sábado, 14 de janeiro de 2023

Isabel Furini (Teatro)


As joias brilhavam mais que outras vezes. Os olhos dos espectadores do teatro fugiam do palco para olhá-la. Ela estava lá, sentada, firme, ereta, no camarote principal, os olhos fixos nos bailarinos. Nada poderia distrair a sua atenção, voltada toda para a representação de "O lago dos cisnes" do compositor russo Tchaikovsky.

A joias brilhavam fazendo um contrate estranho com as rugas incrustadas como cicatrizes no rosto. Eram rugas na testa, no canto dos olhos, nas bochechas. Um sem fim de paisagens desenhado nesse rosto idoso. Cadê a beleza? Perguntava-se cada vez que se olhava no espelho do quarto luxuoso. Cadê? Perguntou esse mesmo dia enquanto se observava no espelho oval da sala. Seu corpo ainda estava firme, magro, seu olhar era arrogante, tão arrogante quanto a sua postura, mas as rugas... essas rugas... denotavam a octogenária aristocrática cujo corpo não havia cedido ao passo do tempo. Não curvava os ombros, não descia a cabeça, nem o olhar, suas costas não formavam corcunda ao sentar-se. Tinha a postura arrogante de seus ancestrais. A senhora condessa não se reclinava na cadeira como outras senhoras de sua idade. Ela tinha orgulho, apesar da doença seu aspecto era digno. Não seria a hemodiálise que tiraria o seu orgulho, que prejudicaria a sua postura. Mas, as rugas... sim, as rugas chamavam a atenção. Por isso colocara as joias mais preciosas que havia herdado de sua avó.

As joias brilhavam e algo dentro dela ia se apagando aos poucos. Morrendo aos poucos. Um cisne na penumbra do teatro. Mais um cisne quieto, imóvel. Só quando sua acompanhante murmurou no seu ouvido: “- O balé terminou, é hora de voltar para casa.” Tocando-a levemente, a cabeça da senhora condessa caiu de lado. E o corpo inclinou-se para frente reverenciando a morte.

Silmar Böhrer (Croniquinha) 72


Pois comecei o ano com o pão de cada dia, a leitura de PRIMEIRAS ESTÓRIAS, do bom mineiro Guimarães Rosa. Vinte e um contos curtos publicados depois de Sagarana e Grande Sertão: Veredas.

Estórias escritas com a verve e a maturidade que nos dão o gosto e o prazer da leitura. Narrativas com o domínio da pena e das ideias. Personagens quase humanos do mundo do autor do sertão das Gerais. Vidas enrustidas, arredias, silenciosas, "finas, estranhas e inacabadas, sempre o destino da gente". Uma fortuna de imagens - capiaus, bambinos, fazendeiros, matutos - que fizeram do contador de estórias um conhecido mundo a fora, mais do que em sua pátria. E devemos endossar (e adoçar) as palavras do editor Alcino Leite:

"Os contos gravitam entre o lirismo e a tragédia, a comédia e o épico, o fantástico e a sátira,
conduzidos pela linguagem extraordinária de Guimarães Rosa".


PRIMEIRAS ESTÓRIAS. Como apontar a melhor? São todas deliciosas, puxadoras, puxam a gente. Quem não há de ler? Quem não há-de?

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Lairton Trovão de Andrade (Enxurrada de Poemas) – 10 -


DOCE REALIDADE

"As vigas de nossa casa são de cedro;
suas traves, de cipreste”
(Ct. 1.16)


Lembram o azul do brilhante
Teus radiantes olhos vivos,
Contemplando a liberdade,
Que não mais te está distante.
Que dia feliz é este,
Oh, doce realidade!

Têm o frescor do jasmim
Os teus discretos cabelos;
Aroma e suavidade,
Que nunca se viu assim.
Que dia feliz é este,
Oh, doce realidade!

O mais ardoroso humor
Cora tua face tão alva,
Com suspiros de ansiedade
De um coração de amor.
Que dia feliz é este,
Oh, doce realidade!

Libertar-te-ão dos grilhões,
Meiga pomba dos meus sonhos,
Unirá a felicidade
Os nossos dois corações.
Que dia feliz é este,
Oh, doce realidade!

Que vá embora a tristeza!
Enxuga a lágrima, amor!
Abraçando a liberdade,
Serás feliz, com certeza...
Que dia!.. Quanta alegria!.
Oh, doce realidade!..
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O ROUXINOL
"Nosso leito é um leito verdejante."
(Ct. 1.16)


Fica comigo nesta noite, amor!
A voz do rouxinol quisera ter!
Desejo ser teu único cantor,
Pra te afagar até no amanhecer!

Quem dera, ouvisses belas melodias,
Que só um rouxinol sabe cantar!
Na rede de carinho cairias
Pra que o amor te fosse balançar!

Esquece, agora, as noites enfadonhas,
Que passaste chorando abandonada!
É hora de viver tudo o que sonhas,
Sentindo-te do mundo a mais amada.

Que bom, se ouvisses líricas poesias
Na voz suave de um trovador!
No leito de ternura estremecias,
Gozando dos embalos deste amor.

Não terias cruentos dissabores,
Que te amarguram tanto o coração;
Bem longe do demônio dos horrores,
Serias bem feliz, minha paixão!

Oh, noite escura! - Noite sem luar!
Verei a luz brilhar na escuridão;
Teus olhos vão meus olhos namorar,
E vou encher de amor teu coração.

Fica comigo nesta noite, ó flor!
A voz do rouxinol quisera ter!
Nesta noite terias muito amor!
- Que bom se não houvesse o amanhecer!…
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TRISTESSE*
"Dizei ao meu amigo que estou
enferma de amor."(Cf. 5.8)

"A tristeza que me consome
não é por mim;
A dor que me devora
é só por ti".


Que dia sombrio escurece-me agora,
A minha tristeza já invade-me a vida;
Difícil momento! Sou alma que chora!
E sinto que em mim há profunda ferida.

Com muita tristeza, um lamento de dor.
É dia sangrento o que vivo - má hora!
Alguém desta vida sofreu tanto horror?
- Eu sei que minh'alma está triste e só chora.

A dor é maior quando é dor da vergonha,
Seria remédio deixar-se morrer;
Mas, como deixar esta vida risonha,
Se a felicidade só está no viver?

A vida vazia é destino ferido,
Viver sem razão é bem pior que o morrer;
A vida é feliz quando tem um sentido,
E quando há amor já compensa o viver.

Os olhos só enxergam o superficial,
A essência se esconde no íntimo ser;
Os olhos que veem no amor grande mal
Destroem a essência e não devem viver.

Compreende-se fácil a Filosofia,
Existe uma linha na própria razão;
Às vezes, difícil entender a Poesia
- Mistério é razão de um sutil coração.

É grande a tristeza que tenho, por ora,
Sabendo que o mundo propõe descaminho;
Amor - compreensão - a minh'alma te implora;
No teu coração quero ter meu cantinho.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *
Tristesse: (Fr.) Tristeza.
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VOU-ME EMBORA
"Gosto de sentar-me à sua sombra."
(Ct. 2.3)


Foi assim tão de repente
Que falaste, sem demora,
Entre lágrima dolente*:
'"Tchau, amor, eu vou-me embora!"

Oh, não! Fica mais um pouco!
Jamais sejas meu açoite!
Apenas, por ti, sou louco!
Fica!.. Fica até à noite!

Não me dês a solidão!
Fica mais, não vás embora!
Este amor não é em vão!
Fica, pois, até a aurora!

Quem te fala é um grande amor,
Não o deixes na saudade!
És o meu maior valor!
Fica... até à eternidade!

E não fales mais assim!
Vê que muito te suplico:
Vive um pouquinho pra mim!
Dize-me somente; "Eu fico!"

Com tais rogos de aflição,
Que de sobra aqui se vê,
Disseste, dando-me a mão;
"Vou-me embora... com você!"
* * * * * * * * * * * * * * * * * *
*Dolente: Magoada, cheia de dor, lastimosa.

