sábado, 12 de abril de 2008

Cláudio Fragata (Entrevista com David Almond)

Um escritor para jovens de qualquer idade

David Almond é um dos maiores autores infanto-juvenis da atualidade na Grã-Bretanha. Nasceu em Newcastle e cresceu numa família católica sempre sonhando em ser escritor, embora não revelasse isso a ninguém. Enquanto escreveu para adultos, sua carreira seguiu de forma regular e sem grande entusiasmo por parte da crítica e dos cadernos literários. Tudo mudou com a publicação de Skellig, em 1998. O livro transformou-se num sucesso imediato e arrebanhou prêmios importantes, entre eles o Carnegie Medal, um dos mais prestigiados da Inglaterra para a literatura infanto-juvenil. Depois de encantar os leitores ingleses, Skellig chegou às livrarias do mundo todo. Publicado no Brasil pela Editora Martins Fontes — que já se prepara para lançar outro título do autor, My dad´s birdman, ainda sem tradução para o português —, o livro conta as aventuras do garoto Michael a partir do encontro com um estranho ser alado na garagem de sua nova casa. Um anjo, um vagabundo, um louco? Nem Almond sabe responder. Em entrevista exclusiva ao Cronópios, ele revela seu espanto com o sucesso de Skellig, “um livro que praticamente se escreveu sozinho”.


C: O senhor já disse em entrevistas que desde muito pequeno sabia que seria escritor. Em que momento teve certeza disso?

DA: Sempre quis ser escritor e cresci sem abandonar essa idéia, embora fosse um segredo que não revelava a ninguém. Penso que tive mesmo certeza de que isso seria possível quando, aos 20 anos, comecei a trabalhar como professor. Em minhas primeiras férias, enquanto meus colegas se divertiam, eu me trancava no quarto diante da máquina de escrever. Eles me chamavam para que me juntasse à turma, mas tudo o que eu queria era ficar ali escrevendo e criando histórias.

C: Além de professor, o senhor foi também carteiro e vendedor de escovas porta a porta. Em que medida esses “atalhos” profissionais ajudam o escritor? Ou só adiam a carreira?

DA: No meu caso, não atrapalhou em nada. Ao contrário, esses trabalhos fizeram com que eu tivesse outras visões do mundo, o que só me enriqueceu como escritor. Não vivi apenas no mundo encastelado das letras. Hoje sei que fiz parte do mundo real das pessoas

C: Com que idade publicou seu primeiro livro e qual foi?

DA: Comecei escrevendo histórias curtas para algumas revistas e programas de rádio. Aos 32 anos, publiquei Noites Insones, uma coletânea de contos para adultos. Depois escrevi uma novela chamada Seances, que foi recusada por todos os editores do país. Tudo mudou com a publicação de Skellig, em 1998, meu primeiro livro para jovens.

C: Há muita diferença entre escrever para adultos e jovens?

DA: Para mim, tudo é literatura. Considero meus livros dedicados às crianças como os mais profundos que já escrevi. Não acredito nessa separação. O que existe é a boa e a má literatura.

C: Ao citar versos de William Blake em Skellig o senhor parece mostrar que não há barreiras entre as chamadas literaturas adulta e infantil. Nem que existam faixas etárias rígidas para os leitores. Fale um pouco sobre isso.

DA: Penso que uma boa história é uma boa história. Uma boa linguagem é uma boa linguagem. Limitar a leitura por faixa etária é bobagem, pois leitores da mesma idade podem ter uma compreensão muito diferente do mundo. Os versos de William Blake são simples, embora escondam muita estranheza e profundidade. Mas isso possibilita que sejam entendidos por pessoas de qualquer idade, desde que o leitor esteja preparado para isso.

C: A que atribui o sucesso de Skellig?

DA: Acho que tem algo no livro que toca as pessoas do mundo inteiro. Não sei explicar exatamente o porquê. No fundo, Skellig tem pouco a ver comigo, foi um livro que aconteceu na minha vida. Foi uma experiência incrível escrevê-lo, pois às vezes tinha a impressão de que o livro se escrevia por si.. No entanto, a história repercute nas pessoas, elas descobrem, lendo o livro, que as coisas podem dar certo, que há espaço para o sonho.

C: Então o senhor não colocaria Skellig entre os preferidos que já escreveu?

DA: Gosto de Skellig, mas não diria que é o meu melhor livro. Como escritor, prefiro outros, que considero mais elaborados. Skellig foi fácil de escrever e é muito fácil de ser lido. Sempre me surpreendo, não sei como consegui realizar essa proeza. Mas é o meu novo o que está me deixando mais entusiasmado no momento. É um trabalho sofisticado, de texto e imagem muito juntos, estou trabalhando com um grande ilustrador. Como autor, gosto de olhar para trás e ficar satisfeito com o que fiz, mas sempre querendo produzir algo diferente no futuro.

C: Quem é exatamente Skellig? Um anjo, um vagabundo ou o quê?

DA: Não saberia dizer o que ou quem ele é. Não sei de onde veio e nem como foi parar na garagem de Michael. Para mim, Skellig é um ser misterioso, um mistério como muitos que existem na vida.

C: Histórias na primeira pessoa levam os leitores a confundir o narrador com o autor. Até que ponto Michael se parece com Almond?

DA: Enquanto escrevia o livro, não tinha a intenção de falar sobre mim. Depois do livro pronto, percebi que havia muito de mim ali, naqueles personagens. Também tive uma irmã bebê que ficou doente, uma garagem lotada de tralhas e várias outras semelhanças.

C: A escola forma leitores?

DA: É possível, desde que haja um comprometimento da escola com a cultura, um envolvimento de todos, dos professores aos bibliotecários, mas a leitura não pode ser vista como algo tão especial que não possa fazer parte do dia a dia. Ela pode e deve acontecer a qualquer momento, em qualquer lugar.

C: Em Skellig o senhor faz uma crítica às escolas como únicas difusoras do conhecimento. Elas precisam ser renovadas?

DA: Não sei como são as escolas brasileiras, mas na Grã-Bretanha a tendência é achar que a única forma de se adquirir conhecimento é na escola. Isso não é verdade. É uma loucura pensar assim. O conhecimento está em toda parte. Quando era professor, me preocupava muito com isso. Nos anos 60 e 70, havia movimentos a favor do fim das escolas, acusadas então de desinformar os alunos, e me engajei em algumas dessas correntes. Como eu mesmo tive professores muito ruins, achei que havia alguma verdade nessas idéias e reivindicações.

C: Concorda com William Blake quando ele pergunta se toda sabedoria cabe numa vara de prata (Can Wisdom be put in a silver rod?)?

DA: Não afirmo que todo conhecimento cabe em algo pequeno, mas certamente as coisas pequenas podem ter grandes significados e relevância universal, principalmente sob a ótica da literatura e da arte.

C: A Grã Bretanha tem uma longa tradição em matéria de literatura infanto-juvenil: Lewis Carroll, Roald Dahl, J. M. Berrie, Edward Lear, sem falar no fenômeno J. K. Rowling. Há uma razão para isso?

DA: Penso que isso tem a ver com o fato de a Inglaterra ser uma ilha, de estar fisicamente separada do continente. Acredito que esse fato influencie a imaginação dos ingleses e faça com que ela seja diferente da dos demais povos da Europa. É um país pequeno e, ao mesmo tempo, repleto de complexidade.

C: Tatiana Belinky, uma das maiores escritoras infanto-juvenis brasileiras, diz que o humor é fundamental na literatura infanto-juvenil. O humour inglês é um clássico universal. Isso ajuda na hora de escrever para esse público?

DA: Isso é realmente verdade e ajuda muito. Nós, ingleses, somos assim, temos esse modo de olhar o mundo. Mesmo diante das coisas mais sérias, nós... ho, ho, ho...

C: O que acha do fenômeno Harry Potter? É literatura ou apenas um best-seller escrito com essa finalidade de ser um best-seller?

DA: Não acredito que tenha sido escrito para ser um best-seller. As crianças descobriram o livro antes do marketing e dos interesses das livrarias e editoras. Foi a partir disso que se criou todo um trabalho comercial sobre a série. Fiquei feliz vendo as próprias crianças lendo e recomendando o livro umas às outras.

C: O senhor parece gostar de gatos. Eles aparecem com freqüência em seus livros. O senhor convive com eles ou é só o retrato de uma mania inglesa?

DA: (Risos) Não tenho gatos, mas eles fazem mesmo parte da cultura inglesa. Enquanto escrevia Skellig, senti várias vezes algo roçando em minhas pernas como se fosse um gato. Era minha imaginação, outra das muitas sensações que fizeram parte da magia de escrever esse livro. Entretanto, isso ficou registrado nas aparições do gato Cochicho em várias cenas.
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Cláudio Fragata foi editor da revista Recreio e autor dos livros As Filhas da Gata de Alice Moram Aqui, Seis Tombos e Um Pulinho e O Vôo Supersônico da Galinha Galatéia, publicados pela editora Record; A Princesinha Boca-suja, pela editora Scipione, e Balaio de Bichos, pela Difusão Cultural do Livro.
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Fonte:
http://www.cronopios.com.br/

Rinaldo de Fernandes

Rinaldo de Fernandes, nasceu em Chapadinha, MA, e morou por muitos anos em Fortaleza, CE. Graduou-se em Letras, na Universidade Federal do Ceará. Doutor em Letras pela UNICAMP, é professor de literatura na Universidade Federal da Paraíba.

Organizou os livros
- O Clarim e a Oração: cem anos de Os sertões (São Paulo: Geração Editorial, 2002),
- Chico Buarque do Brasil (Rio de Janeiro: Garamond/Biblioteca Nacional, 2004),
- Contos cruéis: as narrativas mais violentas da literatura brasileira contemporânea (São Paulo: Geração Editorial, 2006) e
- Quartas Histórias, contos baseados em narrativas de Guimarães Rosa (Rio de Janeiro: Garamond, 2006).

Com o conto "Beleza", conquistou o primeiro lugar no Concurso Nacional de Contos do Paraná de 2006.

Como pesquisador, fez os textos da antologia Os cem melhores poetas brasileiros do século, organizada por José Nêumanne Pinto (São Paulo: Geração Editorial, 2001).

Já teve contos publicados, entre outros suplementos, pelo "Rascunho", de Curitiba. Autor dos livros de contos “O Caçador” (1997) e “O perfume de Roberta” .

Fontes:
http://triplov.com/contos/rinaldo/index.html
http://argiladapalavra.softservice.info/

Rinaldo de Fernandes (A Cor dos Laços)

Aos domingos, depois do almoço,
o pai em L vendo a TV,
a mãe provando a brisa boa
de uma bola de sorvete,
tudo se fazia torta fina.

Até que o pai rosnava para as portas
acusações de becos escusos
e esconderijos dos amantes da mãe.
Tudo então se fazia ferrolho
fechando os sorrisos nos porta-retratos.

A filha, brincando de sol na sacada,
desatava o laço laranja
feito da luz de um raio,
prestava atenção.

E começava a desconfiar
que, por trás de toda poltrona obtusa,
dos ventos de todo sorvete,
mora a sombra e a cor dos seus laços.

Rinaldo de Fernandes (Chico Buarque: 60 anos)

Chico Buarque de Hollanda, que em 19 de junho último completou 60 anos, é um artista ímpar, o mais importante da cultura brasileira na contemporaneidade. E não só isso: trata-se de um dos maiores artistas brasileiros de todos os tempos. É plural – e de uma qualidade extraordinária em tudo o que faz. Como compositor, dramaturgo e, mais recentemente, romancista está entre os grandes artistas, não só do Brasil, mas do Ocidente. Para repetir o que disse o professor Antonio Candido em texto que me enviou para o livro Chico Buarque do Brasil, que organizei, eu diria, para começar, aos homens de bem deste país: “Louvemos Chico Buarque”.

