sábado, 12 de setembro de 2009

Trova LI

montagem sobre imagem de www.mayte.us/prosa/images/velhos.jpg

Rodrigo Garcia Lopes (Poetas do Paraná)



STANZAS IN MEDITATION
para Henry David Thoreau

Folhas negras caem, rufam em profusão. O vento encrespa a
Água, Tempo, enruga
faces. Um vale revela
canyons, grutas:
em silêncio, exploramos o interior

destas montanhas: uma chuva fina, estranha,
começa a cair
e súbito dissipa —
O ruído áspero
de uma vespa. Este é o céu, claro, como metal. E aquilo,

A fumaça abandonada por um trem, talvez. Flores
Se dissolvem nos olhos, e nos debruçamos sobre velhas lendas
conferindo as pegadas de um animal desconhecido.
A trilha termina num riacho.
A água se surpreende com este vento todo
que vem do Oeste
e que agita a sinfonia das árvores.

Neblina nítida, colinas, um vapor neste espelho.
Num ponto qualquer da paisagem captamos
seus olhos verdes, mudos, fixos na relva úmida.
Um animal e você contemplam do mirante
este milagre
a baía vazia
— a areia do dia exibindo sua rasante —
rochedos & distâncias, como antes,
animada pelas danças do vento
fazendo desta ausência
presenças manifestas em tudo:

chuva
que desaba
entre os olhos
abertos
da serpente.
Um flash
de luz
entre os bambus

o silêncio do sonho
traduzindo
uma imagem-movimento
que se desfaz
entre a verdade dos instantes.


ERÓTICA DAS SOMBRAS

Lendo na contraluz que o tempo alucina
Nas rótulas de ondas que em amarelo artéria barbarizam
Enquanto a boca apressa, sibilina,
entre sons (devorados de sentidos). Içam
o mar vertiginoso e kanjis de nuvens
nos olhos cheios de deus, Sal.
No biombo das montanhas — rugem
No sfumatto mental da fala e do Caos.
Na textura sépia da superfície de sons
Uma face letal lateja e se transmuta
(Estátua de estrondos, trilha de acenos)
Muda e nos sorri. Escuta
os espelhismos cifrados da manhã,
Lábio, na pele da romã.
*
inimigo
espelho da face
ecoa
(inacabado)
cai em rubra cortina
—em
câmera
lenta —
dobras sobre colinas
atordoado argumento:
qual paisagem
é real?
A de Jade, pedra de flanco, ou a que é já?
Vôos reluzem (circulares) — é o azul que se desfolha
Entre jatos
Minaretes-araucárias imprimem em símbolos
inventam a fala na pele de Laylak.
A hora furiosa solta-se, inçada
de vegetais e estática.
Sombras vomitam a distância,

Mandala de espantos.

*
No centro, alguma agulha o olho —
Agharta: lágrima no céu laranja.
Plumas de carne escrevem
a tarde celofane.
Ouro ecoa.
Quando voa —
está dormindo.
No agora gótico das sombras
teu lábio (calêndula) modula (calcina)
o matiz da invisível voragem
de ondas gongas:
Tempo, tudo o que a íris invê
no sudário das dunas, na curva de um silêncio.

SOMOS PESSOAS ESTRANHAS

somos
pessoas
estranhas
nem sabemos
que sonhos
que somos

esses
olhos
poucos

essas
folhas
secas?

esqueçam
fiquem
calados

somos
estranhos
no entanto

esta noite
dormiremos
lado a lado

SEU CORPO É UMA PRAIA DESERTA

Seu corpo é uma praia deserta
onde uma música desperta
numa onda esperta e a deserda:
espumas a ferem como pétalas.

Desterra, em tradução infinita,
pérolas na orla do olhar, ilha
que ainda está por ser escrita.

NA PASSAGEM DOS CÉUS QUE FOGEM DE NÓS

Na imagem das coisas que retornam sem nós,
Na miragem dessa solidão, você aqui:

Na repetição das antigas sensações
Na fala a provocar o pensamento
Parecendo um passado que se dobra
Sobre esta polpa de presente:

Se a linguagem é nossa realidade
E coisas forem apenas palavras
Então nos restará apenas a veracidade -
Esse vácuo que nos acua ao avançar.

PENSAGEM

Têmporas do vazio,
acolham o resto
de gravidez dos segundos.

Unha e carne
Céu e árvore
O vento arme.

Cada gesto
de seda decifre
o Hades da ira
onde pesado levita.

Homem em transe
acue o nada
a noite exangue
em cada fala-cadafalso.

Trevas se atiram
da margem oposta
das minhas artérias -
imagem, matéria.

RITO

Alertas, trapaças, cobranças, compromissos:
Quantas ilhas sem edição, vidas sem viço,
A morte visita sem aviso?
E, afinal, pra que mesmo tudo isso?

O que deu nesse mundo, caduco,
O que ficou do tempo em que viver
Era mais que só mudar de assunto
Era rito, um estado de espírito?

Ou quando olhar era uma reza,
Pensar que revelava a leveza,
Música vindo de dentro
(Precisa de centro?)

Uma revolução do sentir nos fez ateus:
Quisemos então ver a face de Deus.

E você a meu lado, lembra
De quando bastava uma fagulha
Pra explodir uma Bastilha?

A LUME SPENTO

Colhe com seus olhos a fumaça que insinua
ao penetrar - sendo incenso e silêncio -
sua mente em meio ao tráfego intenso
da manhã, relumbre em suas mãos nuas.

Daqui das margens desse sonho
ideogramas de formas obscuras
reescrevem seus gestos num bazar estranho
sem saber ao certo o que procura:

Se meus olhos, opacos, entre bijuterias
baratas que você arremessou
(como quem dedilha um sol menor ou
a linha acesa de minhas artérias)

Mas sem querer você abre, de leve,
as persianas e invade uma sutil
reminiscência do que nunca existiu
(Ou, como seu rosto, foi tão breve).
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Fonte:
NA VIRADA DO SÉCULO: poesia de invenção no Brasil ( organização de Claudio Daniel e Frederico Barbosa). São Paulo: Landy, 2002.
http://www.antoniomiranda.com.br

Rodrigo Garcia Lopes (1965)



Poeta e tradutor, nasceu em Londrina (PR), em 1965.

Mestre em Artes pela Arizona State University e doutor em Letras/Inglês pela Universidade Federal de Santa Catarina.

Integrou as antologias Artes e ofícios da poesia (Artes e ofícios, Porto Alegre, 1990), Outras praias (Iluminuras, 1998) e Esses poetas (Aeroplano, 1998).

Publicações:
– Livros de poemas Solarium (Iluminuras, 1994), Visibilia (Sette Letras, 1997) e Polivox (Azougue Editorial, 2002).
– Sylvia Plath — poemas (Iluminuras, 1991) e Iluminuras (gravuras coloridas), de Rimbaud (Iluminuras, 1994), ambos em parceria com Maurício Arruda Mendonça.
– Vozes e visões —panorama da arte e cultura norte-americanas hoje (Iluminuras, 1996), com entrevistas com poetas, críticos e artistas plásticos dos EUA.

Foi um dos editores da revista Medusa, e hoje edita a revista Coyote, com Ademir Assunção e Marcos Losnak.

Em 2001, lançou o CD de música e poesia Polivox.

Fonte:
http://www.antoniomiranda.com.br

José Carlos Brandão (O Emparedado)



Eu sempre calado
entre estranhos dobres.
Eis-me limitado
por estanho e cobre.
Eis-me emparedado
no meu quarto pobre.
Ainda mais me calo,
por mais que me dobres.
Sempre o mesmo avaro,
por mais que me cobres.

Parco de palavras
e outros marcos úteis.
Nessas minhas lavras,
sempre mais inúteis.
Memórias escravas,
minhas cobras fúteis.
Meus anjos de lavas,
trevas, barros súteis.
Eis-me em lande escassa:
longe, as formas dúcteis.

Esse o meu destino.
Moldar a estrutura
de encruados mitos.
Na pedra mais dura
forjar um estilo
de vaga ventura.
Nesta arte prossigo,
hera de ternura.
Neste brando rito,
palavra mais pura.

Do quarto as paredes
a pele do corpo.
Isolam as sedes
deste vário horto,
lançadas as redes
onde tudo é morto.
Onde eram as lendas
é um olho torto.
Por que se desvendem
as vozes do orco.

E o que era talvez
um menino antigo
finda-se de vez.
Desse mito findo
o muro de pez
e íntimo granito.
Dessa viuvez
no verbo falido.

– Um poema não lês,
não se lê o olvido.
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Fontes:
BRANDÃO, José Carlos. O Emparedado. Rio de Janeiro: Companhia Editora Americana, 1975.
Imagem = http://vitrinedemim.blogger.com.br

José Carlos Brandão (Parada em Ventania)

Aqui venta sempre desse jeito, sim senhor. Acho que é por isso que chamaram aqui de Ventania. Em Dois Córregos também venta muito. Foi a minha irmã, a Cida, que me contou. Não, eu não conheço lá. O senhor não está vendo as minhas pernas? Eu não conheço lugar nenhum, eu só conheço aqui. A Cida é quem me conta as coisas. Ela diz que Dois Córregos não é muito grande, mas que é muito maior do que aqui. E deve ser bem maior mesmo, pelas coisas que ela conta que tem lá. É, sim senhor, eu só conheço as coisas de ouvir contar. Ah, também já vis as figuras de umas revistas que a Cida emprestou uma vez.

O senhor está cansado de esperar? Sente um pouco, fique à vontade. Logo passa um trem. Eu não sei se esse pára aqui, tem algum que pára. Mas o senhor viu o horário na estação, não é? Aqui a gente tem todo o tempo do mundo, não é preciso pressa. Pode olhar as coisas, não se acanhe. Tem sempre muita coisa para se ver. Eu não tenho muleta, não senhor. A Cida vem na hora do almoço, depois da escola, não sei a hora certa. Ela faz a comida, faz o meu prato, depois leva para o meu pai e a minha mãe lá na roça. Depois ela fica ajudando lá até de noite.

Mas o senhor parece que está impaciente. A gente precisa não se aborrecer com as coisas. Eu gosto muito de conversar. Se eu não estou chateando o senhor, eu continuo. É a Cida quem conversa comigo, quando ela está em casa e tem tempo e paciência. O meu pai às vezes tem tempo, mas não tem paciência nunca. Ele só fala "essa desgraça, essa desgraça", e olha minhas pernas moles, e bebe pinga. A minha mãe só fica chorando. Mas a Cida não, ela dorme na mesma cama que eu e fica ouvido enquanto eu falo tudo que eu penso. Eu durmo um pouco de dia e não tenho sono logo de noite e então eu falo, eu falo muito e ela me escuta. Às vezes parece que ela está dormindo, mas ela fala que está prestando atenção. O senhor também parece que sabe prestar um pouco de atenção.

Eu aprendi muito bem como prestar atenção. É assim que eu passo o dia. Mas eu presto atenção só no que me interessa. É esse o segredo. O senhor fica olhando esse relógio bonito toda hora. O senhor não viu aquele sabiá-poca ali no mamoeiro, não é? Olhe como ele faz com a cabeça, como ele ergue o pescoço e gira para um lado e para o outro. Olhe como ele fareja o ar, como ele vigia tudo.

