sábado, 9 de maio de 2009

Adelia Maria Woellner (Cristais Poéticos)


CONQUISTA

Joguei o laço,
ajustei o nó;
apertei o espaço
e segurei o tempo.

Onde e quando
agora não existem.

Basto-me eu só,
na insistência
em viver...
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TECELÃ

Costurei palavras,
retalhos colhidos
no baú dos devaneios.

Fiz, do manto-poema
agasalho
das esperanças.
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OUTRO TEMPO

Escrevo para outro tempo.
A página é selo:
guarda, encobre, protege,
mas também é passaporte
para envio da mensagem.
………………………………
O destinatário ainda não chegou.
Escrevo para outro tempo…
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SEM TÍTULO

Ave desgarrada,
há muito vôo sozinha,
nesse espaço vazio,
em busca do ninho sonhado.

Já nem mais sei
quem sou.

Apenas descubro
que tenho por mãe a humanidade…
e o universo sabe que é meu pai.
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INVERNO

O frio
endurece os ramos,
faz encolheren
as pétalas das flores
e transforma
a superfície das águas
em fatias de cristal.
Só assim pode,
a geada,
colocar grinaldas de gelo
nas folhas de capim.
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Fontes:
http://poetasdobrasil.blogspot.com/2007/06/adlia-maria-woellner-nasceu-em-curitiba.html
– Antologia dos Acadêmicos; edição comemorativa dos 60 anos da Academia de Letras José de Alencar. SP: Scortecci, 2001.

Adélia Maria Woellner (1940)


(Pseudônimo: Adélia Maria)

Nasceu em 20 de junho de 1940, em Curitiba e reside em Piraquara (PR). Formou-se em Direito, em 1972, quando foi premiada com quatro medalhas, inclusive a de ouro, por haver obtido o 1º lugar no curso jurídico-noturno.

Foi professora (Direito Penal) na PUC do Paraná e Chefe do Departamento de Recursos Humanos na RFFSA, onde foi agraciada com a comenda do Mérito Ferroviário.

Pertence à Academia Paranaense de Letras (Cadeira nº 15), ao Centro de Letras do Paraná, do qual foi Presidente (biênio 98/99) e a inúmeras outras entidades culturais.

Teve seu nome incluído em diversas obras literárias, entre as quais: Dicionário Literário Brasileiro (Raimundo de Menezes) e Enciclopédia de Literatura Brasileira (OLAC/FAE-MEC).

Bibliografia

A Literatura e a História do Paraná (prosa)
Avesso Meu (poesias)
Balada do Amor que se Foi (poesias)
Encontro Maior (poesias)
Graciette Salmon - A Ciranda da Estrela Sozinha (ensaio)
Infinito em Mim (poesias)
Nbanduti (poesias)
Poemas para Amar (poesias)
Poemas para Orar e Meditar (poesias)
Poemas Soltos (poesias)
Poesia Trilógica (poesias)
Sons do Silêncio (poesias)
Trovas do Dia-a-dia (trovas)
Para onde vão as andorinhas (pesquisa)
Férias no Sítio (infantil)

Fontes:
http://poetasdobrasil.blogspot.com/2007/06/adlia-maria-woellner-nasceu-em-curitiba.html
– Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística. http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/
– Antologia dos Acadêmicos; edição comemorativa dos 60 anos da Academia de Letras José de Alencar. SP: Scortecci, 2001.

Machado de Assis (A Reforma pelo Jornal )


Houve uma coisa que fez tremer as aristocracias, mais do que os movimentos populares; foi o jornal. Devia ser curioso vê-las quando um século despertou ao clarão deste fiat humano; era a cúpula de seu edifício que se desmoronava.

Com o jornal eram incompatíveis esses parasitas da humanidade, essas fofas individualidades de pergaminho alçado e leitos de brasões. O jornal que tende à unidade humana, ao abraço comum, não era um inimigo vulgar, era uma barreira... de papel, não, mas de inteligências, de aspirações.

É fácil prever um resultado favorável ao pensamento democrático. A imprensa, que encarnava a idéia no livro, expendi eu em outra parte, sentia-se ainda assim presa por um obstáculo qualquer; sentia-se cerrada naquela esfera larga mas ainda não infinita; abriu pois uma represa que a impedia, e lançou-se uma noite aquele oceano ao novo leito aberto: o pergaminho será a Atlântida submergida.

Por que não?

Todas as coisas estão em gérmen na palavra, diz um poeta oriental. Não é assim? O verbo é a origem de todas as reformas.

Os hebreus, narrando a lenda do Gênesis, dão à criação da luz a precedência da palavra de Deus. É palpitante o símbolo. O fiat repetiu-se em todos caos, e, coisa admirável! sempre nasceu dele alguma luz.

A história é a crônica da palavra. Moisés, no deserto; Demóstenes, nas guerras helênicas; Cristo, nas sinagogas da Galiléia; Huss, no púlpito cristão; Mirabeau, na tribuna republicana; todas essas bocas eloqüentes, todas essas cabeças salientes do passado, não são senão o fiat multiplicado levantado em todas as confusões da humanidade. A história não é um simples quadro de acontecimentos; é mais, é o verbo feito livro.

Ora pois, a palavra, esse dom divino que fez do homem simples matéria organizada, um ente superior na criação, a palavra foi sempre uma reforma. Falada na tribuna é prodigiosa, é criadora, mas é o monólogo; escrita no livro, é ainda criadora, é ainda prodigiosa, mas é ainda o monólogo; esculpida no jornal, é prodigiosa e criadora, mas não é o monólogo, é a discussão.

E o que é a discussão?

A sentença de morte de todo o status quo, de todos os falsos princípios dominantes. Desde que uma coisa é trazida à discussão, não tem legitimidade evidente, e nesse caso o choque da argumentação é uma probabilidade de queda.

Ora, a discussão, que é a feição mais especial, o cunho mais vivo do jornal, é o que não convém exatamente à organização desigual e sinuosa da sociedade.

Examinemos.

A primeira propriedade do jornal é a reprodução amiudada, é o derramamento fácil em todos os membros do corpo social. Assim, o operário que se retira ao lar, fatigado pelo labor quotidiano, vai lá encontrar ao lado do pão do corpo, aquele pão do espírito, hóstia social da comunhão pública. A propaganda assim é fácil; a discussão do jornal reproduz-se também naquele espírito rude, com a diferença que vai lá achar o terreno preparado. A alma torturada da individualidade ínfima recebe, aceita, absorve sem labor, sem obstáculo aquelas impressões, aquela argumentação de princípios, aquela argüição de fatos. Depois uma reflexão, depois um braço que se ergue, um palácio que se invade, um sistema que cai, um princípio que se levanta, uma reforma que se coroa.

Malévola faculdade — a palavra!

Será ou não o escolho das aristocracias modernas, este novo molde do pensamento e do verbo?

Eu o creio de coração. Graças a Deus, se há alguma coisa a esperar é a das inteligências proletárias, das classes ínfimas; das superiores, não.

As aristocracias dissolvem-se, diz um eloqüente irmão d'armas. É a verdade. A ação democrática parece reagir sobre as castas que se levantam no primeiro plano social. Os próprios brasões já se humanizam mais, e alguns jogam na praça sem notarem que começam a confundir-se com as casacas do agiota.

Causa riso.

Tremem, pois, tremem com este invento que parece abranger os séculos — e rasgar desde já um horizonte largo às aspirações cívicas, às inteligências populares.

E se quisessem suprimi-lo? Não seria mau para eles; o fechamento da imprensa, e a supressão da sua liberdade, é a base atual do primeiro trono da Europa.

Mas como! cortar as asas de águia que se lança no infinito, seria uma tarefa absurda, e, desculpem a expressão, um cometimento parvo. Os pergaminhos já não são asas de Ícaro. Mudaram as cenas; o talento tem asas próprias para voar; senso bastante para aquilatar as culpas aristocráticas e as probidades cívicas.

Procedem estas idéias entre nós? Parece que sim. É verdade que o jornal aqui não está à altura da sua missão; pesa-lhe ainda o último elo. Às vezes leva a exigência até à letra maiúscula de um título de fidalgo.

Cortesania fina, em abono da verdade!

Mas, não importa! eu não creio no destino individual, mas aceito o destino coletivo da humanidade. Há um pólo atraente e fases a atravessar. — Cumpre vencer o caminho a todo o custo; no fim há sempre uma tenda para descansar, e uma relva para dormir.

(Publicado originalmente em O Espelho , Rio de Janeiro, 23/10/1859.)

Fontes:
ASSIS, Machado de. Obra Completa. Vol. III. RJ: Nova Aguilar, 1994.
Imagem = http:// www.weno.com.br

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Mady Benoliel Benzecry (Poetas do Amazonas)

CARMEM-DOIDA

Carmem-doida! Gritava
a criançada da antiga
praça da prefeitura,
a Carmem-doida endoidava
mandava banana pra todos,
cuspia a dentadura
xingava a mãe e a família
da garotada e berrava
os piores palavrões...

Carmem-doida! E a tua mãe,
está no hospício também?
"No céu! Seus mizerentos
rebentos do Satanás,
na paz do Senhô, ela está!"
E ia ao "Juizado
de Menores" se queixar!

"Seu juiz, não é prussive,
tanta, tanta bandalheira,
eu sou muié de respeito
e não ardimito brincadeira!
A gente tem de acabá
com esses moleque de rua,
já é a quinta dentadura
que eles me faz quebrá,
entonces esta, foi cara,
ganhei ela de natar
e tinha um dente de ouro
bem na frente, seu dotô
eles tem de me pagá!"

E lá se iam dois guardas
a garotada autuar...

Um dia, foi no Natal
uma "vaquinha" correu
na praça da prefeitura
e Carmem-doida ganhou
um presente dos meninos
com cinco dentes de ouro
uma nova dentadura!

E desde então Carmem-doida,
muito mais doida, ficou...

(In: Sarandalhas, 1967)
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ÀS DEZ HORAS DE UMA NOITE TRISTE

Não te demores meu bem!...
Minhas mãos ainda estão trêmulas
das carícias que te deram...
Ainda se estendem quentes, delirantes,
ainda se crispam dos anseios que tiveram
ao maltratar-te a pele...
Chamam-te ainda nervosas, implorantes
mas, já não estás comigo,
lembro triste,
faz apenas meia hora que partiste...

Não te demores meu bem!...
Meus lábios permanecem entreabertos
como se ainda esmagados contra os teus,
bebessem teu sangue nos desertos.
Ainda estão úmidos e sentem o jogo intenso
que tua boca transportada de desejo,
derramou na avidez de um infindo beijo...
Mas já não estás comigo,
lembro triste,
faz apenas meia hora que partiste...

