domingo, 6 de outubro de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 60: Primavera

 

Nilto Maciel (Insensatez)

Enquanto despejava o resto da terceira cerveja nos copos, Airton pigarreou e olhou para mim.

– Esse meu irmão é o gênio da publicidade.

Os três, ao mesmo tempo, agarramos os copos e, no engolir a bebida, perdi as palavras iniciais de Fernando.

– Jornalista frustrado, rabiscador de frases de encomenda, assessor da burguesia.

O primeiro soluço morreu nos corredores mal-assombrados do esôfago, tal o meu susto. Ora, para mim Fernando só podia estar feliz, por voltar ao trabalho e ao exercício da comunicação. Além do mais, pagavam-no relativamente bem.

– Não seja ingrato.

Pela calçada, os primeiros habitantes da noite engatinhavam, ainda farsantes, medrosos, macios.

– Olha que pernas!

Fernando não deu ouvidos ao irmão, nem desviou os olhos dos meus. Também neles não havia nenhuma cólera. Porém, me fulminaram suas palavras de agradecimento por ter-lhe tirado a barriga da miséria, tê-lo livrado da futura companhia dos mendigos e devolvido ao convívio dos comunicadores.

–  Nunca vou me esquecer disso, nem de você.

Airton continuava a farejar o rabo da noite, venta metida no copo, e eu pedia a Deus que a língua dele inventasse obscenidades e fizesse Fernando olhar e cheirar e desejar tudo, menos relembrar o passado.

– Apesar disso, eu quero mesmo é voltar ao jornal.

A quarta cerveja chegou menina pelas mãos do garçom e se dividiu pura para nós três. Nem ela, porém, fez menos amargo Fernando.

– Você não pode nem pensar nisso. Eles são capazes de acabar com a imprensa para impedir uma coisa dessas.

Do outro lado da calçada, letras vermelhas pintavam no muro palavras que os carros não me deixavam ler. E eu olhava por cima dos ombros de Fernando, como se suas orelhas me interessassem. Ele as alisava de vez em quando, irredutível em suas opiniões.

– Lá eu me sentia bem, coerente comigo mesmo, apesar das porradas.

As luzes dos bares e lupanares atraíam as mariposas para o festim de todas as noites. E Airton se debatia dentro do copo, incapaz de voar.

– Onde está a incoerência da publicidade?

Fiz um último esforço para ler o mural que a noite apagava. Um automóvel engoliu-o, antes de se meter nos labirintos do ouvido de Fernando.

– Cuidado!!!

Os irmãos se assustaram e rimos.

– Eu queria acordar o Airton.

O garçom trouxe outra cerveja, ofereceu tira-gosto, insistiu até perder a paciência.

– O publicitário é um propagandista do supérfluo, um camelô do capital. Quer dizer,  o leal conselheiro do rei, filósofo-bobo da corte, espécie vulgar de Maquiavel.

Pedi outra cerveja e a opinião de Airton, embora nenhuma das duas pudesse fazer Fernando se acalmar. Pelo contrário, quanto mais bêbado, mais se tornava amargo, e quanto mais enaltecido, mais se auto-criticava.

Airton voltou a chamá-lo de inteligente, a ponto de pensar pelos burgueses. Talvez ironizasse, talvez só falasse besteiras.

Fernando sorriu. Sim, era mais um dos fílósofos da burguesia. Apenas não escrevia ensaios.

Irritei-me, e de nada serviu minha irritação. Acusou-se de crápula. Aliás, não sabia a diferença entre ser e estar sendo. Tão sutil a diferença que outros podiam apenas estar sendo, enquanto ele podia ser o próprio.

Não, nem ele era nem estava sendo crápula. Éramos apenas empregados da burguesia.

Feriu-me. Eu ia terminar advogado de torturadores. Não entendi de imediato a frase. Explicou-me: sendo o publicitário e o torturador ambos meros trabalhadores, não são responsáveis por seus atos,  porque mandados. E não podem se recusar a cumprir suas tarefas, sob pena de demissão.

Chamei-o de simplista. O torturador era um criminoso pago pelo Estado ou por grupos do Poder, enquanto o publicitário um intelectual pago por agências de publicidade.

