sábado, 18 de maio de 2024

José Feldman (Versejando) 138

 

Francisca Júlia (O Avarento)

Compareceu perante o juiz um avarento e queixou-se, com expressões de lástima, de que um homem, há muitos anos, lhe devia uma certa soma, da qual só tinha pago os juros.

— Vai chamá-lo, – disse o juiz - traze-o à minha presença. Quero saber por que é que ele não te pagou ainda, e não posso condená-lo sem ouvi-lo.

O avarento saiu e, logo depois, trouxe o devedor pelo braço, insultando-o e maltratando-o com crueldade.

— Ei-lo aqui, senhor juiz. É um homem mau, um vizinho péssimo, que não tem nenhuma compreensão do dever, que não respeita as leis e que não me pagou ainda o dinheiro que lhe emprestei generosamente.

— Fala agora tu, devedor! - ordenou o juiz. – Por que é que não pagaste a este homem o que lhe devias?

— Senhor! – balbuciou o homem humildemente. – Eu devia-lhe cem sequins* que ele me emprestou. Paguei-lhe a metade. Depois, como não lhe pudesse pagar o resto, ele cobrou por suas próprias mãos, apropriando-se das minhas terras, vendendo os meus frutos, roubando o meu camelo e despojando-me das minhas roupas. Hoje nada mais tenho, senão estes andrajos que cobrem o meu corpo e estas mãos para pedir esmolas.

Então o juiz, compadecido pela miséria daquele pobre homem e revoltado contra a avareza do credor, voltou-se para este e perguntou-lhe;

— Que mais queres deste homem? Já o reduziste à mais negra miséria. Sê um pouco piedoso, desperta na noite de tua alma algum sentimento generoso. Deixa-o ir em paz.

— Não, senhor juiz.

— Mas de que modo queres que ele te pague?

— Quero que ele venha para minha casa, para servir-me como escravo, até pagar os juros que me deve.
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* Sequins = Antigas moedas de ouro fabricadas e utilizadas na Itália

Fonte> Francisca Júlia da Silva. Livro da infância. Publicado originalmente em 1899. 
Disponível em Domínio Público.

Vereda da Poesia = 10 =


Uma Trova de Bandeirantes/PR

Maria Lúcia Daloce

No boteco o aviso: - "Vem
e ao sair tem que pagar!"
E o bêbado: - Ainda bem,
eu só quero mesmo é entrar...!
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Um Poema de Balneário Camboriú/SC

Pedro Du Bois

VOCÊ 

Rasgo a página não inscrita que da perda
não ficarão registros
do passado lavado
em novos passos imundos
de soberbos ataques
na chuva miúda
intermitente
sobre guarda-chuvas
abertos em proteção
e escudo: raios e trovões
não acontecidos na sequência
do desencontro

sim
você estava ali
seu perfume permanece
sobre o cheiro dos temperos e alguém cita
seu nome
e me volto em incertezas

página rasgada do que não escrevi no dia
que seria da chegada e não houve o tempo
seco das histórias de memórias difundidas
lendas sacramentadas em perdões e profecias

a chuva miúda aos poucos alaga a rua
em descaminhos
como os fins e os meios
repetidos em sangue não doado

sim
você esteve lá
seu perfume oferta
temperados pratos
insossos para sempre.
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Uma Quadra Popular

Ó lua que vais tão alta 
Redonda como um tamanco! 
Ó Maria traz a escada 
Que não chego lá co’o banco! 
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Um Soneto de Caucaia/CE

José Riomar De Melo

MEU VERSO

 Se meu verso te agrada, te conforta,
 Faz lembrar-te emoções que já viveste,
 Com algum deles talvez te comoveste,
 Ativando a esperança quase morta!

 É sinal que choveu na minha horta,
 Na emoção que a mim tu concedeste,
 Ao sentir que no verso que tu leste
 De euforia e de paz teu peito aborta;

 Entretanto se um deles não ressoa,
 Na fiel sintonia e te magoa,
 Na palavra ou na frase te feriu...

 Eu te peço perdão em tom profundo,
 Porque mesmo agradar a todo mundo,
 Jesus Cristo também não conseguiu...
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Uma Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

Maria Beatriz Del Peloso Ramos

Saudade
amuleto
líquido
usado
no
peito
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Uma Setilha de Crato/CE

Adauberto Amorim

Ao som do mar eu relembro
Um momento eternizado,
Um trinta e um de dezembro
Consumido e consumado.
As ondas molhando a areia
E eu beijando uma "sereia"
Num sonho bem acordado.
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Um Epigrama de Fortaleza/CE

Antônio Sales
Fortaleza/CE, 1868 – 1940

– A fealdade é um direito;
Por isso ninguém a acusa.
Mas ser feia desse jeito…
Perdão: a senhora abusa!
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Uma Glosa de Porto Alegre/RS

Gislaine Canales
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

RIMA E GRAÇA
 
MOTE:
Eu sinto o vento que passa
portador de boa nova
enchendo de rima e graça
os quatro versos da trova.
Antônio José Barradas Barroso
(Parede/Portugal)

GLOSA: 
Eu sinto o vento que passa
a beijar , com seu carinho,
todas as flores da praça,
que encontra no seu caminho.
 
