domingo, 31 de dezembro de 2017

Gérson César Souza (Trovas Siderais)


Quando a nuvem de um perigo
tapa o Sol de minha estrada
sempre surge um grande amigo
para ser luz na jornada!!!

Deus, que semeia o Sagrado,
para manter nossa crença,
criou um céu estrelado,
sinal de Sua presença!

Piscando na imensidão,
me sinto feliz ao vê-las:
Mesmo tendo os pés no chão,
minha alma respira estrelas!!!

Quem crê num mundo perfeito,
quem não desiste, por nada,
traz um Sol dentro do peito
a iluminar sua estrada!

A idade chegou, e a gente
descobriu que um grande amor
pode virar Sol poente,
mas jamais perde o calor!!!

Sentindo esta ausência tua
toda noite me parece
solidão de um céu sem Lua
que cada estrela entristece...

Como o amor não tem barreiras
as estrelas, tão amadas,
são as minhas companheiras
para o frio das madrugadas.

Astronauta da saudade
viajo pelos espaços,
mas não venço a gravidade
que me prende nos teus braços...

Nossos olhos se encontrando
e as estrelas, ao piscar,
só cintilam suspirando
de inveja do teu olhar.

No final da noite fria
quando, aos poucos, amanhece,
no teu beijo de “bom dia”
encontro o Sol que me aquece.

Somos estrelas perdidas
que o destino fez amantes,
mas colocou nossas vidas,
em constelações distantes...

Ao ver a noite estrelada
contemplo o Universo, mudo,
e entendo que não sou nada,
mas tendo o céu, tenho tudo!

Este Universo, imponente,
de estrelas e escuridão,
pode não caber na gente
mas vive em meu coração.

A Humanidade semeia
guerras e embates perversos
sem notar que é um grão de areia
num mar de mil universos.

Ao ver a estrela cadente
pedi, no mesmo segundo,
que a paz nascesse da gente
e transformasse esse mundo!

Fonte:
SOUZA, Gerson Cesar. Dond Diversos. Porto Alegre/RS: Texto Certo, 2012.

Nilto Maciel (A Reunião)

Os homens se acomodaram ao redor da grande mesa. Falavam baixo, cochichavam, mãos postas sobre a tábua ou os papéis. Que notícia traria o Presidente? Teria alguma relação com a morte do vereador de Sapoapé? Não, Sapoapé não – Cipoaté. Ou com o nascimento do cabrito com duas cabeças? Possivelmente não. Aquilo interessava muito mais aos biólogos do que aos políticos. Um ou outro alisava garrafinhas com água e copos. A luz das lâmpadas no teto não provocava sombras. Súbito a grande porta se abriu e por ela entrou o Presidente, boca cheia de sorrisos e bons-dias. Os ministros se levantaram de uma vez, como se tomados de repentino susto. Estrépito de cadeiras arrastadas no chão. O coro de vozes roucas retribuiu a saudação. A autoridade maior se sentou e, com um aceno, autorizou o sentar-se de seus auxiliares. Olhos fitos no rosto do comandante, os homens nem sequer piscavam, paralisados, imóveis, inertes. O que diria o chefão? Sapoapé, Cipoaté, cabrito, vereador? Olhar vidrado, ele engolia palavras, sem mastigar. Um ou outro ministro cruzava as mãos suadas. Nenhuma sombra se mexia sobre a mesa, nas paredes, no chão. E nada de o mandachuva abrir a boca. Ao longe, garçons cochilavam, surdos e mudos. A ponta do sapato de um cupincha encontrou a ponta do sapato de outro cupincha à sua frente. Arregalaram os olhos. Qual o significado daquilo? Estaria ficando louco? Retirasse o pé dali, imediatamente. Deixasse de gracinhas. Alguém ousou levar as mãos a um copo. Reprimenda geral, com os olhos. Não fizesse aquilo. Deixasse a autoridade se servir primeiro. O silêncio fazia ouvirem-se os mais remotos e insignificantes ruídos: na boca de um, nos lábios de outro, a respiração de fulano. Olhares se cruzavam de ponta a ponta. O do vizinho à esquerda do chefe fulminava o sétimo à direita dele. O terceiro à direita piscou discretamente para o quinto da coluna frontal ao frontispício central. Por que o homem não falava nada? Teria perdido a fala? Estaria dormindo? Seria sonâmbulo? Teria enlouquecido? E se o interpelassem? Quem o faria? Não, ninguém ousaria interromper o sono do Presidente.

A mim cabia somente filmar a reunião. E também nada dizer ou perguntar.

Fonte:
Nilto Maciel. A Leste da Morte.

sábado, 30 de dezembro de 2017

Jardim de Trovas n. 2


Sorria, amigo, sorria!
Pois, neste tempo de tédio,
qualquer sinal de alegria
é sempre um santo remédio!
A. A. de Assis
Maringá/PR


Levando um coice da mula,
minha sogra se mandou;
a mulinha nem calcula
o galho que me quebrou.
Argemira F. Marcondes
Taubaté/SP


Entre nós mudas revoltas
fazem ver, olhando bem,
que até mesmo quando voltas
a distância se mantém!
Arlindo Tadeu Hagen
Juiz de Fora/MG


Quanta inspiração me causa,
o entardecer morno e rubro.
Faz na vida doce pausa,
e com sol quente eu me cubro.
Carmem Pio
Porto Alegre/RS


A areia fina que escorre
numa ampulheta inclemente,
marca o tempo que não morre,
mas, passa...levando a gente!...
Carolina Ramos
Santos/SP


Na estrada, outra pedra imensa,
mas, nem assim titubeio:
- não há revés que não vença
quem crê em Deus, como eu creio…
Darly O. Barros
São Paulo/SP


Não pule do trem do tempo
em desembarque apressado.
Viaje sem contratempo
e não pare adiantado.
Dinair Leite
Paranavaí/PR


No delírio da paixão
beijo-te a boca, sem calma,
tendo a louca pretensão
de poder beijar-te a alma!
Divenei Boseli
São Paulo/SP


Brigamos, mas a tormenta
em instantes se desfaz;
um grande amor sempre inventa
um arco-íris de paz!…
Domitilla Borges Beltrame
São Paulo/SP


Cai de tapa a Januária
no traste do maridão,
ao saber que a funcionária
ficou "gorda" de um serão.
Eliana Ruiz Jimenez
Balneário Camboriú/SC


Nos seus ardentes amores,
consegue sempre o que quer:
rosa - a rainha das flores...
Rosa - a rainha mulher!
Emilia Peñalba de Almeida Esteves
Portugal


Fonte de eterno crescer,
a amizade afoga as mágoas,
deixando transparecer
as suas límpidas águas!
Flávio Roberto Stefani
Porto Alegre/RS


Deus fez o mundo e ao fazê-lo
como quem sabe o que quer,
usou todo seu desvelo
na figura da mulher.
Francisco José Pessoa
Fortaleza/CE


É de ternura o momento
em que o Sol sorri no espaço,
se faz vida e sentimento
e lança ao mar seu abraço!
Gislaine Canales
Porto Alegre/RS


A profundeza da mente,
arquivo de nossos traços,
mantém guardada, latente,
a dor de nossos fracassos!
Heloysio Alonso Teixeira
Campos dos Goytacazes/RJ


Na voragem da procela
do combate interior
é que o homem se revela
se é escravo ou é senhor!
Héron Patrício
São Paulo/SP


Tua ausência indesejada
me causou tão forte dor,
que vivo abraçado ao nada,
no deserto desse amor.
Joamir Medeiros
Natal/RN


Que coisa descomunal
aquele curvo nariz
que, ao assoar, é um temporal…
- e escorrer qual chafariz
Lairton Trovão de Andrade
Pinhalão/PR


Contra-senso é eu ter na vida,
por meu sol os olhos teus,
e ao te olhar, minha querida,
bem ceguinhos deixo os meus.
Luiz Hélio Friedrich
Curitiba/PR


Levou só tapas da vida;
e, em seu velório (coitado!),
na homenagem merecida
alguém disse: - Adeus, tapado.
Maurício Cavalheiro
Pindamonhangaba/SP

 

A trova, quando é bem feita,
tem encanto, traz surpresa;
poesia curta, perfeita,
a nos brindar com beleza!
Maurício Friedrich
Curitiba/PR


Meu refúgio predileto,
onde eu livro o que angustia,
tem as letras do alfabeto,
muita prosa e poesia!
Nei Garcez
Curitiba/PR


No caderno do Universo
tendo por pena uma Cruz
Deus compôs um lindo verso
para seus filhos: Jesus!
Nemésio Prata
Fortaleza/CE


É madrugada na mata
e o pinheiral, a orvalhar,
prepara pingos de prata
para quando o sol raiar.
Olympio Coutinho
Belo Horizonte/MG


Um dia a mão branca e forte
de uma mulher decidida
deu às mãos negras a sorte
de serem livres na vida.
Octávio Venturelli
Rio de Janeiro/RJ

 

A terra inteira secou!…
E, a dor me fez sofrer tanto,
que quando a chuva voltou,
tinha secado o meu pranto!
Prof. Garcia
Caicó/RN

 

Tudo na vida tem preço
e prazo de validade...
Quando tu vais, não te esqueço:
pago teu preço em Saudade!
Renato Alves
Rio de Janeiro/RJ


Dei dinheiro esta semana
para a sogra viajar
a minha sorte é que a grana
não dá pra velha voltar.
Sergio Ferraz
Rio de Janeiro/RJ


Eu te senti quase meu...
mas o indesejável "quase"
jamais desapareceu
do meio daquela frase...
Vanda Fagundes Queiroz
Curitiba/PR


Ao teu amor sem ternura,
já perdoei tanta ofensa
que almejo, sem amargura,
a bênção da indiferença.
Wanda de Paula Mourthé
Belo Horizonte/MG