Não te demores meu bem!...
Meu corpo ainda está como o deixaste,
morno... todo marcado da volúpia
com que o amaste...
No entanto, ainda deseja como um louco
languidamente entregar-se, e pouco a pouco,
matar a sede deste amor que não mataste!
Mas já não estás comigo,
lembro triste,
faz apenas meia hora que partiste!...
(In: De Todos os Crepúsculos)
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Sobre a Poetisa
A poeta Mady Benoliel Benzecry, ou Mady Benzecry, filha de família tradicional do Amazonas, deixou pouca informação bigráfica. Sabe-se que nasceu em Manaus, no dia 19 de fevereiro de 1933 e que mudou-se para o Rio de Janeiro, onde dedicou-se as artes plásticas. Casou-se com o entalhador pernambucano Eugênio Carlos Batista, mais conhecido como Batista. Mady fez diversas exposições de seu trabalho ao lado do marido e publicou alguns poemas no jornais de Manaus.

Contribuiu para a literatura amazonense ao publicar dois livros de poesia: De Todos os Crepúsculos (1964) e Sarandalhas (1967), ambos ilustrados pelo astista amazonense Moacir Andrade. Dois de seus poemas,Às dez horas de uma noite triste e Procissão do tempo, foram publicados em 2006 na Antologia Poesia e Poetas do Amazonas. De acordo com o jornal local Amazonas em Tempo (03/06/2004), a carreira de Mady como poeta não foi bem sucedida devido ao encalhe de seu segundo livro nas prateleiras, o que a obrigou a recolhê-los.

Mady Benzencry faleceu em 11 de julho de 2003

Fontes:
Poesia e Poetas do Amazonas. 2006. Ed. Valer.
Jornal Amazonas em Tempo (03/06/2004)
http://www.sumauma.net/amazonian/literatura/biom/bio_mady.html
Fotomontagem = José Feldman

Kathryn VanSpanckeren (Panorama da Literatura dos Estados Unidos – Parte final)



O Desabrochar do Indivíduo

A Grande Depressão dos anos 1930 tinha literalmente destruído a economia americana. A Segunda Guerra Mundial a recuperou. Os Estados Unidos tornaram-se a principal força no cenário mundial, e os americanos do pós-Segunda Guerra desfrutaram de prosperidade pessoal e liberdade individual sem precedentes.

A expansão do ensino superior e a disseminação da televisão nos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial possibilitaram que pessoas comuns obtivessem informações por conta própria e se tornassem mais sofisticadas. Um excesso de comodidades aos consumidores e o acesso a casas grandes e atraentes em áreas residenciais de classe média deram maior autonomia às famílias. As difundidas teorias da psicologia freudiana enfatizaram as origens e a importância da mente individual. A “pílula” anticoncepcional liberou as mulheres da estrita obediência às normas biológicas. Pela primeira vez na história da humanidade, muitas pessoas comuns podiam levar a vida de forma altamente satisfatória e afirmar seu valor pessoal.

A ascensão do individualismo de massa — bem como os movimentos pelos direitos civis e contra a guerra dos anos 1960 — deu mais poder a vozes antes emudecidas. Os escritores revelaram a sua natureza mais íntima, bem como experiências pessoais, e a relevância da experiência individual indicava a importância do grupo ao qual estava ligada. Homossexuais, feministas e outras vozes marginalizadas exaltavam suas histórias. Escritores judeus americanos e negros americanos encontraram grande público por causa de suas variações do sonho ou do pesadelo americano. Escritores de origem protestante, tais como John Cheever e John Updike, discutiram o impacto da cultura do pós-guerra em uma vida como a deles. Alguns escritores modernos e contemporâneos ainda estão ligados a tradições mais antigas, como o realismo. Alguns podem ser descritos como classicistas, outros como experimentais, estilisticamente influenciados pela transitoriedade da cultura de massa ou por filosofias como o existencialismo ou o socialismo. Outros são mais facilmente agrupados por etnia ou região. No entanto, como um todo, os escritores modernos sempre afirmam o valor da identidade individual.

Sylvia Plath (1932-1963)

Sylvia Plath teve uma vida aparentemente exemplar. Freqüentou a Faculdade Smith com bolsa de estudos e se formou como primeira da sua turma. Também ganhou uma bolsa Fulbright para a Universidade de Cambridge na Inglaterra. Foi lá que encontrou seu carismático futuro marido, o poeta Ted Hughes, com quem teve dois filhos e foi morar em uma casa de campo na Inglaterra.

Por trás do sucesso de conto de fadas acumulavam-se os problemas mal resolvidos evocados em seu romance altamente merecedor de ser lido, A Redoma de Vidro (1963). Alguns desses problemas eram pessoais, ao passo que outros eram fruto da identificação de atitudes repressivas com relação à mulher nos anos 1950. Entre elas encontram-se crenças — compartilhadas inclusive por muitas mulheres — de que a mulher não deveria mostrar raiva nem ter ambição de carreira, mas alcançar a realização na tarefa de cuidar do marido e dos filhos. Mulheres profissionalmente bem-sucedidas como Sylvia Plath sentiam que viviam uma contradição.

A vida de Sylvia Plath, que mais parecia ficção, desmoronou quando ela se separou de Hughes e começou a cuidar dos filhos pequenos em um apartamento londrino durante um inverno extremamente frio. Doente, isolada e desesperada, Plath trabalhou contra o tempo para produzir uma série de estonteantes poemas, antes de se suicidar inalando gás de cozinha. Esses poemas foram reunidos na coletânea Ariel (1965), dois anos após sua morte. O poeta Robert Lowell, que escreveu a introdução, ressaltou a rápida evolução de sua arte desde a época em que freqüentava aulas de poesia em 1958.

Os primeiros poemas de Plath eram bem elaborados e tradicionais, mas os da fase final revelam uma bravura desesperada e um grito protofeminista de angústia. Em “O Candidato” (1966), Plath expõe o vazio do atual papel de esposa (que se vê reduzida a uma “coisa” inanimada):

Uma boneca de carne, onde quer que você olhe.
Sabe costurar, sabe cozinhar.
Sabe falar, falar, falar.
(Tradução de Rodrigo Garcia Lopes e Maria Cristina Lenz de Macedo)

Allen Ginsberg (1926-1997)

Os “poetas beat” surgiram nos anos 1950. O termo “beat” sugere vários tempos fortes de uma música, como no jazz; beatitude angelical ou bem-aventurança; e “beat up”, cansado ou batido, surrado, machucado. Os beats (beatniks) tiveram como fonte de inspiração o jazz, a religião oriental e a vida errante. Tudo isso foi descrito no famoso romance de Jack Kerouac On the Road — Pé na Estrada, que foi uma sensação na época de sua publicação em 1957. Relato de uma viagem de carro pelo país em 1947, o romance foi escrito em um rolo de papel contínuo durante três semanas alucinantes, o que Kerouac chamou de “prosa bop espontânea”. O estilo selvagem e aberto a improvisações, personagens que eram ao mesmo tempo antenados e místicos e a rejeição às convenções inflamaram a imaginação dos jovens leitores e ajudaram a abrir a porta para a contracultura independente dos anos 1960.

Os beats mais importantes migraram da Costa Leste dos Estados Unidos para São Francisco, obtendo reconhecimento nacional pela primeira vez na Califórnia. O carismático Allen Ginsberg tornou-se o principal porta-voz do grupo. Filho de um pai poeta e de uma mãe que além de excêntrica era militante comunista, Ginsberg freqüentou a Universidade de Colúmbia, onde logo fez amizade com os colegas Kerouac (1922-1969) e William Burroughs (1914-1997), cujos romances violentos e apavorantes sobre o submundo da dependência química da heroína incluem O Almoço Nu (1959). O trio foi o núcleo do movimento beat.

A poesia beat é oral, repetitiva e produz grande efeito quando lida, principalmente porque surgiu das leituras de poesia em clubes “underground”.Algumas pessoas podem estar corretas ao vê-la como a bisavó do rap, que prevaleceu nos anos 1990. A poesia beat foi a forma literária mais antiestablishment dos Estados Unidos, mas por trás das palavras chocantes existe o amor pelo país. A poesia é um grito de dor e raiva contra o que os poetas vêem como a perda da inocência americana e o trágico desperdício de seus recursos materiais e humanos.

Poemas como Uivo (1956) de Allen Ginsberg revolucionaram a poesia tradicional.

Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela
loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada
em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,
“hipsters” com cabeças de anjo ansiando pelo antigo contato celestial
com o dínamo estrelado na maquinaria da noite.
..
(Tradução de Claudio Willer)

Tennessee Williams (1911-1983)

Nascido no Mississippi, Tennessee Williams foi um dos indivíduos mais complexos da cena literária americana de meados do século 20. Sua obra enfocou os distúrbios emocionais no seio das famílias — a maioria delas sulistas. Ficou conhecido por suas repetições encantatórias, pela dicção poética peculiar do sul, pelos estranhos cenários góticos e pela exploração freudiana da emoção humana. Um dos primeiros autores americanos a assumir abertamente a sua homossexualidade, Williams explicou que os anseios dos seus atormentados personagens eram expressão da solidão em que viviam. Eles vivem e sofrem intensamente.

Williams escreveu mais de 20 peças de teatro, muitas delas autobiográficas. Atingiu o apogeu relativamente cedo na carreira — nos anos 1940 — com À Margem da Vida (1944) e Um Bonde Chamado Desejo (1949). Nenhuma de suas obras publicadas nas duas décadas seguintes alcançou o nível de sucesso e a riqueza dessas duas peças.

Eudora Welty (1909-2001)

Nascida no estado do Mississippi em uma família abastada, de pais que vieram do norte, Eudora Welty teve como guias os romancistas Robert Penn Warren e Katherine Anne Porter. Na verdade, foi Katherine Porter quem escreveu a introdução da primeira coletânea de contos de Welty, A Curtain of Green [Uma Cortina de Verde] (1941). Em sua obra matizada, Eudora Welty buscou seguir o exemplo de Porter, mas essa mulher mais jovem se sentia de fato mais atraída pelo cômico e grotesco.Como a colega escritora sulista Flannery O’Connor, Welty escolhia geralmente como tema personagens anormais, excêntricos ou excepcionais.

Apesar da presença da violência em sua obra, a engenhosidade de Welty era essencialmente humana e afirmativa. Suas coletâneas de contos incluem The Wide Net [A Grande Rede] (1943), The Golden Apples [As Maçãs Douradas] (1949), The Bride of the Innisfallen [A Noiva de Innisfallen] (1955) e Moon Lake [Lago da Lua] (1980). Welty também escreveu romances como, por exemplo, Casamento no Delta (1946), que tem como tema central uma família rural em tempos modernos e A Filha do Otimista (1972).

Ralph Ellison (1914-1994)

Ralph Ellison era do Centro-Oeste, nascido em Oklahoma. Estudou no Instituto Tuskegee no Sul dos Estados Unidos. Teve uma das carreiras mais estranhas das letras americanas — que consiste de um livro altamente aclamado e pouco mais do que isso.