Fonte:
Enviado pelo poeta.
Lairton Trovão de Andrade. Madrigais: poesias românticas. Londrina/PR: Ed. Altha Print, 2005.

Irmãos Grimm (O camponês e o diabo)


Era uma vez um camponês perspicaz e astuto cujas artimanhas eram muito conhecidas. Porém, a melhor história é a de como uma vez encontrou o Diabo e o enganou. Um dia, o camponês tinha estado a trabalhar no seu campo, e assim que o crepúsculo se instalou, estava a preparar-se para o regresso a casa, quando viu uma pilha de carvão ardendo no centro do seu campo, e quando, cheio de espanto, ele se aproximou, um diabinho negro estava sentado no carvão em brasa.

— De fato, estás sentado em cima de um tesouro! — disse o camponês.

— Sim, é verdade! — respondeu o Diabo — Em cima de um tesouro que contém mais ouro e prata do que tu alguma vez viste em toda a tua vida!

— O tesouro está no meu campo e pertence-me. — disse o camponês.

— Ele é teu, — respondeu o Diabo — se tu te dispuseres a dar-me, por dois anos, metade de tudo quanto o teu campo produzir. Dinheiro, eu tenho de sobra, mas tenho desejo pelos frutos da terra.

O camponês concordou com o negócio.

— Contudo, para que nenhuma disputa surja sobre a divisão, — disse ele — tudo o que estiver acima do solo pertencer-te-á, e o que estiver abaixo da terra pertencer-me-á.

O Diabo ficou bastante satisfeito com isso, mas o esperto camponês tinha semeado nabos.

Ora, quando chegou o tempo da colheita, o Diabo apareceu e queria levar a sua safra; mas nada achou a não ser as folhas secas e amareladas, enquanto que o camponês, cheio de alegria, arrancava os seus nabos.

— Desta vez, ficaste tu com a melhor parte, — disse o Diabo — mas isso não acontecerá da próxima vez. O que crescer para cima do solo será teu, e o que estiver debaixo, meu.

— Eu aceito! — respondeu o camponês.

Mas quando chegou o tempo da sementeira, ele não tornou a semear nabos, mas trigo.

O grão ficou maduro, e o camponês foi para o campo e cortou as espigas e todo o caule, até ao solo. Quando o diabo chegou, não encontrou nada a não ser o restolho, e foi-se embora em fúria, descendo por uma fenda nas rochas.

— É assim que se engana o Diabo. — disse o camponês, e foi-se embora levando o tesouro.

Fonte:
Contos de Grimm. Publicados de 1812 a 1819. Disponível em Wikisource

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Filemon Martins (Paleta de Trovas) 20

 

Francisco Pessoa (Perdeu?… São Longuinho acha!)

A não ser uma chuva que convidava para prolongar o sono, nenhuma novidade marcava presença na fria manha em Belmonte, simpática cidade incrustada quase no dorso da Serra de Santana. Só campônios madrugadores, ombreando suas ferramentas já carcomidas, faziam viva à rua central, por onde passavam enfileirados e cabisbaixos a caminho do roçado.

Lá pelas sete horas, o mercado apinhava-se de consumidores. Moradores de povoados vizinhos disputavam no pé do balcão a vez do atendimento. O cheiro forte do caldo de mocotó ganhava a rua a atrair mais fregueses. A Praça do Mercado era um burburinho só.

O dia seguia igual aos outros na tranquila Belmonte, não fora a ausência do sol, notada mais pelos violeiros que se agrupavam nos fins de tarde para cantar seu mergulho por detrás do penedo, A hora do Angelus, nesse dia, algo inusitado chamava a atenção da cidade; a mudez do sino que parecia haver dormido no alto do campanário.

A súbitas, a Praça da Matriz é palco para quase a metade da população que, curiosa, indagava o porquê do nefasto acontecimento. Explicações das mais diversas confundiam-se por entre os belmontenses, que não davam descanso ao pescoço, mirando absortos para a torre da Matriz.

A ansiedade do povo se abranda quando o Zé das Flores, eterno sacristão da freguesia, improvisa um púlpito num dos bancos centrais da Praça, e sob forte emoção, dá conhecimento aos fiéis da transferência do Padre André para outra paróquia, fato este consumado por volta do meio-dia daquela data.

No bar do Sinfrônio, entre tragos e cusparadas em bate-papo ao pé do balcão, os fofoqueiros de plantão tinham tira-gosto garantido: a transferência do Padre André, sacerdote moço na idade e no ofício, que tomou chá de sumiço sem deixar rastro.

- Aquele padreco nunca me enganou! Eu mesmo nunca tomei a bênção a ele! – asseverava o Lira, barbeiro da cidade que tinha a língua mais afiada que sua navalha de cabo de madrepérola, pondo em dúvida a virginalidade do padre em questão.

- E por que tão de repente e às escondidas? Eu, hein! – exclamava o Zé de Elvira, ateu convicto que nem de padre gostava.

A transferência do padre tornou-se o prato do dia para toda a Belmonte. Os bancos da Praça da Matriz eram disputados por gente de todas as classes, ávida por novidades e com um interesse comum, em saber para onde se mudara o Padre André. Zé das Flores evitava conversar com os paroquianos, mantendo em segredo de confessionário o destino do pároco.

Do lado leste da Praça do Mercado, um velho fícus (*) assombreia um grupo de aposentados que faz frente aos ponteiros do relógio com seu jogo de damas. Ali, talvez pela necessidade de manter viva a estertorosa libido, a conversa toma um rumo diferente daquela que ainda rebuliça a cidade,

- Zé Lucas, são quatro e meia... não estás sentindo falta de nadinha?

- Transmissão de pensamento. Rochinha! É hora do pecado passar e faz bem cinco dias que ela não aparece.

Belinha, morena calipígia (**) exalando sexo pelos poros, todas as tardes, quando o sol esfriava, passava ao lado do grupo de vovôs arrastando as sandálias para chamar-lhes a atenção. A ida à padaria do Seu Roque fazia parte do cotidiano da sedutora caipira. Por respeito e por temerem um ataque cardíaco fulminante, eles discretamente interrompiam o jogo e acompanhavam com os olhos já um tanto embaçados, o saracoteio provocante de Belinha.

A ausência por aqueles dias da menina-colírio chamou a atenção principalmente de Zé I.ucas, que demonstrava sem reservas ser apaixonado por aquele pedaço de mau caminho, fantasia que lhe fazia companhia nas noites solitárias da sua viuvez. Ela, uma cabrocha... Ele, um cabra brocha!

O tempo, como sempre, ele, é o mais eficiente dos remédios para suprimir a dor da saudade. Um ano passa sem que se dê conta. Zé Lucas, que antes já houvera se perdido, areado, num dos passeios de trem que fazia sem gasto, pois portador do passe de idoso, mais uma vez salta meio sem rumo numa estação que, por um momento, não lhe parecia familiar.

Dirigindo-se a um pedinte que fazia ponto junto ao portão de saída da área de desembarque, nosso esquecidiço viajor enche de indagações o velho mendigo que empunhava o tosco chapéu de palha na sua direção.

Nenhuma moeda foi jogada no chapéu balançante. Nenhuma informação precisa saiu da boca do pedidor. Um tanto constrangido, Zé Lucas põe-se a vaguear, tentando forçar a mente surrada para melhor situar-se. Era feriado na cidade. O povo, recolhido dentro das suas casas, se preparava para a Missa que celebraria o dia de São Longuinho, tão admirado por toda aquela gente.