Concordou comigo. Apenas não abria mão de chamá-los de assessores do Poder. Ou instrumentos.

Fernando fazia questão de se torturar, de se proclamar um lacaio do capitalismo. Tive vontade de mandá-lo plantar batata ou virar guerrilheiro. Mas seria encerrar o assunto e eu queria ajudá-lo. E meti o jornalista no meio. O profissional que se sujeitava a trabalhar na imprensa burguesa. Sem falar, é claro, do que comunga com as ideias do dono do jornal. Era ou não um assessor do Poder?

Atingi-lhe o calcanhar. Perguntou se suas reportagens serviam ao Poder. Claro que não. Do contrário, não teria sido mandado para a rua. Logo, tornava-se impossível a coerência do jornalista consigo mesmo na imprensa burguesa.

Não havia salvação.

O assunto se esgotou aí e logo mais nos despedimos.

Encontramo-nos de novo, passado quase um mês. Parecia outro. Abraçou-me com euforia, mostrava-se alegre, otimista, satisfeito com o trabalho. Andava às voltas com a criação da melhor campanha de sua vida. Coisa de deixar qualquer gênio da propaganda com inveja.

De início, mantive-me reservado, embora procurasse retribuir a euforia. Supus estivesse me provocando. Não se tratava disso, porém. Nem uma só palavra sua soou falsa. Falava de dentro mesmo.

Interessei-me pelo título da campanha, pelos textos, por tudo, e ele me encheu de informações. Tratava-se de uma campanha patrocinada pelo Sindicato dos Produtores de Massas. A população ia trocar a carne, o arroz, o feijão, o leite pelo macarrão. Eu ia ver o povo gordo.

Não toquei na discussão passada, atento às suas palavras, feliz com sua felicidade, olhos mirados nele, quase sempre, ou nas muitas folhas de papel que carregava. Nelas, trazia anotadas frases, textos, poemas, tudo relacionado ao novo trabalho.

Convidou-me a acompanhá-lo, sem dizer para onde ia, e fomos. Apenas a caminhar pelas ruas, feito dois vagabundos. E falava sem parar, como se toda a fala do mundo desaguasse de sua boca. Até aí, porém, nada de imaginar isso ou aquilo. Se me ocorreu alguma ideia foi a de sempre – que cérebro aquele!

Ao avistar um conhecido, chamou-o. O rapaz assustou-se, escondeu-se e só não se perdeu de vista devido ao faro de Fernando. Talvez não fossem tão íntimos para uma cena daquelas. Além do mais, meu amigo havia se tornado mais conhecido por sua prisão, embora assinasse reportagens polêmicas. Estranhei a cara de espanto do outro e mais ainda os modos de Fernando. Pois, sem qualquer preâmbulo, pôs-se a repetir aos brados os motivos de sua alegria, a reler os manuscritos da campanha do macarrão. Para livrar o sujeito do embaraço, apresentei-me, dizendo-me amigo “desse grande Fernando Darque”. O malandro se aquietou. Logo, porém, alegou estar com pressa e se retirou.

Por um instante pensei em perguntar a Fernando se não achava ridículo chamar alguém aos gritos no meio da rua e, sobretudo, ler aquilo.

Nem bem arranjava palavras para a sabatina e lá apareceu outro conhecido. O mesmo vexame, a mesma lengalenga, macarrão aqui, macarrão ali, e o sujeito a se aborrecer, pedir licença para se retirar.

A essas alturas, não me restava nenhuma dúvida mais sobre o destino de Fernando. E, para fortalecer minha convicção, convidou-me a comer macarronada, embora tivéssemos almoçado fazia coisa de uma hora e fôssemos ambos avessos a massas. Procurei-lhe no rosto qualquer sinal de brincadeira e só alcancei a insistência para o convite. Se eu recusasse, não contasse mais com sua companhia e muito menos com sua amizade. E procuramos um restaurante e o encontramos e fiz das tripas coração para nem sonhar com uma indigestão.

