Seu nome tornou-se símbolo da injustiça, e a sua injustiça tinha um cunho especial, como mostra a seguinte história:
Quando Karakouss era governador do Cairo, um ladrão tentou entrar numa casa para roubar. Escalou a parede até a janela. Mas a moldura da janela cedeu, e o ladrão caiu na rua, quebrando a perna.
No dia seguinte, o ladrão se apresentou perante o governador e disse: “Vossa Excelência, eu sou um ladrão de profissão. Ontem, tentei entrar numa casa para roubar, mas a moldura da janela era muito fraca; cedeu, e caí e quebrei a perna.”
Karakouss ordenou aos seus guardas que trouxessem o proprietário da casa. O proprietário chegou, trêmulo. O governador repetiu-lhe a narração do ladrão e acrescentou: “Por que fizeste a moldura da tua janela tão fraca que cedeu e levou este pobre ladrão a quebrar a perna?”
O homem empalideceu; mas ele conhecia o governador. Refletiu rapidamente e disse: “Excelência, não foi culpa minha. Eu paguei ao carpinteiro o bastante para que ele fizesse uma moldura resistente. Por que a fez fraca, não sei.”
- Bem pensado, disse o governador. Trazei-me o carpinteiro.
Quando o carpinteiro se apresentou, Karakouss lhe disse: “Este homem diz que te pagou o suficiente para que instalasses uma boa janela em sua casa. Por que fizeste a moldura da janela fraca demais para aguentar o peso desse pobre ladrão, que caiu e quebrou a perna?”
O carpinteiro respondeu: “Excelência, não foi culpa minha. Quando estava instalando a moldura, uma moça bonita e vestida de vermelho passou na rua; distraí-me e esqueci de colocar os pregos necessários.”
Karakouss mandou averiguar quem era a beldade e ordenou que a trouxessem.
Quando ela chegou disse-lhe: “Foi por causa da tua beleza e do teu vestido vermelho que este carpinteiro não fixou bem a moldura da janela e, por consequência, este pobre ladrão caiu e quebrou a perna.”
A moça respondeu: “Excelência, a minha beleza é de Alá, e o meu vestido, do comerciante da esquina.”
-Trazei-me o comerciante, gritou Karakouss na sua procura da justiça absoluta.
Quando o comerciante chegou, Karakouss lhe disse: “Tu, miserável comerciante! Por que vendeste um vestido vermelho a essa moça fazendo-a distrair o carpinteiro no seu trabalho e causando a infelicidade desse pobre ladrão?”
O comerciante não soube o que responder, e Karakouss ordenou aos seus guardas: “Levai-o e enforcai-o na porta da prisão.”
Mas o comerciante era muito alto para a porta da prisão. Os guardas inteiraram o governador do fato.
Karakouss tinha resposta para tudo. Ordenou: “Procurai um comerciante baixinho e enforcai-o no lugar deste.”
Os guardas procuraram um comerciante baixinho, trouxeram-no apesar dos seus protestos e enforcaram-no na porta da prisão.
Assim, foi cumprida a justiça de Karakouss.
Fonte: As Mil e uma noites. (tradução de Mansour Chalita). Publicadas originalmente desde o século IX. Disponível em Domínio Público.
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