Não teme a seca inclemente
quem confia em seu labor;
planta a pequena semente
sentindo o cheiro da flor.
Wandira Fagundes Queiroz
Curitiba/PR


 
A chuva é para o sertão
como se fosse um troféu.
Deus abre com um trovão
a caixa d’água do céu!
Ademar Macedo
Santana do Matos/RN (1951 – 2013) Natal/RN


Se de barro fomos feitos
nesta olaria divina,
somos dois corpos perfeitos
partilhando a mesma sina.
Antonio Facci
Cedral/SP (1941 – 2008) Maringá/PR


Longe de ti, meu amor,
morro de tédio e de mágoa,
bem como morre uma flor
posta num vaso sem água.
Antônio Sales
Vila do Paracuru/CE (1868 – 1940) Fortaleza/CE


Se a areia que pisas tanto,
adivinhasse quem és,
vibrava toda, garanto,
beijando louca, teus pés
Antídio Azevedo
Jardim do Seridó/RN (1887-1975)


Não gostou de ser cobrado,
no velório o Zé pirou,
foi tapa pra todo lado,
até o defunto apanhou.
Campos Sales
Lucélia/SP (1940 – 2017) São Paulo/SP


Era uma bruxa sem graça!
Não me dava paz nem trela.
Eu, então, só por pirraça,
me casei com a filha dela.
Célio Grunewald
Juiz de Fora/MG (1923 – 1991)

 

Vejo na tarde tristonha,
pelo vento solto ao léu,
o lenço branco das nuvens
limpando o rosto do céu.
Cesar Coelho
Fortaleza/CE (1939 – ????)


Aquele olhar triste e ardente,
que na partida me deste,
foi muito mais eloquente
que as palavras que disseste.
Conceição A. de Assis
Pouso Alegre/MG (1934 – 2015) Belo Horizonte/MG

 

Que bela seria a vida
se, acima de ódios mortais,
uma ponte fosse erguida
unindo margens rivais!
Dorothy Jansson Moretti
Três Barras/SC (1926 – 2017) Sorocaba/SP

 

No poente, o sol bem louro,
se reveste de magia
de ser uma chave de ouro
fechando o cofre do dia!
Eugênia Maria Rodrigues
Rio Novo/MG (????– 2003)

Sinto meu nome tão doce,
Ao você chamar por mim,
Escuto como se fosse,
O canto de um Querubim.
Marita França
Curitiba/PR (1915 - 2009)
 

Naquele amor que resiste
às invernias da idade,
a lembrança é órfão triste
nos asilos da saudade.
Miguel Russowsky
Santa Maria/RS (1923 – 2009) Joaçaba/SC

Joann Sfar (O Gato do Rabino)

Passada na Argélia dos anos 1920, O Gato do Rabino é uma animação franco-austríaca dirigida por Joann Sfar e Antoine Delesvaux, baseada em três volumes da série de Sfar que levam o mesmo nome do filme.

Tudo começa com a história do gato do rabino, que após engolir o papagaio da família, aprende a falar e manifesta seu desejo de se aprofundar na religião judaica. Apaixonado por Zlabya, a bela filha do rabino, o felino de língua afiada insiste e briga com a sinagoga por seu bar-mitzva (cerimônia de passagem à vida adulta, que os garotos judeus têm aos 13 anos). Mas suas intenções são verdadeiramente amorosas.

Além disso, o felino está apaixonado por Zlabya, filha de seu dono, mas desde que adquiriu a fala não tem permissão para passar seus dias junto dela, como fazia antes de se tornar um gato falante. É que o rabino teme que o animal, agora que se põe a verbalizar, possa conduzir sua filha a caminhos nada virtuosos.

Como nunca houve outro gato a ter um Bar-Mitzvah, o rabino decide consultar um outro rabino para saber o que fazer, mas este se opõe à ideia. Então se inicia uma ardilosa e bem-humorada discussão na qual o gato argumenta que, como animal falante, deve ser regido pelas mesmas leis divinas que os homens.

O desafio do bichano, dono de um humor mordaz, será convencer seu mestre e o rabino de seu mestre de que as leis de Deus para os homens devem ser as mesmas para um animal falante.

Esperto e irônico, o gato vai pouco a pouco, contestando com argumentos filosóficos muitas das tradições judaicas até a irritação de seu amo chegar ao limite, o que não abala a amizade dos dois personagens, muito ligados um ao outro.

O francês de origem judaica Joann Sfar coloca falas poéticas e astutas na boca do gato, que de maneira um tanto filosófica discute o judaísmo e contesta muitos de seus preceitos.

Texto inteligente e com humor irônico, e sem jamais menosprezar a cultura judaica (aliás, é bem o contrário), o gato e seu dono, o rabino, têm seus laços lindamente fortalecidos a partir dessas conversas e questionamentos.

Com a troca de ideias e esclarecimentos, e uma observação mais apurada, o gato acaba por perceber o erro de julgar alguém antecipadamente, e começa a entender o exercício da tolerância.

Fontes:

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Jaqueline Machado (Direto no Coração)

Senhor! Quem dera, que todos parassem um dia apenas, para ouvir a poesia dos poetas...”

Quem dera que todos parassem um instante, para admirar o sorriso dos poetas.

O sorriso da poesia encanta.

Desperta alegria, esperança e a bondade já tão esquecida em dias atuais.

Quem dera que todos parassem um segundo para observar os gestos dos poetas.

As atitudes desprendidas, em busca de uma vida mais original, nos faz lembrar o desprendimento dos primeiros sonhos da infância.

E isso é bom. É bonito demais!

Quem dera que todos parassem para ler e se inspirar com a poesia de Mário Quintana, Drummond de Andrade, Vinícius de Morais...

Homens e mulheres percorreriam as cidades espalhando flores, distribuiriam amores, palavras de caridade. E nada pediriam em troca.

Quem ama, é viciado em amar, é viciado em doar...

E sabe que, quando nos entregamos de corpo e alma à vida, vivemos mais, muito mais...

Fonte:
Calêndula Literária - edição 474 - Dezembro de 2017. Boletim Informativo da União Brasileira dos Trovadores, Seção de Porto Alegre

Malba Tahan (A Mulher e o Castiçal)

Só a mulher pode abençoar o lar.
As mulheres piedosas salvam o mundo.
(Do Talmude)
   
A sombra fugaz de um vulto feminino esgueirou-se ao longe, no fundo da rua sombria.

Os mais desencontrados pensamentos, nascidos da inquietação de seu coração, embaralhava-se, naquele momento, no cérebro de Daniel Leib. Sentia-se envolvido numa atmosfera de tristeza, que ele não sabia explicar. Como se lhe afigurava angustiosa aquela insatisfação eterna e acabrunhante! Encontraria, afinal, em seu pai, sempre prudente e sensato, o amparo moral de que tanto precisava?

O velho Renato Leib ergueu-se vagaroso, aproximou-se do filho e, tocando-lhe o ombro com a mão larga e trêmula, disse-lhe, bondoso:

— Daniel, ouve cá. É preciso que confies em mim. Devo dizer-te a verdade com franqueza e lealdade que convém a um homem de bem, quando fala ao filho. As queixas e recriminações que acabaste de formular e as palavras de negra revolta que proferiste são, a meu ver, uma grande e dolorosa injustiça. Revoltas-te contra o Destino, julgas aniquilada a tua vida, e, no entanto, o Destino tem sido, para contigo, pródigo em benefícios de toda espécie. A partir da época de teu acertado casamento...

— Acertado casamento? — repetiu Daniel, sublinhando, irônico, as palavras paternas. — Esse casamento que todos enfeitam com as lantejoulas dos elogios fáceis, não passou, afinal, de um erro deplorável de minha vida.

O judicioso Renato esboçou um sorriso de tolerância e bondade.

— Toquei precisamente no ponto vital, visto que dele julgas irradiarem todas as desditas e contrariedades de tua vida: o teu casamento! Não te sentes feliz com tua esposa: mais de cem vezes tenho já entrevisto em tuas palavras queixas e censuras que visam diretamente àquela que escolheste para mãe de teus filhos.

— “Falta-me quem me compreenda” — dizes. — “Tenho junto de mim alguém de uma intolerável vulgaridade”. E, levado pela eterna insatisfação dos teus desejos, envolves a tua boa Lenida num véu de defeitos e fraquezas, tornando-a a menos desejável de todas as esposas. Como explicar essa atitude de tua parte em relação a uma mulher que já obteve em tempo não muito distante, as preferências de teu amor? Sei, ou melhor, adivinho tudo, meu caro Daniel. Insistes, naturalmente, em fazer paralelos entre Lenida e as outras mulheres, e esses paralelos em que as duas partes são vistas desigualmente, levam-te a ver sempre com olhos desfavoráveis a tua esposa. Com as fantasias de tua imaginação impetuosa, enfeitas as esposas ou amantes de teus amigos, com predicados raros e encantos admiráveis, ao passo que de tua paciente companheira só sabes realçar os defeitos, esquecido, por completo, de suas boas qualidades. Lembra-te de que não tive ingerência em teu casamento. Afligi-me, não poucas vezes, com a ideia de que poderias, arrebatado por insofrida paixão, fazer uma escolha infeliz, e trazer para o recesso do teu lar, sob o escudo de teu nome, uma criatura pouco digna de teus afetos. Um erro dessa natureza é, bem sei, fonte perene de cruciantes arrependimentos e desgostos. Com o perpassar dos anos, entretanto, procurei observar, dia a dia, a tua esposa, para ver se eram justas ou não as tuas queixas. Mais de uma vez tive ímpetos de abrir os teus olhos (como agora o estou fazendo) e revelar-te a verdade que desconheces. Se o não fiz há mais tempo, foi unicamente por acreditar que seria mais nobre que ao teu coração a verdade chegasse guiada pelo teu bom-senso de marido e de pai. Lenida é carinhosa e simples; esforçada e econômica; ativa e zelosa. Muito longe está, talvez, de ser brilhante como uma artista ou de possuir talento excepcional; mas é sensata e agradável no conversar, discreta nas atitudes e modesta nas maneiras. Jamais se queixa da pobreza em que vive, nem inveja os belos colares e vestidos que algumas amigas ostentam. Nada exige; nada reclama. Se alguma vez pareceu faltar-te foi porque não a procuraste como devias. Julgavas, por vezes, que ela estivesse muitas léguas longe de ti, quando, na realidade, e em pensamento, tinhas-a a teu lado. Mãe extremosa, jamais se descuidou um só momento dos filhos, para os quais tem sido de uma dedicação incomparável. Será linda? Nada quero afirmar a tal respeito, mas pelo que tenho ouvido de bocas insuspeitas, Lenida seria capaz de fazer boa presença entre as moças mais requisitadas da cidade. Só tu, meu filho, és cego, inteiramente cego, para apreciar as belas qualidades que adornam tua esposa.

