sábado, 8 de junho de 2024

Carolina Ramos (Trovando) “16”

 

Lima Barreto (A ave estranha)

Uma anedota do Reino dos Perus

Um dia em que o azul do ar transluzia e os seus delgados filetes paralelos vibravam como cordas de violino, ao reino dos Perus, sem que se soubesse de onde, chegou uma ave estranha.

Era alta e garbosa, leve e esguia. Vinha envolvida numa doida atmosfera de rubro, de miragem dourada. A doce curva de seu pescoço tomava os mais elegantes ímpetos para atingir o céu distante. Rebrilhavam as suas penas nos matizes mais variados e imprevistos; ora, a turquesa das alturas vivia-lhe na plumagem. Ora, a esmeralda do mar serpenteava pelo seu dorso, por toda ela, aqui, ali, pintas, olhos, cruzes, estrelas de safiras, ágatas, de topázios e rubis brilhavam.

Foi grande a surpresa no domínio do Perus. Cada qual, não saindo do círculo de giz em que desde tempos imemoriais se haviam metido, ergueu a cabeça hedionda.

Oh, espanto! Oh, terror! A ave não se parecia com eles.

Não tinha as penas negras de brilho esverdeado, movia-se em todos os sentidos, os traços de giz não suspendiam seus passos. Mal pousou em terra, familiarmente, como se de há muito conhecesse o hábito, pôs-se a falar, a comentar com liberdade, com segurança. Não tinha medo nem das palavras, nem das ideias, nem dos outros perus, os maiores que eles diziam existir poderosos.

Era tolerante, sabia a grande variabilidade das coisas, a maneira diversa que cada qual pode compreendê-las.

Mas os perus não se podiam capacitar que o mesmo objeto visto por duas pessoas desperte dois modos de ver diferentes. Para eles toda árvore era verde, todo verde era um só. Isso nascia da reflexão da sua natureza íntima.

Todos eram iguais, do mesmo povo, com a mesma voz, com mesmos gostos; as diferenças que, porventura, se lhes pudesse dar o nascimento, os anos lhes tiraram.

Sabiam escrever, mas só de um modo, sabiam pensar, mas só de um modo, não admitiam a dúvida.

Era certo o que diziam, era exato o que representavam. Paravam nas palavras, não iam ao pensamento.

E a letra? Ah! A letra!

Quem tinha letra bonita, escrevia as verdades; e na letra bonita estava o imperativo categórico.

O mundo era rígido, para eles, igual, medido, não tinha diferenças, não tinha nuances, era uma curva abominável. O mundo, já lá dizia o filósofo, é a ilusão do nosso entendimento.

O espanto foi contido e com falsas vozes de amigo, os perus indagaram:

— Donde vens?

— De longe. Atravessei mares, lagos, rios e minhas asas por vezes roçaram na cabeleira verdolenta das florestas. Vi o azul fosforescente do mar dos trópicos, as adustas areias da Ásia, a gama de fogo do Chibuazo, do Cotopaxi. Vi pagodes, cubatas, palácios. Os boulevards de Paris, os jardins de Sandes e as nascentes do Nilo encantaram alternativamente meus olhos. Raças, povos, famílias, de cores e de sangue mais vários amei.

Fonte: Lima Barreto. Contos completos. São Paulo: Cia das Letras, 2010. Disponível em Domínio Público.

Vereda da Poesia = 28 =


Trova Humorística de Juiz de Fora/MG

HELOISA ZANCONATO

- Meu guri só diz tolice!...
E o garoto retrucou:
- Mas, papai, tudo o que eu disse
foi você quem me falou!...
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

MANUEL BANDEIRA
(Manuel Carneiro de Souza Bandeira Filho)
Recife/PE, 1886 – 1968, Rio de Janeiro/RJ

A CAMÕES

    Quando n’alma pesar de tua raça
    A névoa da apagada e vil tristeza,
    Busque ela sempre a glória que não passa,
    Em teu poema de heroísmo e de beleza.

    Gênio purificado na desgraça,
    Tu resumiste em ti toda a grandeza:
    Poeta e soldado... Em ti brilhou sem jaça
    O amor da grande pátria portuguesa.

    E enquanto o fero canto ecoar na mente
    Da estirpe que em perigos sublimados
    Plantou a cruz em cada continente,

    Não morrerá sem poetas nem soldados
    A língua em que cantaste rudemente
    As armas e os barões assinalados.
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Aldravia de Juiz de Fora/MG

CECY BARBOSA CAMPOS

a
turba
ruge
o
tiro
ecoa
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Soneto de Lisboa/Portugal

FERNANDO PESSOA
(Fernando Antonio Nogueira Pessoa)
1888 – 1935

AH UM SONETO!!!

Meu coração é um almirante louco
que abandonou a profissão do mar
e que a vai relembrando pouco a pouco
em casa a passear, a passear...

No movimento (eu mesmo me desloco
nesta cadeira, só de o imaginar)
o mar abandonado fica em foco
nos músculos cansados de parar.

Há saudades nas pernas e nos braços.
Há saudades no cérebro por fora.
Há grandes raivas feitas de cansaços.