O senhor fica olhando feito bobo as minhas pernas. Eu já aprendi a viver com elas. Eu não sei o que deu em mim, não. Foi uma doença que ninguém sabe o que é. Um dia elas começaram a bambear, logo ficaram assim molengatas até hoje. Eu até já pensei em me matar. Não era melhor acabar com a vida do que só dar trabalho, não prestar para nada? Foi o que eu falei para o meu pai. Ele ficou louco da vida, disse que ninguém pode mudar as coisas.

Ainda lembro daquela hora. A minha mãe olhou para mim e começou a chorar. Então eu ri para ela, eu queria mostrar que tudo estava bem, afinal eu até estava rindo. Mas ela chorou mais ainda.

Foi naquele dia que o padre veio aqui em casa e começou a rezar e a falar que era a vontade de Deus. Foi então que meu pai explodiu. Ele disse que só a vida tem remédio para a vida. Mandou o padre embora e pegou o garrafão de pinga. Eu admiro muito o meu pai, ele gosta muito de mim.

E é assim que é a minha vida. Eu não sou muito triste, não. Só de vez em quando. A gente se acostuma com as coisas. Eu comecei a gostar de ficar aqui parado na porta de casa. Eu tenho muito tempo. Fico ruminando as coisas, imaginando. Gostando de imaginar coisas boas. E também eu tenho tanta coisa para olhar. Aqui nunca acontece nada, mas eu fico olhando o mato e cada vez gosto mais das coisas que eu estou vendo.

Tem gente que acha que eu fiquei meio bobo, mas eu não me importo. Acho até bom assim ninguém fica com dó de mim.

O senhor não está com dó de mim, não é? O senhor parece que já se cansou de me ouvir, não é. Desculpe não ter nada para lhe oferecer. Tem água no pote, se o senhor está com sede. Se o senhor gosta de pinga, também tem, está atrás da porta. Tinha um pedaço de bolo, a Cida levou na escola. Ela nunca leva lanche, hoje ela levou. É até ruim, é capaz dos outros ficarem com lombriga.

O senhor já vai? Daqui a pouco tem um trem, sim senhor, mas eu não sei se esse pára aqui. Também pode ser de carga. Um tempo eu prestava atenção nos trens. Eu conhecia todos, só de ouvir. Eu só queria pegar um e ir para bem longe, numa cidade grande, bobagem minha.

Mas o senhor já vai mesmo? Não quer ficar mais um pouco? Eu estava gostando de falar com o senhor. Prefere esperar o trem na estação? O senhor não disse nada. Bom. Se quer ir, o senhor que sabe. Então até logo, senhor.
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Sobre o autor:
José Carlos Mendes Brandão publicou quatro livros de poesia: O Emparedado (1975); Exílio (1983), Prêmio José Ermírio de Moraes, do Pen Centre de São Paulo, para melhor livro do ano; Presença da Morte (1983), Prêmio “V Bienal Nestlé de Literatura Brasileira”; e Poemas de Amor (1999). Recebeu ainda o Prêmio Nacional de Literatura “Cidade de Belo Horizonte” (2000), por um romance inédito.
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Fontes:
http://www.gargantadaserpente.com/coral/contos/jc_ventania.shtml5/9/2009
http://poesiacronica.blogspot.com/
Imagem = http://www.geocities.com/Athens/Sparta/8579/trem42.jpg

Fernando Sabino (Vinho de Missa)



Era domingo e o navio prosseguia viagem. Os passageiros iam sendo convocados para a missa de bordo.

- Vamos à missa? convidou Ovalle.

O passageiro a seu lado no convés recusou-se com inesperada veemência:

- Missa, eu? Deus me livre de missa.

- Não entendo - tornou Ovalle, intrigado:

- O senhor pede justamente a Deus que o livre da missa?

- No meu tempo de menino eu ia à missa. Mas deixei de ir por causa de um episódio no colégio interno, há mais de trinta anos. Colégio de padre - isso explica tudo, o senhor não acha?

Ele achou que não explicava nada e pediu ao homem que contasse.

- Pois olha, vou lhe contar: imagine o senhor que havia no colégio um barbeiro, para fazer a barba dos padres e o cabelo dos alunos. Vai um dia o barbeiro me seduz com a idéia de furtar o vinho de missa, que era guardado numa adega. Me ensinou um jeito de entrar na adega - e um dia eu fiz uma incursão ao tonel de vinho. Mas fui infeliz: deixei a torneira pingando, descobriram a travessura e no dia seguinte o padre-diretor reunia todos os alunos do colégio, intimando o culpado a se denunciar. Ia haver comunhão geral e quem comungasse com tão horrenda culpa mereceria danação eterna. Está visto que não me denunciei: busquei um confessor, tendo o cuidado de escolher um padre que gozava entre nós da fama de ser mais camarada: "Padre, como é que eu saio desta? Eu pequei, fui eu que bebi o vinho. Mas se deixar de comungar, o padre-diretor descobre tudo, vou ser castigado." Ele então me tranqüilizou, invocando o segredo confessional, me absolveu e pude receber a comunhão. Pois muito bem: no mesmo dia todo mundo sabia que tinha sido eu e eu era suspenso do colégio. O homem respirou fundo e acrescentou, irritado:

- Como é que o senhor quer que eu ainda tenha fé nessa espécie de gente?

Ovalle ouvia calado, os olhos perdidos na amplidão do mar. Sem se voltar para o outro, comentou:

- O senhor, certamente, achou que o confessor saiu dali e foi direitinho contar ao diretor.

- Isso mesmo. Foi o que aconteceu.

- O vinho era bom?

- Como?

- Pergunto se o senhor achou o vinho bom.

O homem sorriu, intrigado:

- Creio que sim. Tanto tempo, não me lembro mais... Mas devia ser: vinho de missa!

Então Ovalle se voltou para o homem, ergueu o punho com veemência:

- E o senhor, depois de beber o seu bom vinho de missa, me passa trinta anos acreditando nessa asneira? O homem o olhava, boquiaberto:

- Asneira? Que asneira?

- Será possível que ainda não percebeu? Foi o barbeiro, idiota!

- O barbeiro? - balbuciou o outro:

- É verdade... O barbeiro! Como é que na época não me ocorreu...

-- Vamos para a missa - ordenou Ovalle, tomando-o pelo braço.

Fontes:
SABINO, Fernando. A mulher do vizinho. Rio de Janeiro: Sabiá, 1962.
Imagem = http://lusawines.com

A Formação da Língua Portuguesa no Brasil



A língua é um organismo vivo que se modifica ao longo do tempo. Palavras novas surgem para expressar conceitos igualmente novos; outras deixam de ser utilizadas, sendo substituídas.

Na época das grandes navegações, Portugal conquistou inúmeras colônias e o idioma português foi influenciado pelas línguas faladas nesses lugares, incorporando termos diferentes como "jangada", de origem malaia, e "chá", de origem chinesa. O período renascentista também provocou uma série de modificações na língua, que recebeu termos eruditos, especialmente aqueles relacionados à arte.

Os colonizadores portugueses, principalmente os padres jesuítas, difundiram o idioma no Brasil. No entanto, diversas palavras indígenas foram incorporadas ao português e, posteriormente, expressões utilizadas pelos escravos africanos e imigrantes também foram adotadas. Assim, o idioma português foi se juntando à família lingüística tupi-guarani, em especial o Tupinambá, um dos dialetos Tupi. Os índios, subjugados ou aculturados, ensinaram o dialeto aos europeus que, mais tarde, passaram a se comunicar nessa "língua geral", o Tupinambá. Em 1694, a língua geral reinava na então colônia portuguesa, com características de língua literária, pois os missionários traduziam peças sacras, orações e hinos, na catequese.

Com a chegada do idioma iorubá (Nigéria) e do quimbundo (Angola), por meio dos escravos trazidos da África, e com novos colonizadores, a Corte Portuguesa quis garantir uma maior presença política. Uma das primeiras medidas que adotou, então, foi obrigar o ensino da Língua Portuguesa aos índios.

Desde o século XVI, época da formação do Português moderno, o português falado em Portugal manteve-se mais impermeável às contribuições lingüísticas externas. Já o Brasil, em decorrência do processo de formação de sua nacionalidade, esteve mais aberto às contribuições lingüísticas de outros povos.

Ainda hoje o português é constantemente influenciado por outras línguas. É comum surgirem novos termos para denominar as novas tecnologias do mundo moderno, além de palavras técnicas em inglês e em outros idiomas que se aplicam às descobertas da medicina e da ciência. Assim, o contato com línguas estrangeiras faz com que se incorporem ao idioma outros vocábulos, em sua forma original ou aportuguesados.

Atualmente, existem muitas diferenças entre o português que falamos no Brasil e o que se fala em Portugal. Tais diferenças não se limitam apenas à pronúncia das palavras, facilmente notabilizada na linguagem oral. Existem também diferenças de vocabulário (só para citar um exemplo, no Brasil dizemos "trem", em Portugal se diz "comboio") e de construção gramatical (enquanto no Brasil se utiliza uma construção como "estou estudando", em Portugal prefere-se a forma "estou a estudar").

Fonte:
So Portugues
http://www.soportugues.com.br/secoes/portuguesFormacao.php

Dicionário do Folclore (Letra S)


SÁ-DONA. Tratamento que os homens do interior, camponeses, dão às senhoras casadas (Nordeste).

SABÃO. É uma dança do fandango no Rio Grande do Sul, São Paulo e Pernambuco, bastante popular nos meados do século XIX.

SABER-ONDE-O-CALO-APERTA. Saber, a pessoa, as suas dificuldades, os seus problemas.

SABONGO. É um doce feito com coco ralado e com mel de engenho ou de rapadura até o ponto apertado, para ser comido puro ou com farinha de mandioca. A mesma coisa que cocada, com um ponto mais brando.

SACI-PERERÊ. É um duende conhecido em diversas regiões brasileiras do sul, é um negrinho que só tem uma perna, ágil, astuto, atrevido, traquinas, gosta de fumar cachimbo, tem as mãos furadas, usa uma carapuça vermelha que tem poderes mágicos e que lhe cobre a carapinha. À noite, ele assobia, inquietando as pessoas, criando-lhes dificuldades, apagando o fogo, queimando os alimentos, assustando os viajantes durante a noite. O Saci é associado ao Diabo entre os mestres de folias de reis. Tudo faz crer que o Saci tenha nascido no século XIX.

SACOLÉ. É um picolé feito em casa, mas acondicionado em pequenos sacos plásticos, amarrados com linha, sem o pauzinho. Para saboreá-los só é preciso cortar uma das extremidades do saquinho e puxá-la para baixo.

SAGUIM. É um macaquinho que anda aos bandos. Dizem que o saguim morre se alguém lhe fizer uma careta. Também é conhecido como saguí, sauí e sauim.

SAIA-SAIÁ. Dança do fandango, do Paraná.

SAIA-VERDE. As meninas da saia verde são entidades que se manifestam no catimbó nordestino. São incontáveis, moram no fundo do mar, um dos reinos invisíveis.

SAIDEIRA. É como se diz do último copo de bebida na despedida de um dos parceiros ou quando a farra se acaba.

SAIETA. É um doce tradicional em Minas Gerais, feito da polpa de coco da palmeira buriti.

SAL. Usado no batismo da Igreja Católica, com aplicação universal para afastar os malefícios sobre a criança. Um dos feitiços que se possa fazer para maltratar uma pessoa é misturar sal com areia na pegada de uma criatura tendo, no meio, uma unha, um cabelo e um pedaço de roupa íntima. O contra feitiço é diluir o sal na água do mar. Pôr sal à porta de uma rival, obriga-a a deixar o namorado. Derramar sal na mesa é agouro. A sabedoria popular diz que para se conhecer um amigo, a pessoa tem que comer sal com ele, isto é, conviver algum tempo. O sal era a moeda circulante entre alguns povos antigos e dizem até que entre os indígenas brasileiros. Por isso a palavra salário é derivada de sal.