Esse vento é benfazejo,
portador de boa nova,
pois traz, a todos um beijo
de maneira sempre inova.
 
Mostra a sua força e raça
numa escala de alegria,
enchendo de rima e graça
a nossa amada poesia.
 
Esse vento  acaricia
e a cada instante  renova,
melhorando  na  poesia
os quatro versos da trova.
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Um Haicai de Miguel Couto/RJ

Edmar Japiassú Maia

Ao ver no jardim
tua beleza e a da rosa
desejei as duas!
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Um Poema do Maranhão

Gonçalves Dias
Caxias/MA, 1823 - 1864, Guimarães/MA

CANÇÃO DO EXÍLIO
 
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas tem mais flores,
Nossos bosques tem mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
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Uma Trova de Santos/SP

Carolina Ramos

Nós somos duas tipoias
na ajuda às forças escassas
- quando fracasso, me apoias,
te apoio, quando fracassas!...
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Uma Endecha* de Portugal

Luís Vaz de Camões
Coimbra, 1524 – 1580, Lisboa

ENDECHAS À BÁRBARA ESCRAVA

Aquela cativa
Que me tem cativo,
Porque nela vivo,
Já não quer' que viva.

Eu nunca vi rosa
Em suaves molhos,
Que para meus olhos
Fosse mais formosa.

 Nem no campo flores,
Nem no céu estrelas
Me parecem belas
Como os meus amores.

Rosto singular,
Olhos sossegados,
Pretos e cansados,
Mas não de matar.

 Uma graça viva,
Que neles lhe mora,
Para ser senhora
De quem é cativa.

Pretos os cabelos,
Onde o povo vão
Perde opinião
Que os louros são belos.

 Pretidão de Amor,
Tão doce a figura,
Que a neve lhe jura
Que trocara a cor.

Leda mansidão,
Que o siso acompanha;
Bem parece estranha,
Mas Bárbara não.

Presença serena,
Que a tormenta amansa;
Nela, enfim, descansa
Toda minha pena.

Esta é a cativa
Que me tem cativo
E, pois nela vivo,
É força que viva. 
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Endecha, termo derivado do latim indicta, declaração das virtudes dos mortos, designa a composição poética que tem origem no epicédio grego, canto fúnebre, variante da elegia e do treno ou trenodia, termos com que entre os gregos se cunhavam as ladainhas ou cantos fúnebres. A trenodia e o epicédio podem considerar-se variantes do encômio já que a lamentação fúnebre era antes de mais um hino elogioso. A distinção entre trenodia e epicédio resulta da primeira ser cantada junto ao corpo do defunto ao passo que tal podia não suceder com a segunda composição. A trenodia possui a variante monódia, canto triste e solitário de tom fúnebre. O epicédio, a trenodia e a monódia correspondem às nênias latinas, ladainhas ou orações cantadas pelas carpideiras em memória dos defuntos durante as procissões funerárias em Roma. O epicédio foi cultivado, por exemplo, por Catulo e Ovídio e a trenodia por Píndaro e Propércio. Estas composições poéticas foram introduzidas no Cristianismo estando presentes nas lamentações bíblicas de Jeremias. Na Idade Média, os poetas ligaram a forma latina aos temas cristãos no canto de devoção aos mortos.

A endecha seguiu na Europa esta tradição elegíaca como na Inglaterra ilustram a «Exequy» (Poems, Elegies, Paradoxes and Sonnets, 1657) de Henry King e a canção de Ariel à morte do pai de Ferdinand em The Tempest (1611) de William Shakespeare. A endecha distingue-se da elegia por ser um poema mais curto e, na sua origem, destinado a ser cantado.