Mas - esta é boa! - era do coração
que eu falava... e onde diabo estou eu agora
com almirante em vez de sensação?… 
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Trova Premiada em Bandeirantes/PR, 2009

JB XAVIER 
(José Xavier Borges Júnior)
São Paulo/SP

Na clausura da existência,
das prisões que nos impomos,
um devaneio é a essência
do que pensamos que somos!
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Poema de Catanduva/SP

ÓGUI LOURENÇO MAURI

O FASCÍNIO DO TEU SORRISO

Não sei como tu consegues ser assim!...
Nenhum contratempo tira teu sorriso.
Eu queria tal postura também pra mim.
É de um humor igual ao teu que preciso...

De tua euforia, tenho feito meu remédio,
Minha terapia é teu rosto risonho.
É sempre tua alegria que me espanta o tédio,
Preso a teu estado d'alma me recomponho.

Ah!... Se Deus me desse teu temperamento...
De quem sorri mesmo nas horas mais duras,
A esperança anularia meu desalento,
Fazendo meu astral chegar às alturas.

Este teu sorriso de puro fascínio,
Com todo o charme de matiz cativante,
Deixou meu coração sob teu domínio,
Prisioneiro de outro, num peito triunfante.

Quando noto, de orelha a orelha, teus lábios,
Um traçado horizontal num rosto lindo,
Percebo-te a usar a estratégia dos sábios,
Convicto de que me ganhaste sorrindo.
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QUADRA POPULAR

Quem me dera estar agora
onde está meu coração,
lá no campo da saudade,
onde meus suspiros vão.
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Soneto de Campo dos Goytacazes/RJ

ANTONIO ROBERTO FERNANDES 
São Fidélis/RJ, 1945 – 2008, Campos dos Goytacazes/RJ

SEM MEDIDA

Quem diz que ama muito ou pouco, mente
ou não conhece o amor, na realidade,
pois não se mede o amor em quantidade,
se ama, ou não se ama, simplesmente.

Quem ama, embora sonhe com a eternidade,
ainda assim não sonha o suficiente
e em nada modifica o amor que sente,
seja na dor ou na felicidade.

Não há um meio olhar ou um meio beijo.
Ninguém tem dez por cento de um desejo
nem existe carícia desmedida.

E o amor, sem ter tamanho, é tão profundo
que podemos achá-lo num segundo
ou procurá-lo, em vão, por toda a vida.
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Trova de Mangualde/ Portugal

ELISABETE DO AMARAL
(Elisabete do Amaral Albuquerque Freire Aguiar)

Sobre o fumo mais escuro,
fruto da vil ambição,
quero pintar um futuro
sol ridente, meu irmão!
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Poema de São Fidélis/RJ

ANTONIO MANOEL ABREU SARDENBERG

BUSCA

Traço na tábua a trilha da traça.
Tiro da tira um tanto de nada.
Fito na foto a fita que enfeita,
O filme perfeito de um conto de fada.

Fico atento focando no trono,
O rato roendo a roupa do rei.
Vejo ao relento a força da lei,
Perco a esperança, o sonho, o sono!

Sinto na alma um quê de saudade,
Choro sozinho o sonho perdido,
Vejo o passado morto e partido.
De mim sinto pena, dó, piedade!

Lanço o laço em busca do nada.
Sinto o horizonte mais longe que tudo.
Perco o caminho, o rumo, a estrada,
Caio na poça de um poço bem fundo.

Busco na fé a força do forte.
Conto o tempo em cada segundo.
Procuro na bússola a reta, o norte,
Acho você: meu mundo, meu tudo!
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Haicai de Campinas/SP

GUILHERME DE ALMEIDA 
(Guilherme de Andrade de Almeida)
Campinas, 1890-1969, São Paulo/SP

Um gosto de amora
comida com sol. A vida
chamava-se "Agora".
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Sextilha de São Simão/SP

THALMA TAVARES
(Vicente Liles de Araújo Pereira)

Descobri um grande amor
– meio século já faz -
e ainda hoje é o motivo
que sempre alegre me traz,
por ser a troca constante
de ternura, amor e paz.
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Trova Humorística de São Paulo/SP

THEREZINHA DIEGUEZ BRISOLLA

Garota que, muitas vezes,
com jantares se tapeia,
vai, durante nove meses,
“chorar... de barriga cheia!”
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA 
(Nemésio Prata Crisóstomo)

MOTE:
Um sonho lindo que eu tive
onde tudo era harmonia
acordei... não me contive...
Era um sonho!... Que agonia!
José Feldman 
Campo Mourão/PR

GLOSA:
Um sonho lindo que eu tive
trouxe-me doces lembranças
quando jovem, em aclive,
via na vida esperanças!

Fora uma bela visão
onde tudo era harmonia
dando-me viva impressão
do quão feliz eu seria!

Hoje em infausto declive
na vida, sem me por freio,
acordei... não me contive...
foi só mais um devaneio!

Que o sonho fosse verdade
era tudo o que eu queria,
mas quedei-me à realidade:
Era um sonho!... Que agonia!
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Epigrama de Salvador/BA

LAFAIETE SPINOLA
(Lafaiete Ferreira Spínola)
1909 – 1975

Uma coisa aconteceu
Que a todo o mundo intrigou:
O Tesouro emagreceu
E o tesoureiro engordou!