Seu romance Homem Invisível (1952) é a história de um jovem negro que leva uma vida secreta em um porão profusamente iluminado por energia elétrica roubada de uma prestadora de serviços públicos. O livro narra suas experiências grotescas e frustrantes. Ao ganhar uma bolsa de estudos para uma faculdade exclusivamente para negros, ele é humilhado pelos brancos; ao chegar lá, vê o presidente da escola menosprezar os problemas dos negros americanos. A vida também está corrompida fora da faculdade. Por exemplo, mesmo a religião não serve de consolo: um pregador acaba por se revelar um criminoso. O romance acusa a sociedade de falhar em prover seus cidadãos — negros e brancos — com ideais e instituições capazes de realizá-los. O romance expressa um tema racial forte porque o “homem invisível” não é invisível por si mesmo, mas porque os outros, cegos pelo preconceito, não conseguem vê-lo pelo que é.

Saul Bellow (1915-2005)

Nascido no Canadá e educado em Chicago, Saul Bellow era de família de origem judaica russa. Na faculdade, estudou antropologia e sociologia, e isso teve grande influência em sua produção literária. Certa vez expressou sua profunda gratidão ao romancista realista americano Theodore Dreiser por sua abertura para um amplo leque de experiências e seu envolvimento emocional nisso. Altamente respeitado, Bellow recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 1976.

Os primeiros romances existencialistas e algo sombrios de Bellow incluem Por Um Fio (1944), estudo kafkiano de um homem esperando o alistamento no exército, e A Vítima (1947), sobre as relações entre judeus e gentios. Nos anos 1950, sua visão ganhou uma conotação mais cômica: usou diversos narradores ativos e ousados em primeira pessoa em As Aventuras de Augie March (1953) — o estudo de um empresário urbano do tipo “Huck Finn” que se torna comerciante no mercado negro da Europa — e em Henderson, o Rei da Chuva (1959), romance sério-cômico brilhante e exuberante sobre um milionário de meia-idade cujas ambições irrealizadas o encaminham para a África.

As obras posteriores de Bellow incluem Herzog (1964), sobre a vida agitada de um professor de inglês neurótico que se especializa no ideal do eu romântico; O Planeta do Sr. Sammler (1970); O Legado de Humboldt (1975); e o autobiográfico Dezembro Fatal (1982). Agarre a Vida (1956) é uma novela centrada em um homem de negócios fracassado, Tommy Wilhelm, que é de tal forma consumido por sentimentos de insuficiência que acaba por se tornar totalmente inadequado — um fracasso com as mulheres, nas tarefas, com as máquinas e no mercado de commodities, onde perde todo o seu dinheiro. Wilhelm é um exemplo do schlemiel (indivíduo sem sorte, pessoa azarada) do folclore judaico — a quem sempre acontecem coisas infelizes.

John Cheever (1915-2005)

John Cheever tem sido chamado com freqüência de “romancista de costumes”. É também conhecido por seus contos elegantes e sugestivos, que examinam minuciosamente o mundo dos negócios de Nova York por meio de seus efeitos sobre os empresários, suas mulheres, seus filhos e amigos.

Uma melancolia mordaz e o desejo de paixão — ou certeza metafísica — nunca totalmente mitigado, mas aparentemente sem esperança, espreitam nas sombras dos contos de Cheever, delicadamente elaborados em um estilo tchekoviano e reunidos em The Way Some People Live [A Forma Como Algumas Pessoas Vivem] (1943), The Housebreaker of Shady Hill [O Arrombador de Shady Hill] (1958), Some People, Places, and Things That Will Not Appear in My Next Novel [Algumas Pessoas, Lugares e Coisas que Não Aparecerão no Meu Próximo Romance] (1961), The Brigadier and the Golf Widow [O Brigadeiro e a Viúva do Golfe] (1964) e O Mundo das Maçãs (1973). Seus títulos revelam sua característica indiferença, jocosidade e irreverência e fazem alusão ao assunto tratado.

Cheever também publicou vários romances — O Escândalo dos Wapshot (1964), Acerto de Contas (1969) e Sobrevivendo na Prisão (1977) — o último do qual é largamente autobiográfico.

John Updike (1932-2009)

John Updike, como Cheever, também é considerado escritor de costumes com suas narrativas ambientadas nos bairros de classe média, assuntos domésticos, reflexões sobre o tédio e a melancolia e, em especial, seus locais ficcionais no litoral leste dos Estados Unidos, em Massachusetts e na Pensilvânia.

É mais conhecido por seus cinco livros do Coelho, descrições da vida de um homem — Harry “Coelho” Angstrom — por meio dos altos e baixos de sua existência ao longo de quatro décadas de história social e política dos EUA. Coelho Corre (1960) é um reflexo dos anos 1950, apresentando Angstrom como um jovem marido descontente e sem rumo. Coelho em Crise (1971) — destacando a contracultura dos anos 1960 — encontra Angstrom ainda sem objetivos e propósitos definidos ou sem uma alternativa viável para escapar do banal. Em O Coelho Está Rico (1981), Harry torna-se um empresário próspero na década de 1970, enquanto a era do Vietnã começava a sair de cena. O romance final, Coelho Cai (1990), vislumbra a reconciliação de Angstrom com a vida antes de morrer vítima de um ataque cardíaco, tendo como pano de fundo os anos 1980.

Updike é atualmente o escritor de estilo mais brilhante entre todos os outros, e seus contos oferecem exemplos cintilantes de sua abrangência e inventividade.

Norman Mailer (1923-2007)

Norman Mailer se transformou no romancista de maior visibilidade dos anos 1960 e 1970. Co-fundador do The Village Voice, jornal semanal antiestablishment da cidade de Nova York, Mailer promoveu ao mesmo tempo a si mesmo e suas opiniões políticas. Em sua ânsia por experiência, estilo vigoroso e persona pública surpreendente, Mailer segue a tradição de Ernest Hemingway. Para conseguir uma posição estratégica na cobertura do assassinato do presidente John F. Kennedy, dos protestos contra a Guerra do Vietnã, da libertação negra e do movimento de mulheres, encarnou diferentes personas, apresentando-se como alguém por dentro da moda, existencialista e o macho por excelência (em seu livro Política Sexual, Kate Millett identificou Mailer como machista arquetípico). O irreprimível Mailer não só casou seis vezes como se candidatou a prefeito de Nova York.

A partir de exercícios ao estilo do Novo Jornalismo como Miami e o Cerco de Chicago (1968), análise das convenções presidenciais americanas de 1968, e o instigante estudo sobre a execução de um criminoso condenado, A Canção do Carrasco (1979), Mailer passou a escrever romances ambiciosos, embora cheios de falhas, como Noites Antigas (1983), ambientado no antigo Egito, e o Fantasma da Prostituta (1991), que gira em torno da Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA).

Toni Morrison (1931- )

A romancista afro-americana Toni Morrison nasceu no estado de Ohio em uma família de formação espiritual. Estudou na Universidade de Howard em Washington, D.C., onde tem trabalhado como editora sênior de uma grande editora e professora ilustre em várias universidades.

A ficção altamente elaborada de Toni Morrison ganhou reconhecimento internacional. Em romances fascinantes e cheios de vigor, ela trata da complexidade da identidade negra de forma universal. Em sua obra inicial, O Olho Mais Azul (1970), uma jovem negra de personalidade forte conta a história de Pecola Breedlove, que é levada à loucura por um pai agressor. Pecola acredita que seus olhos escuros tornaram-se azuis por um passe de mágica e que eles a farão uma pessoa adorável. Morrison tem afirmado que criou seu próprio sentido de identidade como escritora por meio desse romance: “Eu era a Pecola, a Claudia, todo mundo.”

Sula (1973) descreve a forte amizade entre duas mulheres. Morrison pinta as mulheres afro-americanas como personagens únicos, totalmente individualizados, não estereotipados. Seu romance A Canção de Solomon (1977) ganhou vários prêmios. O livro segue a trajetória de um negro, Milkman Dead, e suas complexas relações com a família e a comunidade. Amada (1987) é a perturbadora história de uma mulher que prefere assassinar seus filhos a deixá-los viver como escravos. Nesse romance emprega técnicas oníricas do realismo mágico ao descrever a misteriosa figura de Amada, que volta a viver com a mãe que havia cortado sua garganta. Jazz (1992), ambientado no Harlem dos anos 1920, é uma história de amor e assassinato. Em 1993, Morrison ganhou o Prêmio Nobel de Literatura.

Literatura contemporânea

No final do século 20 e início do século 21, a mobilidade social e geográfica das massas, a internet, a imigração e a globalização apenas enfatizaram a voz subjetiva em um contexto de fragmentação cultural. Alguns escritores contemporâneos refletem uma inclinação em direção a vozes mais calmas e acessíveis. Para muitos autores de prosa, a região, em vez da nação, é a geografia que importa.

Louise Glück (1943- )

Uma das mais impressionantes poetas contemporâneas é Louise Glück. Nascida na cidade de Nova York, Glück, poeta americana premiada em 2003 e 2004, cresceu com permanente sentimento de culpa devido à morte de uma irmã nascida antes dela. Na Faculdade Sarah Lawrence e na Universidade de Colúmbia, estudou com os poetas Leonie Adams e Stanley Kunitz. Grande parte de sua poesia fala de perdas trágicas. Cada livro de Glück é um experimento de novas técnicas, tornando difícil uma síntese de sua obra.

Em seu memorável A Íris Selvagem (1992), diferentes tipos de flores pronunciam pequenos monólogos metafísicos. O poema que dá título ao livro, uma exploração da ressurreição, poderia ser uma epígrafe para o conjunto de sua obra. A íris selvagem, uma flor linda de cor azul profundo que ao brotar de um botão que ficou adormecido durante todo o inverno, diz: “É terrível sobreviver / como consciência / enterrada na terra escura.”

Do centro da minha vida brotou
uma grande fonte, sombras de cor
azul profundo sobre o azul-celeste da água do mar
.

Billy Collins (1941- )

A poesia de Billy Collins é original e estimulante. Collins usa a linguagem corrente para registrar milhares de detalhes da vida diária, combinando livremente os eventos do cotidiano (comer, realizar tarefas, escrever) com referências culturais. Seu humor e originalidade fizeram com que ele atraísse o grande público. Embora alguns tenham acusado Collins de ser acessível demais, seus imprevisíveis vôos de imaginação mergulham no mistério.

A obra de Collins é uma forma domesticada de surrealismo. Seus melhores poemas catapultam de imediato a imaginação para uma série de situações cada vez mais surrealistas, propiciando no final uma aterrissagem emocional, uma disposição de ânimo na qual podemos nos apoiar. O pequeno poema “The Dead” [O Morto], tirado de Sailing Alone Around the Room: New and Selected Poems [Velejando Sozinho em Volta do Quarto: Novos Poemas Selecionados] (2001), dá uma idéia do vôo imaginativo e do suave aterrizar de Collins, como o de uma ave em busca de repouso.

Os mortos estão sempre a nos desdenhar, segundo dizem,
enquanto calçamos nossos sapatos ou preparamos um sanduiche,
eles nos olham com desdém de seus barcos de fundo de vidro, lá no céu
em seu lento remar pela eternidade
.

Annie Proulx (1935- )

A surpreendente escritora Annie Proulx cria histórias sobre os batalhadores habitantes do norte da Nova Inglaterra em Canções do Coração (1988). Seu melhor romance, Chegadas e Partidas (1993), é ambientado mais para o norte, em Newfoundland, Canadá. Proulx também passou anos no Oeste, e um de seus contos originou o filme “O Segredo de Brokeback Mountain”, em 2006.