Zé Lucas, sentindo faltar-lhe forças nas pernas, aquieta-se num banco de praça. Absorvido em pensamentos que fluíam mais definidos de sua mente, nosso aventureiro, como que desperta, de salto, reconhecendo enfim o lugar onde se encontrava. Desanuviado, chega a rir de si próprio por ter perdido o rumo numa cidade que conhecia tão bem, já que distanciada somente três léguas da sua Belmonte. Dirige-se a uma lanchonete que já conhecia e se farta com caldo de cana e pastel de carne. Apimenta o pastel para ficar mais esperto. Confere o horário da missa com uma devota que já se dirigia para a igreja e atravessa a praça em busca de abrigo. Avista um vetusto fícus-benjamim e pede-lhe sombra. Acomoda-se num banco tosco e o pensamento se volta para seus parceiros de jogo de dama das tardes lúdicas de Belmonte.

O cenário se torna mais ainda familiar para ele, ao ver passar uma jovem senhora com um bebê entre os braços, caminhando em passos cadenciados e cautelosos, portando um xale que lhe cobria os ombros e agasalhava o filho nascido há pouco tempo. Acompanhou os passos da jovem mãe e, depois de assuntar por algum tempo, certificou tratar-se de Belinha, o colírio para os seus olhos, hoje com data vencida, pelas óbvias circunstâncias. Freado em suas intenções de expressar seu contentamento diretamente a Belinha pelo feliz reencontro, Zé Lucas fez uma oração a São Longuinho por aquele achado.

O sino da Igreja Matriz convocava o povo em geral, e os devotos do Santo, em especial, para o tão esperado Ofício Divino.

Zé Lucas adentra o Templo, procura assento e de soslaio observa Belinha afagando seu rebento, posicionada na primeira fila de bancos. Depois que toda a assembleia dos fiéis respeitosamente põe-se de pé, os acólitos dão início ao cortejo litúrgico seguidos pelo oficiante, Padre André. Perplexo, nosso viandante fita o celebrante e desvia o olhar de modo maquinal para a primeira fila de bancos. Somando as parcelas, o resultado se achava nos braços de Belinha...

De volta a Belmonte no trem que saiu às dezessete horas, Zé Lucas a observar a paisagem passar ligeiro, volta o pensamento a Pitombeiras com a certeza de que São Longuinho ganhara mais um devoto, pois ele achara a si mesmo quando se areou na cidade, além de Belinha e Padre André.

Coincidências à parte, Zé Lucas alimentou mais ainda as fantasias que lhe fazem companhia nas suas noites solitárias de viuvez.

- Sua bênção, São Longuinho!

E adormeceu na viagem de volta.
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** Calipigia = que tem belas nádegas.
* Fícus = figueira
Fonte:
Enviado pelo autor.
Francisco José Pessoa de Andrade Reis. Isso é coisa do Pessoa: em prosa e verso. Fortaleza/CE: Íris, 2013.

Trovadores de Campinas/SP - 01


Respeito à diversidade
é um dever do dia-a-dia
acolhendo sem maldade,
o que a alma do outro alivia.
Adilson Roberto Gonçalves
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Tenho saudades de mim,
dos sonhos que não vivi,
dos mil começos sem fim...
Por que foi que eu desisti?
Aparecida Militão Kugelmeier
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Amigo, preste atenção,
Ferreira Gullar nos diz:
melhor do que ter razão
é viver e ser feliz.
Denivaldo Piaia
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Há muito eu já não jantava,
de almoçar eu fui deixando,
só um lanchinho eu me dava
e a vida foi des lanchando...
Flávio Levy
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O lápis rabisca e chora
o sumiço da caneta.
É solidão que devora
grafite, papel, prancheta.
Geraldo Trombin
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Rosas de rara beleza
desabrocham em carmim,
são obras da Natureza
desfolhadas no jardim..
Judith Bertazolli
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Finda o verão, é tão triste,
cai a noite fria e calma,
lembrando que tu partiste
deixando o outono em minh'alma.
Júlia Fernandes
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Quando o assunto está na mesa
e o cenário é discussão,
preferível gentileza
do que ter sempre razão.
Kátia Sentinaro
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A constelação brilhante
do nosso perene amor,
nem mesmo por um instante
perdeu seu brilho e fulgor.
Lúcia Edwirges Narbot Ermetice
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Olhando no espelho vi
a minha alma refletida...
Percebi que estava ali
e dei graças pela vida.
Maria Aparecida Ferreira lima
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As trovas que mais inspiram
nos trazem dificuldade:
será que as rimas conspiram
pra tirar a liberdade?
Maria Cristina de Oliveira
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Mulher madura é tal qual
o outono pra Natureza:
sabe renovar-se igual
folhas com sua leveza.
Maria Felim
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Setembro primaveril,
natureza coroada,
flores lindas do Brasil,
Pátria livre, tão amada...
Maria Ernestina Tamaso Malfatti
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Veja o jardim tão florido,
abre a flor a natureza,
o sol brilha colorido
cantando amor e beleza.
Marly Stracieri
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Justiça cega e moral,
sua espada é o Direito.
Sempre de forma imparcial,
pela igualdade e respeito.
Norberto Carlos Weinlich
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Linda, no vento a dançar,
a bandeira do Brasil,
no seu mastro a balançar,
sob o nosso céu de anil.
Paulo Villalva
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O doce sabor da vida
devagar quero provar,
e sem pensar na partida
pois que nada vou levar.
Rosângela Cesco
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É no palco desta vida,
ao mostrar a minha sina
que a lágrima comovida,
é a roldana da cortina.
Sarah Passarella
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Quando sentimos confiança,
isto nos dá a sensação
agradável de que afiança
o amparo do coração!
Silvia Hilkner
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Vencer, perder... É do jogo!
Lute, faça a sua história,
que ao soar o cessar fogo,
há de ser sua a vitória!
Sílvio Romero
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Entre chuviscos, a noite,
vem chegando de mansinho,
insistindo que eu me amoite
no escuro do meu cantinho.
Teresa Azevedo
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Este hoje que vivo agora
era o amanhã tão sonhado...
Porém, quando for embora,
será um ontem, já passado.
Vânia Figueiredo
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Fontes:
UBT Campinas – Trovaviva – out. 2022 – n. 8
UBT Campinas – Trovaviva – abril 2022 – n. 4
UBT Campinas – Trovaviva – out 2021 – n. 1

Lima Barreto (Os Outros)


Não há prazer maior do que se ouvir pelas ruas, pelos bondes, pelos cafés, as conversas de dois conhecidos.

Tenho um camarada cuja curiosidade pelo pensamento dos estranhos é tal que não há papel caído na rua, contendo algumas linhas escritas, que ele não guarde, recomponha, a fim de dar pasto a esse seu vício mental. Tem no seu museu coisas maravilhosas. Muita vez os missivistas pensam em ter inutilizado uma cartinha amorosa, um bilhete de "facada" e vai um indiscreto como este meu amigo e descobre que em tal dia F "mordeu" X em 50$000 ou Z está apaixonado por H.

Na rua, porém, as coisas se passam mais ao vivo e as pontas de conversa merecem ser registradas, às vezes, por disparatadas, em outras, por profundamente sentenciosas, em outras ainda, por serem excessivamente divertidas.

Em um dia destes que fui levar um amigo até a estação de Maruí, pude ouvir este pedaço de conversa entre dois redondos coronéis roceiros:

- Como deixaste o rapaz?

- Bem.

- Estuda?

- Estuda, mas esses estudos agora estão muito puxados. Imagina tu que ele tem de estudar, decorar um livro enorme, cheio de números e, ainda por cima, em francês.

- Como se chama?

- Não sei. Tem um nome difícil. O autor é um tal Calle ou coisa que valha.

Tratava-se das Tábuas de Callet que tinham inspirado a piedade do pobre matuto pela vadiação do filho.

As conversas de trem são quase sempre interessantes. A mania dos suburbanos é discutir o merecimento deste subúrbio em face daquele. Um morador do Riachuelo não pode admitir que se o confunda com um do Encantado e muito menos com qualquer do Engenho de Dentro. Os habitantes de Todos os Santos julgam a sua estação excelente por ser pacata e sossegada, mas os do Méier acusam os de Todos os Santos de irem para o seu bairro tirar-lhe o sossego.