(sobre um tesoureiro que guardava o dinheiro público em seu próprio bolso)
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Soneto do Rio de Janeiro/RJ

JOÃO BARAFUNDA
(João Francisco Coelho Cavalcanti)
São Luiz do Quitunde/AL, 1874 – 1938, Rio de Janeiro/RJ

ROSA

Como um botão de rosa despontando
era assim Rosa — meu primeiro amor;
passava às rosas seu perfume dando
e dando às rosas sua rósea cor.

Quando Rosa morreu, todos, chorando,
rosas puseram no caixão (que dor!)
E as rosas forma pálidas ficando,
ficando triste como a extinta flor.

E foi-se a rosa de meu coração...
Porque fugiste, amor puro e perfeito?
Porque morreste, flor inda em botão?

Tu, que foste rainha das formosas
flores, hás de viver sempre em meu peito.
Tens em meu peito um túmulo de rosas.
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Trova Premiada  em Cachoeiras de Macacu/RJ, 1999

ANTONIO COLAVITE FILHO 
Santos/SP

“Cara-de-pau!” E o grã-fino 
não se abala, não se afoba;
e no rosto, enfim, ladino,
passa um óleo de peroba…
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Spina de São Paulo/SP

CARLA BUENO OLIVEIRA

ESQUEÇO DE TUDO

Esqueço de tudo
desde que conheci
você, meu universo.

Você tornou-se a minha vida,
a razão de tudo, enfim,
de existir cada novo verso.
Foi tão bom isso acontecer,
não poderia ser o inverso!
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Trova de Campinas/SP

ARTHUR THOMAZ
(Arthur Thomaz da Silva Neto)

Em um lugar no passado...
Hoje, ao ver nosso retrato
esquecido e amarelado,
eu culpo o destino ingrato.
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Poema do Rio de Janeiro/RJ

LENA JESUS PONTE
(Lena Rúbia Ferreira de Jesus Ponte)

DE PASSAGEM

Na rua dorme um menino
sem lençol de afeto.
Na rua sonha um menino
sonhos sem imagens.
Na rua seca um menino
sem sequer as miragens de um deserto.

O menino dorme,
abraçado à calçada,
aconchegado ao cimento.
Que faz todo mundo neste momento exato?
Dormimos todos um sono profundo.
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Poetrix do Rio de Janeiro/RJ

RICARDO INGENITO ALFAYA

porcelana chinesa

Luz na água do chá
O rosto de um monge
Dentro da xícara
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Poema de Lisboa/Portugal

ANA LUÍSA AMARAL

ESPAÇOS

 As nuvens não se rasgaram
nem o sol: só a porta
do meu quarto

 A abrir-se noutras
portas dando para outros
quartos e um corredor ao fundo

 Não havia janelas nem
silêncios: sinfonias por dentro
a rasgar o silencio

 A porta do meu quarto
já nem porta: madeiramento
para o fogo
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Trova de Maringá/PR

A. A. de ASSIS
(Antonio Augusto de Assis)

– Aceitas dar-me os deleites 
da próxima contradança?... 
– Aceito, desde que aceites 
não me apertar contra a pança! 
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Poema de Brusque/SC

MARIA LUÍZA WALENDOWSKY

VIDAS II

Vidas, que se cruzam,
Que em seus trilhares
se confundem,
num misto de alegrias,
tristezas...
companheirismo e confidências.

Vidas, que ao longo do tempo,
criam raízes em nossos corações...
que ao se depararem com intempéries,
deixam cicatrizes... apenas!

Vida, que Deus nos presenteia...
e basta um segundo,
um instante,
para se entrelaçar
olhos,
 alma...
e coração!
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Hans Christian Andersen (O Livro Silencioso)

Numa estrada cercada por floresta de ambos os lados, vemos ao fundo uma fazenda dividida por essa estrada. Podia se ver uma bela e enorme árvore bem no centro dessa floresta. 

O dia estava ensolarado, calmo e fresco, como eram dias de verão na Dinamarca todas as janelas da casa da fazenda estavam abertas. Havia um toque de vida vindo de dentro da casa. Porém, no centro do jardim, debaixo de uma tenda feita de um arbusto de sirenes, estava um caixão aberto. Ele aguardava a tampa que o marceneiro estava fazendo para poder sepultar o morto. 

Ninguém veio para vê-lo. Ele estava só, deitado em seu leito e sobre sua face, um pano branco. Mas, ao se olhar de perto, podia-se notar que o semblante do morto estava em paz e até um leve ar de felicidade emanava de sua face. 

Algo interessante e inusitado aparecia debaixo da cabeça do morto, não havia um travesseiro como de costume, mas um livro grande e grosso. Suas folhas eram de um papel de alta qualidade e entre cada folha, uma flor. Havia ali um herbário completo selecionado e colecionado de diferentes lugares. 

Ele havia pedido que esse livro fosse enterrado com ele. Cada flor estava relacionada a um capítulo de sua vida.

– Quem era o morto? – Podemos perguntar. 