Richard Ford (1944- )

Oriundo do Mississippi, Richard Ford começou a escrever no estilo faulkneriano, porém, é mais conhecido por seu romance sutil ambientado em Nova Jersey, O Cronista Esportivo (1986), e sua continuação, Independência (1995). Esse romance é sobre Frank Bascombe, um vagabundo sonhador, ambíguo, que perde todas as coisas que dão sentido à sua vida — um filho, seu sonho de escrever ficção, seu casamento, amantes, amigos e emprego. Bascombe é sensível e inteligente — suas escolhas, diz ele, são feitas “para desviar a dor do arrependimento terrível” — e seu vazio, junto com os anônimos shopping centers e novos empreendimentos imobiliários áridos, os quais ele continuamente percorre em silêncio para comprovar a visão de Ford de uma doença nacional.

Amy Tan (1952- )

O norte da Califórnia abriga uma rica tradição literária ásio-americana, cujos temas característicos incluem família e papéis dos gêneros, conflito entre gerações e busca de identidade. Uma escritora ásio-americana da Califórnia é a romancista Amy Tan, cujo best-seller Clube da Felicidade e da Sorte tornou-se filme de sucesso em 1993. Seus capítulos interligados como contos delineiam os diferentes destinos de quatro pares de mãe e filha. Entre os romances de Amy Tan que abarcam a China histórica e os Estados Unidos da atualidade, encontram-se Os Cem Sentidos Secretos (1995), sobre meias-irmãs, e A Filha do Restaurador de Ossos (2001), sobre os cuidados de uma filha com sua mãe.

Sherman Alexie (1966- )

Sherman Alexie, índio criado na reserva de Spokane, da tribo Coeur d’Alene, é o mais jovem romancista indígena a alcançar fama nacional. Alexie faz relatos humorísticos e pouco românticos da vida dos índios abordando misturas incoerentes de tradição e cultura popular. Fazem parte de seus ciclos de contos Reservation Blues [O Blues da Reserva] (1995) e The Lone Ranger and Tonto Fistfight in Heaven [A Luta de Zorro e Tonto no Céu] (1993), que inspirou o ótimo filme sobre a vida nas reservas Sinais de Fumaça (1998), com roteiro do próprio Alexie. A coletânea recente de contos de Alexei é The Toughest Indian in the World [O Índio Mais Forte do Mundo] (2000).

Fonte:
http://embaixadaamericana.org.br/HTML/literatureinbrief/chapter03.htm

Alcides Werk (Caldeirão Poético do Amazonas)



DAS FRONTEIRAS

Na cidade onde eu vivo de [lembranças
existem muitas pessoas
que só conhecem a rua principal
e a grande praça da igreja,
onde há passeios laterais, flores e [um obelisco.
Tecem suas vidas numa rotina agradável
que lhes assegura a paz
que transmitirão aos seus descendentes
como uma herança legítima da palavra de Deus.

(Creio que é um costume de muitas gerações,
pois todos possuem verdades profundas e inabaláveis).

Nas minhas tardes vazias,
enquanto o céu não me espera
por total falta de méritos,
atravesso essas fronteiras
à procura de outras vidas,
e quando retorno à casa
trago a alma pesada de canções amargas.

Mas se ergo a voz uma vez,
e canto um canto rebelde
num gesto forte de amor,
todos me julgam um hostil estrangeiro.

Quando se esgotar o meu tempo de luta,
construírei minha morada entre árvores sadias e simples,
e assistirei em silêncio
força do tempo destruindo as fronteiras.
===========================

DA NOITE DO RIO

Nesta noite sem medida
eu todo banhado em sombras
fugi de casa, fugi
para o branco desta praia,
como se a aurora que busco
neste rio se afogou.

Preciso acordar o rio
que está cansado de viagens
para ver se me alivio
da morte que trago em mim
com falas de cobras-grandes
e de mortos pescadores
que fazem parte do rio
e estão assim como estou.

No céu repleto de nuvens
há nuvens cheias de chuva:
por que não chove? Quisera
molhar-me dentro da noite,
tremer de fome e de frio
por remissão dos meus males
deixar meu corpo vazio
guardando o castelo inútil
e partir buscando a aurora
para que venha depressa
banhar as águas do rio
e minha face marcada
dos ventos com que lutei.
=========================

ESTUDOS

VI

O amargo deste sal que me alimenta
agora, eu mesmo o consegui catando
abismos nesse mar desconhecido
que o tempo me mostrou depois de mim.

Este sabor estranho de distância
que vivo a cada hora e que me envolve,
vem da vida que vi nessa voragem.
Sei, agora, que após a ronda inútil

por além dos limites do meu nada,
voltamos mais vazios, eu e o barco
que construí para guardar tesouros.

No regresso noturno, cumpro o gesto
de buscar o local, em cada porto
onde possa esconder um sonho morto.
==============

DA OPÇÃO

Um belo mundo
de muitos lagos
de muitos rios.

Um belo mundo
de muitas matas
de muitas vidas
elementares.

Um belo mundo
de muitas lendas
de muitas mortes
antecipadas.

Velhas estórias
de água e florestas.

O homem e a terra.

A terra cansando
dos anos compridos
de extrativismo
na selva
no rio
na rua
na mente.

O homem cansado
de andar pelo tempo
sozinho sozinho
no meio da mata
na beira do rio
à margem da vida.
Velhas estórias
de água e florestas.

O homem e a terra.

­- Eu canto para o homem.
============================

DAS ÁGUAS GRANDES

o barco passando e a onda molhando
o menino molhado, na porta da frente.
O homem doente
deitado na rede
com os olhos cansados de espanto e de mágoa
de ver tanta água
de ver tanta água
bebendo do sangue, roendo as raízes
de tudo o que fez.
Na estreita maromba,
os bichos chorando de fome e de frio,
com medo do rio
com medo do rio que cresce outra vez.

(Quando eu for Presidente,
de amplos e amorosíssimos poderes,
decretarei,
sem visto do congresso,
nem processo,
canonizando santos nacionais
os mártires da enchente.
Convocarei um exército de anjos
para domar o rio e o desvario
dos prováveis dilúvios anuais.

Mesmo assim, por razões de previdência,
visto que temos mártires demais
e precisamos de gente,
levarei meus irmãos pra terra firme,
onde casa não pode ser navio,
nem se esteja sujeito
às caprichosas emoções do rio.)

o barco passando, e meus olhos sofrendo
da mesma miséria da mesma miséria
que vêem.

E, de repente,
me vem uma vontade provisória
de encher os bolsos de demagogia,
entrar em cada casa com uma estória,
qualquer que seja - que não seja séria,
falar de tudo - menos de miséria,
prometer coisas que não cumprirei,
como se faz em tempo de eleições,
para que sejam menos infelizes
(enquanto o rio esconde as roças podres),
mastigando ilusões.
======================

O OURO DO RIO AMANA

Tuas doces águas, Amana,
de repente se toldaram.

Chegaram dragas, pontões,
canoas, motores, balsas
abarrotadas de homens
falando gírias estranhas,
escafandros, pás, bateias,
mecanismos de sucção
a revolver-te as entranhas,
e o teu relevo de margens:
foi decifrado o segredo
do teu rico aluvião.

As cobiças pessoais
precisam catar o ouro
para urgências nacionais.

Cadê teus patos selvagens,
teus amenos inambus,
tangurupará voltando
(segundo registra a lenda)
de lutas com o japiim,
o som rouco das ciganas
a voz dos uirapurus,
o alarido dos guaribas,
os bandos de caititus,
os socós-boi meditando,
jacarés-pedra espiando,
tracajás quase dormindo
na beira, esquentando o sol?

Cadê tuas ariranhas,
tuas antas e capivaras,
teus tambaquis, tuas piranhas
pretas, teus pirarucus,
teus surubins, teus pacus,
araris e pirararas?

Vai, leva ao Parauari
(que também foi descoberto)
teu choro amargo de virgem
possuída sem amor.

Conta que há alto-falantes
espantando os papagaios;
que em cada motor-de-linha
chegam novos garimpeiros;
que as vilas vão-se formando
nas margens, e em cada tenda
há muitas coisas a venda
e mulheres de aluguel
(brancas, louras, que adoecem
por rejeição natural);
que há muito cabra-da-peste
e cenas de faroeste,
cachaça, carne-de-lata,
cigarro, pilha, sardinha,
leite-moça, mosquiteiro,
lanterna, charque do Sul.

Entrega teu ouro, Amana,
quanto mais cedo melhor.
Quero que sejas tão pobre
que nem se lembrem que existes.

Depois do caso passado,
mesmo sabendo que és triste,
quero fazer um roçado,
levantar um tapiri,
deixar o mundo de lado
e morar perto de ti.
==========================

SONETO ABERTO SOBRE A MORTE

Hoje é dia de festa nesta casa:
festa dos círios e das lamparinas.
Um corpo magro sobre a mesa, e a porta
de esteira aberta para os companheiros.

Beatas, terço, cafezinho, estórias,
o choro inútil da mulher sozinha,
a promessa do céu dos escolhidos
e uma herança de palha e de abandono.

Brasileiro, do norte, agricultor.
Semeou, semeou a vida inteira,
fez o campo florir por tantas vezes,

alimentou mil pássaros vadios,
foi sempre bom, mas nunca teve sorte,
e se vestiu de trapos para a morte.
========================

O LAGO DAS 7 ILHAS

No Lago das 7 ilhas
há 7 ilhas plantadas
e um mundo verde ao redor.

Em cada ilha uma casa
em cada casa uma virgem
em cada virgem um amor.

No Lago das 7 ilhas
há peixes e tartarugas
e o boto namorador.

Da lama humosa do lago
brotam mil vitórias-régias
- em cada uma uma flor.

No Lago das 7 ilhas,
que guarda o dom encantado
de ser filho do Equador,

há 7 moças bonitas
que vivem nas palafitas
sonhando com seu senhor.

No Lago das 7 ilhas,
somando todas as filhas
do caboclo pescador,

há 7 cunhãs pejadas
de tanto amar a paisagem
e o boto conquistador.
=======================

DO TEMPO ENTRE DUAS ÁGUAS

A mãe-do-rio virá com suas águas poderosas,
e inundará a várzea,
e cobrirá os jutais e os tapiris,
e invadirá os domínios da mata.

Minha gente conhecerá, ainda uma vez,
o espanto da enchente
e a ilusão dos jutais e das lamas humosas,
e se refugiará nas marombas
com seus animais
e as sementes de novas esperanças.

Os peixes se multiplicarão nos igapós,
e o rio doará à varzea a fertilidade das águas.

As florestas indomadas guardarão, ainda,
as riquezas da terra firme
e o segredo milenar das nossas jazidas.

