Por que Ivone virá hoje tão triste da escola? Faria por lá alguma maldade? Não. A mestra ficou muito satisfeita com ela.
Foi isto: quando ela se levantou do banco, rasgou o vestido, sem querer.
E que buraco! Dar-se-á o caso que o saiba consertar, sem se ficar conhecendo?
Bem pode ser, porque a mãe (uma pobre lavadeira), quando chega à casa, vem mortinha de cansaço. Como estava escuro, Ivone acendeu o candeeiro, e foi procurar a caixa em que a mãe costuma guardar todos os retalhos.
— Aqui está um azul, da cor do meu vestido, pensou Ivone, estendendo o retalho. Se eu lhe puder meter uma tira!
Despiu o vestido, deitou um xalinho pelos ombros, e pôs mãos à obra, com tanto afã, que nem deu pela chegada da mãe.
— Aconteceu-te alguma coisa? perguntou-lhe, chegando ao pé da filhinha. Estás a consertar o vestido? Rasgaste-o? Olha que seria uma desgraça, porque não tens outro, nem há mais nenhum bocado de pano azul.
— Há sim, minha mãe, respondeu a pequenina, mostrando-lhe o vestido.
— Pois eu julgava que não havia; mas está me parecendo que sabes fazer muito bem um conserto.
— Já sei, já, respondeu Ivone, brilhando-lhe os olhos.
Naquela noite foi se deitar contentíssima.
De manhã levantou-se, vestiu-se, lavou-se, olhou para o vestido, e chegou ao pé da janela para o examinar de mais perto.
— Olhe! Minha mãe! Minha mãe! – gritou ela em choro - venha cá ver. Pois não pus uma tira verde no meu vestido azul? Que hei de eu fazer agora? Não posso ir à escola com esse vestido assim!
— Então, como foi isso? Não sabes que muitas vezes, à luz do candeeiro, o azul se confunde com o verde, e o verde com o azul? Mas, por causa disso, não hás de faltar à escola. Talvez que o avental te esconda a tira.
Ivone vestiu o vestido, e pôs o avental. Qual história! O avental é pequeno demais, e a tira continuava a ser vista.
— Lembra-me uma coisa, disse Ivone: é pôr a pasta dos papéis mais para trás, e assim parece-me que não se verá.
Lá foi para a escola, e empregou tanto cuidado todo o dia, que ninguém reparou.
À saída, porém, esqueceu-se da tira. Foi pôr a pasta a um canto do pátio, e começou a brincar com as condiscípulas. Não brincou por muito tempo, porque dali a pouco reparou em duas meninas, que olhavam para ela a rir-se. De repente, lembrou-se do vestido, fez-se muito corada, e sentiu duas lágrimas rolarem-lhe pelas faces. Pegou na pasta, e saiu.
***
Eugênia, uma das meninas que tinha feito escárnio do vestido de Ivone, não voltou muito contente da escola, nem a mãe a ouvia cantarolar, como costumava, pela escada acima. Não fez senão pensar na colega, que viu sair da escola tão triste.
— Eu é que fui culpada, pensava. Faz-me tanta pena ter-me rido. Mas também para que foi ela deitar uma tira verde num vestido azul? Falando a verdade, era muito esquisito.
Eugênia pegou na boneca para brincar, mas a boneca não a distraía. Por mais que fizessem, tinha defronte dos olhos o rosto melancólico de Ivone.
— Foi decerto por ela não ter outra fazenda da cor do vestido; se eu a tivesse, dar-lhe-ia.
Correu, então, a casa toda, a ver se a achava. Perguntou à mãe. Tudo debalde. Pôr mais voltas que desse, não encontrou alguma fazenda azul, senão a do vestido da boneca. Então pegou nesta, abraçou-a, olhou muito para ela e parecia refletir.
— Minha adorada Ida, disse de repente: bem conheço o teu bom coraçãozinho, por isso te vou pedir uma fineza. Não te lembras da Ivone, que no outro dia vistes em nossa casa? Hás de acreditar que deitou uma tira verde no vestido azul! Por mais que imagines, não podes fazer ideia da fealdade que ficou. Tenho a certeza de que não quererias para ti um vestido consertado daquela maneira. Foi decerto por não ter outra fazenda. O vestido é da cor do teu. Farias tu o sacrifício de lhe dar este, para mudar a tira? Bem sei que não tens outro para o inverno, mas a nossa casa é quentinha. Não te parece que, vestindo o teu vestido de verão, e pondo o teu xalinho de lã escarlate, ficarás ainda uma boneca senhoril?
Ida olhou para a dona, com o sorriso do costume. Pareceu a Eugênia que ela fazia o sinal de consentir. Despiu-lhe, então, o vestido do corpo, separou a saia, e pegando nesta, correu à casa de Ivone.
Quando chegou, a porta estava entreaberta.
Antes de entrar, parou um instante, e ouviu Ivone dizer para a mãe:
— Olha! mamãe! Eu não posso tornar à escola com esse vestido!
— Hás de tornar, bradou-lhe Eugênia (abrindo de repente a porta), olha, aqui tens um bocado de fazenda para consertares. Só Deus sabe o que me afligi por ter sido a causa de te ver chorar. Não penses mais nisso, não?
***
Diz a vizinhança que Ivone ficou tão contente, que de tudo se esqueceu daquele desgosto.
Colocou nova tira no vestido, e no outro dia entrou alegríssima na escola. Eugênia, pulando de contentamento, voltou para a boneca, encontrando-a a sorrir como sempre. E desde aquela ocasião, as duas meninas, Ivone e Eugênia, ficaram amicíssimas.
Fonte: Alberto Figueiredo Pimentel. Histórias da Avozinha. Publicado em 1896. Disponível em Domínio Público.
Nenhum comentário:
Postar um comentário