Em Portugal, a endecha foi cultivada do séc. XVI ao séc. XVIII e não possui o fundo fúnebre originário. Trata-se antes de uma composição de tom melancólico e triste em versos de cinco ou seis sílabas geralmente agrupados em quadras segundo os esquemas rimáticos ABCB, ABAB ou ABBA. O plural endechas deve-se ao fato de que a cada quadra se atribuir a designação de endecha e o poema ser constituído por mais de uma estrofe. A famosa composição de Camões , Endechas à Bárbara Escrava”, uma cativa com quem andava de amores na Índia, chamada Bárbara é exemplo de endechas apesar de em algumas edições da Lírica também ser designada de trovas. As endechas foram ainda cultivadas por outros poetas tais como Rodrigues Lobo ou Correia Garção. (Fonte: CEIA, Carlos. E-Dicionário de Termos Literários

Recordando Velhas Canções (Você é linda)


Compositor: Caetano Veloso

Fonte de mel
Nos olhos de gueixa
Kabuki, máscara
Choque entre o azul
E o cacho de acácias
Luz das acácias
Você é mãe do sol

A sua coisa é toda tão certa
Beleza esperta
Você me deixa à rua deserta
Quando atravessa
E não olha pra trás

Linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz

Você é linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim

Você é forte
Dentes e músculos
Peitos e lábios
Você é forte
Letras e músicas
Todas as músicas
Que ainda hei de ouvir

No Abaeté
Areias e estrelas
Não são mais belas
Do que você
Mulher das estrelas
Mina de estrelas
Diga o que você quer

Você é linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz

Você é linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim

Gosto de ver
Você no seu ritmo
Dona do carnaval
Gosto de ter
Sentir seu estilo
Ir no seu íntimo
Nunca me faça mal!

Linda
Mais que demais
Você é linda sim
Onda do mar do amor
Que bateu em mim
Você é linda
E sabe viver
Você me faz feliz
Esta canção é só pra dizer
E diz
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A Celebração da Beleza e do Amor em 'Você É Linda' de Caetano Veloso
A música 'Você É Linda', composta e interpretada por Caetano Veloso, é uma verdadeira ode à beleza e ao encantamento amoroso. Lançada no álbum 'Uns' de 1983, a canção se destaca pela suavidade de sua melodia e pela riqueza lírica que exalta a beleza de uma mulher de maneira poética e intensa. Caetano, conhecido por sua habilidade em mesclar poesia e música, cria uma atmosfera de admiração e reverência à figura feminina que é o foco da canção.

A letra da música é repleta de imagens que evocam a beleza e a força da mulher, utilizando referências culturais como a gueixa e o kabuki, elementos tradicionais da cultura japonesa, para realçar a delicadeza e a expressividade da amada. A canção também faz uso de metáforas naturais, como 'fonte de mel', 'onda do mar do amor' e 'mina de estrelas', para ilustrar a profundidade e a riqueza da beleza e do amor que o eu lírico sente. Essas imagens poéticas servem para ampliar a sensação de que a mulher descrita transcende a beleza comum, elevando-se a um patamar quase mítico.

Além de ser um elogio à beleza feminina, 'Você É Linda' também é uma celebração do amor e da vida. A música transmite uma mensagem positiva e alegre, onde o eu lírico se sente pleno e feliz pela presença dessa mulher em sua vida. A repetição do verso 'Você é linda, mais que demais' funciona como um refrão que grava na memória do ouvinte a força desse sentimento. Caetano Veloso, com sua voz suave e interpretação emotiva, consegue transmitir a sensação de que cada palavra é sentida e vivida, tornando 'Você É Linda' uma canção atemporal que continua a tocar corações por sua simplicidade e verdade.

Aluísio de Azevedo (A Serpente)

João Brás foi jantar à Santa Teresa com o seu amigo Manuel Fortuna, como costumava fazer invariavelmente todos os domingos.

Eram ambos do comércio: João guarda-livros e o outro estabelecido com uma loja de alfaiate. Grisalhando já entre os quarenta e os cinquenta, não tinham eles todavia vinte anos quando se conheceram, e essa longa amizade jamais fora perturbada pelo menor atrito de caráter.

– A paz dos anjos seja nesta casa! – exclamou João Brás, no tom risonho e tranquilo com que, ao chegar os domingos à casa do velho amigo, dizia sempre e sempre essa mesma frase.

– Bons ventos o tragam, compadre! - respondeu Manuel, estendendo-lhe a mão. – Como tem passado? E minha afilhada como vai?

– Sem novidade, graças a Deus. Lá foi mais o marido e os filhos visitar a sogra, na Piedade. Naturalmente só voltam amanhã no trem das nove e meia.

– D. Maria, já sei, está lá dentro?

– Está. Vá entrando compadre.

E o guarda-livros enfiou sem cerimônia até à cozinha para ir entregar à Dona Maria, que lá estava as voltas com o jantar e com a cozinheira, os pacotes de doces e frutas que ele trazia pendurados da mão esquerda.

Abraçaram-se formalmente, entre as palavras e os risos do costume.