Então,
convocaremos a força benéfica
que desobstruirá os canais dos nossos sonhos,
e iluminará os nossos corações;

e nos ensinará os caminhos da urbe,
com suas indústrias e seu comércio,
em que não seremos um amontoado de seres revoltados;

e nos ensinará os caminhos da várzea,
em que cultivaremos os nossos alimentos,
sem sermos consumidos pelas águas;

e nos ensinará os caminhos da terra firme,
em que apaziguaremos as florestas e o subsolo,
sem enveredarmos por transamazônicas impossíveis.

E o espírito da cidade será um bom companheiro,
e não nos punirá a cada dia
por nossas vidas;

e a mãe-do-rio permanecerá fértil e generosa,
e apascentará os cardumes
que alimentarão nossos filhos;

e o senhor da mata
porá nos nossos lábios a palavra certa
para o diálogo com as árvores e com a terra.

E terá chegado a hora
em que perpetuaremos o gesto simples
do amanho e da partilha justa,
entre nós mesmos,
dos nossos bens.
---------
Fontes:
– TELLES, Tenório e KRÜGER, Marcos Frederico (organizadores). Trilha dágua: Poesia e poetas do Amazonas. Manaus: Valer, 2006.
http://www.antoniomiranda.com.br/
http://www.jornaldepoesia.jor.br/
Fotomontagem = José Feldman

Alcides Werk (1934 – 2003)


Alcides Werk Gomes de Matos nasceu em Aquidauana, Mato Grosso, no dia 20 de dezembro de 1934. Foi para o Amazonas em 1954, fixando-se inicialmente em Manaus, mas indo depois para o Médio Amazonas (Maués, Nhamundá e áreas circunvizinhas), como funcionário de carreira do DENTEL, por onde se aposentou.

É poeta de identidade amazônica, forjada no convívio com o modo de vida interiorano, resultado de suas aventuras pelos altos rios, pelos paranás, pelos lagos distantes, abeberando-se da cultura aborígine.

De volta a Manaus, lançou, em 74, Da Noite do Rio, cujos poemas passaram a fazer parte de Trilha Dágua, lançado em 1980, e reeditado (com acréscimos) em 82, 85 e 94.

Lançou também, em 87, Poemas da Água e da Terra (Poems of the Water and the Land), uma antologia, em edição bilíngüe, In natura: poemas para a juventude (Manaus, 1999). Cantos ribeirinhos e outros poemas (Manaus. 2002) e A Amazônia de Alcides Werk (Manaus, 2004)..

Trabalhou também na Imprensa Oficial, onde editou, por dois anos, o Suplemento Literário Amazonas. O poeta faleceu em Manaus, no dia 13 de novembro de 2003.

Fontes:
– TELLES, Tenório e KRÜGER, Marcos Frederico (organizadores). Trilha dágua: Poesia e poetas do Amazonas. Manaus: Valer, 2006.
http://www.antoniomiranda.com.br/
http://www.jornaldepoesia.jor.br/

Expressões e suas Origens (Letra P)


PAGAR O PATO
Trata-se de expressão que está presente em vários textos de escritores portugueses e no nosso Gregório de Matos (1636-1695), que escreveu esses versos dirigidos a certa mulata: "quem te curte o cordovão/ por que não te dá sapato?/ pois eu que te rôo os ossos/ é que hei de pagar o pato?" A origem mais remota é uma brincadeira: um pato era amarrado a um poste. A calo, a galope, o jogador deveria de um só golpe, cortar as amarras. Quem errasse pagaria o pato. Passou a significar algum ato pelo qual pagamos sem conseguir nenhum benefício.

PAGAR TINTIM POR TINTIM
No final do século XIX, uma peça intitulada Tintim por tintim, estrelada por uma atriz portuguesa que nela fazia dezoito papéis, teve grande sucesso nos teatros do Brasil. A frase já era famosa por suas ligações com desejos de vingança. Tintim é vocábulo onomatopaico para designar o barulho que fazem as moedas ao se chocarem. A expressão, sempre na boca do povo, indicando que todo pagamento deve ser minucioso, usando-se o dinheiro como metáfora, está presente num clássico da literatura portuguesa, Aulegrafia, de Jorge Ferreira de Vasconcelos (1515-1583), autor de teatro, mais para ser lido do que encenado.

PARA INGLÊS VER
Esta frase foi dita pela primeira vez em 1808, quando a família real chegou ao Brasil, ainda colônia. A cidade de Salvador, então capital, estava iluminada e Dom João VI (1767-1826) comentou que aquela recepção festiva demonstrava aos ingleses, aliados e protetores dos portugueses, que os brasileiros recebiam-no calorosamente. Virou, depois disso, símbolo de burla nacional ou internacional, sempre de grandes proporções, em que são utilizados vistosos aparatos para enganar. Alguns historiadores dizem que a frase pode ter nascido da fingida vigilância com que os navios brasileiros procuravam navios negreiros. Faziam isso apenas para agradar aos ingleses, que haviam proibido o tráfico de escravos.

PARA TUDO SERVEM AS BAIONETAS, MENOS PARA SENTAR-SE SOBRE ELAS
Esta frase é lembrada quando há ameaça ou promessa de intervenção militar na vida política. Se não foi pronunciada pela primeira vez, foi pelo menos escrita originalmente por Emílio Castelar y Rippol, célebre intelectual e político espanhol, na segunda metade do século XIX. Assumindo o poder, em 1873, na jovem República, cuja instalação liderara, encontrou seu país em grandes desordens. De um homem que já fora condenado à morte durante a monarquia, a Espanha recebeu uma contribuição decisiva para organizar-se como nação. A frase está em sua obra Discurso de cortes.

PARIS É UMA FESTA
Esta frase, título de um dos livros de Ernest Miller Hemingway (1898-1961), nasceu de uma delicadeza parisiense. De acordo com o que nos informa a escritora e psicanalista Betty Milan em seu livro Paris não acaba nunca, em 1957, depois de uma curta viagem à Espanha, o romancista norte-americano hospeda-se no famoso hotel Ritz. Para sua surpresa, os funcionários lhe devolvem duas malas esquecidas 30 anos antes. Dentro delas estavam os diários que escrevera na mesma Paris, entre 1921 e 1926. Outros famosos escritores aprenderam o ofício na mesma cidade, como Henry Miller (1891-1980) e Scott Fitzgerald (1896-1940). Especialmente para estes escritores, a Cidade Luz foi uma festa, pois lá escreveram grandes obras.

PARIS VALE UMA MISSA
Quem pronunciou esta frase pela primeira vez, inaugurando o significado que carregaria pelos séculos seguintes, foi Enrique IV (1553-1610), rei de Navarra e posteriormente da França. Por achar que Paris valia uma missa, abjurou o protestantismo duas vezes, tornando-se católico por conveniência. Primeiro, para casar-se com Margarida de Valois, a rainha Margot (1553-1615), a quem posteriormente repudiou. Escapou do massacre da noite de são Bartolomeu, tonou-se rei da França, voltou ao protestantismo e depois tornou a abjurá-lo por motivos políticos. Morreu assassinado. Paris valeu-lhe outras tantas missas, mas por sua alma. O significado da frase é que vale qualquer sacrifício quando o objetivo é essencial.

PENSANDO NA MORTE DA BEZERRA
A história mais aceitável para explicar a origem do termo é proveniente das tradições hebraicas, onde os bezerros eram sacrificados para Deus como forma de redenção de pecados.
Um filho do rei Absalão tinha grande apego a uma bezerra que foi sacrificada. Assim, após o animal morrer, ele ficou se lamentando e pensando na morte da bezerra. Após alguns meses o garoto morreu.

PENSO, LOGO EXISTO
Um dos pilares da ciência moderna, esta frase celebérrima é de autoria do filósofo, matemático e físico francês René Descartes (1565-1650), e coroa seu método, que se baseia no questionamento de todo o conhecimento, restando apenas a certeza daquele que duvida. As contribuições de Descartes estenderam-se também à geometria analítica e à óptica geométrica. Educado por jesuítas, o filósofo teve também experiência militar, lutando na famosa Guerra dos Trinta Anos. Segundo ele próprio, a natureza de sua ciência, exposta no método sintetizado nesta frase, foi mais claramente revelada num sonho que teve em 10 de novembro de 1619. Com seu nome latino, Renatius Cartesius, foi personagem de Catatau, um importante romance de Paulo Leminski (1944-1989).

PENTEAR MACACOS
Esta frase, proferida como ofensa, é adaptação brasileira de um provérbio português: "Mau grado haja a quem asno penteia". Na tradição de Portugal, pentear burros e jumentos seria tarefa menor, quase desnecessária. Provavelmente o verbo significava escovar, um luxo para animais de carga. Mas no século XVIII, o animal já havia sido substituído por bugio em Portugal e por macaco no Brasil, tal como aparece em documentos de 1756 assinado pelo rei Dom José (1714-1777), que deve ter penteado muitos macacos, já que quem exercia o poder era o marquês de Pombal (1699-1782), que, inclusive, transferiu a capital do Brasil de Salvador para o Rio de Janeiro. A expressão está registrada por Luís da Câmara Cascudo (1898-1986) em Locuções tradicionais do Brasil.

PÔR EM PRATOS LIMPOS
O primeiro restaurante foi aberto na frança em 1765. Estabeleceu-se desde o início que a conta seria paga após a pessoa comer, ao contrario do que depois veio a acontecer com os lanches rápidos. Quando o dono ou o garçom vinha cobrar a conta e o cliente ainda não havia feito a refeição, os pratos limpos eram a prova que ele nada devia. A frase passou a servir de metáfora na resolução de conflitos. Quem gostava de pôr tudo em pratos limpos, com "a alma lavada e enxugada", era o personagem Odorico Paraguaçu, criado por Dias Gomes em O bem-amado e vivido por Pelópidas Gracindo, mais conhecido como Paulo Gracindo (1911-1995).

PRIMEIRO VIVER, DEPOIS FILOSOFAR
Esta frase integra proverbiais sentenças latinas e está registrada em Leviatã, livro publicado em 1651, que viria a transformar-se na grande obra do filósofo inglês Thomas Hobbes (1588-1679), um velhinho que teve muito o que nos ensinar. Em seus textos, defendeu a desobediência quando as leis impostas contradizem as leis naturais, mas ao mesmo tempo defende o Estado como elemento coercitivo que leva ao bom comportamento dos homens. Foi, assim, um partidário do despotismo político, do materialismo filosófico e do egoísmo moral. Pregou o recurso o racionalismo contra as imposições vindas de autoritarismo religiosos. Escrevia em latim e se interessava muito por literatura, tendo traduzido para o inglês a Odisséia. A frase foi originalmente escrita em latim: "Primum vivere, deinde philosophare".

Fonte:
SILVA, Deonisio da. Expressões e Suas Origens. SP: Girafa Editora, 2004.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Paulo Leminski (Saudosa Amnésia)

a um amigo que perdeu a memória

Memória é coisa recente.
Até ontem, quem lembrava?
A coisa veio antes,
ou, antes, foi a palavra?
Ao perder a lembrança,
grande coisa não se perde.
Nuvens, são sempre brancas.
O mar? Continua verde.
Fonte:
LEMINSKI, Paulo. Distraídos venceremos. SP: Brasiliense. 2. Ed
.