E a resposta era: 

– “Um velho estudante de Uppsala, uma cidade na Suécia situada ao norte, a 70 km de Estocolmo. Ele deve ter sido muito inteligente, pois aprendeu línguas, canto, sem contar que escrevia muito bem; mas então algo aconteceu... e ele parou com tudo que fazia, começou inclusive a beber bebidas alcoólicas muito fortes. Porque abandonou tudo, sua saúde um dia o abandonou também. Sem nada e não tendo a quem recorrer, escondeu-se no campo onde encontrou pessoas boas que lhe davam de comer. Apesar de tudo, ele continuava um homem bom, piedoso e simples como uma criança, mas quando uma de suas crises voltava, ele fugia para a floresta e se escondia lá como um animal que estava sendo caçado, mas se o levássemos para casa e dávamos para ele o livro com as folhas, flores e ervas secas, ele se acalmava e podia ficar sentado o dia todo a olhar para uma erva e depois para outra, e muitas vezes lágrimas escorriam pelo seu rosto. Somente Deus sabia a razão dessas lágrimas! Ele pediu que seu livro fosse enterrado com ele, agora ele está lá, apoiando sua cabeça, em pouco tempo a tampa será fechada, e ele terá seu doce descanso na sepultura.”

A mortalha fúnebre foi levantada. Havia paz no rosto do morto, um raio de sol caiu sobre ele; uma andorinha passou em seu voo rápido pelo caramanchão e girou, chilreando sobre a cabeça do homem morto.

Como é estranho, no entanto, - todos nós sabemos disso - pegar velhas cartas de nossa juventude e lê-las; faz uma vida inteira acordar, por assim dizer, com todas as suas esperanças, com todas as suas lembranças, com todas as suas tristezas. Quantas pessoas, como nós, em um tempo vivido com tanto carinho, agora vivem como se estivessem mortos para nós, e ainda vivem, mas por muito tempo não pensamos neles, contudo, ao nos lembrarmos de alguém, deveríamos sempre nos agarrar a essa lembrança para poder compartilhar nossas tristezas e alegrias.

A folha de carvalho murcha no livro, lembra o amigo, amigo dos tempos de escola, amigo para a vida; ele fixou esta folha no boné do estudante, na floresta verde quando esse pacto foi selado para a vida.

- Onde ele está agora?  

A folha escondida, lembra a amizade esquecida. 

Agora temos uma planta de estufa estrangeira, muito boa para os jardins nórdicos – é como se ainda houvesse fragrância nessas folhas! Ela a deu a ele, uma nobre do jardim de ervas nobre. A nenúfar, ele arrancou e molhou com lágrimas salgadas, essa flor nasce em águas doces. Há também uma urtiga, o que sua folha diz? O que ele estava pensando ao pegá-la, ao escondê-la? Outras surgem: o lírio do vale, da solidão da floresta e mais a folha de cabra ambas e outras adornam o vaso de flores da estalagem, por fim a folha de grama nua e afiada !

A sirene em flor derrama seu cacho fresco e perfumado sobre a cabeça do morto –, a andorinha voa novamente: “Qvivit! qvivit!” 

Chegam os homens com pregos e com martelos, a tampa é colocada sobre o morto, que descansa a cabeça no livro mudo. Escondido - esquecido!

Fonte> Hans Christian Andersen. Contos. Publicados originalmente entre 1835 – 1872. Disponível em Domínio Público

Recordando Velhas Canções (Bandolins)


Compositor: Oswaldo Montenegro

Como fosse um par que nessa valsa triste
Se desenvolvesse ao som dos bandolins
E como não, e por que não dizer
Que o mundo respirava mais se ela apertava assim
Seu colo como se não fosse um tempo
Em que já fosse impróprio se dançar assim
Ela teimou e enfrentou o mundo
Se rodopiando ao som dos bandolins

Como fosse um lar, seu corpo a valsa triste
Iluminava e a noite caminhava assim
E como um par, o vento e a madrugada
Iluminavam a fada do meu botequim
Valsando como valsa uma criança
Que entra na roda, a noite tá no fim
Ela valsando só na madrugada
Se julgando amada ao som dos bandolins
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A Dança da Vida em 'Bandolins' de Oswaldo Montenegro
A música 'Bandolins' de Oswaldo Montenegro é uma obra que evoca a nostalgia e a beleza dos momentos efêmeros da vida. Através da metáfora da dança, Montenegro descreve uma cena onde uma mulher dança ao som dos bandolins, como se cada movimento fosse um ato de desafio e afirmação perante o mundo. A valsa triste que se desenvolve ao som dos bandolins pode ser interpretada como a própria vida, com seus altos e baixos, mas ainda assim bela e digna de ser dançada.

A letra sugere uma resistência contra o que é considerado 'impróprio' pela sociedade, representado pela mulher que dança apesar das expectativas. Ela não se deixa levar pelo que é convencionalmente aceito, escolhendo viver o momento presente com intensidade e paixão. A imagem da 'fada do botequim' ilumina a noite, trazendo um toque de magia e encantamento, reforçando a ideia de que a vida, mesmo com suas tristezas, possui uma luz própria que deve ser celebrada.

A música também toca na temática da solidão e da busca por amor, como visto na última estrofe onde a mulher 'valsando só na madrugada' se julga amada. Isso pode ser visto como uma reflexão sobre a busca por conexão e a esperança de encontrar amor, mesmo quando se está sozinho. 'Bandolins' é uma canção que fala sobre a coragem de viver a vida plenamente, apreciando cada momento como se fosse uma dança, mesmo que seja uma valsa triste.