— Mas, meu pai...

— Não me interrompas, Daniel — continuou o ancião. — Falei-te com a franqueza de um amigo sincero e com a lealdade de um pai dedicadíssimo. Ser-me-ia fácil provar-te (sem lograr, talvez, convencer-te) que não és digno, talvez, da esposa que tens. Estou certo, entretanto, de que só poderás compreender perfeitamente o sentido de minhas palavras, se te dispuseres a ouvir, com paciência, uma lenda, ou melhor, uma simples história, quase infantil. É a história de um castiçal. Queres ouvi-la?

— Conta-a, meu pai.
* * *
   
— Era uma vez (por que não começar assim?), era uma vez, repito, um pobre jardineiro, humilde e muito pobre, que se chamava Tagil.

Ao regressar, um dia, de uma excursão à floresta, avistou Tagil um viajante desconhecido que se achava em perigo ao ser assaltado por dois ladrões, em estrada deserta. Tagil, alma nobre e ânimo valente, sem medir as consequências de seu destemor, atirou-se, em socorro do viajante e conseguiu, graças a sua força e coragem, pôr em fuga os dois bandidos.

O desconhecido (que era, aliás, um rico mercador), ao chegar à cidade, disse ao corajoso Tagil:

— Meu amigo, não fosse o seu providencial auxílio, e eu seria, com certeza, assassinado pelos facínoras que me atacaram na estrada. Devo-lhe, pois, a vida. E, como lembrança de minha infinita gratidão, quero dar-lhe um presente.

E o mercador entregou ao jardineiro uma pequena caixa amarela de couro lavrado.

Tagil, nem bem chegado a casa, abriu sofregamente, cheio de curiosidade, a misteriosa caixa para conhecer as preciosidades que ela deveria conter.

Com grande espanto encontrou, apenas, um castiçal de forma estranha e de metal escuro e pesado.

— Ora, um castiçal! — exclamou ele, profundamente decepcionado com aquela triste descoberta. Um castiçal! Ora vejam! Arrisco a vida, luto contra salteadores de estrada e, ao cabo de tudo, ganho esta droga! Que vou fazer com isto? Em que poderá um simples castiçal melhorar ou remediar a minha vida? Seria preferível que o mercador me tivesse presenteado com um punhado de patacões de prata!

E, certo de ter sido logrado em suas esperanças, vencido pela desilusão que lhe trouxera o presente sem valor, Tagil atirou com o castiçal para um canto e deixou-o para ali esquecido, abandonado como coisa inútil e desprezível.

— Ora, um castiçal!

E Tagil quando nele punha os olhos, vinha-lhe à lembrança, com tristeza, o logro que sofrerá ao receber a caixa amarela do rico mercador.

— Ora, um castiçal!

O certo é que o mísero castiçal rolava, como se fora uma inutilidade, de um lado para outro em casa de Tagil. Tendo, certa vez, caído pela janela abaixo esteve muitos dias ao relento, perdido no terreiro imundo. De outra feita, serviu de calço a um móvel partido e, por último, até de martelo manejado pelas mãos fortes e calosas do seu dono.

Um dia, afinal, Tagil, oprimido pelas dificuldades da vida, deixou a casa em que morava e foi residir numa cidade próxima, onde esperava achar trabalho. Levou consigo quase todos os objetos que possuía; deixou apenas, sobre uma mesa tosca e suja, como coisa imprestável, o pesado castiçal com que o presenteara o rico mercador a quem salvara da sanha mortífera de dois execrados de Allah!

Ora, aconteceu que a casa deixada por Tagil foi ocupada, dias depois, por um músico de profissão.

Leonardo (assim se chamava ele) era homem pobre e trabalhador; ao encontrar o castiçal abandonado, teve a impressão de que se tratava de uma peça curiosa e digna de atenção. Cuidando, desde logo, de livrá-lo do pó que o cobria e das manchas que o enfeavam, notou que apresentava na superfície da base certas linhas e figuras dispostas de modo muito singular.

Deslumbrado com a inesperada descoberta, Leonardo entrou a examinar com toda a meticulosidade o desprezado utensílio e teve ensejo de verificar que se tratava de uma verdadeira maravilha. A figura da base era, sem dúvida, execução paciente de um artista genial. Via-se gravado no metal, com traços admiráveis, quase imperceptíveis, a figura de uma soberba galera que deslizava impávida num mar imenso, beijada brandamente pela escumilha das ondas irrequietas; inclinando-se um pouco o castiçal já a cena era inteiramente diversa. Distinguia-se uma bailarina com seus véus, a dançar no meio de um lindo jardim. Desviando-se o olhar um pouco mais para a direita, notava-se que a bailarina desaparecia ocupando-lhe o lugar uma imponente mesquita com suas almenaras (1) apontadas para o céu; procurando-se, com cuidado, uma disposição conveniente, graças a um fluxo de um fluxo de luz, via-se, ainda, um corcel negro a galopar sobre uma montanha de nuvens. Tudo isso o genial gravador fizera, com o buril, na superfície polida do castiçal.

Sem perda de tempo, Leonardo levou o maravilhoso objeto a diversas pessoas, e todas tiveram oportunidade de admirar a extraordinária perfeição do originalíssimo trabalho. E Leonardo, ao desfazer-se do precioso castiçal ganhou uma fortuna incalculável.

Como é singular o destino das coisas!

O que nas mãos de Tagil era uma peça inútil e sem valor, tornara-se uma verdadeira preciosidade aos olhos inteligentes de Leonardo. Este, mais hábil, soube, com finura, ver as maravilhas que o outro jamais conseguira vislumbrar.

Quantos homens não há, por este mundo, a quem cercam tesouros inapreciáveis, mas cujos olhos, desorientados por sentimentos maus, não chegam, sequer, a perceber o brilho ofuscante das pedrarias que o rodeiam?

Tens, meu filho, em tua casa, um precioso castiçal que o Destino depositou em tuas mãos. Cuida dele com carinho e cuidado. Não queiras ser o ridículo Tagil da lenda, que não soube avaliar as grandezas do tesouro que possuía.
* * *
   
Terminada a narrativa, Daniel Leib ergueu-se, afinal.

As últimas palavras de seu pai vibraram no ar e ecoavam-lhe impertinentes aos ouvidos.

— Não queiras ser o ridículo Tagil da lenda...

A tarde caía lentamente. As primeiras sombras acomodavam-se já pelos recantos que a luz ia, pouco a pouco, abandonando. Lembrou-se Daniel, daquele momento, de que sua esposa Lenida, sempre bondosa, estaria, com certeza, resignada, à sua espera.

Estranho remorso, de que ele não podia desvencilhar-se, oprimia-lhe fortemente o coração.

Teve ímpetos de correr a casa, abraçar a mulher, abraçá-la muito, beijá-la como já não o fazia há muito tempo.

— Vai, meu filho, vai.
__________________________
Nota:
(1) Almenaras — torres de que são providas as mesquitas. Das almenaras ou “minaretes”, o muezim chama os fiéis à prece.


Fonte: Malba Tahan. Minha Vida Querida.

quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

Trova 278 - José Messias Braz


Olivaldo Junior (Um Menino e seu Natal)

Na janela sem luzinhas lá de casa, um menino fica à espera de um amigo que não vem. Passa um dia, passam dois, passam três, e nada!... Inquieto, o menino da minha história fica insone, sem graça, sem gosto pela vida, sempre à espera do amigo ausente que não vem.

Podia vir de trem. Podia vir de carro. Podia vir até de avião a jato, de foguete!... Nada. Nem um resquício de sua vinda até à janela do velho menino que só quer o velho amigo a seu lado. Podia vir por bem. Mas não virá, nem mesmo por mal. É um amigo que nunca vem.

É Natal, sim, é Natal!... Os meninos querem mais do que um colinho, um "Durma bem", um beijo doce da mulher que os trouxe ao mundo. Uns querem bola; outros, bike; mas um menino, à janela de sua casa, num bairro periférico da city em que mora, quer o amigo.

Amanhã, quem diria, é vinte e seis de dezembro. O Natal será história, memória, vitória do tempo sobre o homem, que só se lembra do que se foi quando o presente se desfez e já não pode ser mudado. Mudo, um menino, sem Noel, nem Jesus Cristo, sem amigo, reza.

Fonte:
O autor

James Joyce (Ulysses)

    Ulisses (Ulysses no original), é um romance do escritor irlandês James Joyce. Foi composto entre 1914 e 1921 em Trieste (Itália), Zurique (Suíça) e Paris (França) e publicado no ano seguinte nesta cidade. Por descrever, em diversos pontos, aspectos da fisiologia humana então considerados impublicáveis, o livro foi censurado em diversos países, como nos Estados Unidos e no Reino Unido.

    Ulisses adapta a Odisséia de Homero, condensando a viagem de Odisseu (na pessoa do agente de publicidade Leopold Bloom) em 18 horas, no dia 16 de junho de 1904 e início da madrugada do dia seguinte.