SALA-DE-DANÇA. Nome que se dá, na Bahia, aos candomblés que não seguem a tradição autenticamente africana.

SALGAR-O-GALO. É tomar a primeira dose do dia. É matar o bicho.

SALIVA. Com a saliva Jesus curou cegos e surdos-mudos. Na década de 40 andou pelo Agreste e Zona da Mata de Pernambuco um cidadão que se dizia médico e que aplicava injeções de saliva para curar determinadas doenças. A saliva tinha que ser de uma criança. Já na feitiçaria, a saliva pode até matar. Na medicina popular vamos encontrar a saliva usada para combater o mau-olhado. A saliva não deve ficar exposta, mas, coberta com areia ou esmagada com os pés para que o diabo não se apodere dela, hábito muito nordestino na zona rural.

SALTAR FOGUEIRA. Acontece por ocasião das festas do ciclo junino, quando as fogueiras são acesas; saltá-las, é um folguedo tradicional, como prova de coragem e agilidade de quem assim procede.

SAMBA. É baile popular nas cidades e na zona rural, sinônimo de função, pagode, fobó, arrasta-pé, balançar-o-esqueleto, balança-flandre. A palavra samba vem de semba e significa umbigada na língua dos escravos de Luanda que aqui chegaram. Somente em 1916 apareceu, pela primeira vez, a primeira música impressa mencionando a palavra samba: "Pelo telefone", de Donga, compositor carioca.

SAMBA-DE-LENÇO. O samba-de-lenço tem sua origem africana. Homens e mulheres, em fila, todos com um lenço na mão acenando para os cavalheiros e, homens e mulheres, formando pares, se dirigem ao centro, dançam ao som de uma caixa e, às vezes, pandeiros e guaiás.

SAMBOCA. É uma mistura de água de coco com açúcar.

SAMBURÁ. É um cesto feito de cipó, de tamanho pequeno, preso por um cordão grosso, para se trazer a tiracolo. Os pescadores botam no samburá os peixes que pescam. Na linguagem popular barriga de samburá é a pessoa que tem barriga grande. Pescar para o seu samburá é cuidar de seus negócios, de seus interesses.

SANFONA. É o mesmo que acordeona ou acordeon, fole, harmônica. No Rio Grande do Sul este instrumento musical é conhecido como gaita.

SANGRIA. 1. É uma mistura de vinho tinto com água e açúcar, aconselhada às mulheres que dão à luz, para aumentar o leite; 2. É uma incisão que se faz numa das veias para soltar o sangue, tratamento de algumas doenças quando a medicina estava engatinhando.

SANGUE-DE-BARATA. Como se sabe, a barata não tem sangue. E quando se diz que uma pessoa tem sangue-de-barata significa que essa pessoa é insensível, calma demais.

SANHAÇU. Pássaro também conhecido por sanhaço, que gosta muito de comer mamão. Na linguagem popular, sanhaçu é a pessoa que gosta de beber.

SANSA. É um instrumento musical trazido pelos escravos africanos, feito com um casco de jabuti no qual são presas tiras metálicas. Toca-se como um instrumento de corda.

SANTA RADI. É uma santa popular canonizada pela população do Alto Madeira, Amazonas, onde nasceu, viveu e morreu. Era uma moça de uma beleza sem igual, que ensinava catecismo às crianças, tocava violino sem saber música e vivia sempre rezando. Restabelecia a paz doméstica quando os casais brigavam e curava as pessoas quando estavam com paralisia, erisipela e outras doenças.

SANTA VITÓRIA. Era o nome dado à palmatória nas escolas, antigamente. Os alunos, às escondidas da professora, escondiam ou mesmo davam fim à palmatória para não serem castigados quando se comportavam mal ou não sabiam as lições.

SANTO-DO-PAU-OCO. Frase irônica aplicada a um menino travesso, traquinas, com ares de bonzinho. A explicação desta expressão é a seguinte: as imagens de santos, esculpidas em madeira, eram ocas, e vinham de Portugal, cheias de dinheiro falso.

SANTOS SEM DIA. Todo dia tem seu santo. Acontece que os 365 dias do ano não acomodam todos os santos da Igreja Católica que, para corrigir tal deficiência, determinou que o primeiro domingo do ano depois de Pentecostes, fosse o Dia de Todos os Santos. Hoje o Dia de Todos os Santos tem data fixa: 1° de novembro. O povo, para se ver livre de obrigações, criou um santo que não tem dia: é o Dia de São Nunca. Inventou, também, o Dia São Pagomião, que é o dia móvel em que os assalariados recebem seus salários e pagam suas contas.

SÃO JORGE. É um santo muito popular, também conhecido por Ogum nos ritos afro-brasileiros, patrono de corporações militares, escolas de samba, clubes de futebol. Justiceiro, protetor dos oprimidos e injustiçados, São Jorge é cultuado não somente nas igrejas católicas como também em terreiros de todas as linhas. Como Ogum-beira-mar, comanda o povo do mar. Como Ogum-ronda, cuida da segurança das pessoas, dos veículos, das casas de residência e comerciais. É conhecido como o Santo Guerreiro e festejado no dia 23 de abril, com procissões católicas e atividades nos terreiros. A espada-de-são jorge é uma planta usada nos banhos e libações. É bom ter um pé de espada-de-são jorge plantado no jardim das casas que ficam, assim, protegidas de todo o mal.

SÃO SEBASTIÃO. São Sebastião nasceu na Narbônia e foi legionário do Imperador Carino. Era o chefe dos Pretorianos que, na antiga Roma, se encarregavam de distribuir a justiça. Como ele era cristão, e foi denunciado ao imperador, ele, depois de amarrado numa árvore, foi crivado de setas até a morte. É um santo muito popular no Brasil. É o padroeiro da cidade do Rio de Janeiro e dá seu nome a dois municípios fluminenses: São Sebastião do Rio de Janeiro e São Sebastião do Alto. Conta a lenda que, na batalha final que expulsou os franceses que ocupavam o Rio de Janeiro, São Sebastião foi visto, de espada na mão, entre os portugueses, mamelucos e índios, lutando contra os franceses calvinistas. O dia da batalha coincidiu, exatamente, com o dia do santo, celebrado no dia 20 de janeiro. São Sebastião é o protetor da humanidade contra a fome, a peste e a guerra.

SAPATOS. Os sapatos estão ligados às crendices do povo. O povo acredita que deixar um sapato emborcado, isto é, de solado para cima, está chamando a morte do dono. É comum o uso de sapatinhos feitos de madeira, osso ou metal, como adorno, para a pessoa ter boa saúde, boa sorte e situação financeira equilibrada. Tem também a estória daquele homem que era tão econômico que os filhos só usavam um sapato para não gastar o par, de uma só vez.

SAPOS. O sapo é muito usado nas bruxarias, nos feitiços. Escrever o nome de uma pessoa na boca de um sapo, costurando-a, em seguida, traz muito mal à pessoa que é dona do nome. Acontece, também, que os sapos chamam a chuva e são seus guardiães. Diz-se que a pessoa tem a boca de sapo quando tem a boca muito grande. Uma das cantigas de ninar mais conhecidas no Brasil é a do sapo-cururu, com a qual as mães embalam seus filhos: "Sapo-cururu/Da beira do rio,/Quando o sapo canta, ó maninha,/Diz que está com frio!..."

SARABAGUÉ. É uma dança da Santa Cruz, em Carapicuíba-SP, ao som de uma viola de dez cordas, pandeiros, cuíca e reco-reco.

SARAPATEL. O sarapatel foi trazido da Índia pelos portugueses. É uma comida que conta com os seguintes ingredientes: sangue de porco, uma garrafa de vinagre, uma colher de sopa de sal, todos os miúdos do porco, temperos secos e verdes, duas folhas de louro, meio quilo de banha. É uma comida considerada como pesada, significando que, depois de comer sarapatel, uma pessoa não pode dormir nem tomar banho. Para cortar o peso do sarapatel o povo costuma tomar, depois de saborear um gostoso sarapatel, um cálice de cachaça ou de batida.

SARARÁ. É uma formiga vermelha, de asas. É o mulato de cabelos vermelhos, como a formiga de igual nome.

SARNA. É uma dança do Rio Grande do Sul. Enquanto dançam, os pares fingem que se coçam, como se estivessem com sarna, uma coceira que ataca as pessoas e que só passa com enxofre.

SARRABULHO.1. O mesmo que SARAPATEL; 2. Diz-se que uma pessoa leva um sarrabulho quando é derrubado por uma onda do mar quando está brabo.

SARUÉ. É uma dança que mistura a quadrilha francesa com a americana e também com passos do sertão. É a corrutela de soireé ou sarau.

SAUÍ. Veja SAGUIM.

SAUIM. Veja SAGUIM.

SAÚVA. Também conhecida como saúba, carregadeira, formiga-de-roça e sobitu. As fêmeas são as tanajuras, um prato tradicional, e fazem parte do molho do tucupi. Há um antigo slogan que diz: "Ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o Brasil."

SEGREDO-DE-ABELHA. Diz-se quando qualquer coisa é muito cheia de mistério impenetrável.

SEIXEIRO. É a pessoa que engana, passa calote, não paga a dívida contraída.

SEIXO. É uma pedra que de tanto percorrer a correnteza dos rios ficou arredondada, perdendo as quinas.

SEM-PÉ-NEM-CABEÇA. Diz-se de tudo que não tem nexo, não tem sentido, não tem começo nem fim.

SENTINELA. É o mesmo que velório, em Pernambuco, Alagoas e Ceará. Na Paraíba, no Rio Grande do Norte e também no Ceará, é quarto ou guarda. Em São Paulo, é guardamento.

SENZALA. Casa onde moravam os escravos nos antigos engenhos e significa morada, habitação, ambundo. A palavra é de origem africana.

SEQUILHOS. De origem portuguesa, os sequilhos são rosquinhas de massa seca, com ou sem amêndoas, castanhas de caju ou amendoim, de forma arredondada.

SER-FILHO-DO-PADRE. Diz-se de quem tem muita sorte em tudo que faz, em tudo em que se mete, negócios, mulheres, agricultura, tudo, enfim.

SER-O-CÃO-DO-SEGUNDO-LIVRO. Nas décadas de 20 e 30 o Primeiro e o Segundo Livro de Leitura, de Felisberto de Carvalho, eram adotados nas escolas primárias brasileiras. Mas era justamente no Segundo Livro de Leitura que os meninos daquela época se deparavam, a páginas tantas, com o desenho do Cão – como é mais conhecido o Diabo, o Satanás, o Demônio no Nordeste. Era uma figura terrível, de chifres, de cauda, botando fogo pelo nariz e empunhando um tridente, figura que causava medo na época em que tudo que se fazia era pecado e ainda existia o inferno. Daí a expressão popular ser-o-cão-do-segundo-livro com dois significados diferentes: a) como sinônimo de feio, horrível; b) significando danado de bom, inteligente, brabo, valente, bom em futebol, jogo de cartas, cantando, dançando, etc.

SER-UM-RAPADO. Ser um pobretão, não ter onde cair morto, nada ter de seu.

SERÁ-O-BENEDITO? Expressão popular equivalente a Será possível? É inacreditável!

