sexta-feira, 8 de julho de 2016

Paulo Walbach (Poemas Escolhidos)

ELE... QUEM É? 

Ele só como um relógio marca o tempo,
Num despertar constante de seu olhar brilhante
Todos os dias, e sempre...
Eternamente...
O SOL...

Fulgura em cada horizonte sobre qualquer lugar,
Por trás das montanhas; sobre o verde mar.
Faz assim seu aparecer, seu assomar...
Deixando seu rastro de luz, sua cor, o seu calor que conduz...
Com a fúria distante inflama o seu fogo;
E lá em cima mostra o seu esplendor...
Mais tarde, sem cessar, nem cansar...
Já deixando a saudade e o seu manto glorioso...
A SOMBRA...

De repente, luzeiros se acendem como tochas de fogo...
E ela aparece, inteira, orgulhosa, deslumbrante, ou apenas bela...
Em sua silhueta tímida, elegante e singela
Como uma virgem donzela: A noiva radiante e confiante
Nos seus passos firmes indo para o altar...
A LUA...

E no seu véu flutuante espargindo a sua aura, à procura de seu amado...
Seguindo os seus passos, tão só
E apenas deslizando
Sob mil olhares fixos e luzentes
De suas cúmplices damas...
AS ESTRELAS...

Lá no céu, como que a inveja soberba e maldosa,
Elas - ligeiras, cinzentas, enfadonhas, vaidosas,
Vão tomando o espaço, embaciando as luzes... 
AS NUVENS...

E com certo triunfo
Chegando aos rumores vorazes e atrozes
Relampeando e riscando os céus -
OS TROVÕES...

Destemidos, corajosos, como guerreiros em luta
Invadindo as trevas, anunciam com certa ira
A TEMPESTADE...

Uma outra forma de vida, que abruptamente cai...
E essa simbiose total e vital, às vezes letal,
Vem dar ao homem e à natureza
A VIDA...

Quando na manhã seguinte...
No silêncio do alvorecer...
Num mesmo lugar quem sabe...
Fulgura novamente, serena e fantasmagoricamente
a imagem do rei a reiniciar a sua lida
com sua coroa de ouro, no seu rastro da vida,
mostrando a sua força e raça
para cumprir a sua divina missão,
oferecendo ao homem o calor, equilíbrio, energia e luz
numa perene magia, para provar que a força de tudo isso,
vem misteriosamente a todos, sem discriminação,
com justiça, com amor...
Vem de uma força única...
criadora de tudo e de todos nós...
vem de ...
D E U S !!!!

APENAS UMA PLUMA

Sou apenas uma pluma carregada pelo vento;
vou vivendo a minha vida, por aqui ou acolá,
sem morada, sem família e sem ninguém.
Sou apenas uma pluma, desgarrada de meu sabiá…

Não tenho asas, não tenho canto,
não tenho vida, só tenho encanto.
Sou suave, leve solta eu sou,
Sem presa, sem saber para onde vou.

Sou apenas uma pluma do meu sabiá,
que voava e cantava pra viver…
Mas, um dia, triste dia aconteceu:
Uma pedra, dura pedra o abateu.

E soltei-me da plumagem de seu peito,
e do sopro derradeiro, eu voei…
Sou a pluma separada do meu ser,
que morreu, sem saber do meu viver!

Minha vida se é vida, feito assim…
Pouco dela sei, pouco sei de mim.
Pois eu vivo, se o sopro me soprar,
se a brisa ou se o vento me levar.

Mas um dia, a sorte me pegou
pelo vôo de um pássaro de acolá,
carregando-me pelo bico familiar:
Era o bico da mulher do meu sabiá.

De uma vida com passado, sem futuro,
transmutada de um dia para cá…
Do nada, quase nada, virei ninho
da ninhada dos filhotes do meu sabiá!

A LINGUAGEM DO POETA

Arte, Sonho, Liberdade! – a Poesia;
que o poeta,sem passagem, acredita,
pelos sonhos, perambula na magia
das palavras de sua Língua tão Bendita.

Ele voa pelas asas da alegria,
no embalo da estrela que palpita…
nos acordes do silêncio e da folia;
acelera, anda, passa, freia, grita…

Na linguagem; sinestesia ele tenta…
Escrevendo, vai suprindo sua emoção,
muitas vezes, já cansado de Sonhar…

O Poeta, com coragem, experimenta
até o fogo, que embriaga o vulcão,
acendendo seu pavio do Amar!

RASCUNHO & BORRÃO

Nas linhas pautadas do velho caderno
aterrissam sonhos, que viajam em mim…
Vêm de algures, além do inverno,
ao porto seguro da pista molhada,
em versos sem fim…

Pedaços poemas, delírios sem asas,
fonemas opacos que vêm para mim;
às vezes quebrados, não chegam, não vingam,
se perdem no espaço…
e viram poeira num outro jardim.

Palavras sem forças, sem nexo,sem voz,
que risco e apago e faço borrão.
Pensamentos que fogem, se soltam no ar,
e voltam sem vida na mente cansada
de minha emoção…

Os versos que morrem no ventre da alma
são sementes estéreis jogadas no chão…
Sepulto as letras nas pautas vazias,
escritos perdidos à espera de luz,
meu lápis riscando em traços em cruz…
fechando o caderno rascunho e borrão!

