Na brenha cerrada da minha tristeza, onde os sorrisos já não fazem ninho, viviam, pousados na árvore seca da melancolia, três pombos carinhosos.
Dia e noite arrulhavam; ao por do sol, porém, um deles, turturinando, trazia-me ao coração mágoas; acerbas indefiníveis — era o mais escuro.
O menor, branco, niveamente branco, durante as noites de luar gemia, mas a sua voz, posto que fraca, tinha mais alegria muito mais alegria do que a voz soluçada do primeiro.
O último, um grande pombo forte, de asas triunfadoras, capazes de voos temerários, dia e noite, cantava no ramo seco, olhando ora o sol, ora as estrelas.
Para viver melhor com eles dei-lhes nomes.
Chamei ao primeiro Saudade, ao segundo Amor e Esperança ao terceiro.
Um dia, à hora mansa da tarde, tomei no punho o primeiro pombo e soltei-o no ar. Fiz o mesmo ao segundo, fiz o mesmo ao terceiro.
Voaram, ruflando as asas, foram-se, muito alto, como se tomassem o rumo do céu, como se fossem mariscar as claríssimas sementes que a noite começava a espalhar pelo espaço.
Foram-se!
Solitário, pus-me a pensar na madrugada próxima e na volta dos meus mensageiros.
Que me traria o pombo Amor de novo e os outros dois que novas me trariam?
Assim a pensar fitei os olhos no mesmo ponto — a brenha enchia-se de lantejoulas brilhantes. A proporção que a treva ia se fazendo mais espessa, apontavam mais estrelas e mais vagalumes apareciam como reflexos sidéreos.
Extrema solidão!
Meus olhos, por mais que se alongassem, não conseguiam descobrir a luz das choças; a cantiga melancólica do zagal, no alto do monte, não me chegava aos ouvidos.
Olhar o céu! Olhar o céu! Fitei a vista nas estrelas.
Subitamente um gemido... outro mais doloroso... uma ruflalhada em torno de mim.
Voltei-me... e ia levantar-me quando alguma coisa rápida saltou para o meu ombro, depois para o meu punho, gemendo, gemendo sempre.
Corri à claridade, cheguei-me à luz da lua e olhei.
Eterna companhia! Não pôde viver longe do coração... Sombra da vida extinta, espectro das lágrimas e dos sorrisos.
Eterna companhia! Era a Saudade, o pombo escuro.
O Amor e a Esperança passam de quando em quando junto de mim, demoram-se alguns instantes, mas, pela madrugada, fogem, voam turturinando.
Ele só não me abandona, o pombo escuro, o que eu chamei Saudade, o triste, o melancólico, o dolente.
Fonte: Coelho Neto. Rapsódias. Publicado originalmente em 1891. Disponível em Domínio Público.
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