Estrutura


    Joyce dividiu Ulisses em 18 episódios. À primeira vista, grande parte do livro pode parecer desestruturada e caótica; Joyce disse uma vez que "colocara nele tantos enigmas e quebra-cabeças que irão manter os professores ocupados durante séculos discutindo sobre o que eu quis dizer", o que levaria à imortalidade do romance. Os dois esquemas de análise que Stuart Gilbert e Herbert Gorman publicaram após o lançamento de Ulisses para ilibar Joyce das acusações de obscenidade tornaram claras as ligações à Odisséia, e explicaram também a estrutura interna da obra.

    Cada episódio de Ulisses tem um tema, uma técnica e uma correspondência entre os seus personagens e os da Odisséia. O texto original não tinha estes títulos de episódios e as correspondências; tiveram origem nos esquemas de análise de Linati e de Gilbert. Joyce referia-se aos episódios pelos seus títulos homéricos nas suas cartas. Ele tomou a atribuição idiossincrática de alguns dos títulos, p.e. "Nausícaa" e "Telemaquia", da obra "Les Phéniciens et l'Odyssée" de Victor Bérard, que consultou em 1918 na Biblioteca Central de Zurique.

Telemaquia

    Os três primeiros episódios de Ulisses correspondem à Telemaquia da Odisséia e fazem a ligação entre Retrato do Artista quando Jovem e as aventuras de Leopold Bloom no dia 16 de Junho de 1904, o que foi esclarecido pelo esquema que o próprio James Joyce elaborou em 1920 para ajudar o seu amigo Carlo Linati na leitura da obra, o qual desde então se designa por Esquema Linati para Ulisses.

Episódio 1 (Telêmaco)


    São 8.00 horas e Buck Mulligan, um estudante de medicina turbulento, chama Stephen Dedalus (um jovem escritor que aparece como o tema principal de Retrato do Artista quando Jovem) para subir ao telhado da Torre Sandycove Martello onde ambos residem. Há tensão entre Stephen e Mulligan, decorrente de uma observação cruel que Stephen ouviu de Mulligan sobre a morte de sua mãe, May Dedalus, (Oh, é apenas o Dedalus cuja mãe bateu a bota, como uma besta), e pelo fato de Mulligan ter convidado um estudante inglês, Haines, para morar com eles. Os três homens tomam o pequeno-almoço e caminham até a praia, onde Mulligan pede a Stephen a chave da torre e algum dinheiro. Ao partir, Stephen decide que não voltará à torre naquela noite, porque Mulligan, o "usurpador", tomou conta dela.

    De acordo com o Esquema Linati, este primeiro episódio decorre entre as 8.00 e as 9.00 horas, tem como técnicas o Diálogo de duas, três e quatro pessoas, a Narração e o Solilóquio, tem como temas principais Hamlet, Irlanda e Catolicismo, como Ciência/Arte a Teologia, e as cores são dourado, branco e verde.

Episódio 2 (Nestor)

    Stephen está a dar uma aula de história sobre as vitórias de Pirro no Epiro. Os alunos estão visivelmente aborrecidos, ignorantes da matéria e indisciplinados. Antes de saírem da classe, Stephen conta um enigma complicado sobre uma raposa que enterra a sua avó debaixo de um azevinho. No fim da aula, um dos alunos, Cyril Sargent, fica para trás para que Stephen lhe explique a resolução de problemas aritméticos. Stephen fica agradado, mas observa-o fixando a sua aparência pouco atraente e tenta imaginar o amor da mãe dele. A seguir, Stephen encontra Garrett Deasy, o diretor anti-semita da escola, de quem recebe o salário e uma carta que deverá levar aos editores do jornal, a fim de ser publicada. Deasy discorre sobre a satisfação de ganhar dinheiro através do trabalho e a importância da gestão eficiente de poupança. Repele a visão parcial que o Deasy tem sobre os eventos passados, que usa para justificar os seus preconceitos. No final do episódio, Deasy faz outra observação incendiária contra os judeus, dizendo que a Irlanda nunca teve de perseguir os judeus, porque nunca os deixou entrar. Esta cena contem algumas das frases mais famosas do romance, como as que Dedalus diz que "A história é um pesadelo do qual estou a tentar acordar" e que Deus é "Um grito na rua".

    De acordo com o Esquema Linati, este segundo episódio decorre entre as 9.00 e as 10.00 horas, tem lugar na Escola, tem como técnicas o Diálogo de duas pessoas, a Narração e o Solilóquio, tem como temas principais Ulster, Mulher, Antissemitismo e o "sentido prático da vida", como símbolo o Cavalo, como Ciência/Arte a História, e a cor o castanho.

Episódio 3 (Proteu)

Praia de Sandymount vendo-se a Baía de Dublin com a península de Howth ao fundo Stephen dirige-se para a praia de Sandymount e deambula nela por algum tempo, refletindo sobre vários conceitos filosóficos e sobre a sua família, a sua vida de estudante em Paris, e, de novo, a morte da sua mãe. Enquanto relembra e medita, Stephen deita-se sobre pedras e observa um casal que passeia com um cão. Escreve algumas ideias para a poesia, e no fim, de forma prosaica, "depositou cuidadosamente o ranho seco tirado de uma narina no gume de uma rocha", porque não tem lenço. Este capítulo é caracterizado por um estilo narrativo de Fluxo de consciência mudando incessantemente de temas. A formação de Stephen é refletida nas muitas referências obscuras e frases estranhas que se encontram neste episódio, que lhe deram a reputação de ser um dos capítulos mais difíceis do livro.

    Algumas frases:

    "Estas pesadas areias são linguagem que a maré e o vento sedimentaram aqui."
    "Achas as minhas palavras obscuras. A obscuridade está nas nossas almas, não achas? As nossas almas feridas de vergonha pelos nossos pecados, unem-se a nós ainda mais, uma mulher agarrando-se ao amante, mais e mais".


    Seguindo o Esquema Linati, e segundo Palma-Ferreira, o terceiro episódio, dito de Proteu, ocorre entre as 10.00 e as 11.00 horas na praia perto da Torre Martello onde vive Stephen, tendo como técnicas a Narração e principalmente o Monólogo. O símbolo é o mar, a cor é o verde e a Ciência/Arte é a Filologia, devido ao uso determinado do virtuosismo de linguagem. Quase não tem ação sendo totalmente preenchido pelos pensamentos de Stephen. Tem semelhanças não formais com o episódio da captura de Proteu por Menelau relatado no Livro/Canto IV da Odisséia.

Episódio 4 (Calipso)

    A narrativa muda abruptamente. Voltam a ser 8 da manhã e a ação transpõe-se para a residência num dos bairros de Dublin e centra-se no segundo (e principal) protagonista do livro, Leopold Bloom, um publicitário judeu que vive no número 7 da rua Eccles (inexistente actualmente) e que está a preparar o pequeno-almoço (tal como Mulligan na torre, no primeiro episódio), para si e para a sua mulher Molly Bloom que ainda está deitada. Entretanto vai ao talho para comprar rim de porco que depois cozinha e, já em casa, leva a bandeja da comida e uma carta (do organizador de concertos Blazes Boylan) à mulher, cujo verdadeiro nome é Marion. Antes lê uma carta que também recebeu da sua filha Milly. O capítulo termina com a ida de Bloom no quintal onde defeca enquanto lê uma história de um jornal.

    Seguindo o Esquema Linati, Palma-Ferreira refere que este quarto episódio, apelidado de Calipso, decorre entre as 8.00 e as 9.00 horas, predominantemente em casa dos protagonistas, tem como técnicas o Diálogo de duas pessoas, a Narração e o Solilóquio, tem como temas principais Exílio, Mitologia e Israel, como órgão o Rim, como Ciência/Arte a Economia (criação de gado, plantação silvestre), e a cor o laranja. O drama de Bloom e Marion começa a ser aludido com a chegada da carta de Boylan.

    Frases:
    "Ela entregou-lhe uma moeda, sorrindo, atrevida, com o espesso punho estendido";
    "Metempsicose,- disse ele - é como os gregos antigos lhe chamavam. Costumavam crer que te podias transformar num animal, ou numa árvore, por exemplo. O que chamavam ninfas por exemplo".

Episódio 5 (Lotófagos)
    Bloom prossegue a sua jornada dirigindo-se à estação de correio (tomando intencionalmente um trajeto mais longo), onde levanta uma carta de amor de "Marta Clifford" dirigida ao seu pseudônimo, "Henry Flower". Compra um jornal diário e encontra um conhecido, M'Coy (personagem que vem de Dubliners). Enquanto conversam, Bloom procura desfrutar da breve visão das meias de uma mulher a subir para uma carruagem, mas a passagem de um elétrico obsta a esse voyeurismo.

    A seguir, numa rua pouco movimentada, lê a carta e destrói o envelope em pedaços ("Os pedaços de papel esvoaçaram, tombaram no ar úmido: um branco esvoaçar, depois todos se abateram"). Entra depois numa igreja católica e enquanto decorre a missa divaga sobre teologia. O padre tem nas costas a sigla I.N.R.I., ou IHS, e Bloom lembra-se da explicação inventada por Molly para estas iniciais. Entra depois numa drogaria para aviar um pedido de Molly, e como a receita não está ainda disponível sai de lá com um sabonete de limão, encontrando Bantam Lyons (outra personagem que vem de Dubliners), que lhe pede para consultar o jornal sobre apostas na corridas de cavalos de Ascot, e que percebendo erroneamente uma frase de Bloom, "deitar fora ("throw away") o jornal", irá apostar no cavalo Throwaway.

    Finalmente, Bloom dirige-se à "mesquita dos banhos", terminando o episódio na antevisão de "pêlo flutuante da corrente em torno do flácido pai de milhares, lânguida flor flutuante".