VENTO MENINO

Acordei com a voz do vento,
Que batia na minha janela…
Pensei na hora e no tempo,
Acendi ao meu lado uma vela.

Lá fora o frio ardia,
Doíam, a relva e a flor…
O vento na janela batia;
Batendo, implorava calor.

Abri a janela e o vento…
Tremendo, em mim desmaiou;
Passei minhas mãos sobre ele,
Sorrindo, o vento acordou.

Parecendo um menino perdido
Entre as mãos espalmadas o acolhi,
Balbuciando logo em meu ouvido,
melancólico adágio eu ouvi.

Tremendo ainda o vento,
No outro ouvido cantou…
Parecendo elemento alado,
O vento pra mim sussurrou.

Não sendo menino e nem pássaro,
Que presos, ainda podem cantar…
Levei-o tão logo à janela…
E o vento se põe a voar!


Fontes:
Poemas enviados pelo poeta
http://simultaneidades.blogspot.com
http://poetasdobrasil.blogspot.com
Lilia Souza (organizadora). Coletânea da Academia Paranaense de Poesia. 2012

Paulo Walbach Prestes (1945)

       
 Paulo Roberto Walbach Prestes nasceu em 1945, em Curitiba.
Formou-se em Direito. Iniciou sua vida literária, quando no científico, em 1965, um professor de português dasafiou a turma, exigindo uma poesia com o tema “Policromia”... em 15 minutos o trabalho deveria estar terminado. Desenvolveu a poesia conectando-a à criação do Universo por Deus, e assim, obtendo o glorioso e inesperado primeiro lugar, lendo-a em todas as salas de aula.
Está presente em diversas antologias literárias, sagrando-se vencedor em vários concursos a nível nacional e internacional.
Escreveu um livro artesanal, "França: um sonho de luz", em 45 estrofes poéticas. Em 2012, lançou "Liamir Santos Hauer: mulher araucária", um livro biográfico. Elaborou uma antologia de poetas da Academia Paranaense de Poesia e da Oficina da Poesia da Biblioteca Pública do Paraná.
Teve centenas de crônicas publicadas no jornal "A Gazeta do Povo". 
Além de escritor, foi premiado em concursos nacionais de pintura e de fotografia.
Entrou para o Centro de Letras do Paraná, através de seu saudoso padrinho cultural, Túlio Vargas, Presidente da Academia Paranaense de Letras. Associado também da Academia Paranaense da Poesia.

Fénelon (História de Alibe, o Persa)

O Xá Abas, rei da Pérsia, durante uma viagem, distanciou-se de todo o seu séquito a fim de passar pelo campo sem ser reconhecido e para aí apreciar o povo em toda a sua liberdade natural; levou consigo apenas um de seus cortesãos. 

“Não conheço absolutamente, disse-lhe o soberano, os verdadeiros costumes dos homens; tudo o que de nós se aproxima está disfarçado. É a arte, e não a simples natureza, que se nos apresenta. Quero estudar a vida rústica e ver essa espécie de homens que é tão desprezada, embora sejam o verdadeiro sustentáculo de toda sociedade humana. Estou enfadado de ver palacianos que me observam para me surpreender com lisonjas. Preciso ver agricultores e pastores que não me conheçam”.

ele, com seu confidente, por muitas aldeias onde havia danças e maravilhava-se ao encontrar, longe dos palácios, prazeres tranquilos e nada dispendiosos. Fez uma refeição numa cabana e, como estivesse com muita fome, após haver andado mais que de costume, os simples alimentos que aí encontrou souberam-lhe melhor que todas as finas iguarias de sua mesa. Ao passar numa campina matizada de flores, marginada por límpido regato, avistou um pastorzinho que tocava flauta à sombra de um grande olmo, junto a seus carneiros. Aproximou-se dele, observou-o, achou-lhe uma fisionomia agradável, um ar simples e ingênuo, mas nobre e gracioso.

trapos que o pastor vestia em nada empanavam o brilho de sua beleza. O rei julgou, a principio, que fosse alguém de nascimento ilustre que se houvesse disfarçado, mas soube pelo pastor que seu pai e sua mãe habitavam uma aldeia próxima e que seu nome era Alibe.

À medida que o soberano o interrogava, ia apreciando nele um espírito firme e sensato. Seus olhos eram vivos e nada possuíam de violento ou selvagem. A voz era doce, insinuante e própria para sensibilizar. 0 rosto nada possuía de rústico, mas sua beleza não era uma beleza indolente, afeminada. 0 pastor, de dezesseis anos aproximadamente, não sabia que era assim como os outros o viam. Julgava pensar, falar, ser, enfim, como todos os outros pastores de sua aldeia, mas, sem educação, aprendera tudo que a razão ensina àqueles que a ouvem. 0 soberano, depois de conversar com ele familiarmente, sentiu-se encantado. Foi por ele informado das condições dos povos, de tudo que os reis nunca vêm a saber da multidão de bajuladores que os rodeia. De vez em quando se ria da ingenuidade daquela criança que se expressava com absoluta liberdade. Era uma grande novidade para o rei ouvir alguém falar tão espontaneamente. Fez sinal ao cortesão que o acompanhava para não dizer quem ele era, porque temia que Alibe perdesse num instante toda a sua naturalidade e seu encanto, caso soubesse com quem falava.