Machado de Assis (Papéis Velhos)



Brotero é deputado. Entrou agora mesmo em casa, às duas horas da noite, agitado, sombrio, respondendo mal ao moleque, que lhe pergunta se quer isto ou aquilo, e ordenando-lhe, finalmente, que o deixe só. Uma vez só, despe-se, enfia um chambre e vai estirar-se no canapé do gabinete, com os olhos no teto e o charuto na boca. Não pensa tranqüilamente; resmunga e estremece. Ao cabo de algum tempo senta-se; logo depois levanta-se, vai a uma janela, passeia, pára no meio da sala, batendo com o pé no chão; enfim resolve ir dormir, entra no quarto, despe-se, mete-se na cama, rola inutilmente de um lado para outro, torna a vestir-se e volta para o gabinete. Mal se sentou outra vez no canapé, bateram três horas no relógio da casa. O silêncio era profundo; e, como a divergência dos relógios é o princípio fundamental da relojoaria, começaram todos os relógios da vizinhança a bater, com intervalos desiguais, uma, duas, três horas. Quando o espírito padece, a coisa mais indiferente do mundo traz uma intenção recôndita, um propósito do destino. Brotero começou a sentir esse outro gênero de mortificação. As três pancadas secas, cortando o silêncio da noite, pareciam-lhe as vozes do próprio tempo, que lhe bradava: Vai dormir. Enfim, cessaram; e ele pôde ruminar, resolver, e levantar-se, bradando:

— Não há outro alvitre, é isto mesmo.

Dito isso, foi à secretária, pegou da pena e de uma folha de papel, e escreveu esta carta ao presidente do Conselho de Ministros:

"Excelentíssimo senhor,

Há de parecer estranho a V. Excia. tudo o que vou dizer neste papel; mas, por mais estranho que lhe pareça, e a mim também, há situações tão extraordinárias que só comportam soluções extraordinárias. Não quero desabafar nas esquinas, na Rua do Ouvidor, ou nos corredores da Câmara. Também não quero manifestar-me, na tribuna, amanhã ou depois, quando V. Excia. for apresentar o programa do seu ministério; seria digno, mas seria aceitar a cumplicidade de uma ordem de coisas, que inteiramente repudio. Tenho um só alvitre: renunciar à cadeira de deputado e voltar à vida íntima.
Não sei se, ainda assim, V. Excia. me chamará despeitado. Se o fizer, creio que terá razão.

Mas rogo-lhe que advirta que há duas qualidades de despeito, e o meu é da melhor.

Não pense V. Excia. que recuo diante de certas deputações influentes, nem que me senti ferido pelas intrigas do A... e por tudo o que fez o B... para meter o C... no ministério. Tudo isso são coisas mínimas. A questão para mim é de lealdade, já não digo política, mas pessoal; a questão é com V. Excia. Foi V. Excia. que me obrigou a romper com o ministério dissolvido, mais cedo do que era minha intenção, e, talvez mais cedo do que convinha ao partido. Foi V. Excia. que, uma vez, em casa do Z... me disse, a uma janela, que os meus estudos de questões diplomáticas me indicavam naturalmente a pasta de Estrangeiros. Há de lembrar-se que lhe respondi então ser para mim indiferente subir ao ministério, uma vez que servisse ao meu país. V. Excia. replicou: — É muito bonito, mas os bons talentos querem-se no ministério.

Na Câmara, já pela posição que fui adquirindo, já pelas distinções especiais de que era objeto, dizia-se, acreditava-se que eu seria ministro na primeira ocasião; e, ao ser chamado V. Excia. ontem para organizar o novo gabinete, não se jurou outra coisa. As combinações variavam, mas o meu nome figurava em todas elas. É que ninguém ignorava as finezas de V. Excia. para comigo, os bilhetes em que me louvava, os seus reiterados convites, etc.

Confesso a V. Excia. que acompanhei a opinião geral.

A opinião enganou-se, eu enganei-me; o ministério está organizado sem mim. Considero esta exclusão um desdouro irreparável, e determinei deixar a cadeira de deputado a algum mais capaz, e, principalmente, mais dócil.
Não será difícil a V. Excia. achá-lo entre os seus numerosos admiradores.
Sou, com elevada estima e consideração.
De V. Excia. desobrigado amigo,
Brotero."

Os verdadeiros políticos dirão que esta carta é só verossímil no despeito, e inverossímil na resolução. Mas os verdadeiros políticos ignoram duas coisas, penso eu. Ignoram Boileau, que nos adverte da possível inverossimilhança da verdade, em matérias de arte, e a política, segundo a definiu um padre da nossa língua, é a arte das artes; e ignoram que um outro golpe feria a alma do Brotero naquela ocasião. Se a exclusão do ministério não bastava a explicar a renúncia da cadeira, outra perda a ajudava. Já têm notícia do desastre político; sabem que houve crise ministerial, que o conselheiro *** recebeu do imperador o encargo de organizar um gabinete, e que a diligência de um certo B... conseguiu meter nele um certo C... A pasta deste foi justamente a de Estrangeiros; e o fim secreto da diligência era dar um lugar na galeria do Estado à viúva Pedroso. Esta senhora, não menos gentil que abastada, elegera dias antes para seu marido o recente ministro. Tudo isso iria menos mal, se o Brotero não cobiçasse ambas as fortunas, a pasta e a viúva; mas, cobiçá-las, cortejá-las e perdê-las, sem que ao menos uma viesse consolá-lo, da perda da outra, digam-me francamente se não era bastante a explicar a renúncia do nosso amigo?

Brotero releu a carta, dobrou-a, encapou-a, sobrescritou-a; depois atirou-a a um lado, para remetê-la no dia seguinte. O destino lançara os dados. César transpunha o Rubicão, mas em sentido inverso. Que fique Roma com os seus novos cônsules e patrícias ricas e volúveis! Ele volve à região dos obscuros; não quer gastar o aço em pelejas de aparato, sem utilidade nem grandeza. Reclinou-se na cadeira e fechou o rosto na mão. Tinha os olhos vermelhos quando se levantou; e levantou-se, porque ouviu bater quatro horas, e recomeçar a procissão dos relógios, a cruel e implicante monotonia das pêndulas.

Uma, duas, três, quatro... Não tinha sono; não tentou sequer meter-se na cama. Entrou a andar de um lado para outro, passeando, planeando, relembrando. De memória em memória, reconstruiu as ilusões de outro tempo, comparou-as com as sensações de hoje, e achou-se roubado. Voluptuoso até na dor, mirou afincadamente essas ilusões perdidas, como uma velha contempla as suas fotografias da mocidade. Lembrou-se de um amigo que lhe dizia que, em todas as dificuldades da vida, olhasse para o futuro. Que futuro? Ele não via nada. E foi-se achegando da secretária, onde tinha guardadas as cartas dos amigos, dos amores, dos correligionários políticos, todas as cartas. Já agora não podia conciliar o sono; ia reler esses papéis velhos.

Não se relêem livros antigos?

Abriu a gaveta; tirou dois ou três maços e desatou-os. Muitas das cartas estavam encardidas do tempo. Posto nem todos os signatários houvessem morrido, o aspecto geral era de cemitério; donde se pode inferir que, em certo sentido, estavam mortos e enterrados. E ele começou a relê-las, uma a uma, as de dez páginas e os simples bilhetes, mergulhando nesse mar morto de recordações apagadas, negócios pessoais ou públicos, um espetáculo, um baile, dinheiro emprestado, uma intriga, um livro novo, um discurso, uma tolice, uma confidência amorosa. Uma das cartas, assinada Vasconcelos, fê-lo estremecer:

A L... a, dizia a carta, chegou a S. Paulo, anteontem. Custou-me muito e muito obter as tuas cartas; mas alcancei-as, e daqui a uma semana estarão contigo; levo-as eu mesmo. Quanto ao que me dizes na tua de H... estimo que tenhas perdido a tal idéia fúnebre; era um despropósito. Conversaremos à vista.

Esse simples trecho trouxe-lhe uma penca de lembranças. Brotero atirou-se a ler todas as cartas do Vasconcelos. Era um companheiro dos primeiros anos, que naquele tempo cursava a academia, e agora estava de presidente no Piauí. Uma das cartas, muito anterior àquela, dizia-lhe:

Com que então a L... a agarrou-te deveras? Não faz mal; é boa moça e sossegada. E bonita, maganão! Quanto ao que me dizes do Chico Sousa, não acho que devas ter nenhum escrúpulo; vocês não são amigos; dão-se. E depois, não há adultério. Ele devia saber que quem edifica em terreno devoluto...

Treze dias depois:

Está bom, retiro a expressão terreno devoluto; direi terreno que, por direito divino, humano e diabólico, pertence ao meu amigo Brotero. Estás satisfeito?

Outra, no fim de duas semanas:

Dou-te a minha palavra de honra que não há no que disse a menor falta de respeito aos teus sentimentos; gracejei, por supor que a tua paixão não era tão séria. O dito por não dito. Custa pouco mudar de estilo, e custa muito perder um amigo, como tu...

Quatro ou cinco cartas referiam-se às suas efusões amorosas. Nesse intervalo o Chico Sousa farejou a aventura e deixou a L...a; e o nosso amigo narrou o lance ao Vasconcelos, contente de a possuir sozinho. O Vasconcelos felicitou-o, mas fez-lhe um reparo.

...Acho-te exigente e transcendente. A coisa mais natural do mundo é que essa moça, perdendo um homem a quem devia atenções e que lhe dera certo relevo, recebesse com alguma dor o golpe. Saudade, infidelidade, dizes tu. Realmente, é demais. Isso não prova senão que ela sabe ser grata aos benefícios recebidos. Quanto à ordem que lhe deste de não ficar com um só traste, uma só cadeira, um pente, nada do que foi do outro, acho que não a entendi bem. Dizes-me que o fizeste por um sentimento de dignidade; acredito. Mas não será também um pouco de ciúme retrospectivo? Creio que sim. Se a saudade é uma infidelidade, o leque é um beijo; e tu não queres beijos nem saudades em casa. São maneiras de ver...

Brotero ia assim relendo a aventura, um capítulo inteiro da vida, não muito longo, é verdade, mas cálido e vivo. As cartas abrangiam um período de dez meses; desde o sexto mês começaram os arrufos, as crises, as ameaças de separação. Ele era ciumento; ela professava o aforismo de que o ciúme significa falta de confiança; chegava mesmo a repetir esta sentença vulgar e enigmática: "zelos, sim, ciúmes, nunca". E dava de ombros, quando o amante mostrava uma suspeita qualquer, ou lhe fazia alguma exigência. Então ele excediase; e aí vinham as cenas de irritação, de reproches, de ameaças, e por fim de lágrimas.

Brotero às vezes deixava a casa, jurando não voltar mais; e voltava logo no dia seguinte, contrito e manso. Vasconcelos reprimia-o de longe; e, em relação às deixadas e tornadas, dizia-lhe uma vez:

Má política, Brotero; ou lê o livro até o fim, ou fecha-o de uma vez; abri-lo e fechá-lo, fechá-lo e abri-lo é mau, porque traz sempre a necessidade de reler o capítulo anterior para ligar o sentido, e livros relidos são livros eternos.