Uma senhora dizia à outra, no trem:

- Jacarepaguá é muito bom. Gosto muito.

- Mas tem um defeito.

- Qual é?

- Não tem iluminação à noite.

- Você diz bem que é só à noite, pois de dia tem o sol.

As duas riram-se e, como nenhuma delas tivesse pretensões intelectuais, não houve zanga alguma entre elas.

Os hábitos de sociedade, parece, ainda não estão cientificamente estabelecidos entre nós. Julgo que, se fossem analisar muitos deles à luz da metafísica, da teologia dogmática e da teoria dos raios catódicos, muitos deles seriam condenados.

Lembro-me mesmo de um caso elucidativo que um meu amigo me contou. Um outro amigo dele encontrou-o na rua e apresentou-o à mulher, ali mesmo. Havia o movimento habitual da via pública, capaz de distrair o mais atento. Para conversar qualquer coisa, o meu amigo narrou uma história de um acidente de bonde de que ia sendo vítima.

- Imaginem que quase morri.

Nisto a esposa do camarada do meu amigo voltou-se, pois estava olhando para um dos lados, e perguntou naturalmente:

- Não morreu?

Fonte:
Publicada originalmente em 11 de dezembro de 1915 na revista Caretas. Disponível em Domínio Público.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

Vanice Zimmerman (Tela de Versos) 11

 

Antonio Brás Constante (Bufês – pesando na consciência)


Existe uma hora em nossos produtivos dias de serviço que serve para o descanso de nossas mentes, e isso acontece enquanto alimentamos nossos corpos (para alguns estes momentos são de no máximo quinze minutos). É a hora do almoço, onde nos deslocamos para verdadeiros oásis gastronômicos, localizados entre os turnos de trabalho da manhã e da tarde.

Nem tudo é moleza nestes locais, pois já na chegada devemos vasculhar com nossos olhos de águia o melhor lugar para sentarmos e decidir de forma rápida entre comida a quilo ou bufê livre.

Outro transtorno é a fila para chegar até o bufê, onde encontramos garotas magrinhas trancando o bom andamento daquela enorme tripa humana, decidindo se pegam mais uma folhinha de alface ou não. Talvez tenham medo de colocar duas folhas, pois acreditam que provavelmente não conseguirão segurar ou erguer o prato, com tamanho volume de verduras.

Essas pobres vítimas da silhueta esbelta em forma de palito, ficam olhando os pastéis de queijo e as travessas de lasanha, sem se atreverem a sequer tocar em qualquer dessas guloseimas. Babando pelos olhos lágrimas de sacrifício, tudo para poder manter a mostra seus corpinhos esqueléticos.

Já outros como eu, desafiam as leis da física, com pratos transbordando deliciosas iguarias, as quais denominamos como “manjares do estômago”. Começamos primeiramente comendo os alimentos com os olhos, saboreando suas cores, seu aspecto tenro e suculento. Depois repetimos a experimentação dos sentidos, aspirando o inebriante aroma das frituras e molhos que dançam em frente as nossas narinas, sendo absorvidos por nossas vias respiratórias. Para enfim devorar tudo com lascívia voraz, retornando ao bufê para uma nova rodada de devassidão alimentar.

No meio de nosso caminho encontramos a balança para pesar a comida, que é o pedágio que pagamos de acordo com a carga que levamos. Porém, esta maquininha não é a nossa maior inimiga. Nossa maior inimiga é a prima dela, a balança de farmácia, localizada a poucos metros de qualquer restaurante (lancheria, ou assemelhados), que fica lá exposta, fazendo-nos passar de cabeça baixa por ela, para que nossa consciência não nos obrigue a parar ali para enfrentarmos a realidade de nossa massa corporal.

Se acaso decidirmos nos punir subindo sobre os ombros daqueles utensílios que apontam nosso peso com cruel veracidade, finalmente nos depararemos com as consequências de nossos atos, o peso de nossos corpos causando peso em nossas consciências. Ao sairmos dali talvez até encontremos as esguias meninas das folhinhas de alface, nos lançando um sorriso de doce vingança, por termos nos esbanjado na comilança enquanto elas sofriam com suas miseráveis saladinhas verdes.

Fonte:
Texto enviado pelo autor, disponível em  http://abrasc.blogspot.com/

Leandro Bertoldo Silva (Minha História)


Você já passou pela experiência de desejar algo ardentemente e, de repente, perceber que já a possuía há tempos e não se dava conta disso? Pois é, isso aconteceu comigo… Eu sou fruto de uma árvore!

Sempre admirei as pessoas cuja forma de vida se assemelha intimamente com aquilo que acreditam. Quantas pessoas você conhece que vivem uma vida que não querem? Eu sempre quis ser escritor sem saber ao menos o que isso, de fato, significava. E é exatamente aqui que a minha vida se funde com um pé de ameixa…

Eu tinha 7 anos quando a minha brincadeira preferida era subir em um pé de ameixa que ficava na casa da minha avó, e lá ficar horas viajando pelas páginas dos livros que levava comigo, usando os  galhos da árvore como estantes. Eu não tinha uma ideia muito clara do que aquilo representava, mas eu também queria inventar histórias. Foi assim que se deu o meu contato com a literatura.

Para mim livros é a minha razão de vida. Os primeiros que li foram os clássicos “Cinderela” e “O Caso da Borboleta Atíria”, da antiga coleção Vaga-Lume. Lia-os de cima do pé de ameixa sempre na companhia de outros livros que, com o passar dos anos, foram ficando mais “robustos”. A partir de José Lins do Rego fui descobrindo uma infinidade de outros escritores e escritoras, e entre as muitas coisas que me ensinaram, está o fato de eu querer profundamente estar entre eles, fazendo parte do mundo das histórias, dos poemas, dos romances, dos contos, das crônicas, pois aquilo tudo me encantava.

Embora o pé de ameixa já não exista mais, o que mais me deixa feliz é que anos depois, já formado, casado e pai, recriei o mesmo pé e dei a ele o nome de Árvore das Letras, que hoje é a minha editora sustentável, por onde confecciono e adivinhe! Publico livros…

Devo dizer que nada disso teria acontecido se não fossem muitas pessoas que entenderam o meu amor pelos livros e pelo pé de ameixa. Essa árvore me acolheu como um fruto, cuidou de mim e dos meus sonhos, afagou a minha imaginação e moldou a minha existência com livros de tal maneira que digo sem hesitação que eu sou essa árvore e essa árvore sou eu.

Essa é um pouco da minha história. Todos nós temos uma . Qual é a sua?

Fonte:
Árvore das Letras
https://arvoredasletras.com.br/2022/12/07/storytelling/

Afrânio Peixoto (Trovas Populares Brasileiras) – 6

Atenção: Na época da publicação deste livro (1919), ainda não havia a normalização da trova para rimar o 1. com o 3. Verso, sendo obrigatório apenas o 2. Com o 4. São trovas populares coletadas por Afrânio Peixoto.


