sábado, 24 de junho de 2023

Isabel Furini (Poema 46): Lembranças

                                     Fonte: Isabel Furini. Flores e Quimeras. 2017. Ebook.   


Monsenhor Orivaldo Robles (Tempos difíceis)

Conheci homens e mulheres que enfrentaram vida duríssima. Ganhavam o sustento com o suor do rosto. Suor de todo o corpo. Tive chance de contemplar homens vestidos com o que parecia baixeiro de cavalgadura. Com andar trôpego de canseira, com pés mal defendidos por alpargatas desfiadas. Famílias inteiras davam na roça um duro danado. Saíam antes do nascer do sol para retornar perto do escurecer, quase noite. Até crianças trabalhavam. Melhor serviço pouco na lavoura do que muita confusão em casa.

Nossa família foi exceção. Só o pai compreendia que meninos deviam estudar. Os tempos eram outros. Ou, na época, a pobreza se espalhava por todo o lado. Em casa, não tínhamos razões de queixa. Ainda que fosse o pai o único envolvido de fato nos cuidados do café, monocultura da região. Pela manhã, íamos à escola. No conforto de um ônibus de linha. Nem sempre sentados, porque, em certos dias, ele já vinha lotado de Araçatuba. Nós lhe dávamos o nome da cidade onde, madrugada ainda, iniciava o itinerário. Se tardava a aparecer, perguntávamos aflitos à moradora da casa junto à estrada: “A Araçatuba já passou”? Nunca perdemos dia de aula. A Araçatuba era única condução do horário. Cumpria o trajeto até São José do Rio Preto. Em estrada de terra batida, do começo ao fim. De asfalto ninguém falava. Estávamos nos alvores dos anos 50. Décadas depois, no Paraná, é que vim a conhecer ônibus escolar. Ainda me pergunto como o pai, com o pobre salário de fiscal de uma fazendola de café, pagava quatro passagens de ônibus por dia. Dois filhos, ida e volta da cidadezinha retirada cinco quilômetros. Tínhamos também nossas obrigações além da escola. Nem de longe, para dizer a verdade, como os meninos de idade semelhante. Descarregar caminhões de palha de arroz ou de café, recolher no pasto esterco de gado para achegar aos pés de café. Palha ou esterco, adubo natural. Num período em que ninguém ouvira falar de empresas multinacionais poluidoras da terra, da água e dos alimentos.

Gente dessa época arcava com asperezas que hoje apenas o ouvir assusta. A alimentação era de uma frugalidade completa. Nada fora do básico e tudo preparado em casa mesmo. Acontecia até de se engolir qualquer bobagem, antes de dormir, para tapear a fome que o estômago insistia em lembrar. Roupa nova só após anos de uso da outra. Remendos de cores várias dificultavam o reconhecimento do tecido original. Muito moleque calçou feliz seu primeiro sapato por volta dos quinze anos. Sem a menor ideia de marca. Se o pisante não machucava os pés, já estava no lucro. Os dedões festejavam o fato de se livrarem de topadas. Distância de alguns quilômetros era no pé mesmo. Ninguém pensava em carro, moto ou bicicleta. Um cavalo, quando muito, vá lá. Para levar a mãe com criança no colo. Os demais seguiam trotando. Como o cachorro, que sempre havia um e sempre ia junto. As casas, se por fora eram modestas, por dentro então, mostravam austeridade difícil de explicar aos filhos de hoje. Nem adianta o esforço. Não conseguiriam compreender.

E, apesar de tudo, não se reclamava da vida. Nem se maldizia a sorte. Certo fatalismo sertanejo, espécie de “fazer o quê?” nascia com a gente. Ninguém esperava que as coisas caíssem prontas do céu. Armava-se de coragem. Enfrentava privações e dores. E cultivava a solidariedade, coisa hoje um tanto esquecida.