SERAFIM. Santo italiano da Ordem dos Capuchinhos, canonizado pelo Papa Clemente X. Ele tinha uma das mãos tortas e as crianças costumavam brincar, assim: - "Uma esmola para São Serafim! Quem não der fica assim", diziam entortando uma das mãos.

SERENATA. Um pequeno grupo de rapazes entre os quais um toca violão ou piston e que, nas noites de lua, vão cantar à janela da moça pela qual um dos componentes do grupo está apaixonado. Alguns pais não gostam de serenatas e, às vezes, até mesmo atiravam ou derramavam urina sobre os rapazes da serenata.

SERENGA. É o canto entoado pelos romeiros por ocasião da festa do Divino Espírito Santo quando, remam, em suas canoas, para o encontro festivo das duas bandeiras, rio abaixo e rio acima.

SERENO. Ficar no sereno é o ato de quem não é convidado e fica do lado de fora, olhando, através das janelas, os bailes familiares.

SERESTA. Veja SERENATA.

SEREIA. A sereia é metade mulher muito bonita e a outra metade é peixe, que seduz os pescadores, fazendo com que eles morram afogados.

SERICÓIA. É um pássaro, uma espécie de saracura que, quando canta, está anunciando que vai chover.

SERPENTE. A serpente tem muito valor na sabedoria popular. Ela significa vida, força, mistério. O povo acredita que uma serpente cortada ao meio vira duas serpentes. Quando a serpente entra num rio, deixa o veneno fora d’água, e se morder uma pessoa, por mais venenosa que seja a serpente, a pessoa nada sofrerá. Se uma mulher grávida passar por cima de uma serpente, esta morrerá. Depois que Deus fez o mundo, o Diabo, muito invejoso e mau, pediu-lhe licença para também fazer seus bichinhos e tanto suplicou que Deus atendeu a seu pedido. O Diabo, então, fez a serpente, a cobra. O homem do interior tem seus remédios contra as picadas de cobras venenosas. Os rezadores também têm suas rezas para combater o mesmo mal.

SERRAÇÃO-DE-VELHA. Serra-a-velha é uma brincadeira muito antiga, trazida pelos colonizadores portugueses, e que consiste no seguinte: um grupo de pessoas se reunia à porta de uma velha e, chorando, gritando, com um serrote, serravam um pedaço de madeira, gritando "Serra-a-velha!". Às vezes o serra-velha terminava em tragédia quando os familiares da pessoa que estivesse sendo serrada disparava velhas espingardas contra os serradores. Pessoas até jogavam água quente ou urina sobre os serradores. A brincadeira acontece durante a Quaresma, até o Sábado de Aleluia. Em algumas cidades do interior nordestino ainda persiste esta brincadeira.

SERRANA. É uma dança dos fandangos do Rio Grande do Sul.

SEXO. Prever qual é o sexo da criança que vai nascer, é uma tradição corrente e popular na Europa. Foi o colonizador português o responsável pela divulgação dessa tradição entre nós. Vejamos como saber qual o sexo das crianças que ainda vão nascer: 1. Ferver um quiabo e, se ele se abrir depois da fervura, nascerá uma menina e, em caso contrário, será um menino; 2. Dá um talho num coração de galinha e fazê-lo cozinhar; se o coração conservar o talho aberto, nascerá uma menina e, se ficar fechado, nascerá um menino; 3. Põe-se uma folha de salsa na chapa do fogão; se a folha se encrespar, ficar encolhida com o calor, nascerá uma menina e, se não encolher, nascerá um menino; 4. Ao subir numa escada se a mulher grávida começar a subir com o pé direito, nascerá um menino e, em caso contrário, uma menina; 5. Pedir à mulher grávida que mostre a mão; se a estender com as costas da mão para cima, nascerá um menino e se mostrar a palma da mão, nascerá uma menina; 6. Se o ventre da mãe for pontudo, nascerá um menino e, se for arredondado, nascerá uma menina; 7. Se o feto for muito buliçoso, nascerá um menino e, se não for buliçoso, nascerá uma menina; 8. Manda-se, também, que a mulher fique em pé, encostada numa parede e pede-se que ela comece a andar. O sexo da criança depende do primeiro passo: se for dado com o pé direito, será do sexo masculino e, se for dado com o pé esquerdo, será do sexo feminino; 9. A primeira pessoa que bater em casa, no momento em que a mulher começa a cortar o enxoval do filho, também indicará o seu sexo; se a pessoa que bateu na porta da casa for um homem, a criança será do sexo masculino e, se for mulher, a criança será do sexo feminino; 10. Pelo bico do seio da gestante também é possível saber o sexo do futuro filho: se a coroa que se forma em seu redor for escura, nascerá um menino, e se for clara, quase natural, será uma menina.

SILÊNCIO. Lara, Mata e Tácita são a mesma deusa do silêncio, festejada no dia 18 de fevereiro. No folclore, o silêncio está nas superstições dos remédios, do tratamento das mordidas de cobra venenosa, de guarda-defuntos, do ato de desenterrar dinheiro dado por almas do outro mundo, de viagem noturna, de promessa de acompanhar procissão e outros – são coisas que a pessoa tem que fazer calada, no mais absoluto silêncio. No Brasil, alguns jogos infantis em que perde o menino que quebra o silêncio, isto é, fala, grita, chora.

SILVIO ROMERO nasceu no dia 21 de abril de 1851, na cidade de Lagarto, SE. Fez o primário com o professor Badu e, aos doze anos, estudou os preparatórios no Rio de Janeiro, onde também cursou o Ateneu Fluminense. Com 17 anos chegou ao Recife para cursar a Faculdade de Direito, bacharelando-se no dia 12 de novembro de 1873. Cursou a Faculdade, naquele tempo com Tobias Barreto, de quem se tornou amigo. Em 1871 colaborou no Correio de Pernambuco, no Diario de Pernambuco, no Jornal do Recife e na A República. Do Recife passou a residir no Rio de Janeiro, publicando ensaios, artigos e muitos livros. Na área de Folclore, salientamos: Contos populares do Brasil (1882), Etnografia brasileira (1888) e Estudos sobre a poesia popular no Brasil (1888). Pertenceu à Academia Brasileira de Letras do qual foi um dos fundadores. Faleceu no dia 18 de junho de 1914, na cidade do Rio de Janeiro.

SIMPATIA. É uma prática muito difundida entre as diversas classes sociais, empregada com a finalidade de chamar chuva, curar doenças, afastar formigas, encontrar noivo, achar emprego, fazer chover, etc. Entre as muitas simpatias, lembramos: 1. Para menino aprender a andar: dar de beber à criança água da primeira chuva de janeiro; 2. Para câimbra: amarrar um barbante virgem na perna; 3. Para dor de dente: aplicar na cárie cera de ouvido de cachorro; 4. Para bronquite: matar uma barata, colocar num saquinho de pano e amarrar no pescoço do paciente; 5. Coceira: passar urina de vaca no lugar afetado; 6. Embriaguês: colocar um pedaço de limão no bolso do bêbado; 7. Insônia: colocar três folhas de alface na fronha do travesseiro; 8. Para dor de barriga: tomar chá feito com olhos da goiabeira; 9. Suor nas mãos: passar as mãos na parede de uma igreja; 10. Urina solta: urinar dentro de uma casca de ovo e enterrá-la num formigueiro.

SINHÁ. É como os escravos chamavam as mulheres de seus senhores. Sinhazinha eram as filhas da sinhá, também chamadas de Sinhá Moça. Com a abolição da escravatura, a palavra sinhá perdeu seu significado inicial para se tornar um apelido.

SINHÔ. Sinhô é uma corrutela de senhor e tem a mesma origem da palavra sinhá. Os filhos do sinhô eram sinhozinhos.

SIRI. 1. O siri é um crustáceo do mar e dos rios quando se encontram, das marés. Várias são as qualidades de siri: o siri de mangue, o siri mole, o siri capiba que é o maior deles. Siri também é a pessoa que carrega o facho aceso ou o lampião no bumba-meu-boi. Siri-donzelo é como se chama o rapaz tímido, palerma. Um adágio popular diz que "O siri magro carrega água para o gordo". Na culinária do Nordeste o siri é muito solicitado: a fritada, o casquinho e as patas do siri são pratos encontrados nos bares e restaurantes da orla marítima; 2. A expressão brabo-que-nem-siri-na-lata é usada para qualificar a pessoa quando está braba, fazendo barulho, encrenca, fora de si.

SIRIRI. 1. Dança popular em Mato Grosso; 2. Ronda infantil abrangendo todo o Nordeste . O siriri é o menino que fica no meio da roda, feita por meninos e meninas de mãos dadas, cantando e, em seguida, segura uma das meninas que o substitui no meio da roda e no canto.

SÓ-TER-BOCA. Diz-se de quem só é valente na boca, sem ter coragem para brigar.

SOCA. Quando a cana é plantada em terra apropriada, fértil, no fim de dez a doze meses dá o seu primeiro corte, ao qual conhecemos com o nome de planta; dos troncos nascem novos rebentos que, no ano seguinte, fornecem outra safra, que é a soca; no terceiro ano, tem-se a ressoca; e no quarto, a contra-soca. Acontece que da soca, ressoca e contra-soca já não floresce uma cana de boa qualidade.

SOGRA. No mundo todo as sogras, com raras exceções, são odiadas pelos genros. A sogra é motivo de pilhérias, de piadas, de anedotas em todas as línguas. O povo diz que: 1. Sogra não é parente. É castigo; 2. Sogra boa é a que já morreu; 3. Feliz foi Adão, que não teve sogra nem caminhão; 4. Deus fez a mãe e o Diabo fez a sogra; 5. Não mando minha sogra para o inferno porque fico com pena do Diabo; 6. Sogra e arado só prestam debaixo do chão; 7. Duas coisas matam de repente: vento pelas costas e sogra pela frente; 8. Morar com sogra é fazer vestibular para o céu; 9. Depois que minha mulher morreu casei com minha cunhada pra fazer economia de sogra; 10. Sogra, milho e feijão, só debaixo do chão. ANEDOTAS: 1. Dois professores conversavam: - conheço duas línguas que nenhum poliglota é capaz de dominar. – E quais são elas? – A língua da minha sogra e a da minha mulher... 2. Dizia um amigo: - Por que é que você tem tanta raiva dos médicos? – É porque eles salvaram minha sogra três vezes... CULINÁRIA: No que diz respeito à sogra a culinária é bastante rica: a) Beijo-de-sogra; b) Olho de sogra; c) Pudim de sogra. APELIDOS DA SOGRA: a) A cobra choca; b) A mexeriqueira; c) A caninana; d) O pára-raios; e) A besta fera; f) A intrusa; g) A maleitosa; h) A espingarda ruim.

SOLEIRA. Vários povos consideram a soleira da porta de entrada das casas como um lugar de respeito e até mesmo sagrado. A pessoa, ao entrar numa casa, antes de pisar na soleira tinha que tirar o chapéu, em sinal de respeito ao reinado doméstico. Não se deve varrer a soleira, lugar onde são enterrados os umbigos dos recém-nascidos, onde são colocadas as primeiras unhas cortadas do filho e os cabelos das filhas. Um mundo de crendices está, assim, associado à soleira.

SOPA. 1. Prato comum no mundo todo, feito com caldo de carne, arroz ou macarrão, verdura, tempero verde, a gosto; 2. Também é o nome que se dava aos pequenos ônibus antigamente. Na Bahia, a sopa tinha o nome de marinete; 3. Sopa também é tudo que é fácil, bom. Fazem-se sopas de peixe, de milho verde, de macaxeira, de jerimum, de inhame, de cabeça de peixe, etc.