Chico, logo no início de sua carreira, foi tido como a “única unanimidade nacional” (conforme frase famosa de Millôr Fernandes). Neste momento a imagem que fica dele é a do “bom moço”, o menino que toda família queria ter. Mas logo em seguida, já em 1968, essa imagem é rompida ao ser representada a peça Roda viva, dirigida por José Celso Martinez Corrêa. Depois, nos anos 70, ele se torna um emblema de resistência à ditadura. E passa a ser o artista mais perseguido pela censura do governo militar. Portanto, duas imagens fortes ficam dele – a do moço (quase) ingênuo, sereno, terno, que agrada sobretudo ao público feminino; e o artista participante, preso até a medula ao seu tempo, que se identifica com as minorias e denuncia a ditadura. Aqui ele agrada sobretudo à esquerda – mas vai muito além dela ao se tornar, por assim dizer, um centro, uma referência ética. Enfim, um artista de duplo engajamento – com a palavra e com a sociedade. A palavra de Chico é muito bem elaborada, como pouquíssimos na MPB e, mesmo, na nossa ficção. E sua visão de sociedade – sempre ao lado dos mais fracos, dos dominados e oprimidos – é profunda, penetrante.

Em 1973, num dos primeiros ensaios significativos sobre a poesia de Chico, intitulado “Chico Buarque: a música contra o silêncio”, Affonso Romano de Sant’Anna mostrava que as composições de Chico podiam, àquela altura, ser divididas em duas fases: “A primeira seria exemplificada por seus três primeiros long playings e a segunda pelo disco [...] Construção. Entre uma fase e outra está a peça Roda viva, encenada em 1968, sinal de ruptura com a imagem de bom moço que o sistema publicitário queria impor ao poeta”. Na primeira fase, o poeta “se encontra em disponibilidade, à toa na vida, fazendo considerações líricas sobre os pequenos incidentes do dia-a-dia”. Na segunda fase, ele “já não se deixaria levar pelos instantes de festa e música da vida, arrebatado pela banda ou pelos cordões carnavalescos”. Aqui se manifesta “o profissional no exercício da construção musical, articulando tijolo com tijolo num desenho lógico”. O “lirismo de ‘A banda’ cede à dramaticidade do ‘Cotidiano’ e à tragédia da ‘Construção’”. Ainda no que se refere à primeira fase: a música é, em várias canções de Chico, uma atividade “destinada a romper o silêncio do cotidiano e a fazer falar as verdades que os homens querem calar”. A música é “possibilidade de comunhão”, “lembrança do paraíso perdido”. Daí aparecerem a banda, o carnaval (ou “um tempo-espaço em que a comunidade liberta todas as suas repressões, assumindo nas máscaras e nos disfarces a sua verdadeira identidade”) e o samba como metáforas da expansão ou “abertura para a vida”.

Em seguida a esse estudo de Affonso, o professor e ensaísta Anazildo Vasconcelos da Silva, em livro publicado em 1974 (A poética de Chico Buarque), irá caracterizar a poesia de Chico como “universal” e não “circunstancial”. Diz Anazildo: “[...] Enquadrar a poesia de Chico Buarque a uma circunstância, qualquer que seja a natureza desta circunstância, é negar-lhe a validade poética e reduzi-la a coisa nenhuma. Acreditamos [...] que a poesia de Chico Buarque não se prende a um contexto circunstancial, mas a um contexto humano existencial do século XX. Sua poesia, como a poesia de um Fernando Pessoa, de um Carlos Drummond de Andrade ou de um João Cabral de Melo Neto, pretende significar o homem do século XX inserido na trajetória da humanidade”.

No início dos 80, o crítico musical Tárik de Souza, fazendo um balanço da atividade do compositor, chamaria a atenção para a versatilidade de Chico. Tratava-se de um compositor bastante diverso, que, até aquele instante, já teria incursionado por vários ritmos e gêneros: tango, marchinha, samba (de preferência), quadrilha sertaneja, vários tipos de valsa... Por sua vez, a professora Adélia Bezerra de Meneses, no livro Desenho mágico – poesia e política em Chico Buarque (1982), vai dizer que a produção de Chico assumiria “aquelas modalidades que restaram à poesia do nosso tempo”, ou seja, o “lirismo nostálgico” (“A banda”, “Maninha”, “Realejo”), a “variante utópica” (“Bom tempo”, “Primeiro de maio”, “O que será”) e a “vertente crítica” (“Pedro pedreiro”, “Construção”, “Vence na vida quem diz sim”, “Sabiá”, “Bom conselho”). As três modalidades seriam “uma forma de resistência”. No “lirismo nostálgico”, segundo a professora, se manifestaria o “desejo de um retorno, a ânsia dolorida por uma volta a uma situação ou a um espaço que não fazem parte da realidade atual” – e isso, conforme a ensaísta, “é nostalgia (de nostos = volta e algos = dor), no seu sentido primeiro e etimológico: a dor do retorno”. Na “variante utópica”, o elemento principal seria a proposta de um tempo/espaço outro, “em que o homem pode ser livre, e onde não se verifica o reino da alienação e da mercadoria”. Haveria aqui uma crítica “à negatividade da sociedade” feita através da “apresentação de algo que é radicalmente negado por essa sociedade”. Por fim, na “vertente crítica”, se expressaria uma denúncia – “ora configurada através da mera apresentação de uma situação cotidiana dramática ou trágica (como é o caso de ‘Pedro pedreiro’ e ‘Construção’), ora através das ricas modulações de que se reveste [a] ironia (satírica, no falso adesismo de ‘Vence na vida quem diz sim’, paródica tal como em ‘Sabiá’, em ‘Bom conselho’ e na maior parte das canções da Ópera do malandro; alegórica em Fazenda modelo), ora através desse ‘processo de deslocamento’ que consiste no tratamento de temas candentes da temática nacional, projetada num tempo passado da história brasileira, como em Calabar”.

É ainda Adélia Bezerra de Meneses que, discutindo os personagens da canção de Chico, afirma: “Já se tornou um lugar-comum dizer-se que a canção de Chico Buarque privilegia o marginal como protagonista, pondo a nu, assim, a negatividade da sociedade. Desde o primeiro disco, com ‘Pedro pedreiro’, passando por ‘Meu guri’, ‘Pivete’, ‘Iracema’, ‘Levantados do chão’, ‘Assentamento’, os despossuídos têm voz e vez. Malandros, sambistas, pedreiros, pivetes, prostitutas, pequenos funcionários, sem-terra, mulheres abandonadas. Todo um povo que será reunido, por exemplo, num grande ‘Carnaval’, e que engrossará o enorme ‘Cordão’ – daqueles que ‘não têm nada pra perder’. Ele os torna ‘protagonistas da História’, dá voz àqueles que em geral não têm voz. É assim que em ‘O que será’, a grande canção utópica, é com essa gente – os desvalidos e oprimidos – que a grande Utopia acontecerá”. Adélia dirá também que Chico teve de quem herdar a sua “radicalidade”. E explica o sentido de “radical”: “[...] A gente pode dizer que Chico é um ‘radical’, filho de um historiador, Sérgio Buarque de Hollanda, que é um dos mais significativos representantes daquilo que Antonio Candido chama de ‘pensamento radical’, que se caracteriza por uma oposição fundamental ao pensamento conservador. E consiste, fundamentalmente, nesta sociedade de tão fundas sobrevivências oligárquicas, na atitude de tirar o foco das classes dominantes e abordar o ‘dominado’ – mirar antes a senzala do que a Casa Grande”.

Chico é também identificado como o cantor da mulher. As canções de Chico que tematizam a mulher, segundo analisei em 1995 em meu trabalho de mestrado (ainda mantido inédito), podem ser divididas em 3 vertentes temáticas: 1) as conformadas (“Cotidiano” e “Mulheres de Atenas”; 2) as prostitutas (“Mambordel”, “Las muchachas de Copacabana”, em que é enfatizado o aluguel do corpo por questões de sobrevivência; “A mulher de cada porto” e “Tango de Nancy”, em que são tratados os desencontros amorosos, decorrentes, em grande medida, da própria condição e/ou do próprio ofício de prostituta); e 3) as desejosas (“Ela e sua janela”, “Bárbara”, “O que será (Abertura)”, “Mar e lua” e “O meu amor” – canções que dão voz ao desejo sexual feminino, mas é um desejo interditado, que não se realiza com o seu objeto, refletindo uma questão cultural, já que a sociedade tende a identificar a agência sexual ao homem; caso único em Chico em que o desejo feminino se realiza plenamente é o de “O meu amor”). Há ainda uma outra vertente que identifiquei e que chamei de “A saída por cima”, na qual, no desencontro amoroso com o homem, a mulher sai sempre “por cima” (exemplo é “A Rita”).

Por conta da profunda admiração que tenho pelo artista, resolvi organizar um livro sobre sua obra – Chico Buarque do Brasil (Rio de Janeiro: Garamond/Biblioteca Nacional, 2004). A idéia foi fazer um livro que abordasse a obra de Chico na sua diversidade. Ou seja, textos sobre as canções, o teatro e a ficção do autor. O livro é um balanço interpretativo – o primeiro feito no Brasil – da obra desse, repito, artista ímpar. E, como digo no texto de apresentação, muitos dos significados da obra de Chico são revelados no livro. Aspectos muito importantes são abordados, como a leitura que Leonardo Boff faz de “Gente humilde” e de “Deus lhe pague” à luz do humanismo cristão; como a reflexão sobre o ritmo e o tempo empreendida por Adélia Bezerra de Meneses a partir da letra da canção “Tempo e artista”; como a discussão de Anazildo Vasconcelos da Silva sobre o protesto em Chico; como a abordagem que Mário Chamie faz de “Construção” em diálogo com os postulados da Poesia Práxis (mostrando, portanto, as relações do letrista Chico com a vanguarda poética); como a interpretação que Luiz Tatit faz de “Pedaço de mim”; como a avaliação do problema do duplo e/ou do jogo de imagens que José Castello faz tendo como base o, como ele mesmo diz, “estupendo romance” Benjamim; como a análise que Sônia Ramalho faz de Budapeste, etc. Acho que a importância do livro reside no valor dos colaboradores (acadêmicos, artistas, jornalistas e escritores ilustres) e no próprio valor do homenageado.

E foi, para concluir, minha forma de louvar Chico Buarque..

Fonte:
http://www.plataforma.paraapoesia.nom.br/
http://www.midiaindependente.org/ (foto)

Nilto Maciel (O maduro fruto da solidão)

O primeiro livro de contos de Rinaldo de Fernandes, O Caçador, é de 1997. Meticuloso, sem pressa, em 2005 apresentou o segundo volume, O Perfume de Roberta (Rio de Janeiro, Editora Gamamond), juntando cinco daquelas narrativas a treze inéditas.

Os narradores de Rinaldo ora são protagonistas, ora meros observadores. Ou principiam como espectadores e terminam como protagonistas. De alguns o leitor conhece duas ou três características ou traços fisionômicos, físicos, socioculturais. Muitas vezes não sabe sequer o nome.