    Usando o Esquema Linati, o quinto episódio, dito dos Lotófagos por comparação com a Odisséia, decorre entre as 9.00 e as 10.00 horas, ocorre na rua, numa igreja, numa drogaria e finalmente num estabelecimento de banhos públicos, tem como técnicas o Diálogo, a Oração e o Monólogo, tem como temas principais flores, Mulher, Religião, Corpo humano, como símbolo a Eucaristia, como Ciência/Arte a Química/Botânica, e a cor o castanho escuro.

Episódio 6 (Hades)

    O episódio começa numa carruagem puxada a cavalos do cortejo fúnebre do funeral de Paddy Dignam que leva quatro passageiro entre eles Bloom e o pai de Stephen Dedalus, Simon, cortejo que atravessa Dublin até ao cemitério Glasvenin. No percurso, a carruagem passa por Stephen Dedalus e Blazes Boylan, entretendo-se os viajantes a conversar sobre vários assuntos, designadamente sobre as distintas formas de morte e de funeral, e vindo à memória de Bloom a morte do seu filho Rudy e o suicídio do seu pai. Assistem depois numa capela à missa e acompanham a carreta com o ataúde até ao enterro do falecido. Bloom prossegue a meditação sobre a morte, mas quase ao final do episódio expulsa os pensamentos mórbidos "Ainda há muito para ver, para ouvir, para sentir....vida quente cheia de sangue". Por fim, os conhecidos, aliviados, despedem-se nos portões: "Que grandes estamos esta manhã!" Fica-se a conhecer a profissão de Bloom: "Ele é um angariador de anúncios".

    Frases:
    "Uma manada solta de reses marcadas a ferro passava pelas janelas, mugindo, caminhando de cabeça caída, sobre cascos almofadados, espanando com as caudas, lentamente, as ossudas e enlameadas garupas";
    "As rodas de metal esmagaram o saibro com um áspero e dissonante clamor e o grupo de botas seguiu o carrinho ao longo de uma alameda de sepulcros".

    Com o apoio do Esquema Linati, o episódio Seis, dito de Hades, decorre entre as 11.00 e as 12.00 horas, e ocorre a caminho e no cemitério, tendo como técnicas o Diálogo e a Narração. Os temas principais são Religião, Mulher, Saúde, o órgão é o Coração, como Ciência/Arte a Religião, e a cor o branco e negro. As personagens que acompanham Bloom no trem foram utilizadas por Joyce noutras obras e no trajeto aludem ainda a episódios da história irlandesa, a personagens míticas, cumprindo o ritual dos funerais.

Episódio 7 (Éolo)

    O sétimo episódio, dito de Éolo por associação à Odisséia, retrata o ambiente alvoroçado da redação de um jornal tendo Joyce escolhido o Freeman´s Journal and National Press. Bloom dirigiu-se lá para colocar um anúncio que apesar do incentivo inicial do director, Myles Crawford, não se concretizará. Stephen chega com a carta de Deasy (2º episódio) sobre a febre aftosa, mas não se cruza com Bloom. Stephen desafia Crawford e os outros a ir um bar, e no caminho conta-lhes uma anedota sobre "duas vestais de Dublin". O episódio está fragmentado em pequenas secções, cada uma com um título em estilo jornalístico, caracterizando-se pela abundância de figuras e técnicas de retórica: metonímia, metáfora, anáfora, entimema, onomatopeia, apóstrofe, apócope, síncope, etc., o que se presta à leitura.

    Seguindo o Esquema Linati e as notas do Tradutor, este episódio, dito de Éolo, ocorre às 12.00 horas, tem como temas máquinas, vento, fama, papagaios de papel, destinos falhados, imprensa, mutabilidade, e como técnica o Silogismo. O órgão é o pulmão, a Ciência/Arte a Retórica, e a cor o vermelho.

    Frases:

    "O sucesso para nós é a morte do intelecto e da imaginação. Nunca fomos leais aos que tiveram êxito";
    Acerca do Moisés de Michelangelo: "Essa pétrea efígie em música gelada, com cornos e terrível, da humana forma divina, esse símbolo eterno de sabedoria e de profecia que se algo há, transfigurado pela alma e transfigurador da alma, que a imaginação ou a mão do escultor tenha talhado em mármore para o fazer merecer viver, merece viver".

Episódio 8 (Lestrigões)

    Seguindo o Esquema Linati, o episódio 8 é dito dos Lestrigões porque enquanto na Odisséia Ulisses chega à ilha destes seres antropófagos, neste episódio Bloom irá almoçar, mas antes, durante e depois da refeição, irá divagar sobre muitos assuntos, para além de comida. Encontra um amor antigo, Josie Breen, que lhe conta o difícil do trabalho de parto de Mina Purefoy, amiga de Molly, que já dura há três dias. Entra no restaurante do hotel Burton, donde sai com asco ao ver pessoas a comer como animais. "O fedor prendeu-lhe a respiração fremente: penetrante molho de carne, imundície de verduras. Ver alimentar os animais". Dirige-se a seguir ao bar de Davy Byrne, onde encontra Nosey Flinn. Come uma sanduíche de queijo gorgonzola e uma taça de borgonha, e reflete sobre a fase inicial da sua relação com Molly e como o relacionamento se deteriorou: "Beijava, e ela beijava-me. A mim. E eu agora." Quando Bloom abandona o restaurante, Nosey Flynn fala com Davy Byrne sobre o caráter sóbrio de Bloom sugerindo que é maçônico. Este, ao sair do bar, pensa no que deusas e deuses comem e bebem e pondera se as estátuas das deusas gregas no Museu Nacional da Irlanda têm ânus como o comum dos mortais. Caminha para o museu, mas ao ver Boylan, o amante de Molly, no outro lado da rua, e levado pelo pânico de o encontrar, entra apressado no museu.

    Seguindo o Esquema Linati e as notas do Tradutor, este episódio que decorre entre as 13.00 e as 14.00 horas, dito dos Lestrigões, tem como temas base Sacrifício humano, alimento e vergonha e sempre a religião. O órgão é o esôfago e a técnica fundamenta-se nos processos de nutrição, movimentos peristálticos ou contrações musculares que impelem a matéria nutritiva pelos canais em que circula, ou seja uma prosa peristáltica.

    Frases:

    "E se tu estás a olhar para o nada põem-se logo vinte à tua volta. Não há quem não queira meter o bedelho. As mulheres também. Curiosidade. Estátua de sal".
    "Dizem que foi uma freira que inventou o arame farpado".
    "A natureza abomina o vazio".
    "Dizem que davam sopa às crianças pobres para as fazer protestantes, na época da falta de batatas. Mais além a sociedade onde ia o papá para a conversão de judeus pobres".


Episódio 9 (Cila e Caríbdis)


    Na Biblioteca Nacional, Stephen explica a vários estudantes a sua teoria biográfica sobre as obras de Shakespeare, especialmente sobre Hamlet que, segundo aquele, se baseia em grande parte no suposto adultério da mulher do dramaturgo, Anne Hathaway. "A sua opinião é, então, a de que ela não foi fiel ao poeta?" Bloom vai à Biblioteca Nacional para procurar num jornal de província do ano anterior (1903) um anúncio da casa Keyes que ele pretende colocar de novo no Freeman´s, não se encontrando com Stephen quando da discussão deste sobre Shakespeare, nem no final do episódio quando ambos saem da Biblioteca.

    Seguindo o Esquema Linati e as notas do Tradutor, o episódio nono, correspondente ao de Cila e Caríbdis da Odisséia, tem por cenário a Biblioteca, decorre entre as 14.00 e as 15.00 horas, o órgão fundamental é o cérebro, a arte dominante é a literatura, designadamente com a discussão sobre Shakespeare, e a técnica usada é a dialética.

    O tema da paternidade é central neste episódio, havendo referências ao mistério da Trindade que tem sido causa de más interpretações e de dissensões no cristianismo, sendo este episódio o mais sutil e difícil de extrair entre os dezoito episódios de Ulisses, segundo Stuart Gilbert, citado pelo Tradutor.

    De acordo com os críticos de Joyce, existem constantes referências aos temas isabelinos e aos que ao longo do tempo tentaram imitar Shakespeare, havendo contrastes consecutivos entre gravidade e pantomina, entre metafísica e calão. A discussão é tão absorvente que os presentes ignoram Bloom, no que Gilbert encontra uma semelhança com a Odisseia quando Telémaco (Stephen) ignora ou não reconhece Odisseus (Bloom).

    Frases:

    "Os movimentos que as revoluções produzem no mundo nascem dos sonhos e visões no coração de um camponês, numa colina".
    "Um homem de gênio não comete erros. Os seus erros são voluntários e são os pórticos da descoberta".
    "A necessidade é aquilo em virtude do qual é impossível que uma coisa possa ser de outro modo. Ergo, um chapéu é um chapéu".
    "Caminhamos através de nós próprios e encontramos ladrões, fantasmas, gigantes, velhos, jovens, esposas, viúvas, cunhados, mas acabamos sempre por a nós próprios nos encontramos".

Episódio 10 (Rochas Errantes)

    O episódio ocorre às três da tarde, o órgão do corpo humano é o sangue, a arte é a mecânica, e a técnica é labiríntica. O episódio apresenta uma estrutura única no Ulisses com dezoito cenas curtas e sucessivas de deslocações de várias personagens pelas ruas de Dublin terminando com um coda, ou parte final, que é a passagem do cortejo do vice-rei, William Humble, segundo conde de Dudley, em que ele avista ou é avistado, por vezes vertiginosamente, por vários personagens já referenciados antes no romance. De certo modo, o episódio parece funcionar como uma miniatura do próprio romance.

    A figura deambulante inicial, o padre John Conmee, reitor jesuíta de colégio católico, faz a ligação com Retrato do Artista quando Jovem, citando do seu breviário a passagem 161 do Salmo 119, Principes persecuti sunt me gratis: et a verbis tuis formidavit cor meum, Salmo com o qual, na estrutura, o episódio tem semelhanças.