João Brás era viúvo já pela segunda vez. Do primeiro matrimônio ficara-lhe uma filha, que, pelo batismo, o fizera compadre de Manuel, e depois, dezoito anos mais tarde, lhe dera um lindo casal de netos, agora constituídos no alegre enlevo da sua velhice.

Aqueles jantarzinhos domingueiros em casa do amigo tinham para ele o irresistível encanto do mais velho hábito de sua vida. Mal cumprimentava os donos da casa, trocava a sobrecasaca por um rodaque de linho branco e estendia-se numa cadeira de balanço, sob as árvores do jardim, à espera que o chamassem para a mesa. O cozido, o vinho virgem e os motivos da conversa entre os três eram quase sempre os mesmos. Depois do café, os dois compadres armavam sobre as pernas o tabuleiro do gamão e enfiavam partidas até às dez e meia da noite, enquanto D. Maria se arranchava lá fora com as famílias da vizinhança fazendo roda à porta da chácara ou passeando pelas redondezas da casa.

Manuel todavia não era casado com a sua companheira. Tendo, aos trinta anos, a recolhido como empregada para lhe tomar conta da casa, da despesa e das roupas brancas, deixou-se afinal entrar passivamente no inventário dessas coisas, e ela acabou por tomar conta também dele.

Quando deram por si, estavam unidos pela mais legítima ternura e estavam conviventes no mais perfeito pé de igualdade.

D. Maria era honesta por índole, era sadia e limpa; o negociante sentiu-se bem ao lado dela e deixou-se ficar.

Terminado o jantar, Manuel foi, como de costume, buscar o gamão, e assentados um frente ao outro, dispuseram-se os dois amigos à pachorrenta campanha, trocando logo as primeiras facécias (chacotas) e as primeiras risadas de todas as suas inumeráveis partidas.

– Mas então, compadre, i– nterrogou João, armando o jogo - afinal que me diz você do que falei outro dia a respeito de D. Maria?… Está resolvido a…

– Aí mau! Já aí vem você com a mania! Tardava-me essa cantiga! Ora para que lhe havia de dar!

– Mania não, homem de Deus! É tudo que há de mais razoável e de mais justo! D. Maria é uma senhora séria… você não tenciona separar-se dela… por que, pois não se casam logo?…  Seria mais bonito!

– Mas por que diabo hei de me casar, se somos felizes assim como vivemos há treze para quatorze anos… Nunca até hoje nenhum de nós pensou em semelhante coisa… As nossas relações de amizade não podem ser mais limitadas e modestas. Ela não tem pretensões e eu, cá pelo meu lado, nada espero nem desejo fora do meu canto, onde vivo em boa paz, graças a Deus! Quando queremos sair, saímos! Vamos ao teatro! Vamos ao Passeio Público! Vamos à toda a parte! Ninguém repara em nós! Por que então hei de eu agora tirar-me dos meus cuidados e casar?!… Não me dirá você?!…

– Seria mais bonito!…

– Ora deixe-se disso, compadre!

– É uma questão de moral!…

– Então, seu João, eu sou um homem imoral?… Por quê?

– Não digo isso, mas…

– Se tivéssemos filhos, vá! Convenho que seria de vantagem o casamento… mas, se até hoje eles não vieram, é natural que nunca mais venham.

– Não, compadre, o seu casamento com D. Maria não é só um ato de moralidade, é também um dever de gratidão e é bom cumprimento de justiça! Pois então uma mulher uma senhora, dedica-se durante quatorze anos a um homem, procedendo sempre com a mais severa honestidade, ajudando-o na vida, tratando dele, aturando-o enfim e, ao cabo de todo esse tempo, ele se não resolve a fazer por ela um pouco mais do que no primeiro dia das suas relações!… Não! não é justo, seu compadre! Tenha paciência, mas não é justo!

– Homem! Sabe de uma cousa? Não falemos mais nisto! Você quando mete a cabeça para um lado não há meio de tirá-la daí!

– Pois não falemos! Não falemos! O meu protesto, porém, fica de pé! Não falemos, não falemos. – mas no domingo seguinte, durante o joguinho, o compadre João Brás voltou à carga e acrescentou às novas escusas do amigo:

– É! Nas suas condições dizem os homens geralmente a mesma coisa e afinal acabam sempre casando à última hora, quando a mulher está a despedir-se da vida e já nada aproveita por conseguinte com a tardia resolução do seu ingrato companheiro; ao passo que esse mesmo ato de justiça praticada antes, em pleno gozo da existência, seria honroso motivo de verdadeira felicidade para ela!