Em “Ilhado”, um homem toma uísque numa praia de uma cidade onde não mora. E pouco mais se sabe dele: (“Cheguei ontem aqui na cidade. Vim fazer uma conferência, vai ser na segunda. Estou num hotel mais adiante.”). O narrador de “O cavalo” apenas espreita, de longe, do alto, da varanda do apartamento, as cenas que constituem a peça ficcional. Quase nada diz de si mesmo: “moro aqui já tem três anos, após me aposentar como advogado”; “Dia seguinte, viajei para o Rio de Janeiro, fui visitar meu neto.” Em “A morta”, o ser fictício também não se exibe com clareza, porque não passa de testemunha dos fatos. O protagonista de “Oferta” apenas se diz “velho vendedor” e revela ter 48 anos. O de “A poeira azul” se mostra o tempo todo: “Já dez anos que eu vendo camisas!”, “já estou com trinta e quatro anos”, “já fui garçom”, não é casado, não tem filhos, embora não diga o próprio nome. Em “O perfume de Roberta”, cabe relatar os fatos ao pai da personagem Roberta, mera figurante na trama. Esquisito, tudo faz para se esconder, não se revelar, sobretudo porque age de madrugada, às escondidas de todos: “eu falei pra ela que me chamo Pedro”. Entretanto, não oculta outros dados importantes: “Sou funcionário da prefeitura e advogado”; “Eu sou um homem de quarenta e seis anos.” Em “Confidências de um amante quase idiota” – no outro livro, “Eu não sou um idiota” –, o protagonista nada diz de si mesmo. Roberto faz a narração de “Pássaros”. E é neste tipo de narrativa que o escritor declara ao leitor, desde o início da narrativa, quem é o vencedor do duelo final, o sobrevivente da tragédia. É como se o narrador dissesse ao leitor, desde a primeira linha: “Veja, eu vou narrar uma tragédia, da qual sou protagonista. Eu sou o vencedor do duelo final, porque sou o narrador”. O perdedor (ou a perdedora) é o outro (ou a outra), a que morreu no último ato. O vencedor, porém, é também perdedor. Talvez um perdedor menor, porque lhe restou a vida. Ora, é o narrador, mas não narra a História dos outros. Não é historiador, mas protagonista de uma narrativa.

Em “Borboleta” – outra história da coleção de estréia de Rinaldo –, o narrador é obscuro e a peça de feição rara. Também já publicado é “A tragédia prima de Sílvia Andrade”, no qual o narrador se diz escritor e relata fatos (o conto) a um delegado.

São poucas as histórias contadas por mulheres. A narradora de “O mar é bem ali” confidencia: “Sou uma velha poeta”, moradora de uma quitinete. Em “Duas margens” uma mulher narra no presente: bebe cerveja no “mais pobre dos bares”, é casada com Marcos e tem uma filha de nome Juliana. Ao mesmo tempo em que conta a própria história (o desenlace amoroso), que julga catastrófica, observa (vê e ouve) personagens de outra narrativa há muito iniciada e que em breve terá desfecho trágico.

“Rita e o cachorro” (o título – que não faz parte da narração – revela o nome da narradora) apresenta “Uma mulher vivendo só, sem emprego certo, pedindo a um e outro para fazer revisões de todo tipo de texto, teses, artigos, dissertações, o diabo.”

A narradora de “Sariema” – recriação de “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa – se desvela desde o título. Pode-se falar em clonagem literária. De um ser (composição) se extrai uma célula-tronco e dela se cria novo ser, semelhante ao original. Ou remeter ao mito bíblico da criação da mulher: de uma costela de Adão se fez Eva. Neste conto se repete o esquema do vencedor e do perdedor. Se a história é contada por Sariema e se dá o embate entre ela e Nhô Augusto, logicamente (mas poderia não ser lógico) ela é a vencedora e ele o morto.

Nas demais peças não há personagens narradores. O primeiro é “Negro”, conto reproduzido da primeira obra. Em “O último segredo”, o narrador, pode-se dizer, é semi-onisciente. “Passarinho” se assemelha àquele também neste aspecto, além de serem curtos e de tratarem de problemas sociais ou de relações sociais. Em outras composições pode-se ver a preocupação de Rinaldo com os dramas sociais, pessoais e domésticos. O narrador de “Procurando o carnaval” – também da primeira coleção – é espécie de alter ego do protagonista sem nome explícito, sua sombra.

Um dos temas predominantes em Rinaldo é a solidão. Enquanto as pessoas se debatem entre a vida e a morte, há sempre alguém (o narrador, no mais das vezes) em plena solidão, embora por alguns instantes ou momentos se envolva num turbilhão de fatos alheios à sua vontade ou expectativa. É o caso do narrador de “Ilhado”: tomava uísque numa barraca de praia, certamente para espairecer, quando se viu envolvido numa tragédia. Em “O Cavalo”, o narrador é um solitário observador (“com a insônia, me levantei, fui à cozinha”). Parecida com ele é a narradora de “O mar é bem ali”: uma moradora solitária de uma quitinete, que termina imaginando um diálogo com um suposto visitante. Em solidão também está o protagonista de “Oferta”, assim como os demais personagens, que mal conseguem se comunicar. A solidão da protagonista de “Duas margens” se mistura à angústia de ter sido traída no amor. A narradora está só, bebe cerveja num bar, enquanto outra mulher desesperada se debate também na solidão, após ter sido abandonada pelo marido.

Algumas obras de Rinaldo têm desfecho trágico. A carnificina em “Ilhado” vai num crescendo. O leitor nem percebe a lenta transformação do lirismo dos namorados à beira-mar em tragédia. A tragédia de “A morta” se dá de forma inesperada, porque nenhum conflito se manifesta no decorrer na narração, a não ser de forma sutil: “Não tem ninguém aí, não é possível!” (os três visitantes acreditavam encontrar o casal à sua espera); “E, quase que ao mesmo tempo, algo tombou na estrada. Não sei se tombo ou o tropeço de alguém.” Em “Duas margens” a morte da criança é algo escabroso. A mãe enterra o filho vivo, com a ajuda da narradora, que acreditou na afirmação da outra: “– Ele está morto”. Na última tragédia, Sariema, mulher de Osório, esfaqueia Nhô Augusto, após este matar aquele.

O mar é uma constante nas peças ficcionais de Rinaldo. Não exatamente o mar. Na verdade, não se vêem pescadores, banhistas ou surfistas. O mar é muito mais referência de ambiente, às vezes pano-de-fundo (“O mar espuma, adiante, nos arrecifes.”), mas sempre presente. Toda a tragédia de “Ilhado” se inicia à beira-mar e termina em pleno mar, num barco. Em “O mar é bem ali”, o próprio título diz tudo. Na verdade, a trama se dá num apartamento à beira-mar. A tragédia de “A morta” também não se dá no mar. Entretanto, o mar está muito presente: “A lâmina do mar apareceu lá embaixo, depois do descampado e de uma ponta de duna.” Veja-se “Oferta”, que se passa num boteco de beira de estrada no sertão. Entretanto, o narrador lembra uma propaganda de televisão em que um rapaz se aproxima de um casebre à beira-mar. O narrador olha em volta “procurando o mar”, que muito longe dele está. “Não há mar, mas uma paisagem rubra, de pedras pretas e raros arbustos, paisagem seca, de muitos gravetos.” Logo no início de “A poeira azul” se lê: “Só foi possível ver a faixa verde de mar depois da curva.” Em “Rita e o cachorro” o mar também está presente: “Ontem o mar estava todo esmeralda”.

Entretanto, nem só de paisagens marinhas vivem os personagens de Rinaldo. Alguns estão no sertão, em estradas poeirentas, outros na cidade grande, em apartamentos, ruas.

A estrutura das narrativas de O Perfume de Roberta é, quase sempre, linear no tempo. Nada de retrospectos, a não ser em elucubrações ou monólogos. Ou quando dois tempos se fundem: o presente da narração e o passado narrado, como se vê em “Sariema”. Isto é, quando o narrador está contando (presente) uma história (passado) para um ouvinte. Na maioria dos contos, o narrador conta uma história, sem se dirigir ao leitor ou a um ouvinte. Algumas obras de Rinaldo, constituídos de breves quadros, lembram roteiros de cinema. Divididos em blocos, geralmente em razão da mudança de tempo. Assim, em “Ilhado”, cortado em três segmentos, se pode ver claramente que no primeiro a cena é quase parada, com pouca movimentação dos seres: o narrador, a mulher sentada num banco, a chegada do homem num barco, a cozinheira do bar e o garçom. No segundo segmento surge o mendigo, que será o personagem central da trama. E, por último, a cena do ataque do mendigo ao narrador, à mulher e ao homem do barco. Tudo em alguns minutos.

Em outros contos, embora a ação principal se dê em poucos minutos ou horas, há referências às conseqüências dele na vida dos seres fictícios num tempo futuro, como em “O cavalo”: o narrador, numa noite, vê do alto da varanda de seu apartamento um cavalo solto na rua, a chegada de um homem num carro à casa vizinha, a briga do homem com uma mulher, etc. Tudo em poucos minutos. Após isso, refere-se ao dia seguinte e, no último parágrafo, a alguns meses depois.

A linguagem de Rinaldo é simples, próxima da oralidade, porém sem uso de gírias urbanas ou expressões regionais. A estrutura dos composições também é singela, exceto em “Borboleta”, pleno de ousadia formal. As narrações, sejam de personagens, sejam do narrador onisciente ou do escritor, não se amarram a pormenores. Os diálogos e as falas são curtos. As narrações elidem a necessidade deles. Também nada de descrições minuciosas de seres fictícios ou paisagens. Essa economia verbal dá aos contos de O Perfume de Roberta um ar de novidade, apesar da simplicidade estrutural e de linguagem. Um quê de cheiro de fruta madura.

Fonte:
http://www.cronopios.com.br/site/resenhas.asp?id=1079

Raul Pompéia (Tragédia No Amazonas)

Uma tragédia no Amazonas é uma historia envolvente que narra como o ódio e o desejo de vingança pode arruinar muitas vidas, e como uma pessoa pode ser odiada e amada ao mesmo tempo. O conto é cheio de detalhes faz a pessoa sentir o clima selvagem e hostil vivido por pessoas que vivem na região do Amazonas, onde a lei raramente chega, e onde as pessoas muitas vezes fazem suas próprias leis.

Com maestria o autor narra a historia de Eustáquio, sua esposa Branca, e a enteada Rosalina, que passaram a ser vitimas de perseguição, que incluíam tanto danos à propriedade da família, que ficava no vilarejo de São João do Príncipe no Amazonas, como tentativas de matar Branca e Rosalina; Curiosamente em duas tentativas contra as mulheres um misterioso protetor da cabo dos agressores, o que não acontece com um escravo e um soldado contratados para defender a casa do subdelegado.

Começa por parte de Eustáquio uma caça aos agressores, aos poucos o editor trás a lume fatos que culminam com a identificação dos mesmos como sendo um grupo de negros que após assassinarem seu feitor e o dono da fazenda, saqueiam a sede e fogem, sendo capturados e presos pelo subdelegado, no entanto pouco depois eles fogem da improvisada cadeia, para a floresta, e começam a maquinar a vingança; A morte de um dos escravos pelo misterioso defensor da família faz com que eles acuem um pouco, e passam dois anos sem fazer novas ameaças, no entanto a chegada ao vilarejo de salteadores espanhóis interessados em roubar a Eustáquio porque foram informados que ele possuía uma grande riqueza, reacendeu nos escravos fugitivos a chama da vingança, encorajados pelos espanhóis voltaram a tramar contra a família.

Nesta ocasião Eustáquio, que já não é mais subdelegado, passa a espionar o bando, descobrindo que tramavam atacar a casa no dia seguinte, recorre à ajuda do padre que no afã de proteger a casa indica quatro lavradores da cidade para reforçar a segurança, Eustáquio os contrata, sem saber na verdade que eles faziam parte dos seus inimigos, num plano do líder espanhol de infiltrá-los na residência de Eustáquio fato que o padre também desconhecia.

Enquanto aguardavam o ataque protegendo a casa, o padre revela que o misterioso protetor que por vezes defendeu a família, era na verdade um jovem que teve sua vida salva pelo pai de Rosalina, a enteada da família, só que embora salvasse o garoto o homem não sobreviveu ao acidente, em retribuição a isso o garoto vigiava a casa para proteger seus moradores.

Neste mesmo dia os vingadores conseguem invadir a casa matam Branca, Eustáquio, bem como outros que ali estavam, incluindo uma criança que ainda a pouco havia nascido, filho de branca com Eustáquio; Quando o jovem que protegia a família chega já é tarde e o malfeitor lhes tira a vida , como ultima vitima Rosalina é barbaramente torturada e morta. Finalizando o conto o pai do jovem chega de uma viaje mas já encontra todos mortos e o fim é dramático com o pai ao lado do corpo do filho lamentando sua morte.