Mal começou a comer, chamou o garçom, gabou-o, quis saber do nome do mestre-cuca, dos cozinheiros, deixou a mesa e correu à cozinha a enaltecer os empregados. Saí em seu auxílio, temeroso de mal-entendidos e, a piscar o olho para o pessoal, conduzi-o de volta ao salão. Nisso, o proprietário se apresentou. Para quê? Fernando se encheu de mais falas, fez o elogio da casa, da comida italiana, das massas alimentícias, do trigo, das fábricas de macarrão, sob os olhares espantados dos clientes famintos e do gordo dono do restaurante.

Só me restava pedir a conta, pagá-la, acrescida de boa gorjeta, inventar um compromisso urgente e conduzi-lo à rua.

Nunca deixei de me preocupar com Fernando, apesar de não o ter visto mais com vida. Andei ainda a procurá-lo na agência onde trabalhava, nos jornais, por toda a cidade. A correria do dia-a-dia, porém, logo ocupou meu espírito de outras preocupações. Quando parei, já não me restava fazer nada, a não ser lamentar a desgraça. E talvez não o salvasse, por mais que o seguisse, guiasse, guardasse. A loucura já o dominava. Pois não está louco quem armazena macarrão, por temor de sua escassez no mercado? E mil vezes insensato quem se joga a um panelão cheio de água fervente e deixa o bilhete: “Sirvam-se, que estou bem cozido”?

Fonte: Nilto Maciel. Punhalzinho Cravado de Ódio, contos. Secretaria da Cultura do Ceará, 1986. Enviado pelo autor.

Vereda da Poesia = 126 =


Semi-Soneto de
JOSÉ FELDMAN
Campo Mourão/PR

Gangorra do Tempo

O tempo é um rio que nunca cessa,
desliza suave, em seu curso incerto,
leva os sonhos, o amor, o deserto,
e em cada gota, uma vida expressa.

As horas se vão, a saudade, a pressa,
deixando marcas em nós, imaculadas.
As rugas são contos, chibatadas
de um passado que em nós se confessa.

Mas há a beleza na sombra que arde,
no eco da risada que se dissipou,
e na memória que ainda se faz.

A vida é um ciclo que nunca vem tarde,
em cada lembrança, um brilho que clareou,
fazendo do agora uma eterna paz.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
IZO GOLDMAN
Porto Alegre/RS, 1932 – 2013, São Paulo/SP

A vida pôs, por maldade,
tanta distância entre nós,
que, quando eu canto, é a saudade
que faz a segunda voz…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de
LUIZ POETA
(Luiz Gilberto de Barros)
Rio de Janeiro/RJ

Caras Vitrines Espelhos

Viver não é sofrer de forma avara,
A tara de uma dor que o ser inventa,
É ver em cada espelho, nova cara
A cada vez que a dor nos violenta.

É rir, quando o espelho se depara
Com a cara que a tristeza nos empresta
Porque a flor que fere é a que sara
A dor de cada cara em cada aresta.

Viver é conviver com cicatrizes;
Felizes são aqueles que guardaram
As marcas do seu tempo de aprendizes
E tatuaram dores que sararam.

Espelhos são os olhos da razão;
Vitrines são desejos coloridos
Da alma que transforma em sedução,
Apenas sentimentos refletidos.

Amar implica dar algum sentido
Ao tempo que se tem, e transformar
O dom de abençoar o amor vivido
No brilho que abençoa o próprio olhar.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova  Premiada em Irati/PR, 2023
DAVI PEREIRA 
Toledo / PR

Duas situações ruins
que nos aturdem, de fato:
uma é ter pedra nos rins;
outra, é pedra no sapato.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Spina de
SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

Aos primeiros raios solares…

Páginas em branco
rumam em silêncio 
abrindo as janelas, 

descortinando o novo dia azul.
Repleta de paz sou esperança,
em linhas retas, sou paralelas. 
Sem pensar no amanhã, verso
risos ou prantos, sem mazelas.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Popular

A dor por maior que seja
se comprime, se contrai.
Eu nunca vi dor no mundo
que não coubesse num ai.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de
DANIEL MAURÍCIO
Curitiba/PR