Um suspiro de repente,
um certo mudar de cor,
são infalíveis sinais
de quem sofre o mal de amor.
= = = = = = = = =

O amor, quando se encontra,
mete susto, mas dá gosto,
sobressalta o coração,
faz fugir a cor do rosto.
= = = = = = = = =

Quem quiser amar direito,
para não se desconfiar,
quando olhar, não deve rir,
quando rir, não deve olhar.
= = = = = = = = =

Amor é como pigarro,
não se pode disfarçar:
Se a cócega dá direito,
tem de tossir ou de olhar.
= = = = = = = = =

Feliz quem ama na terra
inda que seja uma flor.
Pra que existir neste mundo
quem é incapaz de amor?
= = = = = = = = =

Ainda eu não tinha dentes,
começava a engatinhar,
com a filha da vizinha
já me punha a namorar…
= = = = = = = = =

Os pais não podem privar
os filhos de querer bem;
Se as leis dos pais são sagradas,
as do amor mais força têm.
= = = = = = = = =

Querer bem não é pecado,
querer bem é devoção.
Santo não há só no céu,
há também no coração.
= = = = = = = = =
Fui no mato buscar lenha,
Santo Antônio me chamou.
Quando santo chama a gente,
que fará quem é pecador…
= = = = = = = = =

O amor de dois solteiros
é como a flor do feijão:
Quando olham um para o outro,
logo mudam de feição.
= = = = = = = = =

Até menino pequeno
se consegue desmamar:
Coração acostumado
não pode deixar de amar.
= = = = = = = = =

Amor não gosta de acaso,
amor gosta de esperar:
Comida sem apetite
farta ou faz enjoar.
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Plantei o amor no meu peito
pensando que não pegasse,
tanto pegou, que nasceu,
tanto nasceu, que inda nasce.
= = = = = = = = =

Abra-me a porta, menina,
pra que eu entre devagar,
que amor que entra com fúria,
bem cedo se há de acabar.
= = = = = = = = =

Contra faca, bala e cobra
eu tenho o corpo fechado,
mas contra o amor me esqueci:
Aproveitou-se o malvado!
= = = = = = = = =

Se o amor não fosse cego
eu seria bem feliz,
porque tu, lendo em meu peito
verias o que ele diz.
= = = = = = = = =

O primeiro amor da gente
deve ter gosto dobrado,
chegam uns e vão-se outros…
Aquele é sempre lembrado.
= = = = = = = = =

Ai daqueles que perderam
seu primeiro e santo amor:
Pois nas próprias distrações
agravarão sua dor.
= = = = = = = = =

O amor que eu te queria,
de subir se derramou,
botaste água na fervura,
encolheu-se e resfriou.
= = = = = = = = =

Quem me dera livre ser
qual os peixinhos do mar,
que descuidados de amores
correm, brincam, sem cessar
= = = = = = = = =

Uma ausência me retira,
uma saudade maltrata,
uma pena me atormenta,
uma dor é que me mata…
= = = = = = = = =

Eu tomei amor ao longe
por ser a linha mais forte,
rebentou-se a linha ao meio
triste de quem não tem sorte!
= = = = = = = = =

Não tenho onde me esconder
do meu amor inimigo:
Perto, estou fora de mim,
longe, está dentro comigo!
= = = = = = = = =

Fui fraca, facilitei,
cuidei que amor n'era nada.
Amor é mal sem remédio,
hoje estou desenganada!
= = = = = = = = =

Eu sofri e fiz sofrer,
amei e me fiz amar,
se a partida fosse errada,
que gosto principiar!
= = = = = = = = =

Eu sofri por ter de amar
e sofri por ser amado,
mas tudo quanto sofri
eu dou por bem empregado.
= = = = = = = = =

Na galera dos amores,
todos se embarcam cantando,
porém no fim da viagem
todos se apartam chorando.

Fonte:
Afrânio Peixoto (seleção). Trovas populares brasileiras. RJ: Francisco Alves, 1919.

Milton S. Souza (Um pai de verdade)


Este é o primeiro Dia dos Pais que passo sem meu pai. Em fevereiro deste ano, depois de enfrentar quarenta duros dias de doença, ele partiu para a eternidade. Partiu, mas continua comigo, nos exemplos que deixou, nas lições que semeou na minha vida e, principalmente, nesta saudade que aumenta conforme o tempo passa. Eu não esqueço de agradecer todos os dias para o Ser Superior que guia os meus passos neste mundo por ter me dado um pai tão especial. E também por ter permitido que eu saboreasse a presença deste pai ao meu lado por 62 anos de vida.

Eu sei que este tempo foi muito curto, pois o meu pai ainda tinha muito para ensinar. Se dependesse de mim, ficaria muitas e muitas vidas ao meu lado. O meu pai passou a vida inteira fazendo o bem e, tenho certeza, se estivesse vivo, estaria inventando mais e mais jeitos de ajudar as outras pessoas e de fazer os outros mais felizes. Ele era assim: pensava primeiro nos outros, para depois pensar em si.

Foi assim desde criança, quando percorria muitos quilômetros, com os pés descalços, para vender rapadurinhas ou pastéis e, assim, aliviar um pouco a pobreza que rondava o seu lar. Depois, já adolescente, partiu dos cafundós de Gravataí e foi trabalhar como cobrador de ônibus na empresa Mangueirinha, em Porto Alegre. Conseguiu juntar um dinheirinho e, em seguida, trouxe os irmãos e os pais para morar na capital, onde teriam uma vida mais digna do que no interior. Aos poucos, foi ajudando cada um dos irmãos a descobrir os seus próprios caminhos.

Quando nasci, meu pai já era motorista dos ônibus onde começara como cobrador. Depois disso, exerceu várias profissões, entre elas entregador de pães e de leite. Criou a família trabalhando duro, levantando de madrugada, com frio ou calor, enfrentando longas jornadas e ainda encontrando tempo para ajudar as famílias dos irmãos, cunhados e amigos. Seu último trabalho, antes de se aposentar, foi como comerciante. Nunca deixou nenhuma pessoa sair com fome do seu bar e armazém, mesmo sabendo que jamais receberia um tostão pelos cafés e os caprichados sanduíches que distribuía com muito carinho.

Meu Dia dos Pais vai ser uma mistura de alegrias e tristezas. Alegria, porque minha família, meus filhos e netos, estarão ao meu lado, com seus sorrisos e seus abraços. Tristeza porque não vou poder abraçar aquele que foi a pessoa mais importante da minha vida. E é por isso que eu aproveito para dar um pequeno conselho para todos os que ainda podem envolver os seus pais num grande e caloroso abraço: não deixem para depois. Esqueçam mágoas, desavenças, diferenças ou qualquer outro problema passado. Reconheçam que estes pais, perfeitos ou imperfeitos, lhes deram o bem mais valioso que vocês possuem: a vida. E aproveitem cada segundo desta vida para curtir estes pais que Deus lhes deu, pois, garanto, é muito triste não ter um pai para abraçar.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Varal de Trovas n. 575

 

Fabiane Braga Lima (Apenas uma mulher…)


Cheguei numa fase da vida que me sinto privilegiada. Sabe, aquela fase, onde desatamos os nós que nos prendia a tantas futilidades. Faço o que gosto, sem pressa e sem precisar agradar ninguém. Porque, no fim, sempre acabamos sozinhos (as).            

Como é bom acordar bem humorada! Não, com o semblante triste, envergonhado por absolver tanto desprezo, e muitas vezes sermos chamadas de louca, ou vadia. Sinceramente, eu não me importo mais, não sou uma princesa, nem pretendo ser. Sou apenas uma mulher, a qual quebra tabus, nada santa! Tenho paixão pela escrita de vários gêneros, posso ser pura e impura, depende do dia. Não sou de dar indireta, sou direta sempre e apenas uma vez.                                                                         

Cresci psicologicamente! Gosto de pessoas com espíritos livres, mas nem sempre fui assim, me prendia muito ao passado. Hoje sou errante, não tenho destino. O vento me guia. Sofri muito no passado! Mas cá entre nós, o que o passado nos reserva!? Nada! Pois o passado é apenas passado. Exceto que ficam as lembranças boas, ainda dói muito. Como dói! Mas a vida segue, somos instantes. Quantas vezes chorei por amores passageiros. Hoje, restou-me o presente, onde me enxergo uma mulher, com rugas em volta dos olhos, alguns cabelos brancos, um corpão, sonhadora, e ao mesmo tempo realista.                         

São tempos sombrios de amores líquidos, fuja! Lute, lute muito, tenha sempre expectativa na vida, mas se coloque em primeiro lugar. Se priorize, quebre tabus, e (amor-próprio) sempre. Converse com o espelho e diga: — Mulher, como você é linda, tão pura e impura! Santa!? Só você pode responder...! Apenas uma mulher.