O conto é cheio de detalhes faz a pessoa sentir o clima selvagem e hostil vivido por pessoas que vivem na região do Amazonas, onde a lei raramente chega, e onde as pessoas muitas vezes fazem suas próprias leis.
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Biografia do Autor postada 11 de abril de 2008
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Fonte:
http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_resumo.php?c=1275
http://virtualbooks.terra.com.br/ (imagem)

Nicholas Sparks (1965 - )

Nicholas Sparks (n. 31 de Dezembro de 1965, Omaha, Nebraska) é um romancista norte-americano.

Nicholas Sparks viveu a sua juventude em Fair Oaks, na Califórnia e vive actualmente na Carolina do Norte com a família. Foi premiado com uma bolsa de estudos da Universidade de Notre Dame pelos seus excelentes resultados e, em 1988, licencia-se em Economia. Curiosamente, o seu sonho era tornar-se atleta de alta competição, sonho de que teria de abdicar devido a um grave acidente. Iniciou-se a escrever enquanto trabalhava como delegado de informação médica e, mais tarde, surge Theresa Park, agente literária, que se propôs representá-lo, vendendo os direitos do seu primeiro romance, «O Diário da Nossa Paixão», à Warner Books.

Bibliografia
O Diário da Nossa Paixão — The Notebook, 11-01-1999, adaptado para filme lançado em 2004 com James Garner e Gena Rowlands no presente, e na narrativa com Ryan Gosling e Rachel McAdams

As Palavras Que Nunca Te Direi — título original: Message in a Bottle
O filme foi gravado no Maine, Chicago e Wilmington na Carolina do Norte, em 1999 foi interpretado por Kevin Costner ;

Um Momento Inesquecível — A Walk to Remember, 02-11-1999, filmado em 2002, estrelando Mandy Moore e Shane West; adaptação para filme em 2002, com Mandy Moore e Shane West.

Corações em Silêncio — The Rescue, 15-11-2000

Uma Viagem Espiritual (01.03.2001)

Uma Promessa Para Toda a Vida (A bend in the road) — 31-10-2001

O Sorriso das Estrelas — 05-11.2002

Laços Que Perduram — 06-05-2004

A Alquimia do Amor — 14-10-2003

Três Semanas Com O Meu Irmão — Three Weeks With My Brother, 06-07-2004

Quem Ama Acredita — True Believer, 05-07-2005

À Primeira Vista; "At First Sight"; Março-2006; ISBN 972-23-3525-1 (sequencia do Romance "Quem Ama Acredita")

Juntos ao Luar; "Dear John"; Outubro-2006

Uma Escolha por Amor; The Choice; Setembro-2007

Fonte:
http://pt.wikipedia.org

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Rabindranath Tagore (1861 – 1941)

"No dia em que a flor de lótus desabrochou / A minha mente vagava, e eu não a percebi. / Minha cesta estava vazia e a flor ficou esquecida. / Somente agora e novamente, uma tristeza caiu sobre mim. / Acordei do meu sonho sentindo o doce rastro / De um perfume no vento sul. / Essa vaga doçura fez o meu coração doer de saudade. / Pareceu-me ser o sopro ardente no verão, procurando completar-se. / Eu não sabia então que a flor estava tão perto de mim, / Que ela era minha, e que essa perfeita doçura / Tinha desabrochado no fundo do meu coração."

Esse poema mostra o lirismo suave e contido de Tagore; seu nome é "Flor de Lótus".

Rabindranath Tagore nasceu em 7 de maio de 1861, em Calcutá, Índia, então sob domínio britânico. Tagore era filho do reformador religioso hindu chamado Devendranath Tagore, que se encarregou de sua educação por não concordar com as coerções do ensino clássico. Entre 1878 e 1880, o escritor esteve na Inglaterra e conheceu a literatura e a música européias. O gênio prolífico e criativo do escritor se traduziu ao longo da vida numa vasta obra que abrangeu todos os gêneros e estimulou a renovação da literatura em língua bengali.

Poeta, contista, dramaturgo e crítico de arte hindu, seu pensamento abre novos caminhos a interpretação do misticismo, procurando atualizar as antigas doutrinas religiosas nacionais.

As atividades literárias e educativas do poeta e místico bengali Rabindranath Tagore contribuíram de maneira significativa para o melhor conhecimento mútuo das culturas indiana e ocidental.

Filho de uma família de reformadores religiosos e sociais, que a todo custo procurou libertar a Índia dos preconceitos milenares que esmagavam o povo.
Tagore é uma ocidentalização do nome que em sânscrito quer dizer "homem nobre", "senhor". Em casa era chamado de Rabi que no idioma dos seus quer dizer "o Sol".
Bem cedo se revelou artista profundamente identificado com a natureza, apaixonado pelo povo e, sobretudo aberto para o INFINITO. Com 8 anos de idade já fazia versos, aos 12 teve a satisfação de ver a sua poesia aprovada pelo seu venerando pai que exclamou: "Se o rei conhecesse a língua da nossa terra e pudesse apreciar-lhe a literatura, recompensaria por certo o poeta".

Com 15 anos foi para a Inglaterra estudar Direito, 3 anos após regressou à pátria a chamado da família. Ao regressar recebeu do pai a incumbência de administrar a propriedade da família.

Casou-se aos 23 anos. E, nesta época, já havia publicado 2 livros de poemas: Canções da Noite e Canções da manhã, com destaque para o poema O Despertar de uma Fonte.Bem como a novela para crianças O Sábio Real, que mais tarde serviu de tema à peça intitulada O Sacrifício..


Em 1891 Tagore estabeleceu-se em Shilaidah para administrar a fazenda paterna. Viveu então em contato direto com o meio rural de Bengala, cuja influência se expressou nos dramas líricos Chitrangada (1892) e Malini (1895) e numa série de coletâneas poéticas, como Citra (1896), Kalpana (1900; Sonhos) e Naibedya (1901; Sacrifício), obras nas quais a comunhão com a natureza é realçada pela linguagem cristalina e emotiva. Em 1901 Tagore criou em Santiniketan uma instituição educativa denominada A Voz Universal, na qual combinava elementos da cultura hindu e ocidental. Em clima de liberdade, com aulas ao ar livre, a escola logo se converteu em centro de difusão do panteísmo espiritualista, relacionado com as doutrinas védicas, e dos ideais de solidariedade humana preconizados pelo fundador.

Em 1901, com a venda de uma casa e das jóias da esposa, fundou uma escola superior de filosofia em Santiniketan (que depois foi transformada em Universidade, em 1921).

As preocupações sociais do escritor, o levaram a defender a independência da Índia em diversos ensaios, embora sempre tenha considerado que a mudança individual deve preceder a social. A dor pela morte da esposa e de dois de seus filhos, entre 1902 e 1907, inspirou a Tagore alguns dos mais profundos poemas místicos, entre os quais os incluídos em Gitañjali (1910; A oferenda lírica). A repercussão internacional dessa última obra influiu na decisão da academia sueca em conceder ao escritor o Prêmio Nobel de literatura de 1913. Tagore recebeu também o título de cavaleiro britânico em 1915, ao qual renunciou quatro anos depois em protesto contra o massacre de Amritsar.

A partir de então, Tagore desenvolveu intensa atividade como conferencista em diversos países e em 1921 passou a dedicar grande parte de seus esforços na promoção da universidade internacional Visva-Bharati, que fundou nesse mesmo ano no centro de Santiniketan.

Recebeu o Prêmio Nobel de literatura em 1913 e tornou-se mundialmente famoso graças ao seu livro de poemas Gitanjali (Oferenda Lírica).

Isso não o impediu de continuar a literatura, além da pintura e da música, atividades nas quais também obteve prestígio nacional.

Tagore faleceu em Santiniketan, Bengala, 1941, em 7 de agosto de 1941. Aclamado por Gandhi como "o grande mestre" e reconhecido por todos os indianos como "o sol da Índia".

Principais Obras
Poesia:

Manasi (1890) [The Ideal One]
Sonar Tari (1894) [The Golden Boat]
Gitanjali (1910) [Song Offerings]
Raja (1910) [The King of the Dark Chamber]
Dakghar (1912) [The Post Office]
Gitimalya (1914) [Wreath of Songs]
Achalayatan (1912) [The Immovable]
Gardener (1913)
Balaka (1916) [The Flight of Cranes]
Fruit-Gathering (1916)
The Fugitive (1921)
Muktadhara (1922) [The Waterfall]
Raktakaravi (1926) [Red Oleanders]
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Contos e Romances:
Gora (1910)
Ghare-Baire (1916) [The Home and the World]
Yogayog (1929) [Crosscurrents]

Peças Teatrais:
O Rei no Seu Quarto Escuro
O Carteiro do Rei
Sacrifício
Chitangrada
Balka
A Corrente Livre

Quando me ordenas cantar,
parece que o meu coração vai arrebentar-se
de orgulho. Então contemplo a tua face e as
lágrimas me vêm aos olhos.

Tudo o que é duro e dissonante em
minha vida se dissolve em única e doce
harmonia, e a minha adoração abre as
suas asas, como um pássaro alegre voando
sobre o mar.

Sei que tens prazer no meu canto.
Sei que posso chegar à tua presença apenas
como um cantor.

Com a ponta da asa imensamente
aberta do meu canto eu roço os teus pés,
que eu jamais poderia querer alcançar.

Embriagado pela alegria de cantar,
esqueço a mim mesmo e te chamo amigo,
tu que és o meu Senhor.

Fontes:

Rabindranath Tagore (Nas Margens do Ganges)

Se gostas de ouvir narrações dos tempos passados, então senta-te nesse degrau e presta atenção ao chapinhar da água.

Estávamos nas proximidades do mês de Ashwin (Setembro). A ribeira ia cheia. Da escadaria que descia, somente quatro degraus estavam fora da água. Na margem da ribeira cresciam tufos de plantas compactos sob os ramos dos bosques de mangueiras, onde a corrente formava um ângulo e deixava a descoberto três grandes montões de tijolo As barcas de pesca, amarradas aos troncos de babilas, balouçavam-se indolentemente. Os grandes caniços que cobriam o banco de areia captavam os primeiros raios de sol e começavam a florir antes de atingir o seu pleno desenvolvimento.

Os barcos abriam as suas velas sobre a ribeira cheia de sol. O sacerdote, com os seus vasos rituais, dispunha-se a tomar o banho. As mulheres, em grupos, vinham buscar água. Era a hora em que Kusum tinha o costume de aparecer no alto da escadaria e tomar banho.
Mas naquela manhã não a vi chegar. Diante do ghât (Escadaria onde se toma banho), Bhudan e Swarno lamentavam-se. A sua amiga - diziam - tinha sido levada para casa do marido, uma localidade muito afastada da ribeira, e que se distinguia por uma população estranha, casas estranhas e caminhos estranhos.

Entretanto ela quase desapareceu da minha memória. Passou um ano. As mulheres que vinham tomar banho falavam novamente de Kusum. Uma tarde, porém, estremeci ao reconhecer dois pés familiares. Mas ai, eles não traziam anéis e tinham perdido o seu tilintar musical de outrora!

Kusum estava viúva. Dizia-se que o marido fora chamado a uma cidade longínqua e que ela apenas o vira uma ou duas vezes. O correio trouxera-lhe a notícia da sua morte. Viúva aos oito anos, apagara na fronte o sinal vermelho de casada, despojara-se dos seus braceletes e voltara para a velha casa à beira do Ganges. Mas encontrou poucas amigas dos tempos de solteira. Bhudan, Swarno e Amala tinham casado e partido; só Sarat ficara; mas afirmavam que se dispunha a casar em Dezembro.

