doce é frito na calda de açúcar, três vezes, passa-se o chuvisco no primeiro tacho para ressecar. No segundo, para incorporar o açúcar. E no terceiro, para ficar molhado, com uma calda mais fina. Existem clientes campistas que moram no exterior e encomendam esse doce. 

Fonte:
Talita Batista – Seção da UBT de Campos dos Goytacazes.