Luiz Damo (Trovas do Sul) XLIV


A felicidade existe,
basta querermos vivê-la,
nesta busca quem persiste
não desiste sem obtê-la.
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Alguns dos velhos projetos
tidos como inacabados,
se por nós sofreram vetos
poderão ser validados.
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A saudade até parece
uma flor que tanto espinha,
se algo falta, ela aparece
para ferir quem caminha.
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Ávida mais plena fica
quando soubermos viver,
cada gesto identifica
nosso desejo de ser.
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Chega a dor e o ser devora,
de bolor vem impregnar
e quem nunca se aprimora
corre o risco de estagnar.
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Mesmo que seja otimista
em seus sonhos alcançar,
siga sem perder de vista
a luz que faz avançar.
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Mudar tudo não podemos
porque Deus nos fez assim,
limitados, bem sabemos,
muito fortes rumo ao fim.
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Muitos deixam de viver
preferindo a dura morte,
apenas não querem ver
o sol apontando o norte,
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"Nada me comove tanto
do que o universo sem fim",
disse Kant, à luz do encanto,
"e a moral dentro de mim".
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Nada tem de mais sublime
do que o dom de perdoar,
o perdão também imprime
forças para se doar.
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Não lastimes quando a estrela
ao longe, o brilho atenua,
se oculta, não podes vê-la,
é porque só vês a lua.
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Não tem data, nem evento,
na agenda de um cidadão,
maior que o do nascimento
registrado à certidão.
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Nas estradas da existência
tem pó, curvas e algo mais,
o que se vê com frequência
são pedras existenciais.
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Ninguém sorva ares de antanho
nem se insule no vazio,
para esconder o tamanho
do seu pífio desafio.
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Nunca cedas nem consintas,
algo por diletantismo,
face o labor, jamais mintas,
do teu profissionalismo.
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O homem é quem faz a história
em todos os seus momentos,
se lhe privar da memória
só restam alguns fragmentos,
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O homem que se torna ingrato
tolhe a paz, mata a ternura,
sorve o mal, cospe no prato,
cava a própria sepultura.
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O sonho dos voluntários
pode até não ser perfeito,
mas se forem solidários,
nenhum acaba desfeito.
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O tronco que cresce torto,
talvez não tenha conserto,
bem melhor que vê-lo morto
é apostar num novo acerto.
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Pode ser de pedra bruta
que nunca foi lapidada,
algo semelhante à gruta
para servir de morada.
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Quando a chama da esperança
não mais nos iluminar,
resta a treva, como herança,
para nos acompanhar.
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Se a dor se tornar intensa
muito forte e intermitente,
talvez já seja a doença,
tomando conta da gente.
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Se alguém um sonho procura
conservá-lo enclausurado,
por que pô-lo à clausura
é nunca tê-lo sonhado.
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Se a mata não for florida
o seu verdor nos compraz,
podendo levar mais vida
sob as ramagens da paz.
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Se do seu ponto de vista
o dente possui valor,
visite sempre o dentista,
mesmo não sentindo dor.
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Todo homem rechace a guerra
mas, na luta, ascenda à chama,
no rigor de alguém que espera,
ver a paz que dela emana.

Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Enviado pelo autor.

Hans Christian Andersen (0 moinho de vento)

Sobre a colina erguia-se um moinho de vento, de aspecto soberbo. E era mesmo soberbo!