Da mesma forma que o Ganges, na estação das chuvas aumenta gradualmente de volume e transborda, assim Kusum se aproximava, dia a dia, da plena floração de beleza. Mas com vestes brancas e sem enfeites, de rosto pensativo e atitude calma, lançavam-lhe um véu sobre a juventude e ocultavam-na, como uma bruma, aos olhos dos homens. Dez anos tinham decorrido sem que ninguém reparasse que Kusum se desenvolvia.

Uma manhã, há muitos anos e por esta mesma temperatura de fim de Setembro, um sannyasi (Asceta ou monge) jovem e de pele clara, chegado não se sabe donde, veio abrigar-se no templo de Sivá, na minha frente. A notícia da sua chegada em breve se espalhou por toda a aldeia. Abandonando as bilhas, as mulheres acorriam ao templo para saudar o santo homem.
A multidão aumentava de dia para dia. A fama do sannyasi depressa se espalhou entre as mulheres. Ele, ora recitava o Bhagvat ora comentava o Gita (Bagvat-gita: obra filosófica que faz parte do Ramugana), ou pregava no templo acerca do tema que escolhiam num livro santo. Uns pediam-lhe conselhos, outros os seus sortilégios ou a sua ciência de curar.

Passaram-se meses. Em Abril, na época do eclipse solar, os banhos do Ganges atraíam uma multidão considerável. Uma feira se organizou sob as árvores de babla. Entre os numerosos peregrinos, acorridos para saudar o sannyasi, vinha um grupo de mulheres da aldeia onde Kusum fora casada.

Era uma manhã. O sannyasi, sentado num degrau, rezava, quando, de súbito, entre os peregrinos, uma mulher fazendo sinal a uma das suas companheiras, murmurava:

- Mas é o esposo de Kusum!

A companheira, afastando um pouco o véu exclamou:

- Palavra, é bem ele! É o filho mais novo dos Chattergi, que habita na minha aldeia!

Uma terceira, disse por sua vez:

- Ele tem exatamente a mesma testa, o mesmo nariz e os mesmos olhos.

Enquanto uma outra, sem mesmo olhar para o sannyasi, agitava a sua bilha na água, suspirando:

- Ai! Ele não é nem será o que foi! Pobre da Kusum!
Uma delas objectou então: «Ele não tinha uma barba tão grande»; e outra: «Ele não era tão magro»; uma outra ainda: «Parecia-me mais alto». E a discussão ficou por aí.
Uma noite de lua cheia, Kusum veio sentar-se perto da água, no mais alto dos meus degraus.

A sua sombra projetava-se sobre mim.
Estávamos sós junto do ghât. Os grilos cantavam à nossa volta. O tanger dos gongos e das sinetas do templo tinham cessado e o murmúrio da água era cada vez mais fraco, para se perder em breve, como a saudade dum som, nos bosques indistintos da margem oposta. Um raio da lua brilhava nas águas escuras do Ganges. Ao montante do rio, sob as sebes e arbustos, sob o pórtico do templo e sob os bosques das palmeiras, perfilavam-se sombras de formas fantásticas. Os morcegos balouçavam-se nos ramos de chatuns. Na proximidade das habitações, os chacais soltavam uivos arrepiantes e prolongados.

O sannyasi saiu do templo com o seu passo lento. Desceu alguns degraus ghât e viu uma mulher só. Ia afastar-se quando de súbito Kusum ergueu a cabeça; voltou-se. O véu caiu e a lua iluminou-lhe o rosto.

Um mocho voou por cima da sua cabeça. Ao ouvir o pio da ave ela estremeceu, ajustou o véu e prosternou-se aos pés do sannyasi.

O Sannyasi deu-lhe a bênção e perguntou:

- Quem sois?

Ela respondeu:

- O meu nome é Kusum.

Nessa noite não trocaram mais palavra. Kusum voltou para casa, lentamente, e o sannyasi permaneceu durante longas horas nos degraus do ghât. Quando, enfim, a lua emigrou do este para o oeste, o Sannyasi levantou-se e entrou no templo.

Vi todos os dias Kusum vir prosternar-se aos pés do sannyasi. Quando ele comentava os livros sagrados, permanecia a um canto e escutava-o; quando acabava as suas orações da manhã, ele chamava-a para junto de si e conversava com ela sobre assuntos religiosos. Kusum não podia compreender tudo, mas escutava-o com atenção e fazia esforços para o compreender. Ele dirigia-a e ela obedecia-lhe escrupulosamente. Kusum ajudava o serviço, sempre pronta à adoração de Deus, colhendo flores para a oferenda e indo buscar água ao Ganges para lavar o chão do templo.
O inverno ia terminar. Os ventos eram ainda frios, por vezes; à noite, a brisa quente da primavera soprava bruscamente do sul e o céu tornava-se azulado; depois dum longo silêncio ouvia-se novamente o som das flautas e a música da aldeia. Os barqueiros deixavam ir os barcos ao sabor da corrente, paravam de remar e entoavam cânticos a Krishna. Era a primavera.
Nesta altura, perdi Kusum de vista. Havia alguns dias que ela deixara de aparecer no templo, no ghât ou diante do sannyasi.

Ignoro o que se passou então, mas, pouco depois, os dois encontraram-se de novo, uma noite, nas escadarias.

Com os olhos baixos, Kusum perguntou:

- Senhor, chamou-me?

- Sim, porque não vinhas? Porque esqueceste, há algum tempo, o serviço de Deus?

Ela ficou silenciosa.

- Diz-me o teu pensamento, sem receio.

Voltando o rosto, ela respondeu:

- Senhor, eu sou uma pecadora, faltei ao meu dever de adoração.

O sannyasi disse-lhe:

- Kusum, eu sei que a tua alma está perturbada.

Ela estremeceu ligeiramente; depois, cobrindo o rosto com o Sari, sentou-se no degrau aos pés do sannyasi e começou a chorar.

Ele recuou um pouco e continuou:

- Diz-me o que tens no coração; eu te mostrarei o caminho da paz.

Ela respondeu com fé e palavras entrecortadas:

- Se me ordena, falarei. Mas receio que não possa exprimir-me com clareza. Mestre, certamente adivinhou tudo. Eu adorei um ser humano como a um Deus, venerei-o, e, ao render-lhe este culto, o meu coração transbordou de felicidade. Mas uma noite, eu sonhei que o Senhor da minha alma estava sentado num jardim, estreitando a minha mão direita na sua mão esquerda e murmurava palavras de amor. A cena não parecia de forma alguma estranha. O sonho desfez-se, mas a sua impressão ficou. No dia seguinte, quando os meus olhos se levantaram para ele, pareceu-me diferente. A imagem que me apareceu no sonho continuava a perseguir-me. Atemorizada tentei fugir para longe, mas a imagem não saía do meu espírito. Desde então, a minha alma não conhece a paz, e tudo em mim se tornou sombrio!
Enquanto enxugava as lágrimas ao mesmo tempo que falava, o Sannyasi martelava convulsivamente, com o pé, o degrau de pedra.

Quando ela acabou de contar, o Sannyasi perguntou:

- Diz-me: quem viste no teu sonho?

Com as mãos juntas, ela suplicou:

- Não posso.

Ele insistiu:

- Deves dizer-me tudo.

Ela contorceu as mãos e interrogou:

- Assim o deseja?

- É teu dever! - respondeu o sannyasi.

Então ela exclamou:

- Senhor, fostes vós que eu vi!
E deixando-se cair no degrau, começou a soluçar profundamente.

Quando sossegou e pôde levantar-se, o Sannyasi disse numa voz meiga:

- Deixarei este lugar esta mesma noite e não me verás mais. Sabes que sou um sannyasi e que não pertenço a este mundo. Deves esquecer-me.
Kusum respondeu em voz baixa:

- Assim farei, Senhor!

O sannyasi murmurou:

- Digo-te adeus...

Sem dizer palavra, Kusum inclinou-se e tocou os pés do sannyasi com a fronte.
E o santo homem deixou a aldeia.

A lua desaparecera; a noite tornou-se escura. Ouvia-se o chapinhar da água. O vento soprava furiosamente nas trevas, como se quisesse varrer as estrelas do céu.

Fontes:
http://www.beatrix.pro.br/
http://www.starnews2001.com.br (imagem)



Rabinbdranath Tagore (Mãe)

Obrigado pelos sorrisos que deste
mesmo quando preocupada.
Obrigado por chorares por mim
quando te fiz sofrer tanto.

Obrigado por seres valente,
defendendo-me dos dardos ardentes do Diabo.
Jamais faltaste durante o meu medo
e clamaste Deus como minha fortaleza também.

Entreteceste memórias felizes, reunidas para nós,
Partilhando meus pensamentos, meus abraços
e meus sonhos.
Escutando os meus receios e secando
minhas lágrimas;
Preocupando, esperando e rezando por mim.

Devido à força que recebi
graças ao teu amor e devoção,
Houve esperança para mim,
Houve um caminho a seguir.

Quão abençoado sou
por te conhecer, ter-te para mim.
Quão mais abençoado sou
por me erguer e chamar-te minha mãe.

Fonte:
http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_resumo.php?c=4048

Rachel de Queiroz (1910 – 2003)

"[...] tento, com a maior insistência, embora com tão
precário resultado (como se tornou evidente), incorporar
a linguagem que falo e escuto no meu ambiente nativo à
língua com que ganho a vida nas folhas impressas. Não
que o faça por novidade, apenas por necessidade.
Meu parente José de Alencar quase um século atrás vivia
brigando por isso e fez escola."

Rachel de Queiroz, nasceu em Fortaleza - CE, no dia 17 de novembro de 1910, filha de Daniel de Queiroz e de Clotilde Franklin de Queiroz, descendendo, pelo lado materno, da estirpe dos Alencar (sua bisavó materna — "dona Miliquinha" — era prima José de Alencar, autor de "O Guarani"), e, pelo lado paterno, dos Queiroz, família de raízes profundamente lançadas em Quixadá, onde residiam e seu pai era Juiz de Direito nessa época.

Em 1913, voltam a Fortaleza, face à nomeação de seu pai para o cargo de promotor. Após um ano no cargo, ele pede demissão e vai lecionar Geografia no Liceu. Dedica-se pessoalmente à educação de Rachel, ensinando-a a ler, cavalgar e a nadar. As cinco anos a escritora leu "Ubirajara", de José de Alencar, "obviamente sem entender nada", como gosta de frisar.

Fugindo dos horrores da seca de 1915, em julho de 1917 transfere-se com sua família para o Rio de Janeiro, fato esse que seria mais tarde aproveitado pela escritora como tema de seu livro de estréia, "O Quinze".

Logo depois da chegada, em novembro, mudam-se para Belém do Pará, onde residem por dois anos. Retornam ao Ceará, inicialmente para Guaramiranga e depois Quixadá, onde Rachel é matriculada no curso normal, como interna do Colégio Imaculada Conceição, formando-se professora em 1925, aos 15 anos de idade. Sua formação escolar pára aí.

Rachel retorna à fazenda dos pais, em Quixadá. Dedica-se inteiramente à leitura, orientada por sua mãe, sempre atualizada com lançamento nacionais e estrangeiros, em especial os franceses. O constante ler estimula os primeiros escritos. Envergonhada, não mostrava seus textos a ninguém.

Em 1926, nasce sua irmã caçula, Maria Luiza. Os outros irmãos eram Roberto, Flávio e Luciano, já falecidos).

Com o pseudônimo de "Rita de Queluz" ela envia ao jornal "O Ceará", em 1927, uma carta ironizando o concurso "Rainha dos Estudantes", promovido por aquela publicação. O diretor do jornal, Júlio Ibiapina, amigo de seu pai, diante do sucesso da carta a convida para colaborar com o veículo. Três anos depois, ironicamente, quando exercia as funções de professora substituta de História no colégio onde havia se formado, Rachel foi eleita a "Rainha dos Estudantes". Com a presença do Governador do Estado, a festa da coroação tinha andamento quando chega a notícia do assassinato de João Pessoa. Joga a coroa no chão e deixa às pressas o local, com uma única explicação "Sou repórter".