Somos
Um invólucro de barro
Onde a alma 
Se abriga.
Casulo frágil, frágil...
A seu tempo, 
A alma escapa
E entre as nuvens 
Voa...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
CIPRIANO FERREIRA GOMES
São Paulo/SP

Um céu de ouro...um mar de cobre
e emoldurado em palmeiras,
um frágil barquinho pobre
sonhando alargar fronteiras.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de
ANTONIO CASTILHO
Avaré/SP

Alzaimer

Hoje lembrei quando você partiu
Você me abraçou no portão e me deixou aqui
Você tem só 18 anos
Não sei como vai viver sem mim .
Todos os dias vou para estação para ver se está voltando...

É tanta gente chegando, é gente partindo
Mas você não está
A saudade vai me matando mas
tenho que seguir

Amanhã eu volto e talvez te encontre
Você só tem 18 anos ...
Meu medo é que você se perca por ai ...
As vezes olho no espelho e não me reconheço 
Poucos cabelos muitas rugas
Será que o tempo passou eu não percebi?

Todos os dias eu volto para a estação esperando você chegar
Você tem só 18 anos !
E nada ...
Só um senhor  vem me resgatar
Vem me buscar para casa me levar ...

Ele me abraça ...
As vezes lembro que ele me chama de pai, 
talvez para me agradar ...
Meu filho tem só 18 anos
Não vejo a hora dele voltar
Para poder de novo abraçar e comigo finalmente ficar
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
LAIRTON TROVÃO DE ANDRADE
Pinhalão/PR

Asqueroso é o avarento
que, de si, nada consome;
à família é rabugento,
por dinheiro, unha de fome.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de 
AMILTON MACIEL MONTEIRO
São José dos Campos/SP

Sabedoria

Senhor, meu Deus, me dê Sabedoria,
é tudo o que eu mais peço ultimamente,
percebo agora o quanto eu não sabia
e preciso aprender de modo urgente!

São leis que não aprendi na academia,
não sei se por ser pouco inteligente,
ou não interpretei como devia
o Seu bondoso amor, mas exigente.

Eu quero, antes que fique bem tarde,
varrer o erro que em meu peito arde,
por míngua do saber santo e profano.

Almejo viver bem com o amor divino
e com o amor de um anjo feminino,
pois sou filho de Deus, mas sou humano!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova do 
Príncipe dos Trovadores
LUIZ OTÁVIO
Rio de Janeiro/RJ (1916 -1977) Santos/SP

Houve uma bronca bacana
quando viram, certo dia,
que o noivo da Sebastiana
era o esposo da Luzia...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de
ANDRÉ VASCONCELOS
Diadema/SP

E se não amanhecer

É o breu.
Sou eu.
Tempo ruim choveu.

Os planos ruíram.
Quando se apaga.
Os sonhos dormiram.

Não enxerguei.
Tateei o nada onde me vislumbrei.
Olhos sempre abertos.
Mas não significa que soube enxergar.

Respirei fundo.
Para puxar o ar que faltou.
A esperança roubou.
Sem ar sem fôlego sem acreditar.

Ouço meu nome.
Eu respondo.
Sou eu.
Desse lado.
A chuva o tempo e o breu.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Funerária Cigana

Envolto em tua mortalha,
meu coração tu levaste.
Antes contigo se fosse,
a vida que me deixaste.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de 
JESSÉ FERNANDES DO NASCIMENTO
Angra dos Reis/RJ

Fim

Não tente ressuscitar
os mortos que somos
para o amor.
Tudo acabou.
Restam as mágoas.
Não tente reacender
um fogo que se apagou.
Restam as cinzas.
Nada mais...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Hispânica de
PAÚL TORRES ARROYO
Huaral/Peru

Hija única del canto
bálsamo de la tristeza,
la sonrisa es Sacro Santo
himno escrito a la belleza.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de 
ANTERO JERÓNIMO
Lisboa/Portugal

Paz

Vem de dentro para fora
caminho obstinado na nudez dos pés
imunes aos cardos crescendo descontrolados
passos dolentes que se recusam a parar.