A isto respondia o Brotero que sim, que ele tinha razão, que ia emendar-se de uma vez, tanto mais que agora viviam como os anjos no céu.

Os anjos dissolveram a sociedade. Parece que o anjo L... a, exausto da perpétua antífona, ouviu cantar Dafne e Cloé, cá embaixo, e desceu a ver o que é que podiam dizer tão melodiosamente as duas criaturas. Dafne vestia então uma casaca e uma comenda, administrava um banco, e pintava-se; o anjo repetiu-lhe a lição de Cloé; adivinha-se o resto.

As cartas de Vasconcelos neste período eram de consolação e filosofia. Brotero lembrou-se de tudo o que padeceu, das imprudências que praticou, dos desvarios, que lhe trouxe aquela evasão de uma mulher, que realmente o tinha nas mãos. Tudo empregara para reavê-la e tudo falhara. Quis ver as cartas que lhe escreveu por este tempo, e que o Vasconcelos, mais tarde, pôde alcançar dela em S. Paulo e foi à gaveta onde as guardara com as outras. Era um maço atado com fita preta. Brotero sorriu da fita preta; deslaçou o maço e abriu as cartas.

Não saltou nada, data ou vírgula; leu tudo, explicações, imprecações, súplicas, promessas de amor e paz, uma fraseologia incoerente e humilhante. Nada faltava a essas cartas; lá estava o infinito, o abismo, o eterno. Um dos eternos, escrito na dobra do papel, não se chegava a ler, mas supunha-se. A frase era esta: "Um só minuto do teu amor, e estou pronto a padecer um suplício etc...". Uma traça bifara o resto da palavra; comeu o eterno e deixou o minuto.

Não se pode saber a que atribuir essa preferência, se à voracidade, se à filosofia das traças.

A primeira causa é mais provável; ninguém ignora que as traças comem muito.

A última carta falava de suicídio. Brotero, ao reler esse tópico, sentiu uma coisa indefinível; chamemos-lhe o "calafrio do ridículo evitado". Realmente se ele se houvesse eliminado, não teria o presente desgosto político e pessoal; mas o que não diriam dele nos pasmatórios da Rua do Ouvidor, nas conversações à mesa? Viria tudo à rua, viria mais alguma coisa; chamar-lhe-iam frouxo, insensato, libidinoso, e depois falariam de outro assunto, uma ópera, por exemplo.

— Uma, duas, três, quatro, cinco principiaram a dizer os relógios.

Brotero recolheu as cartas, fechou-as uma a uma, emaçou-as, atou-as e meteu-as na gaveta.

Enquanto fazia esse trabalho, e ainda alguns minutos depois, deu-se a um esforço interessante: reaver a sensação perdida. Tinha recomposto mentalmente o episódio, queria agora recompô-lo cordialmente; e o fim não era outro senão cotejar o efeito e a causa, e saber se a idéia do suicídio tinha sido um produto natural da crise. Logicamente, assim era; mas Brotero não queria julgar através do raciocínio e sim da sensação.

Imaginai um soldado a quem uma bala levasse o nariz, e que, acabada a batalha, fosse procurar no campo o desgraçado apêndice. Suponhamos que o acha entre um grupo de braços e pernas; pega dele, levanta-o entre os dedos — mira-o, examina-o, é o seu próprio...

Mas é um nariz ou um cadáver de nariz? Se o dono lhe puser diante os mais finos perfumes da Arábia, receberá em si mesmo a sensação do aroma? Não: esse cadáver de nariz nunca mais lhe transmitirá nenhum cheiro bom ou mau; pode levá-lo para casa, preservá-lo, embalsamá-lo; é o mesmo. A própria ação de assoar o nariz, embora ele a veja e compreenda nos outros, nunca mais há de podê-la compreender em si, não chegará a reconhecer que efeito lhe causava o contacto da ponta do nariz com o lenço. Racionalmente, sabe o que é; sensorialmente, não saberá mais nada.

— Nunca mais? pensou o Brotero... Nunca mais poderei...

Não podendo obter a sensação extinta, cogitou se não aconteceria o mesmo à sensação presente, isto é, se a crise política e pessoal, tão dura de roer agora, não teria algum dia tanto valor como os velhos diários, em que se houvesse dado a notícia do novo gabinete e do casamento da viúva. Brotero acreditou que sim. Já então a arraiada vinha clareando o céu.

Brotero ergueu-se; pegou da carta que escrevera ao presidente do conselho, e chegou-a à vela; mas recuou a tempo.

— Não, disse ele consigo; juntemo-la aos outros papéis velhos; inda há de ser um nariz
cortado.

(Publicado originalmente em Gazeta de Notícias, 1883)

Fontes:
ASSIS, Machado de. Obra Completa. vol. II. RJ: Nova Aguilar, 1994.
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Dicionário do Folclore (Letra J)



