Circunspecto, mal-humorado e de forte personalidade, quando meu pai chegava, recolhiam-se os filhos. Não era monstro, mas no quarto sentíamo-nos seguros. O respeito por medo impunha silêncio, perfil não agradável a se fazer do pai. Soubemos, depois, das decepções por ele nunca absorvidas: a morte de filhos, falta de expectativa.
Amargava o amargo viver.
Nos gestos, fugas ao boteco amparador de cotovelos. E companheiros bons de ouvidos e de garganta a ouvirem e dizerem lamúrias.
Nunca esperança.
Para o mal dos pecados, uma vizinha fofoqueira de nome Filó, volta e meia buscava, por empréstimo, xícaras de farinha, açúcar, arroz, raramente os pagava. E ele odiava falatório inútil, especialmente os que vinham de comentários ouvidos ou criados por ela que, das respostas ouvidas, sairiam notícias falsas a inundar ouvidos outros, municiando-se para produzir fofocas perigosas.
Por isso ele alertou:
- Não lhe deem trela, é inconsequente e se abastece de fatos que viram difamação. É perigosa!
Tinha lá suas razões.
Estando ele ocupado com relatórios das vendas que fazia, a vizinha pediu feijão e, enquanto minha mãe a servia, danou falar mal da mulher do prefeito, esperando respostas que lhe dessem fôlego para alongamento do disse-que-disse. Ele se levantou e foi à cozinha de posse de um embrulho pequeno, que o estendeu à visita.
- Para mim? - perguntou sorrindo.
Ao desfazer o invólucro, diante da surpresa, admirou:
- Uma régua?
- Sim, dona Filó, para medir sua língua.
Diante do espanto, completou:
- Vá fazer fofocas em outro lugar, não na nossa casa!
Resposta clara, mal-educada, mas objetiva. Nem é preciso dizer do constrangimento geral.
O fato é que ela, de régua na mão, saiu e bateu a porta. Para não mais voltar nem para pedir, nem para devolver, quanto mais, falar.
Guardadas as proporções, consequências e ajustes de conceito, considerando as trapalhadas de certos pessoas (de todos os escalões e esferas), a inconveniência de Dona Filó ficaria nos
calcanhares.
Talvez a régua de meu pai devesse ser distribuída às grosas, pelo país... Com todo o respeito a quem tem a língua medível a centímetros e polegadas.
Fonte: Renato Benvindo Frata. Fragmentos. SP: Scortecci, 2022. Enviado pelo autor
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