SOPA-DE-CAVALO-CANSADO. Em Portugal, é muito comum. A sopa é feita de vinho tinto com açúcar, canela e pão torrado.

SORORGO. Os escravos trouxeram para o Brasil esta dança africana.

SOVACO-DE-COBRA. Nos restaurantes populares está tendo muita aceitação o sovaco-de-cobra, um prato feito com charque desfiada e assada, para ser comida com macaxeira. É parecido com roupa-velha, prato feito com carne de boi desfiada e assada.

SUJO-QUE-SÓ-PAU-DE-GALINHEIRO. Diz de tudo que é demasiadamente sujo, pessoas, animais ou coisas, e também das más pessoas sem caráter, sem moral.

SUMÉ. Sumé é um homem branco que, antes do descobrimento do Brasil, aparecia aso indígenas, ensinando-lhes o cultivo da terra e regras morais. Acredita-se que o sumé seja o mesmo São Tomé, também chamado de Zomé.

SUOR. As roupas íntimas são muito usadas na feitiçaria, principalmente quando estão molhadas de suor. Coar café, chá, chocolate numa camisa suada de uma mulher e depois de bebidos faz com que a pessoa que bebeu mereça ao amor da dona da camisa. Quando as crianças estão sob a ação do quebranto, o pai ou o parente homem mais próximo faz com que passem entre suas perna abertas, estando suados.

SUPERSTIÇÃO. É um sentimento religioso baseado na ignorância ou no medo e que leva as pessoas à pratica de coisas criadas pela fantasia das crendices. A superstição é universal. Para que as pessoas se defendam das superstições devem usar amuletos. Não é bom passar por baixo de uma escada. O número 13 é azarento. Ver gato preto dá azar. Dormir com os pés na direção da porta do quarto é chamar a morte. A pessoa deve dar o primeiro passo com o pé direito. O americano quando pisou o solo lunar colocou primeiro o pé direito e, depois, o esquerdo.

SURRÃO. Pequeno saco de couro cru no qual os vaqueiros e agricultores levam a comida preparada em casa, o bode, composto de farinha, carne seca e um pedaço de rapadura.

SURUBIM. 1. Peixe de bom tamanho encontrado nos grandes rios brasileiros, considerados o bacalhau nacional; 2. Também é o nome de um boi muito famoso, cantado em verso pelos poetas populares nordestinos.

SURUCUCU. É uma cobra muito venenosa, encontrada na região amazônica. Sua carne assada é usada pelos indígenas na cura do reumatismo; e se faltar a carne, o remédio é feito com seus ossos pulverizados em infusão de cachaça ou café.

SURURU. 1. É um molusco típico da culinária alagoana. Fritadas, empadas, refogados de sururu são uma delícia. O sururu é encontrado na lama dos brejos, das lagoas; 2. Sururu também significa, na linguagem popular, confusão, brigas, barulho entre pessoas.

SUSPIRO. De origem oriental, o suspiro é um doce feito de clara de ovos batidos, com açúcar branco e limão, assado em forno brando, em forma de flores, frutos, etc.

SUSTENTAR-A-PÃO-DE-LÓ. Tratar bem as pessoas, sem que nada lhes falte.
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O Dicionário completo pode ser obtido em http://sites.google.com/site/pavilhaoliterario/dicionario-de-folclore
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Fontes:
LÓSSIO, Rúbia. Dicionário de Folclore para Estudantes. Ed. Fundação Joaquim Nabuco
Imagem =
http://www.terracapixaba.com.br/

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Pérolas Gramaticais



"Pérolas Gramaticais" é uma denominação comumente utilizada para designar o uso de vocábulos inadequados presentes nas construções linguísticas, os quais prejudicam a coesão das mensagens emitidas. É importante observar que tanto a fala como a escrita estão sujeitas à ocorrência desse tipo de "deslize", e que as "pérolas", muitas vezes, são proferidas por descuido (ou mesmo desconhecimento da forma correta) por parte do emissor. O leitor/ouvinte, ao se deparar com "pérolas gramaticais", pode considerá-las divertidas, fato perfeitamente explicável tendo-se em vista a incoerência que as construções apresentam. Geralmente, as pérolas são extraídas de redações de vestibular. Observe alguns exemplos:

Gostaria de informar que o período de matrícula inspirou. (expirou)

Quando o jogo está a mil, minha naftalina sobe. (adrenalina)

Na Bahia há um povo muito hospitalar. (hospitaleiro)

Agora que estou informatizado, cobrarei meus direitos. (informado)

O Brasil é um país abastardo com um futuro promissório. (abastado, promissor)

O maior matrimônio do país é a Educação. (patrimônio)

Os índios eram muito atrasados, mas com o tempo foram se sifilizando. (civilizando)

A vida é um conto de fábulas. (fadas)

Tiradentes, depois de morto, foi decapitulado. (decapitado)

A capital de Portugal é Luiz Boa. (Lisboa)

O principal rio nos Estados Unidos é o Mininici. (Mississipi)

O acidente foi no célebre Retângulo das Bermudas. (Triângulo)

A ciência progrediu tanto que inventou ciclones, como a ovelha Dolly. (clones)

O problema ainda é maior em se tratando da camada Diozoni. (Camada de Ozônio)

Eu luto para atingir os meus obstáculos. (objetivos)

O Euninho já provocou secas e enchentes calamitosas. (El Niño)

É um problema de muita gravidez. (gravidade)

Existem raios ultra-violentos. (ultravioletas)

Os lagos são formados pelas bacias esferográficas. (hidrográficas)

Nao foi ilusão idiótica o que eu tive. (ilusão de ótica)

Isso é crime de falsidade biológica! (ideológica)

É necessário ler a bússola do remédio. (bula)

As mudanças ocorrem devagarosamente. (vagarosamente)

Como diz o ditado: é duro agradar a pobres e troianos. (gregos)

Eu concordo em gênero e número igual. (gênero, número e grau)

Ele tem medo de ficar preso no elevador, pois tem cleptomania. (claustrofobia)

Acho que minha professora é lésbica, pois está sempre olhando para cima. (estrábica)

Fonte:
http://www.soportugues.com.br/secoes/perolas/index.php

José Paulo Paes (Poesias para Crianças)



RARIDADE

A arara
é uma ave rara
pois o homem não pára
de ir ao mato caçá-la
para a pôr na sala
em cima de um poleiro
onde ela fica o dia inteiro
fazendo escarcéu
porque já não pode
voar pelo céu.

E se o homem não pára
de caçar arara,
hoje uma ave rara,
ou a arara some
ou então muda seu nome
para arrara.

De Olha o Bicho (1989)
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GATO DA CHINA

Era uma vez
Um gato chinês

Que morava em Xangai
Sem mãe e sem pai

Que sorria amarelo
Para o Rio Amarelo

Com seus olhos puxados
Um pra cada lado

Era um gato mais preto
Que tinta nanquim

De bigodes compridos
Feito um mandarim

Que quando espirrava
Só fazia “chin!”

Era um gato esquisito
Comia com palitos

E quando tinha fome
Miava “ming-au!”

Mas lambia o mingau
Com sua língua de pau

Não era um bicho mau
Esse gato chinês

Era até legal
Quer que eu conte outra vez?

Do CD Brincando com Palavras (2005)
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S

O sapo saltou na sopa
de um sujeito que, sem mais papo,
deu-lhe um sopapo e gritou: — Opa!
Não tomo sopa de sapo!

De Uma Letra Puxa a Outra (1992)
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VALSINHA

É tão fácil
dançar
uma valsa,
rapaz.

Pezinho
pra frente,
pezinho
pra trás.

Pra dançar
uma valsa
é preciso
só dois.

O sol
com a lua.
Feijão
com arroz.
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CORREÇÃO

Como dizia
aquele bem-te-vi que ficou míope:
“bem te via... bem te via...”

De É Isso Ali (1984)
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José Paulo Paes (Melhores Poemas)



Organizado por Davi Arrigucci Junior, ensaísta, crítico e professor de Literatura Comparada da USP, contém poemas escolhidos de treze livros de Paes.

DE CÚMPLICES (1951)

Madrigal
Meu amor é simples, Dora,
Como a água e o pão.
Como o céu refletido
Nas pupilas de um cão.

DE NOVAS CARTAS CHILENAS (1954)
L'Affaire Sardinha

O bispo ensinou ao bugre
Que pão não é pão, mas Deus
Presente na eucaristia.

E como um dia faltasse
Pão do bugre, ele comeu
O bispo, eucaristicamente.

DE EPIGRAMAS (1958)

Bucólica
O camponês sem terra
Detêm a charrua
E pensa em colheitas
Que nunca serão suas.

DE RESÍDUO (1980)

Epitáfio para Rui

... e tenho dito
Bravos!
(mas o que foi mesmo que ele disse?)
Um Sonho Americano
CIA limitada

DE CALENDÁRIO PERPLEXO (1983)

A Verdadeira Festa (12 de junho - namorados)
mas pra que fogueira
rojão
quentão?

basta o fogo nas veias
e a escuridão
coração.

DE A POESIA ESTÁ MORTA MAS JURO QUE NÃO FUI EU (1988)

Curitiba
O inventor no estado
era um pinheiro inabalável

inabaláveis pinheiros igualmente
o secretário da segurança pública
o presidente da academia de letras
o dono do jornal
o bispo o arcebispo o magnífico reitor

ah se naqueles tempos
a gente tivesse
(armando glauco dalton)
um bom machado!
Pisa: A torre
em vão se inclinas pedagogicamente
o mundo jamais compreenderá a abliqüidade dos
bêbados ou o mergulho dos suicidas.

Fonte:
http://intervox.nce.ufrj.br/~clodo/jose_paulo_paes.htm

José Paulo Paes (1926 – 1998)



(Taquaritinga, 1926 — São Paulo, 9 de outubro de 1998) foi um poeta, tradutor, crítico e ensaísta brasileiro.

Neto de um livreiro e filho de um caixeiro-viajante. Tendo estudado química industrial na cidade de Curitiba (entre 1945 e 1948), durante muitos anos José Paulo trabalhou em laboratório farmacêutico. Todavia, paralelo a essa profissão jamais deixou de lado a literatura, cujo interesse foi lhe passado pelo avô que era livreiro, juntou-se a artistas e escritores que freqüentavam o Café Belas-Artes (um bar paranista que ficava em frente à livraria Ghignone), sendo que ainda nos tempos de aluno em Curitiba, já colaborava com a revista Joaquim, dirigida por Dalton Trevisan. Dessa temporada paranaense nasce seu livro de estréia, em 1947- O ALUNO -, fortemente influenciado pela poesia de Drummond, do qual recebeu uma crítica severa, segundo qual Paes se procurava nos outros, isto é, era um poeta que não tinha luz própria. de 1947.

Em 1949, transfere-se para São Paulo, quando passa a colaborar com os jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Tempo, Jornal de Notícias e Revista Brasiliense, aproximando-se de escritores modernistas como Graciliano Ramos, Jorge Amado e Oswald de Andrade. Conhece também Dora, sua mulher por toda a vida a quem dedicou Cúmplices, de 1951, seu segundo livro. Por falta de um estudo melhor, sua obra foi comparada às dos poetas da Geração de 45, tendo inclusive participado de uma antologia na companhia de Haroldo de Campos e Décio Pignatari, quando eram chamados de “Novíssimos”, ou seja antes da eclosão da poesia concreta, à qual Zé Paulo soube com inteligência absorver, cujos resultados apareceram em seu livro Anatomias de 1967, apresentado justamente por Augusto de Campos. Mais que poesia concreta seu livro aproveitava um ritmo mais oswaldiano, como nos poemas “L'affaire Sardinha” (que fora publicado em 1962 na antologia Violão de Rua, da UNE) e o conhecido “Epitáfio para um Banqueiro”

Por volta de 1963, Zé Paulo dá início a um trabalho editorial intenso à frente da Editora Cultrix, abandonando o trabalho como químico, dedicando-se a partir de então integralmente à literatura. Na companhia de Massaud Moisés foi organizador do Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira, publicado pela Editora Cultriz em 1967.

