segunda-feira, 24 de junho de 2024

Sílvio Romero (Os três conselhos)


(Folclore do Sergipe)

HAVIA UM HOMEM QUE TINHA muitos filhos, e tão pobre que não tinha que comer. 

Um dia despediu-se desapontado da mulher e dos filhos, e saiu dizendo que ia procurar meios de vida, e que só voltaria trazendo muito dinheiro. 

Depois de muitos anos, não tendo ele ainda encontrado meios de ganhar dinheiro e já muito saudoso da família, voltava este pobre homem para casa, quando apareceu-lhe um ricaço, e perguntou-lhe se ele queria ir trabalhar em sua casa, com a condição porém de só receber dinheiro depois de um ano trabalhado.

No fim do ano, o ricaço chegou-se a ele, e disse-lhe que o pagamento que tinha para dar-lhe era um conselho. 

O homem ficou muito triste, dizendo que não queria o conselho, e sim o seu dinheiro, que era com que ele ia sustentar sua família. 

O ricaço respondeu que aquele conselho valia mais do que dinheiro, e insistiu para ele aceitar, prometendo que no outro ano lhe pagaria melhor. 

Então deu-lhe o seguinte conselho: “Nunca deixes atalho por arrodeio.” ((não trocar o atalho pelo caminho mais longo) 

O velho aceitou o conselho e continuou a trabalhar. No fim do segundo ano, quando esperava receber algum dinheiro, vem de novo o ricaço dando-lhe outro conselho. 

O velho desapontado disse-lhe que não queria conselho, mas o ricaço convenceu-o de que não se arrependeria e que aquele conselho lhe serviria mais do que dinheiro, e então disse-lhe que não se hospedasse em casa de homem velho casado com mulher moça. 

O velho aceitou este conselho e trabalhou mais um ano, no fim do qual o ricaço tornou a dar-lhe outro conselho, que foi o seguinte: “Hás de ver três vezes pra creres.” 

E deu-lhe um pão, dizendo que ele só o partisse quando estivesse em casa com a família. 

Despediu-se o velho levando os três conselhos e o pão. No caminho, encontrou ele um atalho e um arrodeio (caminho mais longo). Então lembrou-se do conselho que o ricaço tinha-lhe dado e seguiu pelo atalho. 

Nisto apareceu um sujeito e lhe disse que a estrada que ia ter à casa dele era outra, mas o velho não o ouviu e seguiu seu caminho. 

No fim do caminho encontra ele o mesmo sujeito muito espantado, o qual disse-lhe ter encontrado no caminho de onde veio um homem morto por muitos ladrões, tendo ele escapado por milagre. 

O velho, ouvindo isto, compreendeu que tinha sido muito bom o conselho que o ricaço tinha-lhe dado. 

Mais  adiante, estando já muito cansado, chegou-se a uma casa e pediu hospitalidade. O dono da casa acolheu-o muito bem, mas como era velho e casado com uma mulher moça, lembrou-se ele do segundo conselho do ricaço, e à noite, quando já todos dormiam, ele saiu e agasalhou-se debaixo de um carro que ficava defronte da casa. 

Lá pela madrugada ele viu a mulher do velho, onde ele tinha-se hospedado, abrir a porta e dirigir-se em companhia de um frade para o carro. Aí chegando principiaram a conversar, e o velho ouviu da mulher o seguinte: “Hoje podemos matar meu marido, porque temos um hóspede e eu digo que ele foi o assassino.” 

O velho, que estava debaixo do carro ouvindo, cortou com uma tesoura um pedaço da batina do frade, dizendo consigo que com aquilo se defenderia. 

No  dia seguinte muito cedo começou a mulher do velho a gritar por socorro, dizendo que um hóspede tinha morto seu marido. Vem a polícia e prende logo o velho, que estava debaixo do carro. 

Na ocasião de ser condenado à forca, pediu ele que queria se confessar com o padre Fulano, o tal que ele tinha cortado a batina. 

Vindo o padre, o velho declarou que a confissão que tinha a fazer era que aquele padre é que tinha assassinado o homem e para prova mostrou o pedaço da batina, reconhecendo todos ser verdadeira aquela e sendo ele imediatamente solto e o padre condenado. 

Mais uma vez viu o velho que o conselho do ricaço lhe serviu mais do que dinheiro. Continuou a sua viagem, chegando perto de sua casa já de noite. Vendo que estava fechada, espiou pela fechadura e viu sua mulher muito alegre conversando com um moço. 

Ele armou logo a espingarda para atirar em ambos, mas lembrou-se do conselho do ricaço, deixou a espingarda e espiou de novo. Vendo-os ainda na mesma alegria, pegou de novo na espingarda e ia atirar, quando lembrou-se de novo do conselho do ricaço e então quis ver e ouvir mais uma vez. 

Então ouviu a mulher dizer a uma negra que deitasse um banho para seu filho, que tinha chegado muito cansado. 

Aí o velho lembrou-se que quando saiu de casa tinha deixado a mulher grávida e com efeito aquele moço era seu filho, que já era padre e tinha vindo do seminário naquele dia. 

O velho bateu na porta e a mulher recebeu-o com alegria, pois já o julgava morto. Os filhos também o receberam com satisfação e, depois de muito conversarem, disse-lhes o velho que nada tinha arranjado, trazendo somente no baú um pão que um homem tinha-lhe dado, para ele só o abrir quando estivesse em casa com a família. 

Partiram então o pão, e ainda mais alegres ficaram, quando viram cair do mesmo uma quantidade enorme de moedas de ouro.

Fonte: Sílvio Romero. Contos populares do Brasil. Publicado originalmente em 1885. Disponível em Domínio Público.

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