“Bem vejo, dizia o príncipe ao cortesão, que a natureza não é menos bela nas condições mais humildes que nas mais eminentes. Jamais filho algum de rei me pareceu melhor nascido que este guardador de carneiros. Sentir-me-ia muito feliz em ter um filho tão belo, tão sensato, tão amável. Parece-me apto para tudo e, caso se tenha o cuidado de instruí-lo, certamente será, algum dia um grande homem. Quero que seja educado junto a mim.”

O rei levou Alibe, que muito surpreso ficou quando soube a quem havia agradado. Ensinaram-lhe a ler, a escrever, a cantar e deram-lhe depois professores das artes e ciências que adornam o espírito. A princípio ficou um tanto maravilhado com a corte, e a grande modificação do seu destino lhe afetou um tanto o coração. Sua idade e a valia de que desfrutava, reunidas, alteraram um pouco sua sabedoria e sua moderação. Ao invés do seu cajado, da sua flauta e do seu traje de pastor, vestiu um traje de púrpura bordado a ouro com um turbante coberto de pedrarias. Sua beleza superou tudo que a corte possuía de mais agradável. Ele se tornou apto para os negócios mais sérios e mereceu a confiança de seu senhor que, conhecendo o gosto requintado de Alibe por todas as magnificências de um palácio, acabou dando-lhe um cargo muito importante na Pérsia, qual seja o de guardar tudo que o príncipe possui em pedrarias e em alfaias de valor.

Durante toda a vida do grande xá Abas, a valia de Alibe não cessou de aumentar. À medida que ele ia alcançando idade mais madura, mais se lembrava de sua condição antiga e muitas vezes dela sentia saudade: "Ó belos dias, dizia consigo, dias inocentes, dias em que desfrutei uma alegria pura e sem perigo, dias depois dos quais outros não tive tão aprazíveis, será que não vos tornarei a ver? Aquele que de vós me privou, ao me dar tantas riquezas, privou-me de tudo.” Quis rever sua aldeia. Comoveu-se em todos os lugares onde outrora dançara, cantara, tocara flauta com seus companheiros. Fez algum bem a todos os seus parentes e amigos, mas almejou-lhes como principal felicidade, que jamais deixassem a vida campestre e nunca experimentassem as desditas da corte.

Tais desditas ele as sentiu, após a morte do seu bom senhor o xá Abas. A este sucedeu o filho, xá Sefi. Cortesãos invejosos e dominados pela ambição acharam meios e modos de preveni-lo contra Alibe: “Ele abusou, diziam, da confiança do falecido rei. Acumulou tesouros imensos e desviou muitas coisas de altíssimo valor, das quais era o depositário.” 

0 xá Sefi era jovem e príncipe, tanto não era necessário para ser crédulo, desatento e incauto. Teve a vaidade de querer parecer reformar aquilo que o rei seu pai fizera, e julgar melhor que ele. A fim de ter um pretexto de destituir Alibe de seu cargo, pediu-lhe, a conselho de seus cortesãos invejosos, que lhe levasse uma cimitarra guarnecida de diamantes, de imenso valor, que o rei seu avô costumava cingir nos combates. 0 xá Abas mandara outrora tirar dessa cimitarra todos os seus belos diamantes e Alibe provou, com boas testemunhas, que tal coisa fora feita por ordem do falecido rei, antes de lhe ser dado o cargo.

Quando os inimigos de Alibe viram que não mais podiam servir-se desse pretexto para perdê-lo, aconselharam ao xá Sefi que lhe pedisse para fazer, dentro de quinze dias, um inventário rigoroso de todas as alfaias preciosas, cuja guarda lhe incumbia. Ao cabo de quinze dias, pediu para ver pessoalmente todas as coisas. Alibe abriu-lhe todas as portas e mostrou-lhe tudo que ele guardava. Nada faltava: tudo estava limpo, bem arrumado e conservado com muito zelo. 0 rei, muito surpreso de encontrar por toda parte tanta ordem e cuidado, quase modificara sua disposição a favor de Alibe, quando avistou, na extremidade de uma grande galeria cheia de esplêndidas alfaias, uma porta de ferro, com três enormes fechaduras. “‘É aí, disseram-lhe ao ouvido os cortesãos invejosos, que Alibe escondeu todas as coisas preciosas que desviou. “Logo o rei gritou encolerizado: “Que guardou aí? Mostre-mo!”

A essas palavras Alibe atirou-se a seus pés, suplicando-lhe, em nome de Deus, que não lhe tirasse o que ele possuía de mais precioso sobre a terra. Não é justo que eu perca num momento o que me resta e que representa meu derradeiro recurso, após haver trabalhado tantos anos junto ao rei seu pai. Tirai, se quiserdes, o restante, mas deixai-me isso.”