Em 1981,José Paulo aposenta-se como editor, dando início a um dos mais competentes trabalhos de tradução entre os escritores brasileiros, verteu para o português autores de diversas línguas, como Charles Dickens, Joseph Conrad, Pietro Aretino, Konstantínos Kaváfis, Laurence Sterne, W. H. Auden, William Carlos Williams, J.K. Huysmans, Paul Éluard, Hölderlin, Paladas de Alexandria, Edward Lear, Rilke, Seféris, Lewis Carroll, Ovídio, Níkos Kazantzákis, entre outros tantos. Seu reconhecimento na matéria resultou em sua nomeação como Diretor da oficina de tradução de poesia no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Em 1986 vem a público o livro Um por todos, reunião de seu trabalho até então, apresentado pelo crítico Alfredo Bosi. Vem ainda da década de 1980 seu interesse pela poesia infantil, com a qual alcançou grande êxito entre as crianças.

Em 1989, Zé Paulo lança pela coleção Claro Enigma, organizada por Augusto Massi, o livro "A poesia está morta mas eu juro que não fui eu", título extraído do poema "Acima de qualquer suspeita".

Na década de 1990 dá seqüência ao seu trabalho, lançando diversos livros de ensaios, poemas infantis, traduções e poesia, sendo um dos mais bem recebidos "Prosas seguidas de odes mínimas", livro no qual reflete um momento difícil de sua vida, quando tem uma perna amputada, como pode-se ler no poema "Ode à minha perna esquerda":

Ao falecer em 1998, deixou inédito o livro "Socráticas" que veio a público em 2001.

Fontes:
http://pt.wikipedia.org
http://intervox.nce.ufrj.br/

Oficina para formação de leitores tem início em setembro


A formação de leitores para leituras públicas é a proposta de uma oficina literária promovida pela Fundação Cultural de Curitiba, em setembro. As inscrições para o curso “Estética da Leitura” já estão abertas e devem ser feitas até o dia 10 de setembro no Palacete Wolf (Praça Garibaldi), mediante a doação de um livro novo de literatura.

Abertas a professores, estudantes e ao público em geral, as aulas serão desenvolvidas no Palacete Wolf, sob a orientação de Marcio Abreu, ator, diretor e dramaturgo, criador da Companhia Brasileira de Teatro. Com início no dia 14 de setembro, “Estética da Leitura” terá encontros sempre às segundas-feiras, das 19h às 22h, até o mês de novembro. Uma segunda turma está agendada para 2010, com aulas de março a maio, no mesmo horário e dia da semana.

Os participantes da oficina “Estética da Leitura” realizarão uma análise profunda de diversos textos, com o objetivo de perceber quais os ritmos das cenas e personagens. Essas emoções serão transmitidas em suas leituras por meio das entonações da voz e do posicionamento do corpo.

Serviço:
Inscrições para a oficina literária “Estética da Leitura”, promovida pela Fundação Cultural de Curitiba

Local: Coordenação de Literatura da Fundação Cultural de Curitiba (Palacete Wolf – Praça Garibaldi, 7 – Centro)

Horário: de segunda a sexta-feira, das 9h às 12h e das 14h às 17h30

Valor: doação de um livro novo de literatura

Certificado de participação para quem tiver 85% de frequência

Informações: (41) 3321-3379

Realização das oficinas:
Oficina “Estética da Leitura”

Turma 1 – aulas dias 14 e 28 de setembro, 5 e 19 de outubro, 9 e 23 de novembro de 2009, das 19h, às 22h

Turma 2 – aulas dias 8 e15 de março, 5 e 19 de abril, 3 e 17 de maio de 2010, das 19h às 22h
Local: Palacete Wolf (Praça Garibaldi, 7 – Centro)
Vagas: 30

Oficina “Amostra Grátis”
Aulas dias 15, 16, 17, 22, 23 e 24 de setembro de 2009, das 19h às 22h
Local: Palacete Wolf (Praça Garibaldi, 7 – Centro)
Vagas: 20

Fonte :
Fundação Cultural de Curitiba. publicado em 01/09/2009

Vinicius de Moraes (Samba de Breque)


Esta história é verdade.

Um tio meu vinha subindo a Rua Lopes Quintas, na Gávea - era noite - quando ouviu sons de cavaquinho provenientes de um dos muitos casebres que minha avó viúva permite nos seus terrenos. O cavaco cavucava em cima de um samba de breque e esse meu tio, compositor ele próprio, resolveu dar uma estirada até a casa, que era a de um conhecido seu, companheiro de música, um rapaz operário com mulher e uma penca de filhos. Tinha toda a intimidade com a família e às vezes ficava por lá horas inteiras com o amigo, cada qual palhetando no seu cavaquinho, puxando música madrugada adentro.

Nessa noite o ambiente era diverso. À luz mortiça da sala meu tio viu a família dolorosamente reunida em torno de uma pequena mesa mortuária, sobre a qual repousava o corpo de um "anjinho". Era o caçula da casa que tinha morrido, e meu tio, parado à porta, não teve outro jeito senão entrar, dar as condolências de praxe e reunir-se ao velório. O ambiente era de dor discreta - tantos filhos! - de modo que ao fim de poucos minutos resolveu partir. Tocou no braço da mulher e fez-lhe um sinal. Mas esta, saindo da sua perplexidade, pediu-lhe que entrasse para ver o amigo.

Foi encontrá-lo num miserável aposento interior, sentado num catre, o cavaquinho na mão.

- Pois é, velhinho. Veja só... O meu caçula...

Meu tio bateu-lhe no ombro, consolando-o. A presença amiga trouxe para o pai uma pequena e doce crise de lágrimas de que ele muito se desculpou com ar machão:

- Poxa, seu! Até pareço mulher! Não repara, hein companheiro...

Meu tio, com ar mais machão ainda, fez qual-que-bobagem, essa coisa. Depois o rapaz disse:

- Tenho um negocinho para te mostrar...

E teve um gesto vago, apontando a sala onde estava o filho morto, como a significar qualquer coisa que meu tio não compreendeu bem.

- Manda lá.

Conta meu tio que, depois de uma introdução dentro das regras, o rapaz entrou com um samba de breque que, cantado em voz respeitosamente baixa e ainda úmida de choro, dizia mais ou menos o seguinte:

Tava feliz
Tinha vindo do trabalho
E ainda tinha tomado
Uma privação de sentidos no boteco ao lado
Que bom que estava o carteado...
O dia ganho
E mais um extra pra família
Resolvi ir para casa
E gozar
A paz do lar
-- Não há maior maravilha!
Mal abro a porta
Dou com uma mesa na sala
A minha mulher sem fala
E no ambiente flores mil
E sobre a mesa
Todo vestido de anjinho
O Manduca meu filhinho
Tinha esticado o pernil.

Diz meu tio que, entre horrorizado e comovido com aquela ingênua e macabra celebração do filho morto, ouviu o amigo, a pipocar lágrimas dos olhos fixos no vácuo, rasgar o breque do samba em palhetadas duras:

- O meu filhinho
Já durinho
Geladinho!

Fonte:
MORAES, Vinicius de. Para Viver um Grande Amor. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1984. In http://www.releituras.com

Cecília Meirelles (Poesia para Crianças)



OU ISTO OU AQUILO

Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!

Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!

Quem sobe nos ares não fica no chão,
Quem fica no chão não sobe nos ares.

É uma grande pena que não se possa
estar ao mesmo tempo em dois lugares!

Ou guardo dinheiro e não compro doce,
ou compro doce e não guardo dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranqüilo.

Mas não consegui entender ainda
qual é melhor: se é isto ou aquilo

A LUA É DO RAUL

Raio de lua.
Luar.
Lua do ar
azul.

Roda da lua.
Aro da roda
na tua
rua,
Raul!

Roda o luar
na rua
toda
azul.

Roda o aro da lua.

Raul,
a lua é tua,
a lua da tua rua!

A lua do aro azul.

COLAR DE CAROLINA

Com seu colar de coral,
Carolina
corre por entre as colunas
da colina.

O colar de Carolina
colore o colo de cal,
torna corada a menina.

E o sol, vendo aquela cor
do colar de Carolina,
põe coroas de coral
nas colunas da colina.

O ECO

O menino pergunta ao eco
onde é que ele se esconde.
Mas o eco só responde: “Onde? Onde?”

O menino também lhe pede:
“Eco, vem passear comigo!”
Mas não sabe se o eco é amigo
ou inimigo.
Pois só lhe ouve dizer “Migo”.
--------------
Fonte:
MEIRELLES, Cecília de. Ou Isto ou Aquilo (1964)
Carlos Machado.
http://www.algumapoesia.com.br/poesia3/poesianet267.htm

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Paraná em Trovas

Passeio Público de Curitiba (Pintura de Alfredo
Andersen - c. 1925)
Da viagem pouco importa
minhas dores e cansaços,
se ao voltar te encontro à porta
a receber-me nos braços!
Amália Max

Quando o assunto exige pressa,
então redobre o cuidado!
“Viver mais” é o que interessa,
mesmo chegando atrasado.
Ângelo Batista

Dois corpos não podem, dizes,
ocupar o mesmo espaço...
Podem, sim, quando, felizes,
se fundem num terno abraço!
Antônio Augusto de Assis

Não pode ser infeliz
o que trova com amor;
quem faz o outro feliz
deixa de ser sofredor.
(+) Harley Stocchero

A saudade rasga o véu
do tempo e traz do passado
minha mãe, que lá do céu,
sempre tem me abençoado.
Horácio F. Portella

Abrindo meu coração,
aos quatro ventos proclamo:
ergui meu lar no teu chão,
és a cidade que eu amo!
Janske N. Schlenker

Um sorriso, ainda que seja
muito breve, de passagem...
É maneira, benfazeja,
de passar uma mensagem.
Jorge de Oliveira

Nos labores desta lida,
venha sempre o que vier,
curvo minha alma rendida
a Deus, que me fez mulher.
Karla C. Bitencourt

Quem divide os próprios
dias, sem desejo interesseiro,
merece sim, alegrias
e...encontra paz, por inteiro!
Lourdes B. da Porciúncula

Minha mãe já bem velhinha
não controla as emoções
ao soar a campainha
de suas recordações!
Mª Aparecida Pires

Se caem do céu as águas
com tanta beleza e encanto
por que desencanto e mágoas
há nas águas do meu pranto?
Mª da Conceição Fagundes

Escolher rumos amenos,
inovar o dia-a-dia,
errar menos... sempre menos...
também é SABEDORIA.
Mª da Graça Stinglin de Araújo

Num pratinho prateado,
dei-lhe a flor da inspiração.
E você, tão encantado,
deu-me a flor do coração.
(+) Marita Taborda França

Entre o céu, o mar e a terra
habita no Paraná,
a gralha azul que soterra...
o pinhão que brotará!
Mariza S. de Azevedo