Seu pai adquire o Sítio do Pici, perto de Fortaleza, para onde a família se transfere. Sua colaboração em "O Ceará" torna-se regular. Publica o folhetim "História de um nome" — sobre as várias encarnações de uma tal Rachel — e organiza a página de literatura do jornal.

Submetida a rígido tratamento de saúde, em 1930, face a uma congestão pulmonar e suspeita de tuberculose, a autora se vê obrigada a fazer repouso e resolve escrever "um livro sobre a seca". "O Quinze" — romance de fundo social, profundamente realista na sua dramática exposição da luta secular de um povo contra a miséria e a seca — é mostrado aos pais, que decidem "emprestar" o dinheiro para sua edição, que é publicada em agosto com uma tiragem de mil exemplares. Diante da reação reticente dos críticos cearenses, remete o livro para o Rio de Janeiro e São Paulo, sendo elogiado por Augusto Frederico Schmidt e Mário de Andrade. O livro logo transformaria Rachel numa personalidade literária. Com o dinheiro da venda dos exemplares, a escritora "paga" o empréstimo dos pais.

Em março de 1931, recebe no Rio de Janeiro o prêmio de romance da Fundação Graça Aranha, mantida pelo escritor, em companhia de Murilo Mendes (poesia) e Cícero Dias (pintura). Conhece integrantes do Partido Comunista; de volta a Fortaleza ajuda a fundar o PC cearense.

Casa-se com o poeta bissexto José Auto da Cruz Oliveira, em 1932. É fichada como "agitadora comunista" pela polícia política de Pernambuco. Seu segundo romance, "João Miguel", estava pronto para ser levado ao editor quando a autora é informada de que deveria submetê-lo a um comitê antes de publicá-lo. Semanas depois, em uma reunião no cais do porto do Rio de Janeiro, é informada de que seu livro não fora aprovado pelo PC, porque nele um operário mata outro. Fingindo concordar, Rachel pega os originais de volta e, depois de dizer que não via no partido autoridade para censurar sua obra, foge do local "em desabalada carreira", rompendo com o Partido Comunista.

Publica o livro pela editora Schmidt, do Rio, e muda-se para São Paulo, onde se aproxima do grupo trotskista.

Nasce, em Fortaleza, no ano de 1933, sua filha Clotilde.

Muda-se para Maceió, em 1935, onde faz amizade com Jorge de Lima, Graciliano Ramos e José Lins do Rego. Aproxima-se, também, do jornalista Arnon de Mello (pai do futuro presidente da República, Fernando Collor, que a agraciou com a Ordem Nacional do Mérito). Sua filha morre aos 18 meses, vítima de septicemia.

O lançamento do romance "Caminho de Pedras", pela José Olympio - Rio, se dá em 1937, que seria sua editora até 1992. Com a decretação do Estado Novo, seus livros são queimados em Salvador - BA, juntamente com os de Jorge Amado, José Lins do Rego e Graciliano Ramos, sob a acusação de subversivos. Permanece detida, por três meses, na sala de cinema do quartel do Corpo de Bombeiros de Fortaleza.

Em 1939, separa-se de seu marido e muda-se para o Rio, onde publica seu quarto romance, "As Três Marias".

Por intermédio de seu primo, o médico e escritor Pedro Nava, em 1940 conhece o também médico Oyama de Macedo, com quem passa a viver. O casamento duraria até à morte do marido, em 1982. A notícia de que uma picareta de quebrar gelo, por ordem de Stalin, havia esmigalhado o crânio de Trótski faz com que ela se afaste da esquerda.

Deixa de colaborar, em 1944, com os jornais "Correio da Manhã", "O Jornal" e "Diário da Tarde", passando a ser cronista exclusiva da revista "O Cruzeiro", onde permanece até 1975.

Estabelece residência na Ilha do Governador, em 1945.

Seu pai vem a falecer em 1948, ano em que publica "A Donzela e a Moura Torta". No ano de 1950, escreve em quarenta edições da revista "O Cruzeiro" o folhetim "O Galo de Ouro".

Sua primeira peça para o teatro, "Lampião", é montada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e no Teatro Leopoldo Fróes, em São Paulo, no ano de 1953. É agraciada, pela montagem paulista, com o Prêmio Saci, conferido pelo jornal "O Estado de São Paulo".

Recebe, da Academia Brasileira de Letras, em 1957, o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra.

Em 1958, publica a peça "A beata Maria do Egito", montada no Teatro Serrador, no Rio, tendo no papel-título a atriz Glauce Rocha.

O presidente da República, Jânio Quadros, a convida para ocupar o cargo de ministra da Educação, que é recusado. Na época, justificando sua decisão, teria dito: "Sou apenas jornalista e gostaria de continuar sendo apenas jornalista."

O livro "As Três Marias", com ilustrações de Aldemir Martins, em tradução inglesa, é lançado pela University of Texas Press, em 1964.

O golpe militar de 1964 teve em Rachel uma colaboradora, que "conspirou" a favor da deposição do presidente João Goulart.

O presidente general Humberto de Alencar Castelo Branco, seu conterrâneo e aparentado, no ano de 1966 a nomeia para ser delegada do Brasil na 21ª. Sessão da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, junto à Comissão dos Direitos do Homem.

Passa a integrar o Conselho Federal de Cultura, em 1967, e lá ficaria até 1985. Depois de visitar a escritora na Fazenda Não me Deixes, em Quixadá, o presidente Castelo Branco morre em desastre aéreo.

Estréia na literatura infanto-juvenil, em 1969, com "O Menino Mágico", em 1969.

No ano de 1975, publica o romance "Dôra, Doralina".

Em 1977, por 23 votos a 15, e um em branco, Rachel de Queiroz vence o jurista Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda e torna-se a primeira mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras. A eleição acontece no dia 04 de agosto e a posse, em 04 de novembro. Ocupa a cadeira número 5, fundada por Raimundo Correia, tendo como patrono Bernardo Guimarães e ocupada sucessivamente pelo médico Oswaldo Cruz, o poeta Aluísio de Castro e o jurista, crítico e jornalista Cândido Mota Filho.

Seu livro, "O Quinze", é publicado no Japão pela editora Shinsekaisha e na Alemanha pela Suhrkamp, em 1978.

Em 1980, a editora francesa Stock lança "Dôra, Doralina". Estréia da Rede Globo de Televisão a novela "As Três Marias", baseada no romance homônimo da escritora.

Com direção de Perry Salles, estréia no cinema a adaptação de "Dôra, Doralina", em 1981.

Em 1985, é inaugurada em Ramat-Gau, Tel Aviv (Israel), a creche "Casa de Rachel de Queiroz". "O Galo de Ouro" é publicado em livro.

Retorna à literatura infantil, em 1986, com "Cafute & Perna-de-Pau".

A José Olympio Editora lança, em 1989, sua "Obra Reunida", em cinco volumes, com todos os livros que Rachel publicara até então destinados ao público adulto.

Segundo notícia que circulou em 1991, a Editora Siciliano, de São Paulo, pagou US$150.000,00 pelos direitos de publicação da obra completa de Rachel.

Já na nova editora, lança em 1992 o romance "Memorial de Maria Moura".

Em 1993, recebe dos governos do Brasil e de Portugal, o Prêmio Camões e da União Brasileira de Escritores, o Juca Pato. A Siciliano inicia o relançamento de sua obra completa.

1994 marca a estréia, na Rede Globo de Televisão, da minissérie "Memorial de Maria Moura", adaptada da obra da escritora. Tendo no papel principal a atriz Glória Pires, notícias dão conta que Rachel recebeu a quantia de US$50.000,00 de direitos autorais.

Inicia seu livro de memórias, em 1995, escrito em colaboração com a irmã Maria Luiza, que é publicado posteriormente com o título "Tantos anos".

Pelo conjunto de sua obra, em 1996, recebe o Prêmio Moinho Santista.

Em 2000, é publicado "Não me Deixes — Suas histórias e sua cozinha", em colaboração com sua irmã, Maria Luiza.

Em novembro deste ano, quando a escritora completou 90 anos de idade, foi inaugurada, na Academia Brasileira de Letras, a exposição "Viva Rachel". São 17 painéis e um ensaio fotográfico de Eduardo Simões resumindo o que os organizadores da mostra chamam de “geografia interior de Rachel, suas lembranças e a paisagem que inspirou a sua obra”.

Rachel de Queiroz chega aos 90 anos afirmando que não gosta de escrever e o faz para se sustentar. Ela lembra que começou a escrever para jornais aos 19 anos e nunca mais parou, embora considere pequeno o número de livros que publicou. “Para mim, foram só cinco, (além de O Quinze, As Três Marias, Dôra, Doralina, O Galo de Ouro e Memorial de Maria Moura), pois os outros eram compilações de crônicas que fiz para a imprensa, sem muito prazer de escrever, mas porque precisava sustentar-me”, recorda ela. “Na verdade, eu não gosto de escrever e se eu morrer agora, não vão encontrar nada inédito na minha casa”.

Recebe, em 06-12-2000, o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

Em 2003, é inaugurado em Quixadá (CE), o Centro Cultural Rachel de Queiroz.

Faleceu, dormindo em sua rede, no dia 04-11-2003, na cidade do Rio de Janeiro. Deixou, aguardando publicação, o livro "Visões: Maurício Albano e Rachel de Queiroz", uma fusão de imagens do Ceará fotografadas por Maurício com textos de Rachel de Queiroz.
Obras Individuais:
- Romances:

- O quinze (1930)
- João Miguel (1932)
- Caminho de pedras (1937)
- As três Marias (1939)
- Dôra, Doralina (1975)
- O galo de ouro (1985) - folhetim na revista " O Cruzeiro", (1950)
- Obra reunida (1989)
- Memorial de Maria Moura (1992)

Literatura Infanto-Juvenil:
- O menino mágico (1969)
- Cafute & Pena-de-Prata (1986)
- Andira (1992)
- Cenas brasileiras - Para gostar de ler 17.

Teatro:
- Lampião (1953)
- A beata Maria do Egito (1958)
- Teatro (1995)
- O padrezinho santo (inédita)
- A sereia voadora (inédita)

Crônica:
- A donzela e a moura torta (1948);
- 100 Crônicas escolhidas (1958)
- O brasileiro perplexo (1964)
- O caçador de tatu (1967)
- As menininhas e outras crônicas (1976)
- O jogador de sinuca e mais historinhas (1980)
- Mapinguari (1964)
- As terras ásperas (1993)
- O homem e o tempo (74 crônicas escolhidas}
- A longa vida que já vivemos
- Um alpendre, uma rede, um açude: 100 crônicas escolhidas
- Cenas brasileiras
- Xerimbabo (ilustrações de Graça Lima)
- Falso mar, falso mundo - 89 crônicas escolhidas (2002)

Antologias:
- Três romances (1948)
- Quatro romances (1960) (O Quinze, João Miguel, Caminho de Pedras,
As três Marias)
- Seleta (1973) - organização de Paulo Rónai

Livros em parceria:

- Brandão entre o mar e o amor (romance - 1942) - com José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Aníbal Machado e Jorge Amado.

- O mistério dos MMM (romance policial - 1962) - Com Viriato Corrêa, Dinah Silveira de Queiroz, Lúcio Cardoso, Herberto Sales, Jorge Amado, José Condé, Guimarães Rosa, Antônio Callado e Orígines Lessa.

- Luís e Maria (cartilha de alfabetização de adultos - 1971) - Com Marion Vilas Boas Sá Rego.

- Meu livro de Brasil (Educação Moral e Cívica - 1º. Grau, Volumes 3, 4 e 5 - 1971) - Com Nilda Bethlem.

- O nosso Ceará (com sua irmã, Maria Luiza de Queiroz Salek), relato, 1994.

- Tantos anos (com sua irmã, Maria Luiza de Queiroz Salek), auto-biografia, 1998.

- O Não Me Deixes – Suas Histórias e Sua Cozinha (com sua irmã, Maria Luiza de Queiroz Salek), 2000.