    A mecânica, consubstanciada nos sucessivos eventos que engrenam como rodas dentadas, é sublinhada por um invento irônico que permite a um diretor de cena de espetáculos musicais conhecer os números das cenas já passadas e o daquela que está a decorrer.

    Permitindo estabelecer o paralelismo com o correspondente episódio da Odisséia, as personagens deste episódio são vítimas de ilusão óptica, do erro de identificação ou de pouca atenção. Além disso, pelo rio Liffey continua a vogar, qual miniatura de Argo, o panfleto Elias vem aí, que Bloom lançara anteriormente às gaivotas.

    Frase:

    Shakespeare é o feliz conto de caça de todos os espíritos que perderam o equilíbrio.

Episódio 11 (Sereias)

    Este episódio que decorre a partir das 4 da tarde é dominado por motivos musicais. O episódio parece refletir o interesse dos dublinenses, no início do século XX, por todo o tipo de música, em especial música com cantores e as variedades operacionais.

    De acordo com Stuart Gilbert, o episódio inicia-se com curtas e enigmáticas frases que são pequenos fragmentos do episódio que se segue. As frases parece não terem sentido, podendo considerar-se como a abertura das óperas, ou operetas, para preparar os leitores para o que se segue. Reaparecem mais tarde no texto dando a sensação de déjà vu. Quando James Joyce o enviou da Suíça, onde vivia, para a Inglaterra, para a primeira edição do romance, decorrendo a I Guerra Mundial, o episódio foi retido por suspeitas de encobrir alguma mensagem secreta, contando-se que foi entregue a dois escritores famosos que nele não viram mais do que uma excentricidade literária bastante invulgar.

    Em termos de enredo, Bloom toma uma refeição com o tio de Stephen Dedalus, Richie Goulding, no Hotel Ormond, enquanto que Blazes Boylan, o amante de Molly Bloom, sai do hotel e se dirige de carruagem ao encontro com ela. Durante a refeição, Bloom observa as sedutoras baristas Lydia Douce e Mina Kennedy enquanto ouve o pai de Stephen, Simon Dedalus, e outros a cantar.

    Frase:

    "O sensato Bloom observou um cartaz na porta, uma sereia meneante a fumar entre belas ondas. Sereias, fumai, a lufada mais fresca de todas".

Episódio 12 (Ciclopes)

    Este capítulo segundo o quadro de Stuary Gilbert corresponde ao episódio dos Cíclopes da Odisséia e decorre num bar de Dublin, a loja de bebidas de Barney Kiernan, célebre no início do século XX e situado próximo do Tribunal que estava então em Green Street. Era frequentado por pessoas de algum modo relacionadas com assuntos legais.

    O episódio é narrado por um habitante anônimo de Dublin que se dirige a um bar, onde encontra um personagem referido como o "cidadão". Quando Leopold Bloom entra no bar é criticado pelo cidadão que é ferozmente Feniano/nacionalista e anti-semita. O episódio termina com Bloom lembrando ao cidadão que o seu Salvador era judeu. (Mendelssohn era judeu, e Karl Marx, e Marcadante, e Espinoza. E o Salvador era judeu e o seu pai era judeu. O seu Deus.) Quando Bloom sai do bar, o cidadão irado atira um pote de biscoitos contra a cabeça de Bloom, mas falha. O capítulo é constituido por extensas histórias paralelas às frases do narrador: hipérboles de jargão jurídico, passagens bíblicas e elementos da mitologia irlandesa, etc.

    Frase:

    "Sinn Féin!, - diz o cidadão. - Sinn Féin ambain! Os amigos que amamos estão ao nosso lado e os inimigos que odiamos diante de nós."

Episódio 13 (Nausícaa)

    O décimo terceiro episódio de Ulisses tem como cenário as rochas, correspondendo na Odisséia ao episódio em que Nausícaa, filha de Alcino, encontrou Ulisses depois de um naufrágio. Ocorre às 20 horas, e segundo Stuart Gilbert, o órgão é o nariz, a arte é a pintura, as cores são o cinzento e o azul, o símbolo é a virgem. A tranquilidade chega por fim ao atormentado Bloom num cenário onde Stephen Dedalus já passara no início da obra.

    A ação do episódio ocorre nas rochas de Sandymount Strand, uma área costeira a sudeste do centro de Dublin. Uma jovem chamada Gerty MacDowell está sentada nas rochas com duas amigas, Cissy Caffrey e Edy Boardman. As jovens estão a cuidar de três crianças, um bebê e dois gêmeos de quatro anos chamados Tommy e Jacky. Gerty medita sobre o amor, o casamento e a feminilidade à medida que a noite cai. O leitor vai ficando gradualmente ciente de que Bloom a observa de longe. Gerty provoca-o expondo as pernas e a roupa interior, e Bloom, por sua vez, masturba-se. O clímax masturbatório de Bloom coincide com o fogo de artifício no bazar próximo. Quando Gerty se afasta, Bloom percebe que ela coxeia de uma perna e pensa que essa é a razão para ter sido "deixada na prateleira". Após várias digressões de pensamento, ele decide visitar Mina Purefoy na maternidade. É incerto quanto do episódio são pensamentos de Gerty, e quanto é a fantasia sexual de Bloom. Alguns consideram que o episódio está dividido em duas partes: a primeira é o ponto de vista altamente romantizado de Gerty e a segunda é a do mais velho e mais realista Bloom. O próprio Joyce disse, no entanto, que "nada aconteceu entre Gerty e Bloom. Tudo ocorreu na imaginação de Bloom". Nausicaa atraiu imensa notoriedade quando o livro foi publicado em folhetins. O estilo da primeira metade do episódio copiou e parodiou as novelas românticas em folhetins.

    Frase:

    "As suas palavras retiniram claramente cristalinas, mais musicais do que o arrulhar do pombo torcaz, mas cortaram o silêncio como gelo".

Episódio 14 (Bois de Hélio, ou O Gado do Sol)

    O décimo quarto episódio de Ulisses é um dos mais complexos do romance, ocorrendo às dez horas da noite e tendo por cenário o hospital-maternidade. O órgão do corpo humano que domina o episódio é o ventre, a arte é a medicina, a cor o branco e a técnica, conforme Joyce, é a do desenvolvimento embrionário.

    Bloom visita o hospital maternidade onde Mina Purefoy está em trabalho de parto, e encontra finalmente Stephen Dedalus, que tem estado a beber com amigos estudantes de medicina e está a aguardar a chegada prometida de Buck Mulligan. Sendo o único pai do grupo de homens, Bloom está preocupado com Mina Purefoy. Começa a pensar sobre a sua esposa e o nascimento dos seus dois filhos e também sobre a perda do seu único "herdeiro", Rudy. O grupo de jovens fica agitado e falam sobre temas como fertilidade, contracepção e aborto. Há também uma sugestão de que Milly, a filha de Bloom, se tem encontrado com um dos jovens, Bannon. A seguir ao nascimento normal do filho de Mina Purefoy, o grupo dirige-se ao bar e Burke.

    Este capítulo é notável pelo jogo de palavras de Joyce, que, entre outras coisas, recapitula toda a história da língua inglesa. Após um breve encantamento inicial, o episódio começa com a prosa aliterativa anglo-saxônica, e prossegue através de paródias de, entre outros, Malory, a Bíblia do Rei Jaime, Bunyan, Defoe, Sterne, Walpole, Gibbon, Dickens, e Carlyle, antes de concluir numa névoa de calão quase incompreensível. Considera-se que o desenvolvimento da língua inglesa no episódio corresponda ao período de gestação de nove meses do feto humano.

    Frase:

    "Ruborizava-o a compaixão, o amor o impelia com o desejo de vaguear, pesaroso de partir".

Episódio 15 (Circe)

    Circe deixando cair a taça e fugindo de Ulisses, pintura num vaso de cerâmica de figuras vermelhas da Grécia Antiga (c. 440 a.C.). O célebre décimo quinto episódio de Ulisses decorre num bordel, à meia noite, para onde Stephen se dirigem já muito inebriados. A arte é a da magia, o símbolo do episódio é a prostituição e a técnica da narrativa é a da alucinação.

    O Episódio 15 está escrito como uma peça de teatro, incluindo as correspondentes instruções de encenação. O enredo é frequentemente interrompido por "alucinações" tidas por Stephen e Bloom que são manifestações fantásticas dos medos e paixões dos dois personagens. Stephen e Lynch vão para Nighttown, a zona de meretrício de Dublin e Bloom vai à procura deles e acaba por os encontrar no bordel de Bella Cohen, onde, na companhia das mulheres, incluindo Zoe Higgins, Florry Talbot e Kitty Ricketts, tem uma série de alucinações relativas aos seus fetiches, fantasias e transgressões sexuais. Bloom vai ter de responder a acusações por várias mulheres sádicas e inquisitivas, incluindo Yelverton Barry, Bellingham e Mervyn Talboys. Quando detecta que Stephen está a pagar exageradamente pelos serviços recebidos, Bloom decide manter o resto do dinheiro de Stephen por segurança. Stephen tem a alucinação de que o cadáver em decomposição de sua mãe se levantou do chão para o acusar. Aterrorizado, Stephen espatifa um candelabro com a sua bengala e depois foge. Bloom paga de imediato a Bella pelo dano, e depois corre atrás de Stephen. Bloom encontra Stephen envolvido numa discussão acalorada com um soldado inglês que, após o que entende como um insulto ao rei, dá um murro a Stephen. A polícia chega e a multidão dispersa. Enquanto ampara Stephen, Bloom tem uma alucinação de Rudy, o seu filho falecido.

    Segundo Gilbert, este episódio é o mais teatral de Ulisses sendo constituido por uma série de cenas em mutação, visões sem sentido produzidas pela fantasia, embriaguês e esgotamento dos personagens.