O rei não teve a menor dúvida de que se tratava de um tesouro mal adquirido que Alibe reunira. Falou em tom mais alto e fez absoluta questão de que lhe abrissem a portar. Afinal, Alibe, que estava com a chave, abriu-a pessoalmente. Depararam apenas com o cajado, a flauta e o traje de pastor que Alibe possuíra outrora, e que muitas vezes revia com júbilo, receoso de esquecer sua primitiva condição: “Eis, disse, ó grande rei, os preciosos restos de minha antiga felicidade. Nem a fortuna, nem vosso poder, puderam privar-me deles. Eis meu tesouro que conservo para me enriquecer, quando me tiverdes tornado pobre. Retomai tudo o mais, deixai-me estas queridas lembranças de meu primeiro estado. Ei-los, meus verdadeiros bens, que jamais me faltarão. Ei-los, estes bens singelos, inocentes, sempre caros àqueles que sabem contentar-se com o necessário, porque não se atormentam absolutamente com o supérfluo. Ei-los, estes bens que nunca me causaram um instante de dificuldade. Ó queridos instrumentos de uma vida simples e feliz! Só a vós amo, convosco é que desejo viver e morrer. Porque foi preciso que outros bens enganadores me viessem iludir e perturbar minha vida? Eu vou as restituir, grande rei, todas as riquezas que me vierem de vossa liberalidade. Conservo apenas as que possuía quando o rei vosso pai, veio, com suas mercês, tornar-me infortunado.”

O rei, ao ouvir essas palavras, compreendeu a inocência de Alibe e indignando-se com os cortesãos que o quiseram perder, expulsou-os. Alibe tornou-se o seu principal auxiliar e foi incumbido dos negócios mais reservados. Mas todos os dias tornava a ver seu cajado, sua flauta e seu antigo traje, que conservava sempre prontos em seu tesouro, a fim de retomá-los, mal o destino inconstante perturbasse a sua situação. Morreu, na extrema velhice, sem nunca ter querido, nem mandado punir seus inimigos, nem reunir fortuna alguma, deixando apenas a seus parentes com que viverem na condição de pastor, que lhe pareceu sempre a mais segura e a mais feliz.

XXVII Festival de Folclore de Montargil/Portugal (16 de Julho)


quarta-feira, 6 de julho de 2016

Franz Kafka (Comunidade)

Somos cinco amigos; uma vez saímos um atrás do outro de uma casa; primeiro veio um e pôs-se junto à entrada, depois veio, ou melhor dito, deslizou-se tão ligeiramente como se desliza uma bolinha de mercúrio, o segundo e se pôs não distante do primeiro, depois o terceiro, depois o quarto, depois o quinto. Finalmente, estávamos todos de pé, em uma linha. A gente fixou-se em nós e assinalando-nos, dizia: os cinco acabam de sair dessa casa.

A partir dessa época vivemos juntos, e teríamos uma existência pacífica se um sexto não viesse sempre intrometer-se. Não nos faz nada, mas nos incomoda, o que já é bastante; porque se introduz por força ali onde não é querido? Não o conhecemos e não queremos aceitá-lo. Nós cinco tampouco nos conhecíamos antes e, se quer, tampouco nos conhecemos agora, mas aquilo que entre nós cinco é possível e tolerado, não é nem possível nem tolerado com respeito àquele sexto.

Além do mais somos cinco e não queremos ser convivência permanente, se entre nós cinco tampouco tem sentido, mas nós estamos já juntos e continuamos juntos, mas não queremos uma nova união, exatamente em razão de nossas experiências. Mas, como ensinar tudo isto ao sexto, posto que longas explicações implicariam já em uma aceitação de nosso círculo? É preferível não explicar nada e não o aceitar. Por muito que franza os lábios, afastamo-lo, empurrando-o com o cotovelo, mas por mais que o façamos, volta outra vez.

terça-feira, 5 de julho de 2016

J. B. Xavier (Poemas Avulsos)

ENIGMA  
Sou gaivota solta aos ventos do penedo,
Sou a folha que esvoaça em liberdade,
Sou o tronco que se ergue do arvoredo,
Sou o grito lancinante da saudade.

Sou a fímbria da floresta perfumada,
Sou regato que murmura cristalino,
Sou o sonho de uma noite enluarada,
Sou o brilho do sorriso do menino.

Sou poente do sol calmo que se esconde
Sou a brisa que encrespa as ondas do mar,
Sou pergunta que ninguém jamais responde

Sou promessa que de amor está repleta,
Sou enigma que está por decifrar,
Sou um canto de esperança - sou poeta!

A ÚLTIMA ROSA

Quero agora te abraçar, por um instante!
E ficar, assim, quieto nos teus braços,
E sentir teu respirar, nesses compassos
Desta música divina e alucinante!

Quero assim, permanecer nesse teu mundo
De sussurros de hinos e de magias...
De teus olhos vem a luz onde me inundo,
De tua voz vem a candura de alegrias...

Quero assim estar contigo quando um dia,
Nos chamar para o seu seio a eternidade.
Quem ficar não deve nunca sentir dor.

Quem ficar deve viver em alegria
E na rosa carregada de saudade
Ofertar à eternidade o grande amor!

BRINCANDO DE CAMÕES

Alma minha gentil que me alucina
Na partida tanto quanto na chegada,
Alma minha gentil, és minha sina,
Minha deusa, meu sol e minha amada!

Alma minha gentil, que me enlouquece,
Nos delírios do riso e do tormento,
Alma minha gentil, és minha prece,
O sonho de loucura em que te invento.

Alma minha gentil, onde me ofusco,
Neste espelho que o tempo não desgasta.
Alma minha gentil, és mil refrões,

Diamante do meu céu, onde te busco,
Na busca que é de todas a mais vasta:
O encontro entre os nossos corações!

O QUE APRENDI SOBRE A VIDA

Demorei mais que devia simplesmente,
Recorri ao sonho e às vezes, mesmo a dor
Para ver que é no caminho, unicamente
Que se encontram a alegria e o amor...