– Ora, deixe-me em paz, compadre! Deixe-nos viver como vamos vivendo e preste mais atenção ao jogo, se não prego-lhe um gamão cantado.

– Pois vivam, continuem a viver seguros pela mão esquerda, mas eu cá ficarei com o direito de revoltar-me, se um dia, em caso extremo, resolver-se você a coonestar (dar aparência honesta) à sua união com D. Maria!

Manuel soprou com mais força e arregaçou as sobrancelhas, dando silenciosa cópia de quanto fatigava aquela torturante catequese. E continuou a jogar sem dizer palavra. 

O outro prosseguiu, distraído do jogo:

– Além disso, é que pode você morrer de um momento para outro, sem ter tido tempo de pôr em ordem os seus negócios, e a pobre senhora ficar por aí desamparada no mundo! Você tem parentes em Portugal, até irmãos se me não engano, pois saiba então que mesmo com testamento, esta casa e o que você possui no banco há de tudo parar em poder deles arriscando ficar D. Maria sem ter onde cair morta e precisando na velhice andar pelas esquinas a pedir por amor de Deus um bocado de pão para matar a fome! Vamos lá! Isto lhe parece justo, seu compadre?!

– Oh! Não diga isso, criatura, que você me aperta o coração! Ora já se viu?!

– Pois é cumprir com o seu dever, homem. Case-se por uma vez!

E, como D. Maria nesse momento entrava do passeio, o moralista levantou-se, deixando o tabuleiro do gamão sobre as pernas do parceiro, e foi ter com ela, para lhe dizer à queima roupa:

– Estive até agora conversando com o compadre a seu respeito, D. Maria! Mas isto é um cabeçudo de marca! Pergunte-lhe pelo que lhe falei e ajude-me também pelo seu lado!

Manuel soltou uma gargalhada.

– Sabes tu qual é agora a mania do João?… disse ele, voltando-se para a companheira. É casar-nos! Ora já se viu para que lhe havia de dar?… E não me larga, o teimoso! Não me fala noutra coisa!

– E não lhe parece que eu tenho razão? – perguntou João Brás, dirigindo-se por sua vez a D. Maria, que os escutava imóvel, sorrindo em silêncio.

– Ah! – respondeu ela com doçura. – Eu estimaria… isso com certeza… Para que negar?… Casada sempre é outra coisa: Pode uma mulher andar de cabeça erguida e pode mandar em voz alta, porque manda no que é seu! Mas cá por mim, em boa hora o diga! Dou-me por muito feliz em ter Deus me chegado para um homem como seu compadre, e nada exijo nem reclamo, porque muito já é o que ele faz por mim e pelos meus!

– E não dói a você a consciência, seu Manuel ? – exclamou João Brás com a voz tragicamente comovida, estendendo o braço e derreando para um lado a cabeça. – Não dói a você a consciência ao ouvir estas palavras, que são a expressão pura da virtude e da resignação?

– Pois bem! Pois bem! – rosnou Manuel, quase vencido. – Havemos de ver! Havemos de ver!

– Não! – replicou o outro energicamente –  “Havemos de ver” é uma promessa de caloteiro! Você o que não quer, já sei, é incomodar-se, pois eu me encarrego de tudo! Amanhã mesmo trato dos papéis. Está dito?

– Sim, sim! Veremos amanhã.

– Não! não! Já daqui não saio sem autorização para correr os banhos! Quando me meto numa coisa, é assim! O caso é estar convencido da justiça e da razão!

– Mas que falta de sofrimento! Que sangria desatada! – exclamou Manuel. – Irra! Parece que você vai salvar o pai da forca!

– Nada, meu amigo! O que se tem de fazer, faz-se logo. – O pão endurece de um dia para outro! E lá a senhora, D. Maria, ajude-me a arrastar este egoísta! Segure-o pelos ombros, que eu o seguro pelas pernas, e despejemos com ele do terraço abaixo, se não nos autorizar já e já a tratar amanhã mesmo dos papéis do casamento!

– Pois com um milhão de raios! vociferou afinal o perseguido, fugindo ao terrível compadre, que por pilhéria o agarrava já pelas pernas. Arranje! Arranje você lá os papéis que quiser! Arranje o diabo! Mas deixe-me em paz e nunca mais me fale em semelhante coisa! Arre! Pode gabar-se, meu caro, de que é um serrazina de primeira força! Nunca vi coisa igual!

– Ora bravo! aplaudiu João, batendo palmas. Até que enfim você provou que é um homem de bem! Venha de lá este abraço! E, quanto à senhora, os meus parabéns de amigo sincero! Amanhã mesmo trato dos papéis!