“- Não sou, absolutamente não sou orgulhoso! - dizia ele - Mas sou iluminado, tanto por dentro como por fora. Tenho o sol e a lua para o uso externo e também para o interno; além disso, disponho de velas de estearina, de lâmpadas de óleo e de velas de sebo. Posso dizer, pois, que sou esclarecido! Sou uma criatura dotada de raciocínio e tão bem feita que dá gosto ver! Tenho no peito um bom esôfago; possuo lá em cima quatro dedos fixos junto da cabeça, logo abaixo do chapéu - ao passo que as aves tem apenas duas asas, que carregam às costas. Sou holandês de nascimento, como bem mostra o meu tipo: holandês, como o do Navio Fantasma, daqueles classificados entre os fenômenos sobrenaturais, ainda que eu seja perfeitamente natural. Tenho ao redor do estômago uma galeria, e , nas entranhas. peças de moradia: lá se alojam meus pensamentos. O meu pensamento mais forte, aquele que domina e manda ali, é chamado pelos outros " o homem do moinho" . Ele sabe o que quer e eleva-se muito alto, muito acima do farelo e da farinha. Tem porém, uma companheira, que se chama a "mãe", e faz as vezes de coração. E ela não anda sem tino nem destino, não: sabe também o que quer, sabe o pode fazer; é  suave como a aragem e forte como a tempestade; é capaz de fazer uma coisa com brandura, e, ainda assim, realizar o que deseja. Ela é o meu senso brando, enquanto o pai é rígido. São dois, e todavia um único ser; por isso se chamam " minha cara metade." E eles tem gurizinhos, pensamentos novos, que podem também crescer. Os pequenos é que mantém tudo em ordem. Quando, há pouco tempo, em um momento de meditação, mandei que o pai e os rapazes me inspecionassem o esôfago e o vão do peito, para verificar o que acontecera por lá - alguma coisa cá dentro de mim não funcionava bem e a gente deve examinar-se a si própria - os guris fizeram um barulho tremendo, que até nem fica próprio a quem, como eu, mora em cima de um morro. A gente não deve esquecer de que está iluminada: a opinião é uma espécie de iluminação! Mas, como ia dizendo, os guris fizeram um barulho infernal. O caçula entrou-me  até no chapéu, e, de tão contente de se ver lá, chegou a me fazer cócegas. Os pensamentos pequenos podem crescer, como me informaram; e lá por fora, pelo mundo, há também pensamentos, e nem todos proveem da minha estirpe, pois por mais que alongue a vista, não enxergo nenhum do meu tipo - ninguém, a não ser eu. Aquelas habitações sem asas, contudo, nas quais não se ouve o esôfago, também tem pensamentos que vêm aqui ter com os meus, e contratam casamento, como eles lá dizem... É esquisito, sim. Mas ora! Há muita coisa esquisita: umas vêm cair aqui, outras sucedem mesmo em mim. Alguma coisa está mudada, na engrenagem do moinho. Parece que o pai, a cara metade, é que mudou: diria que ele tem agora um novo sentido, mais suave; uma companheira mais carinhosa, mais jovem, mais piedosa. É, todavia, a mesma, mas pelo efeito do tempo, talvez se houvesse tornado mais branda e mais devota. Evaporou-se o que nela havia de amargura e tudo está agora muito mais alegre na casa.

“Vão-se os dias e outros vêm, sempre novos, trazendo claridade e alegria. E um dia virá, assim está dito e escrito, em que tudo se acabará para mim - embora não totalmente. Serei então demolido, mas me levantarei outra vez, novo e melhor; hei de cessar de viver, e, contudo, continuarei a existir. Ficando o mesmo, tornar-me-ei diferente. É difícil para mim compreender isso, por mais iluminado que seja - pelo sol, a lua, estearina, óleo e sebo! Minha velha construção de madeira e alvenaria há de ressurgir dos destroços.

“Espero ficar com os velhos pensamentos, com o pai, a mãe, com grandes e pequenos - com a família, enfim. Pois a esse todo, que é uma  só coisa, ainda que sejam muitas, chamo eu - associação total dos pensamentos. Assim é preciso; não posso fazer  de outra  maneira.
 
“E também eu terei de ficar eu mesmo, com o esôfago no peito, as asas na cabeça e a galeria em torno do corpo. Senão. talvez nem me reconhecesse a mim mesmo. nem os outros tampouco me reconheceriam, nem diriam: - Lá está o moinho do morro: tem um aspecto soberbo e entretanto não é orgulhoso.”

Todas essas coisas foi o moinho quem disse. E disse muito mais, mas isso é o que havia de mais interessante.