Procurei, sempre no fim, constantemente,
O jardim onde eu buscava a bela flor,
Sem saber que me esperava complacente
As carícias deste sol libertador...

Aprendi então que a vida é a viagem,
O sorriso que vem dela decorrente,
Não o ponto de chegada encantador.

Aprendi que a vida é um sopro, uma aragem,
A viver cada minuto do presente.
Aprendi a ver seu lado sedutor!

SAUDADE

...e mesmo sem te ver quero-te tanto
que sinto-te em mim, e tua voz no pranto
que escapa-me em torrentes de tristeza.
Antes que dúvida, és minha certeza...

Quero-te na amenidade do poente,
No sol do fim de tarde, reluzente,
Quando nasces em mim, como uma flor.
...e mesmo sem te ver, és meu amor...

Quero-te tanto, que em minh’alma trago
O gosto do vinho em que me embriago
Nesses lábios sedentos que ofereces.

Algum anjo há de ouvir as minhas preces,
E há de entender a solidão que canto
Por não te ver e por amar-te tanto...

SONETANDO

Ele começa no verso primeiro,
Passa ao segundo, de poesia farto,
E adentra afoito já pelo terceiro,
Enquanto escrevo mais um verso: o quarto!

E passo ao quinto, verso alvissareiro,
Depois ao sexto bem ligeiro eu parto,
E neste sétimo me atiro inteiro
Já que este oitavo contigo reparto.

São só catorze, e já estou no nono!
No verso dez não quero mais parar,
Pois sei que o onze vai tirar meu sono,

Mas vou ao doze, falta só um terceto...
Este não digo, pois dá muito azar
Décimo quarto: fim deste soneto!
-
ESPERANÇA

Na cadeira colocada na varanda
Deve haver uma revista ou um jornal.
Carinhosa, uma brisa sopra branda
Balançando as roupas postas no varal.

Ao redor desta varanda haverá hera,
Samambaias, muitas rosas, margaridas,
E um sorriso que faceiro reverbera,
Entre lírios e açucenas coloridas...

Sob o sol cantam alegres passarinhos;
Mais adiante, todo branco, está o portão
E um caminho que tortuoso corta a grama.

É por ele que virás com teus carinhos
E trarás a este sofrido coração
Nova vida só possível a quem ama...

TUDO O QUE RESTOU

Foi tudo o que restou, amada minha,
As veias latejando de saudade,
Um triste adeus à breve eternidade
E um tempo que em tristeza se avizinha.
 
E tudo o Tempo fez como convinha
Deixando o teu sorriso e a amenidade
Tornando-te uma simples brevidade
No eterno que por ti pensei que tinha.
 
Mas sigo, e meu caminho serpenteia
Por entre o vale escuro do meu mundo
Do qual tu sempre foste uma candeia.
 
E agora sem a vida que o sustinha
O sonho se reclina moribundo...
Eis tudo o que restou, amada minha ...

BRUMAS

Por entre as brumas tua imagem vaga
Como se nunca tu houveras ido,
E o tempo fere como louca adaga
O meu passado nunca acontecido...
 
E diluída o vento em ti apaga
Essa lembrança de um amor ferido
Enquanto um mar de lágrimas alaga
Nosso passado já quase esquecido.
 
E o doce beijo, leve como as plumas
Que assim deixaste nesses lábios meus
É o meu farol com que, por entre as brumas,
 
Sigo o compasso deste amargo fim.
No triste aceno deste amargo adeus
Enquanto as brumas te levam de mim...

ESQUECIMENTO
Tu te esqueceste que esqueci de te esquecer
Mas me lembrei de relembrar tua partida
E o esquecimento na lembrança tem poder
De relembrar que possuíste minha vida
 
E por lembrar-te não consigo compreender
Por que não posso me esquecer desta ferida
Que o esquecimento da lembrança vem trazer
Me relembrando que jazias esquecida.
 
E vou lembrando e te esquecendo enquanto sigo
Revigorando o esquecimento da lembrança
Enquanto lembro como era estar contigo.
 
Até que um dia eu me lembrei de ter-te aqui
E fui eu mesmo me esquecendo nesta dança
E me lembrando de esquecer que te esqueci...

ESPELHO DE MIM
Nas lutas infernais às quais me impinjo
Mergulho-me em oceanos de incoerências
Buscando a perdição das inocências
Às quais eu minto, engano, burlo e finjo!
 
Seguindo nessa estrada eu sempre atinjo
Os planos que tracei com paciência
E se erro vou pedindo por clemência
E logo uma mentira eu busco e cinjo...
 
Por isso sou a mais perfeita farsa,
Um plano divinal no qual eu peco,
Oceano de mentiras no qual seco
 
O sonho que em enganos se disfarça.
E qual falso cristal em linda barça,
Sou grito que ressoa e não faz eco.

ESTRELAS
À janela te saúda a luz da lua
Aspergindo-te com mil gotas de luz.
E encontrando-te ofegante, ainda nua
O luar em mil carícias te seduz...

Através dessa vidraça transparente,
Ele vai se aconchegando em teu entorno
Em carícias pelo teu corpo fremente,
Desenhando nos lençóis o teu contorno...

Surge então a Estrela D’Alva lentamente
No horizonte, onde nem consegues vê-la
E em teu corpo ela se banha, finalmente,

Tendo todo o teu calor para aquecê-la.
Suspirando ela se entrega totalmente:
É uma estrela enamorada de outra estrela...