Sábio silêncio do Homem que cala a voz
em guerras inúteis, ecos de palavras ocas.
Nobre missão em cruzada contra o tempo
numa luta sem decreto de vencedores ou vencidos

Paz semeada no campo da humanidade
tecida na brandura de alvos fios de linho
jardim-cultivo de amor e justiça, onde
nardos de esperança florescem no mais pleno viço.
Na presença da tua asa suprema
se tranquilizam os corações em desordem.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Humorística de
THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA
São Paulo/SP

- É o piloto... tô em perigo!...
Tem fumaça... e um fogaréu!...
- É a torre... reze comigo:
“Pai nosso, que estais no céu...”
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de
JOSÉ TAVARES DE LIMA
Juiz de Fora/MG

Doação infeliz

Não me censures se não te procuro,
nem tentes entender meu desamor…
Mataram cedo o sentimento puro
que havia no meu peito sonhador!

Este meu jeito indiferente e duro
somente esconde um natural temor,
porque sofri demais; e, te asseguro:
morre a ternura em quem sofreu de amor…

Doei-me inteiro para alguém, um dia;
acreditei nas juras que fazia,
e em paga só colhi desilusão…

Hoje, ferido por tão rude espinho,
acostumei-me tanto a ser sozinho
que até me sinto bem na solidão!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = 

Trova de
A. A. DE ASSIS
Maringá/PR

A saudade sintetiza 
sonhos, glórias, sentimentos, 
como um filme que eterniza 
nossos melhores momentos. 
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Soneto de
ISMAR DIAS DE MATOS
Belo Horizonte/MG

Diamantina

Tens o clima intraduzível;
cedo é sol, tarde é neblina...
Diamantina, Diamantina...
que natureza aprazível!

"Se é por demais incrível
e o meu dilema fascina,
inclina o ouvido, inclina,
ouve o tempo indescritível!

Se o sol que ora clareia
der lugar à lua cheia
e convidar à seresta;

deixa o sol, essa torrina,
calor e qualquer rotina,
vê a natureza em festa!"
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova da
Princesa dos Trovadores
CAROLINA RAMOS
Santos/SP

Sempre acolho de mãos postas
e, humilde, tento aceitar
o silêncio das respostas
que a vida não sabe dar!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Hino de 
Lagoa da Pedra/MA

Lago da Pedra! Lago da Pedra!
Nascestes atraente e majestosa,
Circundada por riquezas naturais,
Rodeada de soberbos palmeirais.

Lago da Pedra!
Uma fonte de encanto e beleza
Para o Brasil uma esperança renovada
Pelo padroeiro São José abençoada!

Lago da Pedra!
Na dureza da paisagem do sertão
Marchando com bravura e decisão
Ao encontro de uma história triunfante.

Lago da Pedra!
Com sua juventude tão brilhante
Um sorriso alegre, um médio sertão.
Cidade de progresso do Maranhão.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Humorística de 
JOSÉ LUCAS DE BARROS
Serra Negra do Norte/RN, 1934 – 2015, Natal/RN

Marido que à noite escapa
com mulheres e aguardente,
o remédio é chá de tapa,
sem açúcar, forte e quente!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de 
ATÍLIO ANDRADE
Curitiba/PR

Arrogância 

É  bom de vez em quando 
Descer da escada 
E dar uma olhada
No rodapé...
Amarrar, fixar 
Pois na ganância 
Um  tombo pode derrubar
Tua arrogância.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de
ARTHUR THOMAZ
Campinas/SP

Gonçalves Dias, teu verso
das terras do Maranhão
aos píncaros do Universo,
prega ao mundo a comunhão!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Fábula em Versos de
JEAN DE LA FONTAINE
Château-Thierry/França, 1621 – 1695, Paris/França

A rã e o rato

Trazendo viva guerra antigamente
Rãs e ratos, houve uma tão valente,
Que tomou em um choque prisioneiro
Um rato, que era entre eles cavalheiro.

Pediu-lhe este licença em certo dia,
Para acudir a um pleito que trazia.
Concedeu-lha. Era o rato precisado
A passar um profundo rio a nado:

Deu indícios de medo; a rã lhe disse
Que se prendesse a ela e que a seguisse;
Que como no nadar tinha mais arte,
O poria sem risco na outra parte.