Meu amor na mocidade
foi efêmera ilusão;
dele só resta a saudade,
nas cinzas de uma paixão.
Maurício N. Friedrich

Construtor de propriedade,
João-de-Barro, arquiteto
sem cursar a faculdade,
cria e monta o seu projeto.
Nei Garcez

Quem diz que não tem saudade
e se é verdade o que diz,
não teve a felicidade
de já ter sido feliz.
Orlando Woczikosky

Minha noiva não tem dó:
pelo seu regulamento,
me avisou, agora só,
que noivado é casamento!
Ralf Gunter Rotstein

Minhas trovas são abraços.
Mil braços vou abraçar
nos mil infinitos laços
que a trova sabe engendrar.
Roza de Oliveira

O amor quando é verdadeiro
no peito em que faz guarida,
principalmente, o primeiro...
deixa marca em nossa vida!
Sara Furquin

Sinto imensa gratidão
por alguém que nunca vi,
mas que fez a plantação
dos frutos que hoje colhi!
Vanda Fagundes Queiroz

Diz-se que o poeta não
morre, uma assertiva bonita!
Verdade que não ocorre,
mas é mentira bendita!
Vidal Idony Stockler

Não busque a felicidade
pelas trilhas da utopia,
busque-a dentro da verdade
e à luz da Sabedoria.
Walneide F.S. Guedes

A trova é mais que um recado
escrito por nossa mão,
é um lindo cartão timbrado
pela voz do coração.
Wandira F. Queiroz

A Trova, chispa divina,
bem igualzinha ao amor:
É sublime, é bela, fina...
nos lábios do Trovador!
Wellesley Nascimento

No grande jogo da vida
sorvi belo amor, profundo!
Viver vida bem vivida
é o melhor bingo do mundo.
Yaramara de Castro A.Fiecker
--------
Fonte:
Colaboração de Antonio A. De Assis com o Informe: Os Trovadores. Ano 18. N.57. Julho 2009. UBT/ Curitiba,PR.

Euclides da Cunha (Os Sertões)


Mas, afinal, de que assunto trata o livro Os Sertões?

Pergunta simples, resposta complexa. Podemos encaminhá-la lembrando que, em 1897, ocorreu no sertão da Bahia episódio que ficou conhecido como a Guerra de Canudos. Chefiados por Antônio Conselheiro, sertanejos reuniram-se numa cidadela - chamada Canudos - situada nas margens do rio Vaza-Barris. O crescimento da nova comunidade e as características de seu líder e adeptos incomodou fazendeiros da região pela redução da mão-de-obra disponível nas fazendas; acrescendo-se a isso o não pagamento de impostos e práticas consideradas incompatíveis com a religião, gerou-se situação considerada de exceção pelo governo estadual e, logo depois, pelo governo federal.

A tentativa de dissuadir os conselheiristas a abandonarem o local através de intervenção da Igreja - dois capuchinos visitaram Canudos para este fim - resultou inútil. A partir daí, pequenos incidentes precipitaram ações progressivamente maiores dos governos estadual e federal. Foram realizadas quatro expedições militares contra Canudos. O fracasso da terceira expedição, formada por 1300 homens, transformou Canudos num problema nacional: atribuiu-se à cidadela a condição de foco monarquista, isso numa época em que o regime republicano estava por se firmar e temia-se o retorno da monarquia.

A quarta expedição, comandada pelo general Artur Oscar, enfrentou grande resistência dos canudenses e prolongou-se por tempo além do previsto. Ante o iminente fracasso de mais uma expedição o Ministro da Guerra, marechal Carlos Machado Bittencourt, foi enviado ao palco das operações. É nesse momento que se inicia a participação de Euclides da Cunha no conflito. Em março de 1897 Euclides havia escrito dois artigos sobre Canudos no jornal O Estado de São Paulo sob o título de A Nossa Vendéia. No primeiro desses artigos traduzia a impressão de que o movimento de Canudos visava a restauração da monarquia. Entretanto, para o articulista, o simples desejo de restauração seria insuficiente para explicar tão grande sublevação. Havia, portanto, em Canudos um mistério a se desvendar. Além disso, adiantava-se Euclides ao tom dos artigos escritos na época, alertando para as condições geográficas do sertão, estas talvez o maior inimigo das forças republicanas.

Convidado por O Estado, Euclides da Cunha licenciou-se de suas atividades e tornou-se repórter daquele jornal. Tempos depois, embarcou em direção a Salvador viajando no mesmo navio que levava Machado Bittencourt. O desembarque na cidade aconteceu em 7 de agosto sendo que ali ficaram até 30 de agosto, data do início da viagem ao sertão. Dos dias em que Euclides esteve em Salvador e de todo o período de viagem a Canudos resultaram vários artigos enviados por ele e publicados pelo jornal. Toda essa correspondência de guerra foi mais tarde reunida num livro de reportagens intitulado Diário de uma Expedição.

Chama atenção nessas reportagens a progressiva mudança das opiniões de Euclides: o contato com a realidade do sertão e a extraordinária capacidade do escritor para observar e analisar detalhes ignorados por outros rapidamente o convenceram de que a guerra que supunha-se rápida não estava por terminar; que Canudos de modo algum seria foco de resistência monarquista com intenções restauradoras. Canudos era, sim, uma sociedade velha gerida pela autoridade do Conselheiro e ininteligível aos brasileiros do litoral.

Canudos finalmente caiu nos primeiros dias de outubro de 1897. População dizimada e arraial destruído, a vitória foi comemorada com grandes manifestações na capital federal. A espantosa resistência dos jagunços resultou em mais de cinco mil mortes nas tropas do Exército - considerando-se as quatro expedições.

Terminada a Guerra Euclides da Cunha retornou às suas atividades de engenheiro junto à Superintendência de Obras do Estado de São Paulo. Entretanto, já trabalhava em seu livro que só viria a ser publicado em 1902.

Em Os Sertões Euclides da Cunha não se limita a narrar os episódios da sangrenta Guerra de Canudos a qual denunciou como crime. Para explicar os fatos ocorridos no sertão da Bahia o escritor serve-se de todos os meios que, na época, estão ao seu alcance. Exaltando a influência do meio e da raça no comportamento coletivo, Euclides recorre à geografia, à sociologia, às características climáticas, raciais e biológicas, às biografias, ao linguajar dos caboclos, aos depoimentos que ouviu e todo o conteúdo do que pode observar no sertão. Só munido de tais ferramentas pode estabelecer as diferenças entre o brasileiros das regiões litorâneas e as incultas gentes dos sertões, submetidas às mais precárias condições de vida, ao ambiente geográfico e climático completamente desfavorável. Foi desse modo, analisando profundamente os móveis que permitiram o surgimento da coletividade canudense que Euclides, aos poucos deixando de lado suas convicções científicas moldadas segundo o determinismo vigente na época, pode ver no jagunço outra sorte de brasileiros cuja defesa procedeu através das páginas de seu livro vingador. Sobre isso nos diz Silvio Rabelo, um dos biógrafos de Euclides: " Ele viu na resistência heróica dos jagunços do Conselheiro mais que uma possível ameaça às instituições e à ordem estabelecida. Ele viu o direito de sobrevivência de uma população que estacionara por não ter tido condições favoráveis à assimilação dos valores culturais do litoral, em bases econômicas mais sólidas e sob influência de idéias mais avançadas. Os Sertões são, deste modo, um brado e brado quase inútil, contra o crime de um governo que abandonara a sua gente a uma natureza nem sempre propícia à vida e a uma organização social nem sempre compatível com a dignidade humana; e, mais do que isto, exterminara-a sem nenhuma condescendência."

É a variedade de recursos utilizados por Euclides na confecção de seu livro - história, geografia, etnologia, sociologia, etc - que torna inúteis as tentativas de classificar Os Sertões dentro de gêneros literários estanques. Livro de história, sociologia, literatura ou simples ficção? Impossível responder a não ser para dizer que Os Sertões são a um só tempo um pouco disso tudo e, mais que isso, obra genial de um genial escritor.

Há na prosa de Euclides muito de poesia conforme atestaram alguns estudiosos. A linguagem é rica e profunda sugerindo estar o escritor a esculpir suas palavras, metodicamente. É muito dele o uso de palavras incomuns e mesmo a busca de termos arcaicos quando não encontra no vocabulário de sua época algo que sirva para traduzir com fidelidade a imagem que empresta ao leitor. Precisão de relojoeiro, de alguém atento ao ritmo e às sonoridades, alguém que tem o gosto por paradoxos e que abusa de contrastes para deles extrair a força máxima de palavras e imagens. Assim, a riqueza verbal de Os Sertões é estonteante, obra de quem força a língua aos seus limites para dela extrair o máximo.

O grande livro que é Os Sertões paga tributos aos conhecimentos científicos vigentes á época em que foi escrito. Entretanto, Euclides da Cunha rompe com a camisa-de-força dos princípios então disponíveis para descobrir nos sertanejos a grande força que os conduz ao extermínio, embora sem jamais render-se. "O sertanejo é, antes de tudo, um forte" e "Canudos não se rendeu" estão entre as máximas imorredouras da obra de Euclides da Cunha e traduzem com fidelidade a natureza do trabalho a que ele se dedicou.

Fonte:
http://www.tarrafaliteraria.com.br/homenagem.aspx

Euclides da Cunha (1866 – 1909)



Euclides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em Cantagalo (RJ), no dia 20 de janeiro de 1866. Foi escritor, professor, sociólogo, repórter jornalístico e engenheiro, tendo se tornado famoso internacionalmente por sua obra-prima, "Os Sertões", que retrata a Guerra dos Canudos.

Cronologia:

1866 - Nasce no dia 20 de janeiro, na Fazenda Saudade, em Cantagalo, região serrana no vale do rio Paraíba do Sul, na província do Rio de Janeiro, onde vive até os três anos, quando falece sua mãe. O autor e sua irmã, Adélia, passam a viver, em 1869, com seus tios maternos, Rosinda e Urbano, em Teresópolis (RJ).

1871 - Com a morte da tia, Rosinda, vão morar com os tios maternos, Laura e Cândido, em São Fidélis (RJ).

1874 - Inicia os estudos no Instituto Colegial Fidelense.

1875 - Seu pai, Manuel Rodrigues Pimenta da Cunha, tem o poema "À morte de Castro Alves" publicado na segunda edição de "Espumas flutuantes", do poeta baiano, prematuramente falecido.

1877 - Estuda no Colégio Bahia, em Salvador (BA), durante um breve período em que morou naquela cidade, na casa de sua avó paterna.

1879 - Muda-se para a cidade do Rio de Janeiro (RJ), e estuda no Colégio Anglo-Americano.

1883 - Estuda no Colégio Aquino, e escreve seus primeiros poemas em um caderno, ao qual dá o título de "Ondas".

1884 - Publica em "O Democrata", jornal dos alunos do Colégio Aquino, seu primeiro artigo.

1885 - Ingressa na Escola Politécnica para cursar Engenharia. Freqüenta somente por um ano, pois é obrigado a desistir por motivos financeiros.

1886 - Matricula-se na Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de Janeiro, no curso de Estado-maior e Engenharia Militar da Escola Militar, medida adotada porque a Escola pagava soldo e fornecia alojamento e comida. Tinha, entre seus colegas, Cândido Rondon, Lauro Müller, Alberto Rangel e Tasso Fragoso.

1887 - Passa, por três vezes, pela enfermaria da escola. Pede licença de dois meses para tratar da saúde.