J. B. Xavier (1953)

José Xavier Borges Júnior (ou JB Xavier, como é conhecido) nasceu na ilha de São Francisco do Sul, cidade litorânea situada ao norte do Estado de Santa Catarina, em 1953. Manifestou cedo sua habilidade para as letras, escrevendo seu primeiro romance "A Mansão das Pedras Negras", aos 15 anos. Radicou-se em São Paulo/SP.
    O ponto forte do autor é sua capacidade de construir personagens e enredos. Como palestrante da área motivacional, J.B.Xavier é conhecedor do comportamento humano, e usa esses conhecimentos para construir a estrutura psicológica de seus personagens, tornando-os consistentes, sólidos e convincentes.
    Conviveu com tribos Caigangues do Noroeste do Rio Grande Sul, vivenciando seu modo de vida. Desta experiência escreveu o que considera a sua maior obra poética: “Cunhaporã – uma história de amor", um poema-romance épico, composto de 271 estrofes e 1495 versos, como homenagem a Gonçalves Dias, em agradecimento por poema "I-JUCA PIRAMA"
    É empresário, fundador da Multi Premium Artigos Esportivos Ltda, uma empresa fabricante de premiações.
    Sua vivência internacional como empresário, lhe permite construir cenários exóticos cuja ambientação encanta o leitor.
    A característica mais marcante do autor: A refinada habilidade de construir ambientes, enredos e personagens apaixonantes, e o domínio magistral de sofisticadas técnicas narrativas, capazes de levar o leitor a um profundo mergulho nas histórias que cria.
    Tem publicações como "Caminhos", uma coletânea de 23 contos. (2003), e “Não Haverá Amanhã”, um monumental romance histórico ambientado no século XVII, com ilustrações do próprio autor (2011).
 
Fonte: 

A Presença Africana na Música Popular Brasileira (Parte IV, final)

A África distante, cada vez mais

A presença africana na música brasileira, pelo menos em referências expressas, vai se tornando cada vez mais rarefeita. Aparece, via Jamaica, no carnaval dos blocos afro baianos e nos sambas-enredo das escolas cariocas e paulistanas – especialmente nas homenagens a divindades. Mas nada de modo tão intenso como ocorre na música que se faz em Cuba e em outros países do Caribe.

Mesmo com a explosão comercial da chamada salsa, a partir de Porto Rico e via Miami, na música afro-caribenha de hoje é raro um disco que não contenha pelo menos uma cantiga inspirada em temas da religiosidade africana e interpretada com fervor apaixonado. Tito Puente, Mongo Santamaria, Célia Cruz, Rubén Bladez e muitos outros são exemplos fortes, o mesmo não acontecendo no Brasil, pelo menos na música mais largamente consumida.

No Brasil, o samba, a partir da década de 1990, apesar da voga inicial de grupos cujos nomes, mas só os nomes, evocavam a ancestralidade africana (Raça Negra, Negritude Júnior, Suingue da Cor, Os Morenos etc.), entendemos que foi se transformando em um produto cada vez mais fútil e imediatista para se preocupar com etnicidade. E isto talvez por conta do conjunto de estratégias de desqualificação que ainda hoje sustentam as bases do racismo antinegro no Brasil. É esse racismo que, no nosso entender, vai cada vez mais separando coisas indissociáveis, como o samba e a macumba, a ginga e a mandinga, a música religiosa e a música profana, desafricanizando, enfim, a música popular brasileira. Ou “africanizando-a” só na aparência, ao sabor de modas globalizantes made in Jamaica ou Bronx.

Desafricanização, como sabemos, é o processo por meio do qual se tira ou procura tirar de um tema ou de um indivíduo os conteúdos que o identificam como de origem africana. À época do escravismo, a principal estratégia dos dominadores nas Américas era fazer com que os cativos esquecessem o mais rapidamente sua condição de africanos e assumissem a de “negros”, marca de subalternidade. Isto para prevenir o banzo e o desejo de rebelião ou fuga, reações frequentes, posto que antagônicas.

O processo de desafricanização começava ainda no continente de origem, com conversões forçadas ao cristianismo, antes do embarque. Depois, vinha a adoção compulsória do nome cristão, seguido do sobrenome do dono o que representava, para o africano, verdadeira e trágica amputação. Então, vinham as distinções clássicas entre “da costa” e “crioulo”, entre “boçal” e “ladino”.

Acreditamos que a música popular brasileira, de raízes tão acentuadamente africanas, seja vítima de um processo de desafricanização ainda em curso. Senão, vejamos. Quando a bossa-nova resolveu simplificar a complexa polirritmia do samba e restringir sua percussão ao estritamente necessário, não estaria embutido nesse gesto, tido apenas como estético, uma intenção desafricanizadora? E quando a indústria fonográfica procura modernizar os ritmos afro-nordestinos (de maracatu para mangue-beat, por exemplo), não estará querendo fazer deles menos “boçais” e mais “ladinos”, pela absorção de conteúdos do pop internacional?

Pois esse pop milionário, sem pátria e sem identidade palpável (mesmo quando pretende ser “étnico”), é exatamente aquela parte da música dos negros americanos que a indústria do entretenimento desafricanizou.