Dicas de Escrita (Como Escrever uma Fábula) = 1

(por Danielle McManus, PhD*)

INTRODUÇÃO
Fábulas são contos curtos alegóricos que, normalmente, têm como personagens animais antropomórficos, embora plantas, objetos e fenômenos naturais também possam aparecer. Em fábulas clássicas, o personagem principal aprende algo a partir de um erro-chave e o conto termina com uma lição de moral que resume o que foi aprendido. 

Escrever uma fábula demanda uma narrativa forte e concisa na qual cada componente — personagem, ambiente e ação — contribui de forma direta e clara para a resolução da história e para sua moral. 

Embora cada pessoa tenha um processo de escrita único, este artigo fornece uma lista de passos sugeridos para ajudar você a criar a sua.

FAZENDO O RASCUNHO BÁSICO DA SUA FÁBULA

1 Escolha a moral.
Como a moral é o ponto crucial da fábula, muitas vezes, fica mais fácil rascunhar a sua se determiná-la. 

Ela deve estar relacionada ou refletir um problema pertinente à cultura com que os leitores se identifiquem.

Alguns exemplos de morais que podem inspirá-lo incluem:

"Por mais elevados que estejais, não desprezeis ao vosso semelhante."

"Nenhum ato de gentileza é coisa vã."

"Convites incitados pelo egoísmo não devem ser aceitos."

"Belas penas não fazem belos pássaros."

"Os estranhos devem evitar aqueles que disputam entre si."

2 Decida qual será o problema. 
Ele coordena a ação na fábula e será a fonte primária para a lição a ser aprendida.

Uma vez que o objetivo da fábula é veicular lições e ideias culturalmente relevantes, o problema central funciona melhor quando é algo com o qual muitas pessoas podem se identificar.

Por exemplo, em "A Lebre e a Tartaruga" somos rapidamente introduzidos pelo que se tornará o problema central ou conflito da história quando os dois personagens resolverem participar de uma corrida.

3 Decida qual será o elenco. 
Determine quem ou o que serão os personagens da sua fábula e que traços os definirão.

Uma vez que fábulas são feitas para serem simples e concisas, não opte por personagens complexos ou multifacetados. Em vez disso, crie um que incorpore uma única característica humana e mantenha-o dentro desse limite.

Como os personagens serão o veículo principal até a moral da fábula, escolha alguns que possam se relacionar mais facilmente a ela.

Em "A Lebre e a Tartaruga", os personagens são, como o título sugere, a lebre e a tartaruga. Uma vez que a primeira é comumente associada à rapidez, e a segunda, à lentidão, elas já têm as características principais em cima das quais se pode construir a história.

4 Determine o arquétipo dos personagens. 
Embora o animal ou objeto que você escolher já deva ter traços evidentes em si, como dito acima, você também precisará criar qualidades subjetivas relacionadas a esses traços.

Em "A Lebre e a Tartaruga", a lentidão da tartaruga é associada a equilíbrio e persistência, enquanto a rapidez da lebre é associada a ansiedade e confiança exagerada.

Há inúmeros personagens arquetípicos clássicos usados em fábulas que são bastante reconhecidos e associados a características humanas específicas. 

Escolher dois com traços opostos é, muitas vezes, útil para estabelecer o conflito na história.

Alguns dos arquétipos mais comuns e suas características incluem:

O leão: força, orgulho.
O lobo: desonestidade, ganância, voracidade.
O burro: ignorância.
A mosca: sabedoria.
A raposa: esperteza, astúcia.
A águia: autoridade, absolutismo.
A galinha: vaidade.
O cordeiro: inocência, timidez.

5 Escolha o ambiente. 
Onde os eventos da história acontecerão? 

Assim como na escolha da moral e do problema, pegue um ambiente que seja simples e fácil de ser reconhecido pela maioria das pessoas.

Ele também deve englobar os personagens e seus relacionamentos.

Tente fazer um ambiente simples, mas vívido — deve ser um local que os leitores possam reconhecer e entender facilmente, o que o poupará tempo explicando os detalhes dos arredores.

Por exemplo, na famosa fábula citada aqui algumas vezes, "A Lebre e a Tartaruga", o ambiente é uma estrada na floresta, que prepara o terreno para a ação (a corrida na estrada) e que engloba todos os outros personagens da história (criaturas selvagens).

6 Decida qual será a resolução do problema. 
Ela deve ser satisfatória e relevante em relação aos outros componentes da história, incluindo os personagens, seus relacionamentos e o ambiente.

Considere como os personagens resolverão o conflito e como essa resolução apoiará a lição e a moral a serem aprendidas com a história.

Por exemplo, na fábula "A Lebre e a Tartaruga", a resolução é simples — a lebre, em sua ansiedade, perde a corrida para a perseverante tartaruga.
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continua…
* * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 
* Danielle McManus, PhD é Conselheira de Graduação em Davis, Califórnia. Completou seu PhD em Língua e Literatura Inglesa na UC Davis em 2013.

sexta-feira, 7 de junho de 2024

Edy Soares (Fragata da Poesia) 48

 

Humberto de Campos (A confissão)

Em que se prova que certas perguntas inocentes, claramente feitas, valem às vezes por uma informação perigosa.