. É uma sineta de metal trazida pelos escravos africanos para o Brasil. É utilizada na cerimônia de dar comida ao Santo, Orixá.
JABÁ. Veja CHARQUE.
JACARÉ. Os dentes do jacaré são os protetores da dentição das crianças. A criança que usar um dente de jacaré, na volta ou numa pulseira, terá dentes sadios. Também faz com que as crianças não tenham dor de dente.
JACI. É a Lua, a mãe dos frutos. Casada com o Sol (Coaraci, Coraci, Goaraci, Gorazi), Jaci é motivo de muita festa pelos índios, com muita comida, muita bebida, cantos e danças, quando aparece a Lua Nova.
JAGUNÇO. Jagunço é um chuço, uma haste de madeira com uma ponta de ferro na outra extremidade, antiga arma de defesa e de ataque. Depois, a palavra passou a ter outro significado: valentão, capanga, bandoleiro, cangaceiro, guarda-costas de políticos, fazendeiros, senhores de engenho.
JANAÍ. Na região amazônica, é um macaco buliçoso que, à noite, pega as crianças para sugar o sangue. Também conhecido como macaco-da-noite, macaco-da-meia-noite.
JANAÍNA. Veja DANDALUNDA, IEMANJÁ.
JANGADA. A jangada é uma embarcação feita com paus roliços, de uma madeira especial mais conhecida por pau-de-jangada, usada em pescarias desde a colonização. No começo, as jangadas não tinham vela. Os tupis começaram usando uma vela em forma de triângulo que chamavam de cutinga, língua branca e chamavam as jangadas de itapaba, igapeba, piperi, candandu, catamarã e hoje são conhecidas como bote, burrinho, catre, paquete. As jangadas maiores são feitas com sete paus e as menores com cinco. Pero Vaz de Caminha foi a primeira pessoa que registrou a existência das jangadas entre os índios, na carta que mandou ao rei de Portugal, dando notícias da terra descoberta por Pedro Álvares Cabral. A jangada, no Nordeste, ainda é usada pelos pescadores. Nos açudes, as jangadas, sem velas, são feitas com troncos de bananeira. Os índios do Rio São Francisco faziam suas jangadas com junco de piripiri e os guaranis usavam o bambu. Geralmente a jangada nordestina menor tem 3 metros de comprimento por 80 cm de largura e a maior, a jangada grande, chega a medir de 8 a 9 metros de comprimento por até 2 metros de largura. Sua tripulação varia de acordo com o tamanho, de dois a quatro homens.
JEBU. Tem o mesmo significado de chabu, isto é, quando os fogos de São João falham, logo no começo. Diz-se, também, quando qualquer coisa não dá certo.
JEGUEDÉ. Instrumento de percussão dos africanos, usado no Sul do Brasil e que deu nome à dança-do-jeguedé, uma espécie de bambeló individual, mas também dançada por muitas pessoas.
JEJUM. O jejum da Igreja Católica começava ao meio-dia da Quinta-Feira Santa até o romper da Aleluia, no sábado. Não se comia carne, nem tudo que fosse doce e as pessoas passavam estes dias quase sem comer. O jejum católico era feito todas as sextas-feiras durante os quarenta dias da Quaresma. E os católicos só voltavam a se alimentar normalmente no Sábado de Aleluia, quando o povo cantarolava: - "Aleluia, Aleluia! Carne no prato, farinha na cuia". Na Quinta-Feira Santa ou na Sexta-Feira da Paixão era costume, como ainda hoje acontece em muitas cidades do interior, os mais pobres pedirem o jejum que consiste em receber peixes e bacalhau dados pelos mais abastados.
JENIPAPO. Além de comerem o jenipapo, os nossos índios faziam de sua madeira uma tinta azul-negra, com a qual pintavam o corpo todo nas suas festas. Com a polpa de jenipapo, é feito um gostoso e tradicional licor muito apreciado no Nordeste, como também um vinho. Também é dado o nome de jenipapo à mancha escura que os mestiços trazem nos quadris ou na cintura, ao nascerem. O uso do jenipapo, na medicina popular, é bastante conhecido no Pará, no Amazonas e no Acre: "Para as doenças do baço, nada como colocar o pé no tronco do jenipapo. Corte a casca do tamanho do pé da pessoa doente. A casca retirada do jenipapeiro deve ser colocada no fumeiro da cozinha. A casca vai engelhando e o baço também.
JERIBITA. Veja CACHAÇA.
JERIMUM. Como é conhecida a abóbora no Norte e no Nordeste brasilieiros. Também se diz jirimum.
JINJIBIRRA. A jinjibirra é uma bebida que existia antes dos refrigerantes gasosos de hoje. Era feita com garapa de água e açúcar, suco de qualquer fruta (o abacaxi era uma das frutas preferidas), cremor de tártaro, fermento de padaria ou ácido cítrico. No Ceará, ainda é preparada com suco de jenipapo. A jinjibirra é a cerveja do povão. Tudo faz crer que os ingleses foram os introdutores da popular bebida em Pernambuco, em 1810, graças à Carta Régia que franqueou os portos do Brasil à Inglaterra. O uso da jinjibirra foi desaparecendo nas primeiras décadas do século XX, quando começaram a aparecer as sodas de frutas (de pera, de uva, de maçã), as gasosas, a cerveja, etc. No sertão ainda se toma, esporadicamente, a jinjibirra.
JOÃO-DA-CRUZ. Era o sinônimo popular de dinheiro, antigamente, por causa da cruz gravada nas moedas portuguesas e do nome João, muito comum aos reis de Portugal.
JOÃO FERNANDES. Nome dado a uma dança sapateada, ao som da viola e que faz parte do baile pastoril gaúcho. Uma espécie de fandango. Veja FANDANGO.
JOÃO GALAFOICE. Também conhecido como João Galafaice (Sergipe), João Galafuz (Pernambuco), o João Galafoice é um negro que pega as crianças quando estão fora de casa, principalmente à noite.
JOÃO REDONDO. Nome dado, na Paraíba, ao mamulengo.
JOGO-DO-BICHO. O jogo-do-bicho teve a seguinte origem: O Barão de Drummond fundou o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, no ano de 1893 e, como teve a subvenção federal cortada, os animais estavam condenados a morrer de fome. Para que isso não acontecesse, o Barão teve a idéia de escrever, num pedaço de papel que era colocado num envelope, preso num galho de uma árvore bem alta, o nome de um dos bichos do zoológico. Durante o dia as pessoas que visitavam o zoológico jogavam num dos bichos e, à tarde, o envelope era aberto e quem acertasse, isto é, quem jogasse no bicho que estava escrito no papel dentro do envelope, ganhava um prêmio. Com o dinheiro que sobrava o Barão comprava a comida dos animais. Depois, o jogo-do-bicho saiu do Jardim Zoológico e começou a ser explorado por outras pessoas. Apesar de ser proibido por lei, o jogo-do-bicho existe na maioria dos Estados brasileiros e é o ganha-pão de milhares de pessoas. O jogo-do-bicho agrupa vinte e cinco bichos. Cada bicho tem um número, de 1 a 25. Cada bicho tem quatro dezenas. Exemplo: o avestruz é o número 1 e as dezenas 01, 02, 03 e 04 são as dezenas do avestruz. Depois das dezenas, vêm as centenas de 0 a 100, de 101 a 200, etc. e, finalmente o milhar que é composto de 4 números, unidades, dezena, centena de milhar. Exemplo: o milhar 1401 é o milhar de avestruz porque avestruz é todo milhar que termina com dezenas 01, 02, 03, 04. O jogo-do-bicho é a esperança de milhares de brasileiros que, diariamente, tentam a sorte. Os bicheiros são os vendedores do jogo e os banqueiros são os que bancam o jogo, pagando os prêmios e ficando com o lucro dos que jogaram e não acertaram. Interessante é a figura do decifrador dos sonhos no jogo-de-bicho: 1. Se a pessoa sonhar com um gato, joga gato. Mas se a pessoa sonhar com um gato caindo do telhado, joga burro, porque gato que cai do telhado é burro, isto é, não é inteligente; 2. Se a pessoa sonhar com uma cobra, joga cobra, nº 9. Mas se sonhar com uma cobra saindo de um buraco joga burro, porque o buraco é zero (0) e o número da cobra é nove. Juntando o buraco (0) zero com o número da cobra 9 forma dezena 09, que é uma dezena de burro (09,10,11 e 12).
JOSEPH M. LUYTEN nasceu no dia 15 de agosto de 1941, na cidade de Brunssun, Holanda. Chegou ao Brasil em 1952 e residiu, inicialmente, na rua Motocolombó (onde morou o poeta Leandro Gomes de Barros), no Recife. Em 1968 concluiu o curso de Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero (SP), passando a trabalhar ativamente na imprensa paulistana. Em 1970 terminou o curso de pós-graduação em Literatura pela Universidade de São Paulo, passando a ensinar em diversas escolas de nível superior, como a Faculdade Cásper Líbero, Objetivo, ESPM e Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo. Em 1980, Mestre em Ciências da Comunicação, pela USP, Joseph Luyten parte para o Japão, onde permanece durante sete anos pesquisando no National Museum of Ethnology de Osaka (3 anos) e lecionando na University of Tsukuba (4 anos). Em 1991, é convidado para exercer as funções de Reitor do Campus Avançado da Universidade Teikyo, em Maastrich, Holanda. Em 1995 retorna ao Japão para lecionar Cultura Brasileira na Universidade de Tenry (Nara), durante dois anos. De volta à Holanda é convidado para lecionar Literatura Popular na Universidade de Poitiers (França) e organizar o Fonds Raymond Cantel dedicado à literatura de cordel. É professor catedrático da UNESCO, crítico de Artes Plásticas , membro da Associação Internacional de Críticos de Artes (UNESCO), da ABE (desde 1981), da Academia Brasileira de Literatura de Cordel e da Associação Paulista de Folclore. Tem vasta bibliografia sobre assuntos folclóricos do Brasil e do mundo, mais de 50 artigos em revistas acadêmicas do Brasil, da Bélgica, da Holanda, do Japão, das Filipinas, do Peru. Expert em literatura popular em versos, Joseph Luyten tem uma coleção de 15.000 folhetos de feira, além de uma biblioteca e de um arquivo especializados em Literatura Popular com mais de 7.000 ítens. Na área de Folclore, publicou Bibliografia especializada em literatura popular em verso (1981), O que é literatura popular (1983), Sistemas de comunicação popular (1988), Burajiru Mishin Bom no Sekkai (1990) e A notícia na literatura de cordel (1992). No momento, mais uma vez está residindo no Brasil, ministrando curso de pós-graduação sobre Folk-Comunicação na Universidade Metodista de São Paulo (SP). Joseph M. Luyten tem prestado, ao longo dos anos, excelentes serviços no que diz respeito à divulgação do Folclore brasileiro na área internacional.
JUDAS. É um boneco feito com uma roupa de homem que se enche com palha ou pano, pendurado num poste ou numa árvore e, no Sábado de Aleluia, é rasgado e queimado. Foi o apóstolo Judas quem vendeu Cristo por trinta moedas. E, no Sábado de Aleluia, os católicos se vingam de Judas. Costumam, também colocar no seu interior, pequenas bombas. O Judas tem outros nomes, como Homem da Quaresma, Jacques da Quaresma, Judas de Palha, Homem de Palha, etc. Antes da destruição do boneco, é lido seu testamento, colocado no bolso do seu paletó. O testamento de Judas, escrito em versos, é uma sátira às pessoas e coisas do lugar. No testamento, Judas deixa seus bens para as pessoas moradoras na cidade. É um hábito corrente principalmente nos países da América Latina.
JUNÇA. É uma planta que vive nas margens dos rios, lagoas e alagados. Na África, é conhecida como dandá, usada como remédio e defumador para expulsar os maus espíritos do corpo das pessoas e atrair os bons. As raízes da junça, colocadas numa garrafa de cachaça, são receitadas às pessoas que têm cólicas uterinas, intestinais, reumatismo, digestão difícil e, friccionadas no lugar das dores, aliviam bastante.
JUNTAR-AS-CANELAS. Na linguagem do povo significa morrer.
JUREMA. É uma árvore de duas qualidades: a jurema-branca e a jurema-preta. Os pajés (sacerdotes tupis) usavam uma bebida da jurema-branca que fazia com que as pessoas tivessem sonhos afrodisíacos. Os feiticeiros, babalorixás pernambucanos, os mestres de catimbó, os pais-de-terreiro dos candomblés da Bahia usam muito a jurema. Até o século XX, beber jurema era sinônimo de feitiçaria ou prática de magia.
JURUCUTU. É o nome de uma ave do tamanho de um frango, que anda pelos telhados das casas à noite. É uma ave agourenta. Quando os indígenas estão trabalhando em seus roçados ou pescando e escutam o canto do jurucutu, param de trabalhar e de pescar porque nada mais dará certo.
JURUPARI. Era o demônio dos indígenas brasileiros.

Fontes:
LÓSSIO, Rúbia. Dicionário de Folclore para Estudantes. Ed. Fundação Joaquim Nabuco
Imagem = http://www.terracapixaba.com.br/

terça-feira, 5 de maio de 2009

Lívia Tucci (Poesia, o Atalho de Magos e Loucos)

A folha que recicla (Antonio Guerreiro)
Afinal, o que é poesia? É uma linguagem orgânica e invertebrada? Sonora...elástica? É poesia a que revela a magia, a alquimia da palavra que transforma tudo o que a vida limita e não pode criar? O que sabe a poesia? Eu, nada sei...serei sempre aprendiz. Vejo a poesia, como o tempo, que está em todos os lugares, mas prefere se deter mais longamente na placidez das coisas simples e duradouras. É a contemplação da alma turbulenta. É poesia a que é pressentida nos símbolos que transcendem o ser e renovam a linguagem indolente. Linguagem extraída da essência poética, de nós mesmos. Onde está a poesia? A poesia está nos livros antigos, velhos e esquecidos. Nos contemporâneos e virtuais. Nas areias da praia. Está nos sebos, nas bibliotecas, nas livrarias. Nas latas de lixo, quando o pensamento vil e homens de pouca fé não comportam em si tanta invasão poética. Está na casa dos amigos, nas suas estantes e banheiros. Em livros esquecidos de serem devolvidos. Está nas ruas, nos bares. Nas gavetas e no seu silêncio. Na anarquia e no inconformismo. No grito afiado dos oprimidos. Em bordéis e lares nem tantos. No avesso e no direito. No sangue e suor transpirado. Na loucura e no inesperado. Na lama e no lótus. A poesia está na primeira impressão, nos versos livres, contidos, contados. No corpo descrito, desnudo, velado, dos cantos e salmos. No sagrado e no profano. Está nos traços, pelo carvão e pincel que desliza, sensual, sua cor e drama na folha branca. O que sabemos da poesia? Muito pouco, por ser ela inconstante, mutante, autofágica...num surpreendente mimetismo. Conhecemos sua partida. Desconhecemos seu destino e chegada...tudo pode ser possível entre uma estação e outra. Há poesia na imagem que se traduz em momentos únicos, líricos, oníricos. Imagens irreversíveis. Instantâneos reveladores. É poesia a que recicla vocábulos, revira signos e movimentos? É poeta o que descobre um novo ritmo, sempre que o coração se encontra e dispara ou repousa na placidez das águas do bem e do mal? São todos os sentidos nas flores do zen, nas cores do mar. Nas festas ao sol, nos saraus ao luar. A poesia é um estado de espírito, de espera e de espanto. Na comunhão universal ou na paz de nossa própria solidão...

Fonte:
http://muraldosescritores.ning.com/

Livia Tucci



Vem de uma família de imigrantes italianos estabelecidos no sul do país, em SC. Nasceu em Curitiba, PR. Desenvolveu seus estudos nos EUA e Brasil , respectivamente. De volta ao Brasil, em 1977, passou a residir em Belo Horizonte. Sua formação acadêmica é em Turismo. É professora de Inglês, intérprete e tradutora. Como designer de jóias e artesã, desenvolveu um trabalho em acessórios de moda e biojóias.

No setor cultural, tem experiência na área artística e literária, como cantora, escritora e editora. Produziu e coordenou eventos literários, musicais e culturais.Como cantora profissional faz um trabalho com jazz, bossa e blues. Como poeta, ganhou prêmios literários e teve trabalhos publicados em jornais e antologias. Dos prêmios literários, os mais importantes foram os Prêmios BDMG – Cultural de Literatura, com as obras “O Avesso do Cristal” ( editado pelo selo Extravia ) e “Dos Planos de Vôos”(inédito). Em 1990, produziu e coordenou o projeto cultural mensal, “Poesiarte”. Criou o folder literário e o selo editorial “Extravia –poesia e arte em movimento”.
Atualmente,está desenvolvendo o projeto “Cantares dos Sentidos”— um espetáculo de poesia e mpb sensual.
Visite os blogs http://www.liviatucci-poesiaeartesgerais.blogspot.com/ e
http://muraldosescritores.ning.com/profile/LiviaTucci com seus trabalhos e de outros literatos.

Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br/