Fonte:
Texto enviado por Samuel da Costa

Domingos Freire Cardoso (Poemas Escolhidos) IX

Obs do blog: O primeiro verso e título de cada poema é do poeta colocado abaixo do título, com a página e livro onde se encontra.


À JANELA DO MEU QUARTO DE ALFAZEMA

(Augusto Nunes in "Os Espelhos da Água", p. 16)


À janela do meu quarto de alfazema
Vem a lua, de leve e a sorrir
Indagar se eu estou mesmo a dormir
Ou se namoro ainda o meu poema.

E vendo que eu hesito no fonema
Que a voz do coração há de exprimir
Um raio de luar vem redigir
A frase que me solta do dilema.

De miradouro faz esta janela
E em muitas noites saio através dela
Levado por estrelas e miragens.

E quando me levanto, de manhã
Sinto que a alma está mais pura e sã
Depois de eu regressar dessas viagens.
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O SILÊNCIO TEM A VOZ DUMA SAUDADE

(Cacilda Celso in "Mar Mítico / Mer Mythique", p. 27)


O silêncio tem a voz d’uma saudade
Não bate à porta e entra sem licença
Impondo a sua incômoda presença
E em casa os cantos todos ele invade.

Senta-se à mesa sem urbanidade
Mal entra pousa em tudo, sem detença
Alastra e tudo infecta, qual doença
Que venha só mostrar sua maldade.

Que se vá embora, eu tanto lhe imploro
E que me deixe em paz, eu quase choro
Temendo o que ele quer e, ao menos, fale!

Mas arrogante, mau e prepotente
Aos meus queixumes sempre indiferente
É ele que me exige que eu me cale!
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PRISIONEIRO EM PRISÃO DE PORTA ABERTA

(Augusto Nunes in "Os Espelhos da Água", p. 82)

Prisioneiro em prisão de porta aberta
Nas grades dos teus olhos cumpro a pena
A que este amor tão cego me condena
Mas que faz a minha alma tão liberta.

O mal de que te queixas é uma oferta
E eu dou-te a minha vida tão pequena
Em troca dos teus olhos de açucena
Onde a luz deste mundo se acoberta.

Mas impugno a sentença do juiz
E o que nos autos diz a acusação
E que num pobre réu me transformou

Pois nunca fui na vida tão feliz
E se aqui foi roubado um coração
É o meu!... e foste tu quem m’o roubou!
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UM RIO QUE BUSCANDO UM MAR ME DÓI

(Augusto Nunes in "Os Espelhos da Água", p. 87)


Um rio que buscando um mar me dói
Brota destes meus olhos tão magoados
Por tantos sonhos mortos e enterrados
No meu peito que a dor esmaga e mói.

O futuro almejado se destrói
Pelo nefasto e negro fel dos fados
Que os seus voos lhe traz tão amarrados
À humana pequenez que sempre os rói.

Fosse outra a sorte e a obra outra seria
Do tamanho e da cor de uma utopia
Talhada num perfume de mulher.

Fruto de tantos súbitos acasos
Se os meus olhos eu trago de água rasos
É porque o meu destino assim o quer.
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VIVIAM-SE MUITOS ANOS NUM SÓ DIA

(Alberto Pereira in "Textos de Amor", p. 21)


Viviam-se muitos anos num só dia
Quando esse teu sorriso em mim entrava
E aos teus beijos, inteiro, eu me entregava
Isento da noção do que ocorria.

O carinho encurtava a travessia
Do terno abraço ao fogo que avançava
Numa fogueira ardente que gastava
Os corpos que a paixão enlouquecia.

Como tochas ardendo em noite escura
Libertos do pudor e da censura
Lembramos dois faróis rasgando as trevas.

Somos partes de um todo indivisível
Mas tu roubas de mim o impossível
E a minha alma, em ti viva, tu a levas.

Fonte:
Enviado pelo poeta. Disponível em Domingos Freire Cardoso. Por entre poetas. Ilhavo/Portugal, 2016.

Samuel da Costa (Uma flor chamada Margarida)


(Para Cheila Cristina Rita)


Uma vida simples, bem ali no pé do morro, em uma pequena cidade. No fogão à lenha, uma chaleira avisa que a água está pronta para coar o café e lá fora a vida segue normalmente. E ela nem sabe que dia da semana é hoje.

Só sabe que lá fora, pessoas vestidas de negro, municiadas com velas, em uma estranha procissão, ganham as ruas, estão a fazer muito barulho, ali bem perto, e seu velho marido resmungou do quarto: — “Shara! Traz um café pro vô.” — ‘’Que alívio! Chamou a neta e não eu!” — diz Adélia em voz baixa e olhando para o chão meneando a cabeça.

A senhora de idade avançada fez as seguintes reflexões: “Quem diria que, após tantos anos de convivência, muita luta, muita fome, filhos criados, netos e netas, bisnetos e bisnetas e agora é a solidão a dois. Justamente agora que temos um teto, graças a Deus’’. Adélia Caetano com seus sessenta anos de idade e sua cor de ébano vê a vida passar de forma bem lenta. Vez ou outra, um filho, uma filha ou os netos e netas vem lhe fazer visitas rápidas ou mesmo passar um final de semana em sua humilde casa. Nesses breves períodos afasta-se a solidão.

Lá fora notícias, dão conta que o mandatário local não está mais no poder, coisas do mundo da política, dizem que ele roubou um monte de dinheiro do povo, coisas de políticos, coisas que não me meto, diz para si mesma e para mais ninguém dona Delinha como é chamada Adélia, de forma carinhosa pelos seus vizinhos e familiares.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

Carlos Leite Ribeiro (Marchas Populares de Lisboa) Bairro dos Olivais


O bairro está irreconhecível. A exposição mundial de Lisboa, dedicada aos oceanos, mudou por completo a sua face ribeirinha. Do tempo das oliveiras restam, ainda, a Igreja e o Coreto dos Olivais Velho.

A paróquia de Santa Maria dos Olivais é tão antiga como a sua igreja. Os arqueólogos garantem que é habitada desde os tempos pré-históricos. Zona essencialmente agrícola, os Olivais foram sendo progressivamente conquistados pela indústria, chegando a ser considerados das áreas mais industrializadas no século passado. Talvez por isso, foi criado o Concelho dos Olivais em 1860, englobando 21 freguesias. Mas esta condição durou apenas até 1886, quando volta a pertencer ao Concelho de Lisboa.

O território a que se chama Olivais Velho pode considerar-se uma verdadeira ilha no meio dos prédios modernos que o cercam. Essa área, possui uma riqueza histórica relevante. É aqui que se situa a Igreja Matriz onde, em 1700, existia um tronco de árvore com propriedades milagrosas. Este pedaço de oliveira assinalava a aparição da Nossa Senhora dos Olivais, padroeira do bairro.

São ainda de realçar os azulejos do interior do templo e um Cruzeiro do século XVll. Depois, no largo principal, sobressaem o Coreto e o Chafariz. Hoje, a freguesia de Santa Maria dos Olivais é uma das mais populosas da cidade de Lisboa e, nos últimos anos, viu acrescentada uma mais-valia: a Expo 98, hoje Parque das Nações.

Desde 1965, o Centro de Cultura e Desporto dos Olivais Sul (CCDOS) organiza a Marcha Popular dos Olivais, tendo já obtido algumas classificações honrosas. Fundado em 2 de Maio de 1964, o CCDOS, tem essencialmente preocupações de caráter desportivo e social. No plano desportivo, o Clube marcou presença numa série de modalidades, incluindo tenis de mesa, basquetebol, handebol e futebol. No atletismo e na ginástica desportiva sobressaem vários recordistas nacionais, dois dos quais conseguiram as marcas mínimas necessárias para estarem presentes nos Jogos Olímpicos de Seul. Também a pesca desportiva merece destaque, pois foi três vezes campeã nacional.
 
