sexta-feira, 14 de junho de 2024

Coelho Neto (Pombos viajantes)

Na brenha cerrada da minha tristeza, onde os sorrisos já não fazem ninho, viviam, pousados na 
árvore seca da melancolia, três pombos carinhosos.

Dia e noite arrulhavam; ao por do sol, porém, um deles, turturinando, trazia-me ao coração mágoas; acerbas indefiníveis — era o mais escuro.

O menor, branco, niveamente branco, durante as noites de luar gemia, mas a sua voz, posto que fraca, tinha mais alegria muito mais alegria do que a voz soluçada do primeiro.

O último, um grande pombo forte, de asas triunfadoras, capazes de voos temerários, dia e noite, cantava no ramo seco, olhando ora o sol, ora as estrelas.

Para viver melhor com eles dei-lhes nomes.

Chamei ao primeiro Saudade, ao segundo Amor e Esperança ao terceiro.

Um dia, à hora mansa da tarde, tomei no punho o primeiro pombo e soltei-o no ar. Fiz o mesmo ao segundo, fiz o mesmo ao terceiro.

Voaram, ruflando as asas, foram-se, muito alto, como se tomassem o rumo do céu, como se fossem mariscar as claríssimas sementes que a noite começava a espalhar pelo espaço.

Foram-se!

Solitário, pus-me a pensar na madrugada próxima e na volta dos meus mensageiros.

Que me traria o pombo Amor de novo e os outros dois que novas me trariam?

Assim a pensar fitei os olhos no mesmo ponto — a brenha enchia-se de lantejoulas brilhantes. A proporção que a treva ia se fazendo mais espessa, apontavam mais estrelas e mais vagalumes apareciam como reflexos sidéreos.

Extrema solidão!

Meus olhos, por mais que se alongassem, não conseguiam descobrir a luz das choças; a cantiga melancólica do zagal, no alto do monte, não me chegava aos ouvidos.

Olhar o céu! Olhar o céu! Fitei a vista nas estrelas. 

Subitamente um gemido... outro mais doloroso... uma ruflalhada em torno de mim.

Voltei-me... e ia levantar-me quando alguma coisa rápida saltou para o meu ombro, depois para o meu punho, gemendo, gemendo sempre.

Corri à claridade, cheguei-me à luz da lua e olhei.

Eterna companhia! Não pôde viver longe do coração... Sombra da vida extinta, espectro das lágrimas e dos sorrisos.

Eterna companhia! Era a Saudade, o pombo escuro.

O Amor e a Esperança passam de quando em quando junto de mim, demoram-se alguns instantes, mas, pela madrugada, fogem, voam turturinando.

Ele só não me abandona, o pombo escuro, o que eu chamei Saudade, o triste, o melancólico, o dolente.

Fonte: Coelho Neto. Rapsódias. Publicado originalmente em 1891. Disponível em Domínio Público.

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