    Frase:

    Macilenta, a mãe de Stephen levanta-se rígida do chão, vestida de cinzento lepra com uma grinalda de murchas flores de laranja e um véu de noiva rasgado, o rosto desgastado e sem nariz, verde do bolor, sepulcral.

Nostos

Episódio 16 (Eumeu)


    O décimo sexto episódio de Ulisses tem por cenário o albergue do cocheiro e ocorre à uma da madrugada. A arte é a da navegação, o símbolo do episódio são os marinheiros e a técnica da escrita é da narrativa.

    Os acompanhantes de Stephen abandonaram-no tendo ficado com o apoio apenas de Bloom. Enquanto caminham para o albergue, este profere uma catilinária contra os perigos da vida nocturna e do vício. Entretanto encontram Corley (personagem que aparece em Dublinenses) e no albergue encontram Fitzharris, que pertence provavelmente ao grupo revolucionário os Invencíveis. No albergue, um marinheiro bêbado chamado Murphy refere uma série de contos semi-populares, e fala-se de patriotismo

    O estilo errante e laborioso da narrativa deste episódio reflete o cansaço e o nervosismo dos dois protagonistas. Eumeu, uma narrativa de velho, contrapõe-se a Telémaco, do primeiro episódio, que é uma narrativa de jovem. O albergue simboliza o curral de Eumeu para onde Ulisses se dirige no regresso a Ítaca.

    Frase:

    "O cocheiro não disse uma única palavra, boa, má ou indiferente, mas apenas olhou as duas figuras, "enquanto permanecia sentado no seu carro de baixo encosto", ambas negras, uma cheia, outra magra, a caminhar para a ponte do caminho de ferro, "para que os casasse o Padre Maher".
Episódio 17 (Ítaca)

    Bloom regressa a casa com Stephen, faz-lhe uma xícara de cacau, discutem diferenças culturais e linguísticas entre eles, consideram a possibilidade de publicar as histórias de parábolas de Stephen e oferece-lhe um lugar para pernoitar. Stephen rejeita a oferta de Bloom e é ambíguo em resposta à sugestão da Bloom de futuras reuniões. Stephen despede-se após o que vagueia pela noite. E Bloom vai deitar-se, estando Molly a dormir. Ela acorda e questiona-o sobre como passou o dia.

    O episódio está escrito sob a forma de um catecismo "matemático" de 329 perguntas e respostas rigidamente organizadas, sendo o episódio favorito de Joyce. As descrições pormenorizadas vão desde questões de astronomia até à trajetória da micção e incluem uma famosa lista de 25 homens percebidos como amantes de Molly (aparentemente correspondendo aos pretendentes mortos em Ítaca por Ulisses e Telêmaco na Odisseia), incluindo Boylan, e a reação psicológica de Bloom à sua indicação. Descrevendo eventos aparentemente escolhidos ao acaso em termos matemáticos ou científicos ostensivamente precisos, o episódio é abundante em erros cometidos pelo narrador indefinido, muitos ou a maioria dos quais propositadamente por Joyce.

    O décimo sétimo episódio de Ulisses tem por cenário a casa de Bloom e ocorre às duas da madrugada. A arte é a ciência , o símbolo do episódio são os cometas e a técnica da escrita é a do catecismo impessoal. Joyce despojou este episódio de qualquer sentimento, reduzindo ao mínimo as figuras de estilo. Elaborou como que um inventário de objetos, com a sua descrição meticulosa, quase técnica, como se fossem fenómenos naturais. Gilbert compara-o aos inventários das casas de leilões, ou a inventários de bens de herança. O catecismo impessoal deste episódio contrapõe-se ao catecismo pessoal de Nestor. Sendo o capítulo preferido de Joyce, lembra a Summa theologiae e, de novo conforme Gilbert, é tão cruel quanto uma inquisição teológica.

    O episódio de Ítaca não apresenta qualquer pretensão de sedução e recorre permanentemente a alusões laterais à última aventura da Odisséia. A ação já decorre no dia 17 de junho, sexta-feira, dia da matança em Dublin, que corresponde à matança dos pretendentes a casar com Penélope na Odisséia. E à semelhança de Ulisses que entrou no seu palácio pelas traseiras, assim Bloom, por se ter esquecido da chave, entrou em casa pela porta da cozinha, podendo Boylan ser a transposição do pretendente Eurímaco.

    Frase:

    "Que programa de dedicações intelectuais era simultaneamente possível? Fotografia instantânea, estudo comparativo das religiões, folclore relacionado com diversas práticas amatórias e supersticiosas, contemplação das constelações celestes."
Episódio 18 (Penélope)

    O décimo oitavo e último episódio de Ulisses tem por cenário a casa de Bloom e decorre na madrugada. O órgão é a carne, o símbolo do episódio é a Terra-Mãe e a técnica da escrita é o monólogo interior feminino.

    O episódio final consiste nos pensamentos de Molly Bloom enquanto está na cama ao lado do marido. O episódio usa uma técnica de fluxo de consciência em oito frases sem pontuação. Molly pensa sobre Boylan, um casca-grossa viril e astuto, e Bloom, o marido gasto mas ao qual a prende uma certa amizade, sobre os seus admiradores do passado, incluindo o tenente Stanley G. Gardner, sobre os acontecimentos do dia, sobre a infância em Gibraltar e sobre a sua carreira curta de cantora. Ela também sugere uma relação homossexual, na juventude, com uma amiga de infância chamada Hester Stanhope. Esses pensamentos são ocasionalmente interrompidos por distrações, como um apito de um comboio ou a necessidade de urinar. O episódio conclui com a famosa lembrança por Molly da proposta de casamento de Bloom e da aceitação dela:

    "E como ele me beijou debaixo da muralha mourisca e eu pensei tanto faz ele como outro e depois pedi-lhe com os olhos para pedir outra vez e depois ele pediu-me se eu queria sim dizer sim minha flor da montanha e primeiro pus os braços à volta dele sim e puxei-o para baixo para mim para que pudesse sentir os meus seios todos perfume sim e o coração batia-lhe como louco e sim eu disse sim eu quero Sim."

    Neste episódio, o do monólogo de Marion Bloom, Joyce atingiu o auge da sua arte extraordinária. Arnold Bennett, em the Outlook, referiu que nunca lera nada que o superasse e duvidava que jamais se voltasse a escrever algo que o igualasse. Segundo Palma-Ferreira, que citou o anterior, este monólogo é uma obra-prima da ficção moderna e um marco inultrapassável na história da narrativa em prosa.

    Molly revela-se um caráter inconstante o que não anula a sua clara identificação com Penélope. Segundo Stuart Gilbert, apoiando-se em Samuel Butler, Authoress of the Odyssey, não há na Odisséia de Homero referência à fidelidade absoluta de Penélope, havendo outras referências mitológicas de várias ligações de Penélope, para além de outras semelhanças entre as duas personagens, como ser Penélope filha de um espartano e Molly de um militar em Gibraltar.

    Conclui Palma-Ferreira que o tom do monólogo é completa e exaustivamente anti-literário, sendo um feixe de pensamentos unidos sutilmente por associação, decorrentes de movimentos mentais só aparentemente caprichosos, crendo-se que possui uma estrutura extraordinariamente bem gizada, conforme a interpretação de Stuart Gilbert.

Apreciação

    Ulisses é a obra prima de James Joyce. Através da descrição pormenorizada de um dia na vida de um grupo de pessoas, no limitado ambiente de Dublin de 1904 como enquadramento, Joyce pretende apresentar um microcosmo de toda a experiência humana. O "herói", Leopold Bloom, um judeu irlandês, é na visão de Joyce um Ulisses moderno ou Um Qualquer, fraco e forte, cauteloso e precipitado, herói e covarde, englobando os múltiplos aspectos de cada ser humano e de toda a humanidade.

    Muitos consideram Bloom o grande herói trágico da literatura moderna. Ulysses foi um livro revolucionário no estilo e na concepção. O aspecto mais revolucionário foi a técnica de narração de fluxo de consciência por meio da qual a consciência de um personagem é transmitida directamente. E também porque não havia qualquer separação entre esta narrativa e a descrição, ou ação, estrita, e muitas vezes sem o nome do personagem ser indicado. Além deste método, que confunde o leitor habituado a um estilo mais direto de escrita, o espaço de referência da narrativa torna-se muito complexo por meio de numerosas alusões à literatura grega, a Shakespeare, à Bíblia e a muitas outras. Não é um livro adequado para quem se queira iniciar na literatura.

    Ultrapassando a tentação simbólico-labiríntica que parece ter dominado a escrita de Ulisses, existirá uma razão oculta para a alteração de estilos conforme os episódios. Segundo Arnold Goldman, Ulisses não é apenas a história de Bloom e Stephen, é também um exemplo do quase infinito número de modos em que a história poderia ser contada, tendo Joyce concebido o livro à semelhança das epopeias de Homero e Virgílio com algo de "sagrado", encerrando uma sabedoria oculta e até uma profecia própria.

    Na revisão sobre Ulisses na revista The Dial, T. S. Eliot considerou: "Eu considero este livro como a expressão mais importante da época atual; é um livro do qual todos somos devedores e de que ninguém pode escapar". Ele prosseguiu afirmando que Joyce não tinha a culpa de haver pessoas que não o entendem: "A geração seguinte é responsável pela sua própria alma; um homem de gênio é responsável perante os seus pares, mas não perante um anfiteatro cheio de janotas incultos e indisciplinados".
    O livro foi também objeto de críticas contundentes. Virginia Woolf afirmou que "Ulisses foi uma catástrofe memorável; imenso em atrevimento, terrível como um desastre". Karl Radek considerou Ulisses como "Um monte de esterco, remexido por vermes, fotografado por uma câmara de filmar através de um microscópio". Shane Leslie descreveu Ulisses como "bolchevismo literário... experimental, anti-convencional, anti-cristão, caótico, totalmente imoral".