MARCHA DOS OLIVAIS
(Hortelãs e Hortelãos)


Letra de Mário Silva
Música de Sales Martins

“Olivais que a marcha entoa
Renovado dia a dia:
Foste horta em Lisboa;
És guião: serves de guia.
Bandeirinhas tremulando,
Corações a palpitar!
Sementinha germinando,
Vidas duras, doce amar!
(Refrão)

Hortelã e hortelãos ...
Foi o nosso começar!
Coração nas nossas mãos,
P’lo futuro a trabalhar!

Couves, nabos, rabanetes,
Uvas doces, coisa boa!
Plantamos, fomos crescendo,
Fizemos crescer Lisboa!

Toca a banda no Coreto,
Dançam pares ao redor...
Trabalhar e divertir,
Tratar d’ hortas com amor!
(BIS)

E nos serões, ocarinas
Reunidas, musicavam;
Moças novas em cantigas
Enquanto os pares dançavam!

Olivais! ... Ó terra querida,
Que passado! Realeza!...
Vida, que vida, óh Vida!?...
Povo nobre, que nobreza!...

Verdes campos, malmequeres,
Entre olivedos ... Olivais
Bairro novo ... Hortas antigas:
Exemplo p’ra muito mais !!?”


Fonte:
Este trabalho teve apoio de EBAHL – Equipamento dos Bairros Históricos de Lisboa F.P.
http://www.caestamosnos.org/autores/autores_c/Carlos_Leite_Ribeiro-anexos/TP/marchas_populares/marchas_populares.htm

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Nélio Bessant (Caderno de Trovas) 9

 

Cláudio de Cápua (Observar para pensar)


O ponto básico da vida, para o ser pensante, é o poder de observar. É fácil ou difícil ter esse poder de observar?

O Novo Testamento nos dá um exemplo, que nada tem a ver com religião, quando o Nazareno observa que existem pessoas que possuem olhos e não veem, ouvidos e não ouvem.

É evidente que existem pessoas com mais facilidade de observar do que outras, pois a elas nada passa despercebido. Num piscar de olhos, filtram tudo, até as minúcias de certos aspectos.

E é ai que entra a afirmação que o observar é fundamental para a vida e para a ciência.

De início, um bom exercício pode ser a observação do bater das asas dos pássaros, das nuances da luz do dia a dia, das belezas da natureza, do jeito de ser de cada pessoa, dos hábitos da sociedade, dos vários matizes das cores e do progresso das diversas técnicas de trabalho.

A partir da observação é que formamos o nosso pensamento.
* * * * * * * * * * * * * * * * * *
Publicado na Revista Santos Arte e Cultura - Outubro 2015

Fonte:
Cláudio de Cápua. Retalhos de Imprensa. São Paulo: EditorAção, 2020.
Livro enviado pelo escritor.

Heitor Stockler de França (Poemas Avulsos) III


DENTRO DE UM GRANDE SONHO


Alma simples de poeta e coração sem jaça,
Nasci para ser bom, livre de preconceito,
Vivendo para amar na beleza e na graça
Tudo que é natural e tudo que é perfeito.

E sinto este meu ser já de tal forma afeito
A esse fino prazer, licor de azules taça,
Que me julgo feliz, glorioso e satisfeito
Na artística emoção que todo me repassa.

Embora a aparecer na áurea legião da rima,
Não vislumbro fulgor no estro que me anima,
Nem sei se há vibração nos versos que componho.

E assim, tal como a névoa errante pela altura
Infinita do céu, a mim se me afigura
Que passo por aqui, dentro de um grande sonho!
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BURGUÊS, BOÊMIO OU ARTISTA?

Sou burguês,
Sou boêmio,
E sou artista!

Tirar-me o privilégio
Desses dons de ventura da existência.
É um sacrilégio,
É um crime, até violência!

Na burguesia eu vivo como artista,
Entre artistas não passo de burguês…
Entretanto, não sou mais que um boêmio
Ou artista, ou burguês entre os mortais.

No meio dos artistas, sou um poeta,
Na roda dos burgueses — a honradez,
E na escala dos boêmios — ignoto! , . .

Mas para mim, tudo isso é grande prêmio,
Porque, pelo que penso, sinto e noto,
Não sou boêmio, burguês e nem artista . . .
— Sou um homem feliz e nada mais!
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REFLEXOS DA INFÂNCIA

Gosto de fazer versos quando chove
E ouço o marulho d'água nas sarjetas;
Esse fragor de indômitas maretas,
Tem não sei que de estranho e me comove .. .
Não é que eu seja um triste, uma alma doente,
As belezas da vida indiferente,

Mas, apenas porque
Minhas recordações de infância,
Despertam meu passado
Que, embora distante,
Ainda mora em meu ser.

Revejo, entalo, contemplativo,
Como num cosmorama,
Detalhes da época vivida
No lugarejo natal.

Agora, a casa paterna.
Depois, lá fora, na chácara,
A horta verde, o pomar,
O campo, a aguada, a mangueira,
A lida da criação;
O vento, a chuva, a bonança,
A enxurrada nos caminhos,
O sol dourando a paisagem,
E eu, como um rei de tudo,
Contente a gozar a vida.

Por isso, se está a chover
E se outra coisa não faço,
Faço poemas, versos traço,
Para a infância reviver!…
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MELINDRE DE NAMORADO

Adeus, que me vou embora!
Adeus, garota sem alma!
Já que me roubaste a calma
Nada mais me resta agora.
Sem calma,
Agora,
É melhor que eu me vá embora,
Adeus, garota sem alma!

Já de uma feita fugi,
Quis ficar longe de ti,
Bem longe, em qualquer lugar,
Fui morar no Quero-Quero
Mas, lá não pude ficar.
Pois, meu coração sincero,
Perto do teu devia estar.

Fiz tudo para esquecer
A quem não quis me querer
Por caprichinhos banais.
Ajuntei minha bagagem,
As minhas coisas triviais
E pus-me logo de viagem
Para longe de onde estás.

Adeus, que me vou embora!
Adeus, garota sem alma!
Já que me roubaste a calma
Nada mais me resta agora.
Sem calma,
Agora,
É melhor que eu me vá embora,
Adeus, garota sem alma!

Fugindo, assim, do meu pago
Fui dar comigo no Lago,
Pensando em mansão segura.
Mas, nem lá encontrei sossego
Que me trouxesse ventura.
Por ti este meu apego,
Confesso que é mal sem cura.

Pois, foi debalde, a saudade
Falou-me com ansiedade
Na garota que eu adoro.
Voltei e tu não me queres
Fico triste mas, não choro.
Há no mundo outras mulheres
O teu amor não imploro!

Garota namoradeira,
É nossa terra Palmeira,
Cada qual do seu rincão.
Nasceste no Ferrador,
E eu nasci no Boqueirão.
Tenho n'alma um grande amor,
Tu tens fel no coração.

Adeus, que me vou embora!
Adeus garota sem alma!
Já que me roubaste a calma
Nada mais me resta agora.
Sem calma,
Agora,
É melhor que eu me vá embora,
Adeus, garota sem alma!

Fonte:
Heitor Stockler de França. Alma e coração do Paraná. Brasília: Coleção Morvan Dias de Figueiredo, 1983.
Livro enviado por Vânia Ennes.