O padre Sebastião havia tido notícia, por intermédio do sineiro, que a sua paróquia, colocada sob a invocação de Nossa Senhora do Retiro, se achava minada, encoberta, anarquizada pela corrupção dos costumes. Segundo o depoimento dessa testemunha, o bairro estava semeado de casas duvidosas, onde algumas senhoras levianas se juntavam durante certas horas do dia rindo, dançando, palestrando com rapazes e velhos divertidos, que ali ficavam até à noite, consumindo o seu tempo e gastando o seu dinheiro. Escandalizado com a denúncia, o virtuoso sacerdote chamou uma tarde, o sacristão e recomendou-lhe:

— Francisquinho, nós precisamos agir, na freguesia contra o demônio da corrupção. A seara de Deus, que se mostrava tão prospera, principia a ser devorada pelas lagartas do Demônio. E nós precisamos trabalhar, meu filho!

O sacristão arrebitou o nariz para melhor farejar o escândalo, e o reverendo explicou o seu plano:

— É preciso que você, que conhece toda a gente, indague por aí quais são as casas suspeitas em toda a paróquia. Veja o número dos prédios e venha avisar-me, para que ou tome as providências.

Francisquinho pegou no chapéu, sacudiu-o no cocuruto, e partiu, bamboleando pelas ruas do bairro, a indagar de café em café, de botequim em botequim, de antro em antro, onde estavam situados aqueles focos de corrupção. E à tarde, informava com a sua vozinha em falsete a Sua Reverendíssima, o vigário:

— Meu padrinho, descobri tudo. As casas são três: uma na rua dos Enforcados nº 29, outra na rua França Coelho nº 417, e outra na travessa de Santa Apolônia nº 46. E é só.

Padre Sebastião tomou nota em uma das folhas do breviário, decorou, depois, um por um, o nome das ruas e o número das casas e no dia seguinte foi, como de costume, confessar e absolver os fiéis.

Estava ele no confessionário ouvindo, peneirados no crivo de ferro, os pecados do seu rebanho, quando percebeu na última dama que se ajoelhara à sua frente, uma das senhoras cuja virtude não lhe merecia grande confiança. Cauteloso, o sacerdote, em certo momento, indagou:

— E você, filha, nunca abandonou o seu lar para ir à Rua dos Enforcados nº 27?

— Não, senhor! — gemeu a moça.

— E à Rua França Coelho nº 417?

— Também, não, senhor! — insistiu a dama.

— E à travessa Santa Apolônia nº 46? — tornou o pároco.

— Não, senhor!

Padre Sebastião absolveu a linda ovelha impoluta, e como não tivesse mais ninguém a confessar, deixou-se ficar no confessionário a olhar para a porta da igreja por onde ia sair a última confessada. De repente, abriu a boca, espantado: no portal do templo, a formosa paroquiana tomava nota a lápis em uma carteirinha, que exumara ali, de uma custosa bolsinha de ouro. Desconfiado, o sacerdote encaminhou-se para a porta, arrastando em silêncio as suas sandálias moles de lã, e chegando perto da moça indagou, interessado, com a sua santa voz de além-túmulo:

— De que é que toma nota, minha filha?

A dama, sem se aperceber da pergunta, respondeu apenas, como se falasse a si mesma:

— Essas eu não conhecia, não!

E, guardando a carteirinha na bolsa de ouro, retirou-se descendo os degraus.

Fonte> Humberto de Campos. A Serpente de Bronze. Publicado originalmente em 1925. Disponível em Domínio Público.

Vereda da Poesia = 27 =


Trova Humorística Premiada em Nossa Sra. Aparecida/SE, 2024

CÉSAR SOVINSKI
(César Augusto Ribas Sovinski)
Curitiba/PR

O mentiroso sultão
com seu harém de donzelas.
— Durmo com todas, irmão.
— Só dorme – diz uma delas.
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Soneto premiado em Venda Nova do Imigrante/ES, 2024

GERALDO TROMBIN
Americana/SP

COLECIONAMENTO DE INSIGNIFICÂNCIAS
 
Coleciono pousos de borboletas
e, também, os voos dos passarinhos;
dos insetos, os rasantes, piruetas;
dos pés de vento, os seus redemoinhos;
 
e, dos jabutis, os seus passos lentos.
Além do doce sabor das amoras,
coleciono, ainda, os uivos dos ventos
e o despertar pacato das auroras.
 
Coleciono o desabrochar do hibisco;
o gotejar suave do chuvisco;
os brotos que enchem de graça a avenida.
 
Coleciono essas insignificâncias
– pra muitos, coleções de irrelevâncias –
que, pra mim, dão significado à vida!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Aldravia do Rio de Janeiro/RJ

LUIZ GONDIM

quero
vestir
tua
noite
despindo
censuras

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Soneto de São José dos Campos/SP

AMILTON MACIEL MONTEIRO

DOCES LEMBRANÇAS

A rua principal era uma antiga estrada
Que conduzia ao Rio as produções paulistas.
E em caminhões de carga os xucros motoristas
De quando em vez passavam em louca disparada.