– Mas olhe lá, seu João… – atalhou o outro, segurando-lhe o braço. – Observo-lhe que não estou absolutamente disposto a prestar-me ao ridículo nesta idade! Só consinto no casamento se este for coisa muito íntima, muito em segredo, sem festas sem convites e sem nada de barulho.

– Ó homem! – volveu João Brás .–  O casamento faz-se de madrugada, um dia destes, na competente igreja sem que ninguém tenha que meter lá o nariz! E depois ficam vocês casados e dignamente unidos para sempre! Podemos é jantar, nós os três juntos esse dia; o que, para não alterar a praxe, bem pode ser num domingo. Hein? Que lhes parece?…

– Bom… Assim vá lá! – cedeu Manuel.

– Fica então marcado para o domingo que vem?…

– Pois marquem lá para domingo! Irra!

E assim foi. No domingo seguinte Manuel levou D. Maria à igreja de sua freguesia e voltaram de lá marido e mulher, graças a João Brás que tinha tudo despachado, com uma expedição capaz de envergonhar ao mais ativo agente de casamentos.

O jantar, já se vê, foi melhor nesse dia e regado mais copiosamente. D. Maria mandou matar peru e recebeu de mimo um leitão assado. Fez doces e comprou frutas e flores. Manuel, à tarde, admirou-se de ver entrarem-lhe pela sala algumas vizinhas com trajes de festa, acompanhadas pelos parentes e não se pôde furtar a parabéns e abraços, que lhe faziam torcer o nariz.

– Aquele compadre João Brás era o diabo! Afinal de contas tudo aquilo estava fora do programa!

Manuel principiava a arrepender-se do que tinha feito e parecia já menos alegre que nos outros dias.

D. Maria, essa pelo contrário, estava radiante e mostrava-se mais empertigada mais dona de casa. À mesa falou aos convivas com um ar empantufado e senhoril, que ninguém, ainda menos Manuel, até aí lhe conhecera.

Contudo, o bom homem, apesar de deveras contrariado por sair dos seus velhos hábitos, não se queixou; e, mal terminados os fervorosos brindes da sobremesa, foi pachorrentamente buscar o tabuleiro do gamão e armou-o sobre os joelhos, no lugar do costume, assentado defronte do vitorioso compadre.

D. Maria acabava nesse instante de assomar à porta da sala, palitando os dentes. Ao ver o marido, que armava a primeira partida, exclamou:

– Também vocês são terríveis com esse infernal gamão! Oh! nem mesmo no dia de meu casamento e com visitas aqui deixam o diabo do jogo!

E arrebatou das pernas dos dois parceiros o tabuleiro, com os dados, as pedras e os copos de couro, que se espalharam pelo chão.

João Brás soltou uma risada supondo que aquilo era simples gracejo. 

– Mas, D. Maria! acrescentou de cara fechada e com voz dura: – Ó senhores! Que diabo, deixem-se dessa sensaboria (contratempo) uma vez ao menos! Tenham um pouco em conta o dia de hoje!

E afastou-se, muito escamada, sacudindo os quadris e abanando-se com o leque.

Os dois compadres, assentados um frente do outro, como se fossem agora jogar o sisudo, olharam-se sem ânimo de proferir palavra.

E assim que se pilharam a sós, Manuel segredou ao amigo:

– Você viu, compadre? Você viu o pano da amostra?

João não respondeu e Manuel murmurou, sacudindo a cabeça:

– Pode ser que me engane, e Deus o queira! Mas suponho que para sempre me fugiu de casa a tranquilidade!…

E tinha razão o pobre homem: tais coisas se foram sucedendo em casa dele que Manuel, meses depois, surgiu um dia no escritório do amigo, e atirou-se numa cadeira esbaforido de cólera.

– Que houve de novo, compadre? Que mais lhe aconteceu? – perguntou o guarda-livros.

– Foi você quem se encarregou dos papéis para casar-nos, não é verdade? – bramiu o negociante. – Pois, meu amigo, trate agora dos papéis do divórcio, porque este que aqui está nunca mais porá os pés na casa em que estiver aquela fúria! Nunca mais, ouviu!?

E aquele homem, até aí tão pachorrento, tinha agora uma catadura (feição) de tigre assanhado e dardejava ferozmente o guarda-chuva, ameaçando quebrar os globos das arandelas do gás.

– Arre! arre! – berrava ele –  Vá para o inferno e o diabo que a ature!

– Mas, compadre, reconsidere, escute! Você está fora de si, homem!

– Não! – berrou Manuel, esbugalhando os olhos e rilhando os queixais. – Não, com mil raios! Se me aproximar daquele demônio é para estrangulá-lo! Não volto a casa! Não quero ser assassino!