Fonte:
http://www.releituras.com/racheldequeiroz_bio.asp

Rachel de Queiroz (Um caso obscuro)

Não quero fazer campanha contra quem acredita em espíritos, quem tem visões ou ouve "avisos". Espiritismo é religião tão respeitável quanto qualquer outra. Quero apenas prevenir meu amigo leitor contra alguma conversão apressada, porque o fato é que as forças da terra muitas vezes se misturam com as forças do céu.

O caso que passo a contar como exemplo, naturalmente que e verídico. Se fosse a cronista inventar um conto, teria que apurar muito mais o enredo e os personagens, dar-lhes veracidade e complexidade. E, aliás, como ficção ele não teria importância nem sentido. O seu valor único e a autenticidade.

Certa professora de grupo, minha conhecida, tem uma empregada, senhora cinqüentona, de cara séria e jeito discreto, natural de Suruí, no Estado do Rio, de onde veio há poucos meses. E lá em Suruí deixou a mãe cega e enferma, da qual não tinha notícias desde que viera para a cidade. Analfabeta, não escrevia nem recebia cartas. Essa gente da roça não acredita muito em correspondência senão para notícias capitais.

Mas um belo dia acordou a empregada, que se chama Joana, chorando, abaladíssima, queixando-se de estranhas visões. Dizia que passara toda a noite acordada; mas não pudera chamar ninguém porque com o medo ficara sem fala. Sentira uns assopros no ouvido, depois lhe sacudiam a cama, como se fosse um terremoto. Por fim vira a mãe, a velhinha cega, estirada num caixão, metida numa mortalha preta. Toda a manhã a mulher chorou e lamentou-se. A patroa, penalizada, ofereceu-se para mandar um telegrama pedindo noticias. Joana, porém, tinha medo de telegramas:

— E mais medo tem minha mãe. Chegando telegrama lá, se ela ainda estiver viva morre só de susto.

Estavam nisso as coisas quando ao meio-dia aparece na casa da professora um filho homem de Joana, que também reside na cidade. Trazia na mão um envelope fechado, sem carimbo nem selo. Era uma carta vinda em mão própria da sua terra, explicou o moço. E como ele também não sabia ler, pediram à patroa que abrisse e lesse a missiva — aliás curta e comovente.

"Minha irmã como vai esta tem por fim de lhe dizer que a nossa mãe está às portas da morte já de vela na mão. Joana se apresse sinão não vê mais nossa mãe adeus do seu irmão Basílio."

Chegando assim aquela carta, após a série de visões noturnas, era impressionante. E a própria patroa a abrira, excluindo-se assim a possibilidade de conhecimento prévio do conteúdo. Era uma dessas bofetadas que o mundo dos invisíveis atira aos pobres humanos, deixando-os cheios de susto e dúvida. Com seus próprios ouvidos escutara a patroa pela manhã a história do assopro, das sacudidelas na cama, da figura amortalhada no caixão. Com suas mãos recebera a carta, com seus olhos lera o endereço tremido e oblíquo, e depois a lacônica má nova. Naturalmente deu imediata licença a Joana para a viagem. Grande falta lhe faria em casa, mas quem pode pensar em impedir um filho de despedir-se da mãe, à hora da morte? E deu-lhe mais dinheiro, deu-lhe um vestido preto quase novo, consultou o horário dos trens, forneceu provisões para a viagem. Não era só caridade de burguesa progressista que a animava, mas principalmente o interesse do profano por uma criatura feita instrumento das forças do Incognoscível. E Joana partiu. A patroa ficou contando a história aos conhecidos; contou por boca e por telefone. Chegou a contar por carta. Não a repetiu às crianças no grupo só de medo de assustá-las com essas coisas misteriosas que ficam entre o céu e a terra. O caso era tão simples, tão líquido: resumia-se apenas a fatos dos quais ela própria era testemunha. E fazia cálculos: a carta deve ter partido de Suruí na antevéspera, de modo que a velha bem podia estar mesmo morrendo na hora das visões noturnas de Joana. Ficou a esperar impaciente a volta da viajante. Sim, porque Joana pediu que o seu lugar fosse conservado, que, consumado tudo, voltaria. "Nem espero a semana de nojo, patroa. Venho logo depois do enterro."

E, falando em enterro, rompeu em pranto.

Passados oito dias, chegou Joana, mas ainda com a saia estampadinha de encarnado com a qual partira, em vez do vestido de seda preta que lhe dera a patroa, prevendo o luto. Sim, a velha continuava viva. Contou que a mãe estivera de fato muito ruim, vai-não-vai, mas de repente melhorara. Por isso Joana se demorara mais, até que a melhora parecesse segura. E voltou a trabalhar como dantes.

Aquela quase ressurreição desorientou a patroa. Afinal, a velha aparecera de mortalha, e dera o assopro, e sacudira a cama... Mas consultando sobre o assunto os amigos espíritas, eles lhe explicaram que era assim mesmo, e tanto o espírito encarnado como o desencarnado poderia mandar "avisos". Falaram mesmo em corpo astral, e a professora se impressionou muito.

Nesse estado moral ficou, meio abalada, meio crente, até que um dia sucedeu dessas incríveis, dessas raras coincidências que só acontecem na vida real e nos romances de fancaria: recebeu a visita de uma amiga a quem também contara a história da visão. A amiga vinha de propósito lhe narrar a tal coincidência inaudita. Imagine-se que o filho de Joana por acaso fora trabalhar em sua casa, consertando-lhe o jardim. Lá estava fazia uma quinzena quando inexplicavelmente desapareceu por uma semana. Passados os oito dias, voltou, e alegou motivo de moléstia para a ausência.

No jardim, revolvendo os canteiros, podando o fícus, estabeleceu-se entre jardineiro e patroa esse entendimento normal entre companheiros de trabalho, Ela explicava como queria o serviço, ele dizia que na casa do Dr. Fulano fazia assim e assim, que enxerto de mergulha só é bom com lua tal etc. Afinal, ela lhe perguntou que doença fora a sua, dias antes. O rapaz, que enterrava umas batatas de dália, ficou encabulado. Depois, teve assim como um assomo de consciência, e explicou:

— Patroa, falar a verdade é preciso. Não estive doente não. Mas o caso é que minha mãe meteu na idéia ir em casa, com vontade de assistir umas ladainhas que rezam lá no mês de agosto. Como estava num emprego bom, teve medo que a dona-de-casa se zangasse com uma viagem assim à-toa e não guardasse o lugar para ela, de volta. Então se combinou comigo, só por causa de não fazer a moça se zangar. Pegou a ter uns sonhos com a minha avó, enfiava os olhos na fumaça do fogo para sair chorando. Ai eu mandei um companheiro fazer uma carta chamando, dizendo que a velha estava morrendo, lá no Suruí. A patroa consentiu logo, naturalmente. Tive que fazer companhia a minha mãe, assistimos as ladainhas e agora estamos os dois de volta à nossa obrigação...

A moça ficou espantadíssima:

— Mas, criatura, como é que sua mãe teve a coragem de chamar assim morte para cima de sua avó? Vocês não tiveram medo do agouro?

— Qual, dona! Uma velha daquela, cega, doente, em cima duma cama, dando trabalho e consumição a todo mundo, chamar a morte para ela não é agouro; chamar a morte para ela é mais uma obra de caridade. E dai, agouro que fosse, vê-se bem que não pegou...

Fonte:
Queiroz, Rachel de.Quatro Vozes. Ed. Record, 1998.
http://www.releituras.com/racheldequeiroz_umcaso.asp

Rachel de Queirós (O Quinze)

O título se refere a grande seca de 1915, vivida pela escritora em sua infância. O romance se dá em dois planos, um enfocando o vaqueiro Chico Bento e sua família, o outro a relação afetiva de Vicente, rude proprietário e criador de gado, e Conceição, sua prima culta e professora.

Conceição é apresentada como uma moça que gosta de ler vários livros, inclusive de tendências feministas e socialistas o que estranha a sua avó, Mãe Nácia - representante das velhas tradições. No período de férias, Conceição passava na fazenda da família, no Logradouro, perto do Quixadá. Apesar de ter 22 anos, não dizia pensar em casar, mas sempre se engraçava à seu primo Vicente. Ele era o proprietário que cuidava do gado, era rude e até mesmo selvagem.

Com o advento da seca, a família de Mãe Nácia decide ir para cidade e deixar Vicente cuidando de tudo, resistindo. Trabalhava incessantemente para manter os animais vivos. Conceição trabalhava agora no campo de concentração onde ficavam alojados os retirantes, e descobre que seu primo estava de caso com uma caboclinha qualquer.

Vicente se encontra com Conceição e sem perceber confessa as temerosidades dela. Ela começa a tratá-lo de modo indiferente. Vicente se ressente disso e não consegue entender a razão. As irmãs de Vicente armam um namoro entre ele e uma amiga, a Mariinha Garcia. Ele, porém, se espanta ao saber que estava namorando, dizendo que apenas era solícito para com ela e não tinha a menor intenção de comprometimento.

Conceição percebe a diferença de vida entre ela e seu primo e a quase impossibilidade de comunicação. A seca termina e eles voltam para o Logradouro.

Esta é a parte mais importante do livro. Apresenta a marcha trágica e penosa do vaqueiro Chico Bento com sua mulher e seus 5 filhos, representando os retirantes. Ele é forçado a abandonar a fazenda onde trabalhara. Junta algum dinheiro, compra mantimentos e uma burra para atravessar o sertão. Tinham o intuito de trabalhar no Norte, extraindo borracha.

No percurso, em momento de grande fome, Josias, o filho mais novo, come mandioca crua, envenenando-se. Agonizou até a morte.

Uma cena marcante na vida do vaqueiro foi a de matar uma cabra e depois descobrir que tinha dono. Este o chamou de ladrão, e levou o resto da cabra para sua casa, dando-lhes apenas as tripas para saciarem. Léguas após, Chico Bento dá falta do seu filho mais velho Pedro. Chegando ao Aracape, lugar onde supunha que ele pudesse ser encontrado, avista um compadre que era o delegado. Recebem alguns mantimentos, mas não é possível encontrar o filho. Ficam sabendo que o menino tinha fugido com comboeiros de cachaça.

Ao chegarem no campo de concentração, são reconhecidos por Conceição, sua comadre. Ela arranja um emprego para Chico Bento e passa a viver com um de seus filhos. Conseguem também uma passagem de trem e viajam para São Paulo, desistindo de trabalhar com a borracha.

Fontes:
http://www.netsaber.com.br/resumos/ver_resumo.php?c=2777
http://www.pipaproducoes.com.br/ (imagem)

Raul Pompéia (1863 – 1895)

Raul Pompéia (R. de Ávila P.), jornalista, contista, cronista, novelista e romancista, nasceu em Jacuecanga, Angra dos Reis, RJ, em 12 de abril de 1863, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 25 de dezembro de 1895. É o patrono da Cadeira n. 33, por escolha do fundador Domício da Gama.

Era filho de Antônio de Ávila Pompéia, homem de recursos e advogado, e de Rosa Teixeira Pompéia. Transferiu-se cedo, com a família, para a Corte e foi internado no Colégio Abílio, dirigido pelo educador Abílio César Borges, o barão de Macaúbas, estabelecimento de ensino que adquirira grande nomeada. Passando do ambiente familiar austero e fechado para a vida no internato, recebeu Raul Pompéia um choque profundo no contato com estranhos. Logo se distingue como aluno aplicado, com o gosto dos estudos e leituras, bom desenhista e caricaturista, que redigia e ilustrava do próprio punho o jornalzinho O Archote. Em 1879, transferiu-se para o Colégio Pedro II, para fazer os preparatórios, e onde se projetou como orador e publicou o seu primeiro livro, Uma tragédia no Amazonas (1880).