1888 - Sua matrícula na Escola Militar da Praia Vermelha é trancada, face ao ato de protesto durante uma visita do Ministro da Guerra, conselheiro Tomas Coelho, do último gabinete conservador da monarquia. É desligado do Exército sob o pretexto de incapacidade física. Convidado, passa a escrever no jornal "A Província de São Paulo", hoje "O Estado de São Paulo", jornal engajado na campanha republicana. O artigo "A pátria e a dinastia, publicado no dia 20/12/1888, marca sua estréia.

1889 - Retorna à Escola Militar da Praia Vermelha, graças ao apoio de seu futuro sogro , o major Sólon Ribeiro e de seus colegas da Escola, que pedem sua reintegração.

1890 - Casa-se com Ana Emília Ribeiro.

1891 - Tira um mês de licença para tratamento de saúde. Viaja com a esposa para a Fazenda Trindade, de seu pai, localizada em Nossa Senhora do Belém do Descalvado (atual Descalvado), no interior de São Paulo. Morre sua filha Eudóxia, recém-nascida.

1892 - Conclui o curso na Escola Superior de Guerra e é promovido a tenente, seu último posto na carreira. Cumpre estágio na Estrada de Ferro Central do Brasil - trecho paulista da ferrovia, entre a capital e a cidade de Caçapava, por designação do marechal Floriano Peixoto. É nomeado auxiliar de ensino teórico na Escola Militar do Rio. Nasce seu filho Solon Ribeiro da Cunha.

1893 - Escreve artigo com críticas ao governo do marechal Floriano, cuja publicação foi negada pelo jornal "O Estado de São Paulo". Acometido de forte pneumonia, interrompe sua colaboração com o jornal. Volta a trabalhar como engenheiro praticante na Estrada de Ferro Central do Brasil. Com a Revolta da Armada, que teve início em 06/09, seu sogro é preso. Sua mulher, Ana, refugia-se, com o filho Solon, na fazenda do sogro, em Descalvado (SP). O escritor é designado para servir na Diretoria de Obras Militares.

1894 - É punido com transferência para a cidade de Campanha (MG), por ter protestado, em cartas á "Gazeta de Notícias", do Rio, contra a execução sumária dos prisioneiros políticos, pedida pelo senador florianista João Cordeiro, do Ceará. Nasce seu filho Euclides Ribeiro da Cunha Filho, o Quidinho.

1895 - Obtém licença do Exército, por ser considerado incapaz para o serviço militar devido à tuberculose. Vai para a fazenda do pai e se dedica às atividades agrícolas. Cansado, poucos meses após tornar-se lavrador, vai trabalhar como engenheiro-ajudante na Superintendência de Obras Públicas em São Paulo.

1896 - Mesmo desaconselhado pelo sogro, o autor desliga-se do Exército, sendo reformado no posto de tenente.

1897 - Volta a colaborar no jornal "O Estado de São Paulo". Cobre a 4ª Expedição contra Canudos, como correspondente daquele jornal. Em seus artigos, afirma sua certeza na vitória do governo sobre os conselheristas. O presidente Prudente de Morais o nomeia adido do estado-maior do ministro da Guerra, marechal Carlos Machado de Bittencourt. Torna-se sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Acompanha, de perto, toda a movimentação de tropas e faz pesquisas sobre Canudos e o Conselheiro. Em Monte Santo, em companhia do jornalista Alfredo Silva, faz incursão nos arredores da cidade, observa as plantas e minerais da região. Nas cercanias de Canudos, no dia 19/09, escreve sua primeira reportagem da frente de batalha. Antonio Conselheiro morre de disenteria em 22/09. O autor passeia pela cidade, anotando em sua caderneta de bolso, expressões populares e regionais, mudanças climáticas, desenhos da cidade e das serras da região e copia diários dos combatentes. Transcreve poemas populares e profecias apocalípticas, depois citados em "Os Sertões". Com acessos de febre, retira-se do local, confessando, em seu último artigo para o jornal, o profundo desapontamento provocado pela visão das centenas de feridos que gemiam amontoados no chão. Retorna a Salvador (BA), em 13/10, e escreve, no dia seguinte, no álbum da médica Francisca Praguer Fróes, o poema "Página vazia", aqui publicado. Volta ao Rio de Janeiro e, de lá, a São Paulo (SP). Após quatro meses de licença para cuidar de sua doença, viaja para Descalvado onde, começa a escrever "Os sertões".

1898 - Reassume seu cargo na Superintendência de Obras Públicas de São Paulo. Publica, em "O Estado", o "Excerto de um livro inédito", trechos de "Os sertões", em que defende a tese de que o sertanejo é um forte, cuja energia contrasta com a debilidade dos "mestiços" do litoral. A ponte recém-inaugurada, construída em São José do Rio Pardo (SP), em parte sob a fiscalização do escritor, desaba, levando o biografado àquela cidade para acompanhar o desmonte. A demora nos trabalhos faz com que o escritor mude-se para aquela cidade, onde fica até 1901. Profere palestra no Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, sobre a "Climatologia dos sertões da Bahia", e propõe a construção de açudes para resolver o problema das secas no Nordeste. Grande parte de "Os sertões" é escrita em São José, com a colaboração do prefeito da cidade, Francisco Escobar, que se tornara amigo do escritor.

1900 - Falece, em Belém, o General Solon Ribeiro, sogro do biografado. Finaliza, em maio, a primeira versão de "Os sertões".

1901 - É nomeado chefe do 5º Distrito de Obras Públicas, com sede em São Carlos do Pinhal (SP), onde conclui "Os sertões". Nasce seu filho, Manuel Afonso Ribeiro da Cunha. Assina contrato com a editora Laemmert, do Rio, a publicação de 1.200 exemplares de "Os sertões", assumindo o compromisso de pagar a metade dos custos de edição, 1conto e quinhentos mil réis, quase o dobro de seu salário de engenheiro.

1902 - Após um trabalho insano de revisão, "Os sertões (Campanha de Canudos)" chega às livrarias em dezembro, sendo recebido com aplausos e restrições pela crítica.

1903 - A primeira edição do livro se esgota em pouco mais de dois meses. Começa a tomar notas para a "História da revolta", livro sobre a rebelião da Marinha, que combateu no Rio, como oficial do Exército, de 1893 a 1894. Elege-se para a cadeira nº 7 da Academia Brasileira de Letras, cujo patrono é Castro Alves, e como sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Face à possibilidade de participar de expedição ao Purus, suspende a redação do livro. Vende os direitos das segunda tiragem de "Os sertões" para o editor Massow. Demite-se da Superintendência de Obras Públicas.

1904 - Participa, através de artigos publicados em jornais, do debate sobre os conflitos de fronteira. Condena o envio de tropas brasileiras para o Alto Purus e defende uma solução diplomática que permita incorporar o território do Acre. Propõe uma "guerra dos cem anos" contra as secas do Nordeste, que inclua a exploração científica da região, a construção de açudes, poços e estradas de ferro e o desvio das águas do rio São Francisco para as regiões afetadas pela estiagem. Após trabalhar alguns meses na Comissão de Saneamento de Santos, desentende-se com a diretoria e pede demissão. Sem emprego, volta a escrever no jornal "O Estado de São Paulo" e, também, em "O País", do Rio. Dificuldades financeiras fazem-no transferir, por uma bagatela, os direitos de "Os sertões" para a editora Laemmert. É nomeado, pelo barão do Rio Branco, chefe da Comissão Mista Brasileiro-Peruana de Reconhecimento do Alto Purus, na fronteira do Brasil com o Peru. Parte rumo a Manaus (AM) no dia 13/12.

1905 - Realiza viagem heróica pelo Rio Purus, na Amazônia, chefiando missão oficial do Ministério das Relações Exteriores. Percorre cerca de 6.400 quilômetros de navegação, alguns trechos inclusive a pé. A comissão chega à foz do rio Purus em 09/04. De volta, redige, com o comissário peruano, o relatório da expedição. Embarca para o Rio no dia 18/12. Durante sua ausência, a editora Laemmert publica a terceira edição de "Os sertões".

1906 - Com a saúde debilitada pela malária, ao chegar encontra Ana, sua esposa, grávida do cadete Dilermando de Assis. Trabalha como adido do barão do Rio Branco. Trabalha no preparo de documentação necessária à construção da estrada de ferro Madeira-Mamoré. A Imprensa Nacional publica "Notas complementares do comissário brasileiro" sobre a história e a geografia do Purus, incluído no "Relatório da comissão mista Brasileiro-Peruana de reconhecimento do Alto Purus". Recusa indicação para fiscalizar a construção da ferrovia Madeira-Mamoré. Ana dá à luz Mauro, que falece de debilidade congênita uma semana após seu nascimento. Tempos depois, afirmará ter tomado remédios abortivos tentando interromper a gravidez e que fora também impedida pelo marido a amamentar a criança, filha de Dilermando. O "Jornal do Commércio" publica "Peru versus Bolívia". Começa a escrever "Um paraíso perdido", livro sobre a Amazônia, que não é terminado face à morte do autor. Os originais se perderam. Toma posse, finalmente, na Academia Brasileira de Letras.

1907 - Publica "Contrastes e confrontos", pela editora Livraria Chardron, do Porto (Portugal). Nasce Luís Ribeiro da Cunha, registrado como seu filho, mas que irá adotar, já adulto, o sobrenome Assis, de seu pai biológico Dilermando. Profere, com grande sucesso, no Centro Acadêmico 11 de Agosto, da Faculdade de Direito de São Paulo, a conferência "Castro Alves e seu tempo".

1908 - Escreve o prefácio do livro "Poemas e canções", de Vicente de Carvalho. Em "Antes dos versos", expõe sua concepção da poesia moderna. Publica no "Jornal do Commércio", a crônica "A última visita", sobre a inesperada homenagem de um anônimo estudante a Machado de Assis em seu leito de morte. O biografado ocupa, por breve período, com o falecimento de Machado, a presidência da Academia Brasileira de Letras. Passa o cargo para Rui Barbosa. Inscreve-se no concurso para a cadeira de lógica no Ginásio Nacional (Colégio Pedro II), no Rio.

1909 - Obtém a segunda colocação no concurso. Graças à interferência junto ao presidente da República, Nilo Peçanha, do barão do Rio Branco e do escritor e deputado Coelho Neto, é nomeado para a vaga. Entrega aos editores, Lello & Irmão, as provas de "À margem da História".

Morre no dia 15 de agosto de 1909, depois de uma troca de tiros com o aspirante Dinorá e seu irmão, o cadete Dilermando de Assis. Em 1916, o segundo-tenente Dilermando de Assis, que havia sido absolvido da morte do biografado (legítima defesa), mata em um cartório de órfãos no centro do Rio, o aspirante naval Euclides da Cunha Filho, o Quidinho, que tentou vingar a morte do pai. Dilermando é novamente absolvido, pelo mesmo veredicto.

Bibliografia:

1902 - Os Sertões
1907 - Contrastes e Confrontos
1907 - Peru versos Bolívia
1909 - À margem da história (póstumo)
1939 - Canudos (diário de uma expedição) (póstumo) - Reeditado em 1967, sob o título Canudos e inéditos.
1960 - O rio Purus (póstumo)
1966 - Obra completa (póstumo)
1975 - Caderneta de campo (póstumo)
1976 - Um paraíso perdido (póstumo)
1992 - Canudos e outros temas (póstumo)
1997 - Correspondência de Euclides da Cunha (póstumo)
2000 - Diário de uma expedição (póstumo)

Fonte:
http://www.tarrafaliteraria.com.br/