Os dias vinham e se iam, e o último chegou, afinal. Foi quando o moinho se consumiu, todo em chamas. As labaredas subiam muito alto, saíam pelo teto, tornavam a entrar, e iam lambendo e engolindo traves e tábuas, acabando por devorar por tudo. O moinho caiu, e dele nada mais restou senão um montão de cinzas. A fumaça afastou-se do lugar do incêndio, arrastada pelo vento.

O que havia de vivo no moinho subsistiu.

A família do moleiro, uma alma, muitos pensamentos, e todavia um só construiu um moinho novo, um moinho grandioso, tão parecido com o outro que o velho até havia de gostar dele. E as pessoas continuavam a dizer:

Lá em cima do morro se ergue o moinho, de soberbo aspecto.

Mas o novo estava mais bem instalado, era mais moderno, o que já se pode chamar de progresso. A madeira velha, carcomida e podre desfizera-se em cinza e pó. O corpo do moinho, contudo, não ressuscitou das cinzas, como ele esperava.

É que o velho moinho tomava todas as coisas muito ao pé da letra, o que é um erro.

Fonte:
Disponível em domínio público
Contos de Andersen. Publicado originalmente em 1845.

Lucy V. Hay (Como Escrever um Suspense) Parte 2: Escrevendo a história

1. Escreva a estrutura da trama


Ela é composta por contexto, conflito inicial, intensificação da trama, clímax, atenuação da trama e desfecho.

Um esboço estruturado facilitará muito escrever a história. Além disso, seu personagem deve ter muito a perder, o que implica correr riscos sérios e se envolver em conflitos.

Use o método snowflake (ou “floco de neve”). Trata-se de sintetizar a história em uma frase, desenvolvê-la para um parágrafo introdutório, fazer a apresentação detalhada de cada um dos personagens e uma planilha com todas as cenas. Leia aqui mais detalhes dessa técnica.

1.1 Crie um suspense extravagante para prender o leitor

A autora Lucy Hays diz: "A tensão e o mistério são elementos importantes para qualquer trama de suspense. Algo grande aconteceu e vai levar para um confronto no final".

2. Comece com uma cena impactante

A primeira cena deve ser cheia de ação, para anunciar ao leitor que a experiência será intensa. Use esse momento para apresentar um impasse, que servirá como gancho para apresentar o protagonista.

As primeiras páginas não devem conter o histórico dos personagens ou sua introdução, portanto deixe isso para depois. Prefira começar com algo mais cativante, que faça o leitor querer mais.

Por exemplo, comece o suspense com a descrição de um assassino perseguindo sua vítima. Isso fará seu leitor mergulhar de cabeça na história.

3. Ponha seu protagonista em risco

Bote o herói para trabalhar. Quanto mais complicada for a situação dele, mais preso o leitor ficará. Ao longo da história, desenvolva bons conflitos entre os personagens e não se furte de inventar obstáculos para impedir o protagonista de alcançar seu objetivo – literalmente dificulte a vida dele com problemas e imprevistos.

Digamos que seu herói é um jovem e ambicioso agente do FBI cuidando de um caso difícil. Para impedi-lo de simplesmente solucionar o caso, faça uma cena em que as provas e documentos sejam queimados em um incêndio ou que a testemunha desapareça.

4. Mantenha a ação em alta

Em vez de adicionar informações que não adiantarão a trama em nada, faça com que a ação se intensifique continuamente. Preserve uma boa cadeia de acontecimentos surpreendentes, pois eles são parte fundamental de um bom suspense.

Por exemplo, em vez de encher a história com detalhes do protagonista, prefira usá-lo ativamente ao longo das cenas. O histórico do herói pode ser inserido aos poucos no meio da trama, que deve estar sempre em movimento e evolução.

5. Prepare um clímax empolgante

Essa etapa do enredo costuma acontecer depois da metade do livro e é o momento de “tudo ou nada” para o protagonista, com o suspense em seu auge e o leitor, babando para saber o que vai acontecer a seguir. Você pode usar o clímax para o enfrentamento dos antagonistas, resolver o conflito central ou fazer com que os personagens cheguem a uma conclusão que mudará sua perspectiva sobre a vida.