Em 1881 começou o curso de Direito em São Paulo, entrando em contato com o ambiente literário e as idéias reformistas da época. Engajou-se nas campanhas abolicionista e republicana, tanto nas atividades acadêmicas como na imprensa. Tornou-se amigo de Luís Gama, o famoso abolicionista. Escreveu em jornais de São Paulo e do Rio de Janeiro, freqüentemente sob o pseudônimo "Rapp", um dentre os muitos que depois adotaria: Pompeu Stell, Um moço do povo, Y, Niomey e Hygdard, R., ?, Lauro, Fabricius, Raul D., Raulino Palma. Ainda em São Paulo publicou, no Jornal do Commercio, as "Canções sem metro", poemas em prosa, parte das quais foi reunida em volume, de edição póstuma. Também, em folhetins da Gazeta de Notícias, publicou a novela As jóias da Coroa.

Reprovado no 3º ano (1883), seguiu com 93 acadêmicos para o Recife e ali concluiu o curso de Direito, mas não exerceu a advocacia. De volta ao Rio de Janeiro, em 1885, dedicou-se ao jornalismo, escrevendo crônicas, folhetins, artigos, contos e participando da vida boêmia das rodas intelectuais. Nos momentos de folga, escreveu O Ateneu, "crônica de saudades", romance de cunho autobiográfico, narrado em primeira pessoa, contando o drama de um menino que, arrancado ao lar, é colocado num internato da época. Publicou-o em 1888, primeiro em folhetins, na Gazeta de Notícias, e, logo a seguir, em livro, que o consagra definitivamente como escritor.

Decretada a abolição, em que se empenhara, passou a dedicar-se à campanha favorável à implantação da República. Em 1889, colaborou em A Rua, de Pardal Mallet, e no Jornal do Commercio. Proclamada a República, foi nomeado professor de mitologia da Escola de Belas Artes e, logo a seguir, diretor da Biblioteca Nacional. No jornalismo, revelou-se um florianista exaltado, em oposição a intelectuais do seu grupo, como Pardal Mallet e Olavo Bilac. Numa das discussões, surgiu um duelo entre Bilac e Pompéia. Combatia o cosmopolitismo, achando que o militarismo, encarnado por Floriano Peixoto, constituía a defesa da pátria em perigo. Referindo-se à luta entre portugueses e ingleses, desenhou uma de suas melhores charges: "O Brasil crucificado entre dois ladrões". Com a morte de Floriano, em 1895, foi demitido da direção da Biblioteca Nacional, acusado de desacatar a pessoa do Presidente no explosivo discurso pronunciado em seu enterro. Rompido com amigos, caluniado em artigo de Luís Murat, sentindo-se desdenhado por toda parte, inclusive dentro do jornal A Notícia, que não publicara o segundo artigo de sua colaboração, pôs fim à vida no dia de Natal de 1895.

A posição de Raul Pompéia na literatura brasileira é controvertida. A princípio a crítica o julgou pertencente ao Naturalismo, mas as qualidades artísticas presentes em sua obra fazem-no aproximar-se do Simbolismo, ficando a sua arte como a expressão típica, na literatura brasileira, do estilo impressionista.

Bibliografia
Obras: Uma tragédia no Amazonas, novela (1880); As jóias da coroa, novela (1882); Canções sem metro (1883); O Ateneu, romance (1888). A obra completa de Raul Pompéia está reunida em Obras, org. de Afrânio Coutinho, 10 vols. (1981-1984).

Fonte:
Academia Brasileira de Letras.
www.academia.org.br

Raul Pompéia (As Canções Sem Metro)

VIBRAÇÕES

Comme des longs échos qui de loin se confondent
Dans une ténébreuse et profonde unité,
Vaste comme la nuit et comme la clarté,
Les parfums, les couleurs et les sons se repondent.
C. BAUDELAIRE

Vibrar, viver. Vibra o abismo etéreo à música das esferas; vibra a convulsão do verme, no segredo subterrâneo dos túmulos. Vive a luz, vive o perfume, vive o som, vive a putrefação. Vivem à semelhança os ânimos.

A harpa do sentimento canta no peito, ora o entusiasmo, um hino, ora o adágio oscilante da cisma. A cada nota, uma cor, tal qual nas vibrações da luz. O conjunto é a sinfonia das paixões. Eleva-se a gradação cromática até à suprema intensidade rutilante; baixa à profunda e escura vibração das elegias.

Sonoridade, colorido: eis o sentimento.

Daí o simbolismo popular das cores.

VERDE, ESPERANÇA.

A impetuosa alegria da terra, à passagem de Flora, a primavera verde, compromisso maternal do outono e da opulência.

Náufragos no mar.

Sem pão, sem rumo. Em roda, o gume afiado do horizonte, a reverberação do sol nas águas e o silêncio solene da calmaria. A vela do barco, flácida, pendente — imagem do abatimento. Ligeira viração depois; denso nevoeiro... quatro dias! sudário de brumas que envolve o barco, elimina o céu. Vão acabar assim, amortalhados na bruma. Um ramo, apenas, sobre as águas, um ramo cor da esperança. Salvos! Adivinha-se o continente salvador através da névoa e o panorama verde das florestas.

AMARELO, DESESPERO.

Ouro e sol; ouro, o desespero da cobiça, sol, o desespero da contemplação: a cor dos ideais perdidos.

Sobre o leito, o cheiro mau das chagas era como uma antecipação da morte. Descamava-se a pele em crostas ásperas sobre o grude do pus. Ela morria, alcançada pelo sorteio inexorável da Peste. À porta, o anjo negro da maldição; longe, a espavorida caridade.

Ali, na parede, havia flores adornando um retrato de moço. Simples lembrança da Páscoa, flores da aleluia, colhidas numa escapada de amantes. Amor não faz quaresma... Cobertas de ouro as árvores... Ela também triunfante: ouro sobre o esplendor adorado do sexo... Agora fitava as flores secas. Junto dela, o filho, pequeno animal sem vontade, sem vida, que lhe chegava aos lábios um copo d’água.

Sobrara-lhe um filho nos desperdícios do passado, para vigiar-lhe a agonia. Ninguém mais, ninguém mais, nem Deus com ela: apenas as flores do desespero e aquele copo d’água de vez em quando, que ela sorvia como uma medicina amarga de lágrimas...

AZUL, CIÚME.

Céu e oceano, a soledade sem fim. O ciúme é isolamento, queixa sem ecos do coração solitário.

Ao despertar, estava só na triste câmara. Enferma e abandonada! Calcadas aos pés as juras de ontem, como destroços de um ídolo quebrado. Fronteira ao leito, a janela parecia alargar-se mais e mais para mostrar o firmamento. Sob o reflexo azul sonhara Rosita o abandono, eles felizes numa concha de safira, levados à flor do grande lago, docemente, cantando, docemente, se a barcarola os levasse. Morreu, fechando na pálpebra a estampa diurna daquele azul fundo, deserto.

ROXO, TRISTEZA.

Tinta tomada à palheta do ocaso e às flores da morte.

Alegre, ela. Muita luz no espaço; bailava no ar o cântico sereno da manhã; na relva os arbustos orvalhados tinham um pequenino sol em cada folha. Somente as violetas sofriam, pungidas pelo dia.

Outra manhã, tudo mudado. Na atmosfera, um torpor gélido e sombrio. Os extremos da paisagem gastam-se na cerração como as orlas de uma pintura velha: nem sol nem pássaros na relva.

Agora, órfã.

As violetas revivem, as melancólicas, desabrochando em suspiros, sob as lágrimas da chuva.

VERMELHO, GUERRA.

Sangue, cólera, vingança, os hinos marciais, golpes, o incêndio, vermelho o manto dos tiranos e Marte, o astro dos combates.

Da casinha à beira-mar, olhos em febre, a velha mãe argüía a distância. Lá, mergulhara o vapor que lhe roubava o filho para a guerra. A tarde passa e a noite; a velha, imóvel, marmorizada na dor, como uma escultura do Stabat Mater. E vem a aurora, uma aurora brutal de chama e sangue. A mãe do soldado caiu como morta.

Ouvira, das bandas da aurora, um grito de morte e a voz perdida do agonizante era a voz do filho.

BRANCO, PAZ.

Arminho imaculado e virginais capelas, o sagrado leito das mães, o rosto calmo dos mortos, os tranqüilos fantasmas.

"Terminada a luta, minha boa Irene. Torno a ver-te enfim e aos queridinhos. Ver-me-ás também. Como se fica velho neste ambiente de pólvora queimada!"

Dizia assim a carta, datada do acampamento. Irene ergueu os olhos para a tarde, os olhos rasos de pranto. Expirava o crepúsculo na ditosa agonia dos patriarcas, lenta e mansa; errava no ocidente a neblina lúcida da última hora, saudade apenas no dia extinto. A estrela plácida das tardes parecia olhar a terra; em frente alava-se a lua e o luar noctâmbulo ia, pelos caminhos, semeando a difusão suavíssima da paz.

Irene abandonou-se ao êxtase contemplativo, gozando o crepúsculo, como se lhe invadisse o sentimento a letargia edênica do anoitecer.

NEGRO, MORTE.

O contraste da luz é a noite negra.

Sente-se na epiderme a carícia do calefrio; envolve-nos um clima glacial; estranha brisa penetra-nos, feita de agulhas de gelo. Em vão flameja o sol a pino. Sente-se dentro na altura a noite negra, invernosa, polar; sofre-se o contato da Sombra. Tudo trevas, sinistramente trevas. O dia, resplandecente na alvura dos edifícios, produz o efeito da prata nos catafalcos. Vemos as flores, o prado. Monstros! Reclamam a carne do pé que os pisa; o verme sôfrego espreita-nos através da terra... Rir?! Mas o riso tem a cruel vantagem de acentuar, sob a pele, a caveira...

Há destas escuras noites no espírito.

ROSA, AMOR.

O sorrir das virgens, e o adorável pudor, e a primeira luz da manhã.

Esta criança pensativa. Acompanha com a vista o revoar dos pombos; escuta o misterioso segredo dos casais pousados. Vive-lhe ainda no semblante a candura da infância e nos formosos cabelos o cálido aroma do berço. Súbito, duas pombas partem. Vão. Longe, são como pontos brancos no azul; o bater das asas imita cintilações: vão, espaço a fora, estrelas enamoradas.

A cismadora criança experimenta a vertigem do azul e a alma escapa, sedenta de amplidão, e voa ao encalço das estrelas.

Há noites de pavor nas almas, há belos dias igualmente e gratas expansões matinais, auroras de rosa como em Homero.

Há também nas almas o incolor diáfano do vidro.

Dinheiro, amor, honraria, sucesso, nada me falta. O programa das ambições tracei, realizei. Tive a meu serviço a inteligência estudiosa do Ocidente e a sensualidade amestrada do Levante. Tive por mim as mulheres como deusas e os homens como cães. Nada me falta e disto padeço. Todos dizem: aspiração! e eu não aspiro. Todos sentem a música do universo e a harmonia colorida dos aspectos. Para mim só, vítima da saciedade! tudo é vazio, escancarado, nulo como um bocejo.

E os dias passam, que vou contando lento, lento torturado pela implacável cor de vidro que me persegue.

Há, enfim, a coloração indistinta dos sentimentos, nas almas deformadas.

Veio de longe, muito longe, mísero! Teve outrora um céu, uma pátria, muitas afeições, a cabana da aldeia. Agora só tem o ódio. O ódio mora-lhe no peito, como um tigre na furna. Tiraram-lhe a pátria, a companheira, votaram-lhe à morte os filhos, as filhas à torpeza; deram-lhe em compensação... Mostrava a face preta, o sangue a correr. Quem são os teus algozes?

— Os homens brancos.

Ela odeia os homens brancos; odeia a torre aguda, ao longe, como um punhal voltado contra os céus: odeia o trem medonho de fogo e ferro, que muge e passa, troando, escândalo do ermo.

Fonte:
Academia Brasileira de Letras. http://www.academia.org.br/