– Mas o que mais houve, compadre?

– Que houve?! – E o infeliz soltou uma gargalhada satânica. – Que houve?! Vá lá à casa e veja o estado em que deixamos tudo! Vá ver!

Fonte: Aluísio de Azevedo. Contos. Publicado originalmente em 1893. Disponível em Domínio Público 

sexta-feira, 17 de maio de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 46: Bem aventurado

 

Arthur Thomaz (No Tribunal)

Não tenho a mínima noção de onde me encontro. Pareço estar acordando de um sono pro fundo povoado de pesadelos. 

Esfrego os olhos na vã tentativa de afastar essas incômodas imagens. Vozes misturavam-se, até que consegui desembaraçá-las, e pude identificar iradas frases que vinham de uma figura com toga preta nos ombros e que parecia dirigir essas ásperas palavras a mim.

Desligo-me momentaneamente desse inóspito ambiente e tento lembrar de meus momentos anteriores a esse cataclisma. Recordo, imediatamente, das carícias suaves da minha Tereza no leito do motel, em que íamos uma vez ao ano para reacender o relacionamento que já perdurava há uma década.

Ou seriam os deliciosos carinhos da proibida Raquel, amante há algum tempo?

Eu pensei naquele dia em dizer a Raquel que o motel que ela escolhera era o mesmo em que eu ia com Teresa, mas, prudente, calei-me.

Embaralhando meus pensamentos, já não os distinguia neste momento, ainda mais com aquela voz irritante do togado citando insistentemente meu nome.

Culpado, premeditado, má conduta, falsidade, encontrado com a faca nas mãos. Cruéis palavras que me torturavam, explodindo em meu confuso cérebro. Será que fechando novamente os olhos, trocaria esse pesadelo por um sonho mais leve?

Novamente, gritos acusando-me de estar dormindo em pleno julgamento. Essa palavra soou como um míssil tentando explodir minha cabeça. 

Percebi, então, que algo grave estava acontecendo. Que estranho!. Deitado, eu dizia a Raquel para pararmos de beber, mas ela teimosamente pedia mais dois drinques.

De repente, uma estridente e raivosa voz adentra. Um barulho, um grito abafado e algo é colocado em minhas mãos.

Bêbado, deixei para ver depois o que era esse frio objeto. 

Em seguida, sirenes, gritos e algo gelado prendendo meus punhos. Estranhamente, minha doce Raquel nada dizia nessa hora.

Abro os olhos e vejo aquelas sete pessoas e seus 14 olhos perscrutando minha alma.

Parecendo dissecar meus pensamentos e com desejos de arrancar meu coração. Seria aquilo um júri?

Eu só queria voltar a dormir nos braços de uma delas.

Aquela toga levanta-se e pronuncia algo que foi comemorado por uma multidão, que só agora vejo sentada atrás de mim.

Gritos, novos empurrões, algo gelado volta apertando os meus punhos e sirenes. Enfim, me levam ao sossego de um local acolhedor, longe daquela incômoda balbúrdia.

Muitos anos depois, alguém de visível má vontade, escancara aquela porta gradeada e finalmente me encontro na rua.

Agora posso voltar aos braços da proibida Raquel. Em vão, eu a procuro. Aquela voz que algo fez para separá-la de mim continua tonitruante em meus ouvidos.

Repentinamente, reconheço a voz raivosa daquele dia.

Era a de Tereza. Grito desesperado e tardiamente que não fui eu. E nessa hora, nem os paralelepípedos da rua me escutam.

Fonte> Arthur Thomaz. Leves contos ao léu: imponderáveis. Volume 3. Santos/SP: Bueno Editora, 2022. Enviado pelo autor 

Vereda da Poesia = 9 =


Uma Trova de Maringá/PR

A. A. de Assis

Cresce a cidade… que pena…
crescendo, perde a poesia;
– na rua ninguém me acena,
ninguém mais me diz bom-dia!
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Um Poema de Porto Alegre/RS

Rodrigo Zuardi Viñas

SE EU PARTIR ANTES DE TI

Quero que isso aconteça
numa manhã tranquila
e agradável
para que o momento
seja eternizado
pela beleza do dia
e pelos sentimentos
que temos um pelo outro.
Ah, se eu partir antes de ti,
sei que, além de saudades,
manterás, por mim,
muito carinho e admiração.
A amizade que nos une
foi construída
com muito respeito, sinceridade
e companheirismo.
Ah, se eu partir antes de ti,
sei que me guardarás
como uma das tuas boas lembranças.
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Uma Quadra Popular

Quero cantar, ser alegre,
Que a tristeza não faz bem;
Inda não via tristeza
Dar de comer a ninguém.
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Um Soneto de São Mateus do Sul/PR

Gérson César Souza

NEBLINA

Tal qual o véu que cobre um rosto de menina,
tua beleza amanheceu hoje escondida.
Chegou o inverno... e eu te encontro adormecida,
cidade amada, sob um manto de neblina...