Renato Frata (Nanocontos) 4

Abstêmia

Trêmulo, encheu o copo e esperou a vontade passar. Ao se ir, sorriu vingado. Entornou na pia.
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Alvitre

Passei 90 dias lembrando da senhora mãe do meu dentista. Aí acabou o tratamento.
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Amélia

Apaixonada, a    borracha se acabou desfazendo os erros do amado lápis.
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Azar

Seus gemidos nunca foram ouvidos; é que morava num beco sem saída.
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Banho a dois

Nos fiapos da toalha, seu perfume ainda se contorce... e banha seu frescor no meu nariz.
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Birra

Sombra teimosa: esticou, engordou, cresceu e quase sumiu de encolhida, mas não largou do meu pé.
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Culpa

Nos grotões da vida, pia sempre em tardia hora a coruja preguiçosa da consciência,
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Despeito

Atrasado, vestiu-se e saiu apressado. Tropeçou no sol sentindo a vida lhe correr pela cara.
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Espaventado

Seus caminhos sempre foram tortuosos e ele nunca se encontrou: eixo fora de centro.
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Estoque

Sob a minha cama, gemem camadas de sono pouco usadas.
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Ao se levantar, orou e agradeceu pela noite. Nada sentiu, mas sua alma se vestiu com armadura.
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Frigoríficos

Tão forte a velhacagem que a "Carne Fraca" fortaleceu o açougueiro da esquina.
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Gratidão

O tapete de sibipiruna, tão lindo, inspirou poema; então, embevecido, dediquei-o a você,
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Herança

Hoje nossas marcas são enxutas. As de ontem se banharam no suor do trabalho.
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História

Num pé-de-vento a saia foi à cabeça e corpo se empoeirou. Era o diabo assanhado nele.
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Lábios

Grossos, finos, largos, grandes, pequenos deslizam beijos e palavras. O doce fica por sua conta.
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Natureza

A alma da árvore esfarelou-se nos dentes da serra e o vento espalhou cinzas da incinerada.
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Paciência

O dia de ontem foi tão bom que deveriam inverter o calendário, porque hoje, ó, tá um saco!
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Poesia negra

Verso perverso é aquele que sai da boca com raiva em praguejo: procura por Augusto dos Anjos.
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Precaução

Diante da juventude de Chapeuzinho, o lobo, velhusco, saiu de fininho: melhor preservar a fama.
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Resfriado

Chuva fininha, arrepio na espinha, frio na alma e lágrima escorrida do nariz.
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Responda Rápido

Se a Terra do Ninguém é de ninguém, e se ninguém é ninguém, quem será o dono?
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Sem-teto

Não tendo para onde ir, todos os ais se esconderam na ponta da agulha.
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Só observam

Na briga entre o Bem e o Mal, o Bom e o Mau ficaram de fora. Questão de semântica.
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Visão

No balanço das horas, as cordas do relógio despertam o despertador Olho-a que dorme feliz.
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Visita

Um louco invadiu com faca na mão o hospital onde se tratava. Na outra levava uma laranja.

Fonte:
Renato Benvindo Frata. 308 Nanocontos. Paranavaí/PR: Autografia, 2017.
Livro enviado pelo autor.

Jaqueline Machado (Justiça estupidificada)


Queria muito entender de justiça, mas no mundo em que vivo, a realização deste meu querer se torna quase impossível. Vejamos o caso do bandido Mineirinho, aquele do conto de Clarice Lispector, adorado por alguns, odiado por tantos...

Sim. Mineirinho existiu e era bandido. E seus atos precisavam ser contidos pela ação da justiça. É o que tinha de ser feito. E foi. Até aí, tudo bem, não fosse a maneira com que a justiça se manifestou.

Mineirinho foi morto com treze tiros, quando precisava de apenas um”, disse a autora certa vez em entrevista.

Se apenas um tiro bastava, por que o policial continuou a atirar?

Por justiça?

Não, porque queria cometer o seu crime particular. A ação da vingança e do ódio tornou o que deveria ser justo, em um ato de justiça estupidificada, como descreve o texto de Clarice.

Este conto não trata de uma apologia à violência. Pelo contrário, é uma nota de repúdio ao crime e ao ser criminoso que se esconde pelos labirintos sombrios de nossas entranhas trevosas, sedento de ira.

É claro que a justiça tinha que ser feita, mas o que houve naquele acerto de contas foi um assassino interrompendo a vida de outro assassino, não mais cruel, apenas mais visível aos olhos de todos.

Mineirinho me faz refletir: até onde somos honestos ao executarmos atos de honestidade?  Até que ponto chega a nossa verdade?  E a nossa compaixão?

Quantas vezes nos flagramos irritados, donos da verdade, querendo resolver tudo no grito. desejando fazer desse grito um ato de poder, quando que gritar só nos torna mais frágeis do que costumamos ser nas horas que parecemos estar em paz.

Não podemos esquecer, que todo ser humano, independente de seus acertos ou erros, é um semelhante nosso, parido de uma mesma natureza. A injustiça se apresenta em suas múltiplas faces, e somos pequenos demais para agir com tanta supremacia, uns perante os outros.

Precisamos vencer a escuridão e nos entregarmos à luz criadora. A luz que deu origem às nossas vidas. Quando isso acontecer, se é que vai acontecer, a igualdade social se fará e não existirá mais bandidos, pois todos estarão unificados pelo poderoso laço do amor.

Somos todos irmãos, parentes de uma mesma célula, de uma mesma corrente sanguínea, portanto, a justiça deve ser justa, e não estupidificada, pois toda estupidez é um sinal de ignorância, e a ignorância por si só, é uma assassina, uma assassina em série, que primeiro corrompe, depois mata a nossa dignidade.

Gostaria muito de aprender mais sobre justiça, mas está difícil...

Fonte:
Texto enviado pela autora.

domingo, 8 de janeiro de 2023

Dorothy Jansson Moretti (Álbum de Trovas) 18

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) 71

 
Poesia ?
Expressão revelando pensamentos, sentimentos, estado de espírito. Manifestação de singularidade da vida, como também da linguagem.

Mas onde está a Poesia ?
Estamos onde está a poesia, a poesia existe onde nós existimos. Em qualquer lugar ou qualquer coisa podemos encontrar ou fazer poesia. O murmúrio das águas do córrego, um pássaro que canta, as nuvens que passeiam no espaço, em tudo há poesia - - basta que a nossa musa inspiradora esteja predisposta para perceber, num relance, as palpitações latentes que falam no interior com amenidade e cheias de doçura.

A poesia campeia no planeta, desde o mar às serranias, do deserto às florestas, entre flores e espinhos, nos vendavais e nas calmarias, em choros e gargalhadas. E é mesmo assim:  
Por mais que a tecnologia
mude a vida dos viventes,
estamos sempre presentes
aos encantos da poesia.

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Mara Garin (Existem borboletas em mim)


Dia destes conversando com uma amiga, ela olhando minhas couves na horta, exclamou:

– Tem lagartas comendo as couves, não vai matá-las? Que nojo!!

Fui obrigada a sorrir e questionar:

– Gostas de borboletas?? Eu gosto muito de borboletas no meu jardim, então tenho que alimentar as lagartas na horta e plantar muitos pés de couves, pois mesmo elas comendo muitas folhas, nós aqui de casa, não vencemos comer as que sobram, e, quando chega a primavera , as lagartas que alimentei com  couves, dão um espetáculo divino, cor, luz, brilho e polinização no jardim.

Assim é a vida, nem todos os amigos são borboletas sempre, tem dias em que preciso alimentá-los com muito verde, para que a cor volte a iluminar seus caminhos.

Bom dia aos amigos que estão na horta, bom dia aos que estão no casulo e bom dia aos que entenderam os ciclos e hoje são borboletas em meu jardim.
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Mara Garin, bruxa sempre, escritora às vezes. Professora Aposentada da Rede Pública, Membro da ACL - Academia Cachoeirense de Letras e UBT - União Brasileira de Trovadores. Faz Parte dos coletivos " Poetas do Vale" Cachoeira do Sul e "Poemas à Flor da Pele" Porto Alegre.

Formada em Arte Educação- ESASC-FUNVALE/ Gestão Pública-IFSC/ Letras - Língua Portuguesa e Literatura / Língua Espanhola  - UFSM. Cursando Filosofia - UFPel.

Um currículo sem sobressaltos, mas um coração transbordante de palavras e sentimentos.

Reside e espalha a escrita nas redes sociais em Cachoeira do Sul-RS.


Fonte:
Texto enviado pela autora.