Em meio ao poeirão e à falta de outras pistas,
A molecada armava ali sua “pelada”...
E nos degraus de pedra à beira da calçada,
Mocinhas fomentavam as poses dos ciclistas...

A rua-estrada era o centro da cidade!
Pois nela se alinhavam a venda, o bar, a Igreja,
A Santa Casa, a escola, o clube e... na verdade,

Casebres onde aranhas punham suas teias...
Mas seu saudoso “footing”... Por mais não seja,
Me corta o coração por ter deixado Areias...
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Trova Premiada em Nossa Sra. Aparecida/SE, 2024

JERSON LIMA DE BRITO 
Porto Velho/RO

Não tema sua jornada
se o céu estiver cinzento
que às vezes a trovoada
faz parte do ensinamento!
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Poema premiado em Venda Nova do Imigrante/ES, 2024

JACIMAR BERTI BOTI 
Colatina/ES

RESIDÊNCIA DO POETA 

Moro na esquina da rua
Lá no bloco da esperança
Onde o vento faz a curva
Nos olhos da linda criança 

De dia sou amigo do sol
O vento brincando na rua
Versejando nas minhas poesias
De noite, sou namorado da lua
Beijando a boca da noite
No silêncio da madrugada
O amanhecer no meu abraço
Com o canto da passarada

Viajo nas asas do vento
Junto ao olhar da saudade
A lua como companheira
Conduzindo-me a felicidade 

Escrevo na boca da noite
Talvez, no romper da aurora
O tempo passa, não perdoa
Aqui, nosso futuro é agora.
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QUADRA POPULAR

Tristes ais, negras saudades,
não me mates de repente,
que para matar só basta
o meu bem viver ausente.
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Soneto de Lisboa/Portugal

CARMO VASCONCELLOS
(Maria do Carmo Figueiredo de Vasconcellos)

MOINHOS DE VENTO

Ainda não esqueci em tantos anos
As setas aguçadas de ciúme
Partindo de teus olhos arcos-lume
Feitas dardos ferinos e insanos

Em mim ainda sangram incrustadas
Palavras tuas tão incoerentes
Chagas minhas antigas mas latentes
Que de vez só na tumba são saradas

De culpas inventadas me vesti
Fiz delas a couraça e resisti
Cedendo a quixotescos desalinhos

Minha espada... A palavra de Cervantes
No punho… Vês gigantes? São gigantes
No gume… Vês moinhos? São moinhos
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Trova de Campo Mourão/PR

JOSÉ FELDMAN

O que me deixa grilado,
é nunca saber jamais,
com dois amigos ao lado,
qual deles que mente mais.
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Poema de Coimbra/Portugal

CAMILO PESSANHA
(Camilo de Almeida Pessanha)
Coimbra, 1867 — 1926, Macau/China

INTERROGAÇÃO

Não sei se isto é amor. Procuro o teu olhar,
Se alguma dor me fere, em busca de um abrigo;
E apesar disso, crê! nunca pensei num lar
Onde fosses feliz, e eu feliz contigo.

Por ti nunca chorei nenhum ideal desfeito.
E nunca te escrevi nenhuns versos românticos.
Nem depois de acordar te procurei no leito
Como a esposa sensual do Cântico dos Cânticos.

Se é amar te não sei. Não sei se te idealizo
A tua cor sadia, o teu sorriso terno…
Mas sinto me sorrir de ver esse sorriso
Que me penetra bem, como este sol de Inverno.

Passo contigo a tarde e sempre sem receio
Da luz crepuscular, que enerva, que provoca.
Eu não demoro o olhar na curva do teu seio
Nem me lembrei jamais de te beijar na boca.

Eu não sei se é amor. Será talvez começo…
Eu não sei que mudança a minha alma pressente…
Amor não sei se o é, mas sei que te estremeço,
Que adoecia talvez de te saber doente.
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Triverso de Curitiba/PR

ÁLVARO POSSELT
(Álvaro Mariel Posselt)

A vida não tem fim
Entre túmulos e flores
uma caveira acenou pra mim

= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Sextilha de Nova Friburgo/RJ

ELISABETH SOUZA CRUZ

A vida, podemos crer, 
é um eterno aprendizado 
na busca da evolução... 
Nosso destino é traçado 
e tendo o amor por farol, 
o caminho é iluminado!
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Trova Humorística Premiada em Nossa Sra. Aparecida/SE, 2024

SOLANGE COLOMBARA
São Paulo/SP

O mentiroso pensou
ter enganado a donzela...
Por interesse casou,
mas quem o enganou, foi ela!
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Glosa de Fortaleza/CE

NEMÉSIO PRATA
(Nemésio Prata Crisóstomo)

MOTE:
Tantas noites mal dormidas:
tantos dias mal passados,
tantas lágrimas vertidas,
por amores fracassados!
JOSÉ FELDMAN 
Campo Mourão/PR

GLOSA:
Tantas noites mal dormidas:
só insônia e pesadelos;
nestas horas tão sofridas
sinto a falta de seus zelos!

Não sei se vou suportar
tantos dias mal passados,
sem um dia eu derramar
soluços desesperados!