Meus passos calmos já conhecem cada esquina,
cada comércio, cada rua ou avenida.
Mesmo esta névoa é uma velha conhecida,
parceira antiga na jornada matutina.

Eu acompanho este momento em que despertas:
luzes se acendem... as janelas são abertas...
e o sonolento vai e vem da nossa gente.

Quando a neblina vai, por fim, se dissipando,
alto no céu há um sol ansioso te esperando
para abraçar teu frio e dar-te um beijo quente!
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Uma Aldravia de Ipatinga/MG

Marília Siqueira Lacerda

noite
dia
silêncio
dobrado
feriado
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Uma Setilha de Natal/RN

José Lucas de Barros
Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN

Entre as coisas que a vida me propôs,
desde o tempo feliz da tenra idade,
e eu procuro seguir com todo o empenho,
vêm, na linha de frente, a honestidade
e os princípios do amor e da harmonia,
porque Deus vai querer que eu prove, um dia,
o que fiz pra ganhar a eternidade.
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Um Epigrama de Fortaleza/CE

Antônio Sales
Fortaleza/CE, 1868 – 1940

A opinião severíssima
te condena sem razão:
tu serias fidelíssima
se fosses… mulher de Adão.
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Uma Sextilha de Porto Alegre/RS

Gislaine Canales
Herval/RS, 1938 – 2018, Porto Alegre/RS

Podemos trocar carinhos
por e-mails todo dia,
e podemos divulgar
mensagens, versos, poesia,
repartindo com o mundo
a nossa eterna alegria!
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Uma Trova de Santos/SP

Cláudio de Cápua
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Os braços vindos de guetos,
sob o sol ou sob a lua,
amarelos, brancos, pretos,
clamam justiça na rua.
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Um Poema de Lisboa/Portugal

Fernando Pessoa
(Fernando António Nogueira Pessoa)
Lisboa/Portugal, 1888 – 1935

A MORTE É A CURVA DA ESTRADA 

A morte é a curva da estrada,
Morrer é só não ser visto.
Se escuto, eu te ouço a passada
existir como eu existo.

A terra é feita de céu.
A mentira não tem ninho.
Nunca ninguém se perdeu.
Tudo é verdade e caminho.
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Uma Décima de Natal/RN

Ademar Macedo
Santana do Matos/RN. 1951 – 2013, Natal/RN

O SERTÃO É UM POEMA…

Deus na sua magnitude,
fez do sertão um palácio,
deixou escrito um prefácio
na parede do açude;
disse da vicissitude
da flor e do gineceu,
de um concriz que se escondeu
nos garranchos da jurema,
o sertão é um poema
que a natureza escreveu.
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Mais um Poema de Lisboa/Portugal

Antero Jerónimo

As palavras são janelas ou muros
Levadas a tribunal de audição 
Juízes ou carrascos atentos
São libertação ou podem ser condenação

Entrego as minhas palavras
Como uma bandeira branca
Desfraldada em campo sereno
Onde conseguimos a reconciliação 
No espaço do maravilhoso criar
Onde somos dom e inspiração

Sempre estivemos nesse lugar
Da comunicação em união 
Mas inseguro tropeço em fragilidade 
Nesta minha latente imperfeição

Sejamos então abraço e voz de alma
Que nos transcende e acalma.
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Um Indriso* de São Paulo/SP

Isidro Iturat

LUA CHEIA

A velha mandinga contava à sua neta
sobre os sortilégios da Mãe Lua,
lá na boa noite, lá na noite quieta:

“Para a deusa nunca vais olhar,
porque se te mira quando tu a miras,
o Pássaro Prata ouvirás cantar.

E ao canto da ave o ventre se alua

e do bom marido, saberás das iras”
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* O indriso é um poema que consta de dois tercetos e duas estrofes de verso único, isto é, que está organizado segundo um padrão 3-3-1-1, e surge a partir de uma reelaboração do soneto no que poderia explicar-se como um processo de condensação estrófica. Os quartetos do soneto passam a ser tercetos no indriso. Depois, os dois tercetos do primeiro passam a ser estrofes de verso único no segundo. 
O indriso foi criado por Isidro Iturat, que nasceu em Vilanova i la Geltrú, España, 1973. Escritor e professor de lingua e literatura espanholas. Reside em São Paulo desde 2005. (Fonte: www.indrisos.com)