Fonte:
Portal da Cultura Afro-Brasileira

Artur Azevedo (A Conselho do Marido)

Estamos a bordo de um grande paquete da Messagéries Maritimes, em pleno Atlântico, entre os dois hemisférios. Dois passageiros, que embarcaram no Rio de Janeiro, um de quarenta e outro de vinte e cinco anos, conversam animadamente, sentados ambos nas suas cadeiras de bordo.

- Pois é como lhe digo, meu amiguinho! - dizia o passageiro de quarenta anos - o homem, todas as vezes que é provocado pela mulher, seja a mulher quem for, deve mostrar que é homem! Do contrário, arrisca-se a uma vingança! O caso da mulher de Putfar reproduz-se todos os dias!

- E se o marido for nosso amigo?

- Se o marido for nosso amigo, maior perigo corremos fazendo como José do Egito.

- O que você está dizendo é simplesmente horrível!

- Talvez, mas o que é preferível: ser amante da mulher de um amigo sem que este o saiba, ou passar aos olhos dele por amante dela sem o ser, em risco de pagar com a vida um crime que não praticou?

- Acha então que temos o direito sobre a mulher do próximo...?

- Desde que a mulher do próximo nos provoque. Se o próximo é nosso amigo, paciência! Não se casasse com uma mulher assim! Olhe, eu estou perfeitamente tranquilo a respeito da Mariquinhas! Trouxe-a comigo nesta viagem porque ela quis vir; se quisesse ficar no Rio de Janeiro teria ficado e eu estaria da mesma forma tranquilo.

- Mas o grande caso é que se um dia algum dos seus amigos...

- Desse susto não bebo água. Já um deles pretendeu conquistá-la... chegou a persegui-la... Ela foi obrigada a dizer-me para se ver livre dele... Dei um escândalo! Meti-lhe a bengala em plena Rua do Ouvidor!

Dizendo isto, o passageiro de quarenta anos fechou os olhos, e pouco depois deixava cair o livro que tinha na mão: dormia. Dormia, e aqueles sonos de bordo, antes do jantar, duravam pelo menos duas horas. O passageiro de vinte e cinco anos ergueu-se e desceu ao compartimento do paquete onde ficava o seu camarote.

Bateu levemente à porta. Abriu-lhe uma linda mulher que se lançou nos seus braços. Era a Mariquinhas.

- Então? - perguntou ela - consultaste meu marido?

- Consultei...

- Que te disse ele?

- Aconselhou-me a que não fizesse como José do Egito. Amigos, amigos, mulheres à parte.

E o passageiro de vinte e cinco anos correu cautelosamente o ferrolho do camarote.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

A Presença Africana na Música Popular Brasileira (Parte III)

As escolas de samba e os sambas-enredo

Com relação às escolas de samba cariocas – cujos terreiros (terreiros e não “quadras”, como hoje) até os anos de 1970 obedeciam a um regimento tácito semelhante ao dos barracões de candomblé, com acesso à roda permitido somente às mulheres, por exemplo –, veja-se que elas, hoje, são, ainda, um veículo em que a temática africana é recorrente. Muito embora seus enredos e sambas enfoquem a África por uma perspectiva meramente folclorizante.

O samba-enredo – esclareçamos – é uma modalidade de samba que consiste em letra e melodia criadas a partir do resumo do tema elaborado como enredo de uma escola de samba. Os primeiros sambas-enredo eram de livre criação: falavam da natureza, do próprio samba, da realidade dos sambistas. Com a oficialização dos concursos, na década de 1930, veio a exaltação dirigida de personagens e fatos históricos. Os enredos passaram a contar a história do ponto de vista da classe dominante, abordando os acontecimentos de forma nostálgica e ufanística. A reversão desse quadro só começou a vir em 1959, quando a escola de samba Acadêmicos do Salgueiro apresentou, com uma homenagem ao pintor francês Debret, e com grande efeito visual, o cotidiano dos negros no Brasil à época da colônia e do Império, o que motivou uma sequência de enredos sobre Palmares, Chica da Silva, Aleijadinho e Chico Rei, voltados para o continente africano. Mas, se a ingerência governamental já não era tão forte, pelo menos enquanto cerceamento da liberdade na criação dos temas, um outro tipo de interferência começava a nascer: a dos cenógrafos de formação erudita ou treinados no show-business, criadores desses enredos, os quais imprimiram ao carnaval das escolas a feição que ele hoje ostenta e que, direta ou indiretamente, selaram o destino dos sambas-enredo. Tanto que, no final do século XIX, o samba-enredo é um gênero em franca decadência. Em cerca de 60 anos de existência, no entanto, a modalidade mostrou sua força em dezenas de obras antológicas.

Entre os enredos apresentados pelas escolas de samba cariocas das várias divisões, a partir de 1948, muitos fazem referência mais direta à África, como, por exemplo: 
“Navio negreiro” (Vila Isabel, 1948, e Salgueiro, 1957), 
“Quilombo dos Palmares” (Salgueiro, 1960, Viradouro, 1970, e Unidos de Padre Miguel, 1984), 
“Chico Rei” (União de Vaz Lobo, 1960, Salgueiro, 1964, e Viradouro, 1967), 
“Ganga Zumba” (Unidos da Tijuca, 1972), 
“Valongo” (Salgueiro, 1976, e Unidos de Padre Miguel, 1988), 
“Galanga, o Chico Rei” (Unidos de Nilópolis, 1982), 
“Ganga Zumba, raiz da liberdade” (Engenho da Rainha, 1986). 