    Um jornalista afirmou que continha "esgotos de vícios secretos...canalizados através do fluxo de pensamentos, imagens e palavras pornográficas inimagináveis" e "blasfêmias revoltantes" que "degradam e pervertem o dom nobre da imaginação e do entendimento e o domínio da língua".

    Opiniões semelhantes sobre o papel adequado da literatura foram expressas por um juiz de apelação no caso judicial sobre a obscenidade do livro nos EUA, que concluiu que o livro não era obsceno. Após sugerir que Joyce era dado a "pensamentos obscenos ou luxuriosos" e que "[não tinha] um Guia", o juiz afirmou que a literatura deveria servir a necessidade das pessoas de "um padrão moral", de ser "nobre e apelativa", e "animar, consolar, purificar e enobrecer a vida das pessoas".

    "O que é tão assustador em Ulisses é o fato de, atrás de mil véus, nada ficar escondido; de não estar virado nem para a mente nem para o mundo, mas, tão frio quanto a lua vista do espaço cósmico, permite que o drama do crescimento, do ser e da decadência siga o seu curso." — Carl Jung

    Ulisses foi referido como "o marco mais proeminente da literatura modernista", uma obra em que as complexidades da vida são retratadas com "virtuosismo linguístico e estilístico sem precedentes e inigualado". Esse estilo tem sido indicado como o melhor exemplo do uso do fluxo de consciência na ficção moderna, tendo o autor, mais do que qualquer outro romancista, aprofundado o uso do monólogo interior. Esta técnica tem sido elogiada pela sua representação fiel do fluxo de pensamento, de sentimento, de reflexão mental e de mudanças de humor. O crítico Edmund Wilson observou que Ulisses tenta tornar "tão precisamente e tão diretamente quanto é possível fazer em palavras, como é a nossa participação na vida, ou melhor, como ela nos parece em cada momento que vamos vivendo."

    Stuart Gilbert afirmou que as personagens de Ulisses não são fictícias, que "essas pessoas são como elas devem ser; elas agem, constatamos, de acordo com alguma lex eterna, uma condição inelutável de sua própria existência". Através dessas personagens Joyce "alcança uma interpretação coerente e integral da vida". Joyce usa metáforas, símbolos, ambiguidades e conhecimentos que se ligam gradualmente entre si para formar uma rede de conexões ligando toda a obra. T. S. Eliot descreveu este sistema como o "método mítico": "uma maneira de controlar, de ordenar, de dar uma forma e um significado ao imenso panorama de futilidade e anarquia que é a história contemporânea".

Sobre a sexualidade

    Num livro decisivo para a análise de alguns aspectos de Ulisses, Richard Brown refere a perversidade sexual que é comum apontar a Joyce. Também Tony Tanner, referindo-se ao Episódio 13, bem como a outros, diz estarmos perante textos nos quais a perversidade sexual e as perversões linguísticas "coexistem como parte de um enorme colapso das relações pessoais e linguísticas associadas à decadência da sociedade burguesa".

    Outros críticos, como Colin MacCabe, na linha de R. Brown, descrevem o modo peculiar de escrita de Joyce como uma forma quase forçada de apresentar a sexualidade sob um ponto de vista perverso. No episódio de Circe, por exemplo, Joyce procura talvez deliberadamente através de uma prosa sombria e teatralizada uma apresentação anômala das relações sexuais, enquanto que noutros episódios, Cila e Caribdes, por exemplo, há alusões ambíguas à homosexualidade de Shakespeare.

    Joyce tinha na sua biblioteca textos sobre a sexualidade como À Rebours de Joris-Karl Huysmans e O Imoralista de André Gide que representavam dois exemplos do interesse literário do fim do século XIX pelos prazeres exóticos, por vezes degradantes e depravados. Joyce também leu Freud, constando deste na sua biblioteca A psicopatologia da vida quotidiana e o ensaio sobre as Memórias de infância de Leonardo da Vinci.

Traduções em português

    Traduzir o romance de Joyce é uma tarefa considerada de extrema dificuldade, devido à presença de diversos trocadilhos, jogos de palavras, citações, neologismos, referências históricas e literárias. Além disso, o autor se utiliza de estilos variados, transformando o texto num intricado quebra-cabeça literário, com um vocabulário de mais de 30.000 palavras.

    No Brasil, a primeira tradução foi feita por Antônio Houaiss e publicada em 1966. Uma segunda versão, por Bernardina da Silva Pinheiro, foi publicada em 2005. A terceira edição (com o título de Ulysses), assinada por Caetano Galindo, foi publicada em 2012, pela Penguin-Companhia, e recebeu alguns dos principais prêmios de tradução no país, como o APCA, ABL e Prêmio Jabuti.

    A primeira edição da obra em Portugal, em 1983, pela Difel, foi uma adaptação do texto de Houaiss, com alteração apenas ortográfica. Em 1989 foi publicada uma tradução portuguesa, assinada por João Palma-Ferreira[40], na editora Livros do Brasil. Antes disso, já António Augusto de Souza-PInto, Mário-Henrique Leiria e Jorge de Sena tinham iniciado traduções. Em finais de 2013, a editora Relógio d'Água, publicou nova tradução da obra, agora por conta de Jorge Vaz de Carvalho.

Bloomsday

    O culto ao livro de Joyce levou à criação do Bloomsday, comemoração celebrada na Irlanda e em várias outras partes do mundo no dia 16 de junho. Em Dublin, os fãs da obra refazem o percurso dos personagens Stephen Dedalus e Leopold Bloom pelas ruas da cidade conforme descritas por Joyce.

    No Brasil, o Bloomsday é comemorado desde 1994 em várias cidades, incluindo São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Natal, Brasília, Florianópolis, Porto Alegre e Santa Maria (Rio Grande do Sul).

Fonte:
Wikipedia

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

Jardim de Trovas n.1

Imagem de Fundo: Libreria Fogolla Pisa
Sinto Deus em toda escala...
Na vida, nos pensamentos,
no cheiro que a terra exala
entre a chuva e o próprio vento!
Nei Garcez
Curitiba/PR

 

Una sonrisa sincera
siembra en tu bello vergel
y estará, por donde quiera,
multiplicándose en él.
Carlos Rodriguez Sanchez
Venezuela


De estrelas toda bordada,
porta aberta para a rua,
a tapera abandonada
abriga os raios da lua.
Sônia Sobreira
Rio de Janeiro/RJ


A minha alma não se cansa,
- embora desiludida,
de acalentar a esperança,
que é o acalanto da vida.
Anis Murad Lamar
Rio de Janeiro (1904 – 1962)


Em toda Mulher se vê:
o charme, o encanto, a alegria
e em todas elas há um quê
da doçura de Maria!
Maria Calil Zambon
Novo Horizonte/SP (1935 – 2012) Bandeirantes/PR


Melhor idade?… Bobagem…
lorota antiga… falácia…
– Velhice só traz vantagem
para o dono da farmácia!
A. A. de Assis
Maringá/PR


A noiva diz que "ele aceita"
e vai se casar feliz,
porque está bem satisfeita:
achou o noivo que quis!
Amilton Maciel Monteiro
São José dos Campos/SP


Sobre um fio, numa  rua,
brincavam gato e criança,
sob  a  luz do Sol  ou  Lua,
fantasiados de esperança!
Delcy Canalles
Porto Alegre/RS


Quem faz da vida um disfarce
e finge viver a esmo,
de tudo pode safar-se,
mas não engana a si mesmo.
Francisco José Pessoa
Fortaleza/CE


Buscar a verdade, perto,
olho a olho, frente a frente,
parece o jeito mais certo
de se falar com quem mente.
José Lucas de Barros
Serra Negra do Norte/RN (1934 - 2015) Natal/RN


Aos  ritos do amor se entrega
um casal apaixonado,
que até nos olhos carrega
o silêncio do pecado!
Prof. Garcia
Caicó/RN


Não sei se todos ponderam
a troca que o livro traz…
Grandes homens o fizeram,
grandes homens ele faz!
Lucília A. Trindade Decarli
Bandeirantes/PR


Felicidade?… É a que eu tenho
quando na vida ajo assim:
– Quero alguém feliz… me empenho…
e esqueço um pouco de mim.
Therezinha Dieguez Brisolla
São Paulo/SP


Palabras aún en distancia
son vida para quien ama,
pueden saciarnos el ansia
amándonos con su llama.
Maria Cristina Fervier
Argentina


Felicidade! – Eu te estudo
e não decifro a “charada”:
– Uns – infelizes com tudo…
– Outros – felizes sem nada!!!
Maria Madalena Ferreira
Magé/RJ


Para ter felicidade
e ser, de fato, feliz,
aprenda a simplicidade
de São Francisco de Assis!
José Antonio de Freitas
Pitangui/MG


Em busca do meu futuro,
descobri o seu coração.
Este amor, tão prematuro,
tirou-me da solidão.
Jennifer Caroline Correia
Bandeirantes/PR


Não se compra, tendo em vista
que não se vende alegria;
felicidade é conquista
que se faz no dia a dia.
Dáguima Verônica de Oliveira
Santa Juliana/MG

___________________________________

TROVAS PARA OS "ANTIGOS"

Olivaldo Junior
Mogi-Guaçu/SP


Nas "histórias da vovó",
o netinho embala os sonhos,
embalando, sem ter dó,
seus enredos mais risonhos.

Cada estrela na calçada,
logo após a noite fria,
se disfarça de alvorada
no clarão do novo dia.

As meninas contam flores
no jardim de nunca mais;
cada flor tem muitas cores,
mas a roxa tinge os "ais".

Solidão ficou velhinha,
nunca mais saiu de casa;
certa noite, na cozinha,
pôs-se em pé e criou asa.

Entre as faces que já tive,
uma delas me entristece:
a que finge que inda vive
neste rosto que envelhece.