Aceitou, e de junco fabricaram
Uma boa tamiça a que se ataram;
Porém a falsa rã, que a má vontade
Encobria em finezas de amizade,

Desejava afogá-lo; e lá no meio
Puxava para baixo, e com receio
Puxava para cima o triste rato,
E faziam um grande espalhafato.

Passava acaso uma ave de rapina;
E vendo aquela bulha, o voo inclina;
Pilha ambos pelo atilho; e a tal contenda
Acabou em fazer deles merenda.

Ninguém creia em finezas de inimigo,
Porque o ódio se oculta e não se entende;
Dirá que de perigo nos defende,
Para haver de meter-nos em perigo.

Sabemos que não fica sem castigo;
Porque às vezes no laço em que pretende
Ofender-me, também a si ofende:
Mas que importa, se lá me tem consigo?

Se padecesse só o embusteiro,
Menos mal; porém vou com ele atado,
E posso no penar ser o primeiro;
Por isso nada fico aproveitado,
E talvez se aproveite algum terceiro
À custa do inocente e do culpado.

Jaqueline Machado (“Vidas secas”, de Graciliano Ramos)

Vidas secas, de Graciliano Ramos, é um dos romances mais importantes do cenário literário brasileiro. Escrito em 1938, a obra nos leva a refletir e também a se indignar com o horror da desigualdade social. 

O romance fala de uma família que foge da seca pela caatinga, em busca de água e comida. 

O protagonista, é Fabiano, sua esposa é a sinhá Vitória que levava o filho mais novo escanchado no quadril. Um pouco atrás ia o filho mais velho e a cachorra: Baleia. 

Quase não conversavam. Primeiro, porque tinham pouco assunto. Depois, porque precisavam poupar as forças físicas. 

Os juazeiros se aproximavam, recuavam e sumiam.

Cansado, o filho mais velho se pôs a chorar e sentou no chão.   

- ‘Anda, condenado do diabo”! -  Gritou-lhe o pai. - Não obtendo resultado, o castigou com a ponta da bainha da faca. Acuado, sossegou, deitou, fechou os olhos.  

A família tinha um papagaio, que foi sacrificado para matar a fome. 

Exaustos, encontram uma fazenda aparentemente abandonada. Lá, buscaram refúgio. Fabiano encontra água no bebedouro dos animais. Baleia caça um preá. Eles ficam felizes, pois, finalmente, haviam encontrado água e comida.

Fabiano se vê dono daquela fazenda. Mas descobre que ela tem dono. E precisa negociar com o fazendeiro para não ter que voltar a seguir a caatinga rala com a família. Seus serviços, então, são trocados por abrigo e comida. 

Em certo momento, o filho faz uma pergunta. Fabiano fica irritado. Afinal, pensar não leva a nada. E lembrou do senhor Tomás da Bolandeira, que apesar de possuir muita cultura, morreu na seca. 

Ele queria desfrutar de uma vida melhor. Sua mulher sonhava ter uma cama igual ao do seu Tomás da Bolandeira. 

Permanecem por um tempo na fazenda. Conhecem pessoas, vão a algumas poucas festividades, mas na maior parte do tempo, desfrutavam mesmo dos sofrimentos. Um dos maiores foi a morte da cachorra Baleia, que estava muito debilitada. Depois, a seca voltou a castigar a terra, matando os animais de sede. E a família teve que fugir de novo, debaixo de um calor escaldante, sem destino. 