Dos meus olhos, incontidas,
fruto da saudade, são
tantas lágrimas vertidas,
que secou meu coração!

Nas noites, sem ter o encanto
de te ter em meus brocados,
vou chorar meu desencanto
por amores fracassados!
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Epigrama de Campinas/SP

VICTOR CARUSO

A UM MATEMÁTICO

Jaz aqui um matemático.
Se dele queres saber
Pede à historia que te diga:
Sendo do cálculo amador fanático
Teve para morrer um meio prático
E resolveu morrer
De cálculos na bexiga...
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Soneto de Viçosa/Portugal

FLORBELA ESPANCA
(Flor Bela de Alma da Conceição Espanca)
Viçosa, 1894 – 1930, Matosinhos/Portugal

ALMA PERDIDA

Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente, 
Tu és, talvez, alguém que se finou!
 
Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, alma doente
De alguém que quis amar e nunca amou!
 
Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!
 
Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
Que chorasse perdida em tua voz!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova Premiada em Nossa Sra. Aparecida/SE, 2024

A. A. DE ASSIS
(Antonio Augusto de Assis)
Maringá/PR

O céu manda a trovoada
avisar que a chuva vem.
– Venha logo... e, abençoada,
traga a fartura também!
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Spina de Maceió/AL

ISABEL PERNAMBUCO

LUA…

Banhando a noite,
bela lua cheia...
Infinda de beleza

Tão linda lua, traz-me você.
Ela é dos namorados... enamorados
Basta admirá-la, foge a tristeza.
Suas fases, as tenho também
Segue sempre brilhando, só boniteza.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Trova de Caicó/RN

EVA GARCIA
(Eva Yanni Garcia)

Desponta sereno o dia,
e o meu sonho, sem demora,
enche o mundo de poesia
ao romper da linda aurora!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poema de Paranavaí/PR

DINAIR LEITE

ENCANTAMENTO

Minha mãe de branco eu vi,
sentada em belo jardim,
onde havia beija-flores,
araras e um juriti.

Não tinha ar de madona,
nem era fluída, etérea.
Era real e tão bela;
do jardim ela era a dona.

Não valsava, nem cantava,
quedava-se pensativa;
com suas mãos ajeitava
linda guirlanda florida.

Minha mãe era poesia
feita de branco e de flores,
de sons azuis, de tons claros
de luz, de brilhos, de dia.

De raios ensolarados,
iluminando os cabelos;
de corpo esbelto marcado,
pelo vestido vermelho,
seu ar suave, inocente.

Minha mãe tece a coroa
com seus dedinhos gentis,
alinhando as florezinhas
tão leves e tão sutis.

A sua pele é tão alva
que ao vestido se incorpora;
seus gestos são tão suaves
recendendo à malva, aurora.

Os seus cabelos sedosos,
– cascatas  de caracóis –
junto dos seios resvalam,
entremeadas de sóis.

Brilhos e luzes agitam
os cachos negros, macios,
que bailam ao som do vento
buscando cor, movimento.

Minha mãe urde a grinalda
pelas mãos e pelo olhar –
indica o seu coração,
de uma beleza, sem par!

Minha mãe é tão bonita...
Pequena, leve e catita!
Parece um sonho encantando,
em seu jardim-paraíso.

Ela tece a uma coroa
e, coroada, ela está,
de luz, de sons tão azuis,
de pássaros e borboletas,
de pingos d`água, garoa.

Minha mãe termina a obra,
feita com tanto primor...
Oferta a mim a coroa,
entrelaçada de amor.

Minha mãe, mamãe, mãezinha,
Sua luz em mim reluz.
Batizada de Tereza,
viveu, por obra do amor,
Terezinha de Jesus.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = =  = 

Poetrix de Osório/RS

SUELY BRAGA

O VENTO

Baila o vento.
Sacode as cabeleiras das árvores.
Os pássaros recolhem-se do relento.
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Soneto de Belo Horizonte/MG

SÍLVIA ARAÚJO MOTTA

A FOLHA CAÍDA

Aquela “Folha” quis mostrar caída
que era o momento certo para amar...
Quem sabe até, por ser também sofrida
quis dar a chance para a luz brilhar.

A folha seca pela dor vencida,
envelhecida veio às mãos, lembrar:
-Terceira idade pode ser querida
para envolver quem quer beijar, sonhar.

Beijos nas mãos selou adeus, que a lua
pode antever, por sua vez, soluços,
da alma, que também foi quase sua.

Fim da viagem, folha foi ao chão...
Quanta saudade! Sento e me debruço!
Computador já pode ver lição.
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Trova de Santos/SP

CLÁUDIO DE CÁPUA
São Paulo/SP, 1945 – 2021, Santos/SP

Eu adoro essas quadrinhas,
têm métrica, rima e tema...
A trova, com quatro linhas,
tem a amplidão de um poema.
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Um Poema de Santo Antônio do Monte/MG

CARLOS LÚCIO GONTIJO

APASSARADO

Não quero conforto de mar
Ser porto de espera não quero
Nem pacífico nem mar morto
Absorto, voo na paisagem
Sou viagem, corro atrás
Ainda que seja fugaz o sonho
Eu me ponho a procurar ...