Isso sem falar em outros tantos temas como “Porque Oxalá usa ekodidé”, “Oju Obá”, “Logun, príncipe de Efan”, “O mito sagrado de Ifé”, “Oxumará, a lenda do arco-íris”, “Alafin Oyó”, “Príncipe Obá, rei dos descamisados”, “Ngola Djanga”, “De Daomé a São Luiz, a pureza mina-jeje”, “Império negro, um sonho de liberdade, “Kizomba, festa da raça”, “Preito de vassalagem a Olorum” etc.

De alguns desses títulos, selecionamos, como exemplo de abordagens, e sem maiores comentários, alguns trechos:

África... misteriosa África/ Magia, no rufar dos tambores se fez reinar/ Raiz que se alastrou por este imenso Brasil/ Terra dos santos que ela não viu... (“Os santos que a África não viu”, Grande Rio, 1996 – Mais Velho, Rocco Filho, Roxidiê, Helinho 107, Marquinhos e Pipoca); 

África encanto e magia/ Berço da sabedoria/ Razão do meu cantar/ Nasceu a liberdade a ferro e fogo/ A Mãe Negra abriu o jogo/ Fez o povo delirar... (“Quando o samba era samba”, Portela, 1996 – Wilson Cruz, Cláudio Russo, Zé Luiz); 

Vem a lua de Luanda/ Para iluminar a rua/ Nossa sede é nossa sede/ De que o apartheid se destrua...(“Kizomba, festa da raça”, Vila Isabel, 1988 – Rodolfo, Jonas e Luiz Carlos da Vila); 

Vivia no litoral africano/ Uma régia tribo ordeira/ Cujo rei era símbolo/ De uma terra laboriosa e hospitaleira/ Um dia essa tranquilidade sucumbiu/ Quando os portugueses invadiram/ capturando homens/ para fazê-los escravos no Brasil/ na viagem agonizante/ Houve gritos alucinantes/ Lamentos de dor/ Ô ô ô, adeus baobá, ô ô ô/ Ô ô ô, adeus meu Bengo, eu já vou... (“Chico Rei”, Salgueiro, 1965 – Geraldo Babão, Djalma Sabiá e Binha); 

Ilu Aiê, Ilu Aiê, odara! / Negro cantava na nação nagô/ Depois chorou lamento de senzala/ Tão longe estava de sua Ilu Aiê... (“Ilu Aiê, terra da vida”, Portela, 1972 – Cabana e Norival Reis); 

Bailou no ar/ O ecoar de um canto de alegria/ Três princesas africanas/ Na sagrada Bahia/ Ia Kalá, Iá Adetá, Iá Nassó/ Cantaram assim a tradição nagô/ Olorum, senhor do infinito/ Ordena que Obatalá/ faça a criação do mundo/ ele partir, despreando bará/ E no caminho adormecendo/ Se perdeu/ Odudua, a divina senhora chegou... (“A criação do mundo segundo a tradição nagô”, Beija-Flor, 1978 – Neguinho da Beija-Flor, Mazinho e Gilson); 

Conta a lenda que a deusa Oiá/ Foi aconselhar Ifá/ A buscar a cura em Sabadã/ Pra Obaluaiê se levantar... (“O bailar dos ventos, relampejou mas não choveu”, Salgueiro, 1980 – Ala dos Compositores); 

Lá da África distante/ Trouxeram o misticismo da magia/ maçons e mestres alufás/ Usavam estratégia e ousadia... (“Salamaleikun, a epopéia dos insubmissos malês”, Unidos da Tijuca, 1984 – Carlinhos Melodia, Jorge Moreira e Nogueirinha); 

Esta negra caprichosa/ Convidou o rei da Costa do Marfim/ E o recebeu de forma suntuosa/ A festa parecia não ter fim... (“O rei da Costa do Marfim visita Xica da Silva em Diamantina”, Imperatriz, 1983 – Matias de Freitas, Carlinhos Boemia e Nelson Lima); 

Lua alta/ Som contante/ Ressoam os atabaques/ lembrando a África distante... (“Misticismo da África ao Brasil”, Império da Tijuca, 1971 – Marinho da Muda).

Sobre a predominância, nesses sambas, de temas ligados ao universo iorubano, observe-se que isso ocorre pela maior visibilidade que essa matriz tem no Brasil, notadamente através da Bahia. A Bahia, graças principalmente à sua capital, é internacionalmente conhecida pela riqueza de suas tradições africanas, apropriadas como verdadeiros símbolos nacionais brasileiros. Segundo algumas interpretações, a visualização desse precioso acervo cultural teria ocorrido pela presença histórica, em Salvador e no Recôncavo Baiano, de diversas “nações” africanas organizadas, e muitas vezes adversárias, cada uma ciosa de sua identidade étnica. E isto teria feito com que, lá, no combate ao racismo, os afrodescendentes se destacassem mais fortemente através da afirmação de suas expressões culturais específicas do que através da luta política, como em São Paulo, por exemplo. Entretanto, veja-se que personagens como Chico Rei, Ganga Zumba, Zumbi e Rainha Jinga, pertencentes ao universo banto, são também bastante frequentes nos enredos que relacionamos.

continua...

Fonte:
Portal da Cultura Afro-Brasileira