Ou seja, devido às más governanças e más distribuições de terra, o ciclo de dor e desalento se repete…

Fonte: Texto enviado pela autora 

Recordando Velhas Canções (Volta por cima)

(Samba, 1962) 

Compositor: Paulo Vanzolini

Chorei
Não procurei esconder
Todos viram, fingiram
Pena de mim não precisava
Ali onde eu chorei, qualquer um chorava
Dar a volta por cima que eu dei, quero ver quem dava

Chorei
Não procurei esconder
Todos viram, fingiram
Pena de mim não precisava
Ali onde eu chorei, qualquer um chorava
Dar a volta por cima que eu dei, quero ver quem dava

Um homem de moral não fica no chão
Nem quer que mulher lhe venha dar a mão
Reconhece a queda e não desanima
Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima
Reconhece a queda e não desanima
Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima

Chorei
Não procurei esconder
Todos viram, fingiram
Pena de mim não precisava
Ali onde eu chorei, qualquer um chorava
Dar a volta por cima que eu dei, quero ver

Um homem de moral não fica no chão
Nem quer que mulher venha dar a mão
Reconhece a queda e não desanima
Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima
Reconhece a queda e não desanima
Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima
Reconhece a queda e não desanima
Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima

Resiliência e Orgulho: A Mensagem de Superação em 'Volta Por Cima'
A música 'Volta Por Cima', é um hino de superação e resiliência. A letra fala sobre a experiência de passar por um momento difícil, chorar e sentir a dor da queda, mas, acima de tudo, sobre a capacidade de se reerguer e seguir em frente. A expressão 'dar a volta por cima' é uma metáfora para superar adversidades, mostrando que, apesar dos desafios, é possível se recuperar e continuar a jornada com dignidade e força.

O refrão da música destaca a importância da autoconfiança e do orgulho pessoal. O 'homem de moral' mencionado na letra simboliza alguém que, mesmo após enfrentar uma situação que o leva às lágrimas, não se deixa abater permanentemente. Ele não espera por ajuda externa, mas reconhece sua própria capacidade de se levantar e seguir em frente. A mensagem é clara: é essencial reconhecer os próprios erros ou fracassos, mas sem deixar que eles definam quem somos.

A canção também aborda a questão da vulnerabilidade e da autenticidade emocional. O narrador não tem vergonha de suas lágrimas e não se preocupa com a opinião alheia. Isso reflete uma atitude de honestidade com os próprios sentimentos, que é fundamental para o processo de cura e crescimento pessoal. 'Volta Por Cima' é, portanto, uma ode à força interior e à capacidade humana de superar obstáculos, mantendo a cabeça erguida e o coração aberto para novas possibilidades.

Não é verdade que “Volta por Cima” tenha alguma coisa a ver com a morte do filho do autor ocorrida anos depois de sua criação. A letra deste samba é isto sim, “uma questão de filosofia de vida, como eu gostaria de ser”, afirma o Dr. Paulo Vanzolini mestre em Zoologia pela Universidade de Harvard, diretor do Museu de Zoologia da USP e um dos mais festejados componentes do reduzido grupo de compositores paulistas de sucesso nacional.

Os versos ajudariam a popularização da expressão “dar a volta por cima”, citada no dicionário Aurélio como o ato de superar resolver uma situação difícil, desagradável, problemática.

Oferecido a alguns cantores, “Volta por Cima” acabou gravada pelo mineiro Noite Ilustrada, numa ocasião em que Vanzolini estava em viagem na Amazônia. Noite Ilustrada atuava na boate Moleque, onde os frequentadores costumavam fazer coro sempre que ele interpretava a composição. Então, atendendo à pretensão do sambista, o produtor Alfredo Borba autorizou a gravação, que teve um arranjo bem simples do clarinetista Portinho. Quando Vanzolini retornou a São Paulo, foi surpreendido com o seu samba tocando nas rádios e disputando as primeiras colocações nas paradas, para logo se fixar como o maior sucesso de Noite Ilustrada.

A propósito, este apelido pitoresco foi dado ao cantor (que se chama Mário de Souza Marques Filho) em 1951, quando ele participava de um show comandado por Zé Trindade na cidade mineira de Além Paraíba. No momento da apresentação, o comediante esqueceu o seu nome e, vendo-lhe num bolso um exemplar da revista Noite Ilustrada, não se apertou: “E agora com vocês a grande revelação... Noite Ilustrada.” Daí em diante o apelido pegou de tal forma que até Denise, mulher do cantor, o chama de o Noite. 
Fontes:
https://www.letras.mus.br/jorge-aragao/286389/significado.html
http://cifrantiga3.blogspot.com.br/2006/06/volta-por-cima.html