Por exemplo, você poderia chegar ao auge da história com o herói arrancando a máscara do vilão, ou talvez descobrindo a resposta para uma charada impossível de resolver até então.

6. Dê um bom fim para a história

Embora você possa dar as respostas para todas as pontas soltas, esse não é o único jeito de encerrar uma história. Você pode, por exemplo, deixar o leitor em dúvida sobre o que aconteceu depois de tudo; talvez o personagem principal tome uma decisão séria e surpreendente na última página, ou encerre sua participação refletindo sobre como tudo isso o mudou para sempre.

Por exemplo, o fim da história pode ser uma caçada eletrizante entre o assassino e o agente do FBI.
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Lucy V. Hay é uma autora, roteirista e blogueira que ajuda outros escritores através de workshops, cursos e de seu blog, Bang2Write. Lucy é produtora de duas séries de suspense britânicas e seu romance de estreia, "The Other Twin', está sendo adaptado pela Free@Last TV, que também produziu a série indicada ao Emmy "Agatha Raisin".
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continua… Parte 3, final

sexta-feira, 23 de junho de 2023

Ademar Macedo (Ramalhete de Trovas) 7

 

Contos e Lendas do Paraná – 17 (Campo Largo - Congonhinhas - Corbélia - Ubiratã)


Município de Campo Largo
O mistério da lagoa grande

Existe em Campo Largo uma lagoa misteriosa, cujas águas desaparecem, por vezes, repentinamente. Tendo sido transformada em parque, permanece, ainda, envolta em lendas. Uma das lendas locais diz que ela foi criada através das crenças dos índios Tingüi, que eram os habitantes do local na época da colonização. Segundo esta lenda, Tupã, de visita à terra, derramou sobre um vulcão um cálice de água que extinguiu suas chamas. Mas a enorme serpente de duas cabeças, habitante das profundezas da terra, ficou soterrada, sendo que uma das suas cabeças se encontra na lagoa, outra em Curitiba, e sua cauda na praia de Leste.

Por outro lado, segundo o relato de Edácia do Nascimento Saldanha, o surgimento da lagoa tem outro mistério e outra história. Ela conta: “numa sexta-feira santa um padre entrou em um clube da cidade, onde se dançava um animado baile. Com a bíblia na mão exortou os presentes a respeitarem o dia. Não tendo sido ouvido, retirou-se do lugar indignado. No entanto, havia esquecido sua bíblia. Quando voltou para apanhá-la encontrou a lagoa, cujas águas haviam tragado o salão de baile com todos que estavam dentro”.
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Município de Congonhinhas
Ditinho de Deus

Ditinho de Deus era um pretinho alto, que chegou por aqui lá pelos anos 1950. Sofria de chaga na perna esquerda. Não se sabia em que Estado do Brasil ele nascera. Ficava durante o dia sentado na calçada de uma esquina de qualquer rua, à noite ia dormir debaixo da igreja, somente com um velho cobertor. Não pedia esmola, porém vivia da caridade pública e era muito molestado pelas crianças malvadas. Estas chegavam até a atirar pedras no Ditinho, que sempre rebatia dizendo: “Não façam assim, Deus não gosta”. Não xingava e não dizia palavrões.

Sentindo-se bastante fraco e, sofrendo graves dores na perna e sem nenhum tratamento, veio a falecer debaixo da igreja, sendo de lá transportado para uma casinha de propriedade do senhor João Nogueira da Silva, “vulgo João Carro”, onde se realizou o velório. O sepultamento foi no cemitério local, não se sabe ao certo se foi em 1952 ou 1953.

Ditinho de Deus faleceu sem receber os sacramentos, pois o padre estava em viagem visitando as capelas. As viagens naquele tempo eram feitas a cavalo. Mais tarde, por iniciativa do senhor José Lopes, homem devoto e de formação religiosa, foi construída uma capelinha em sua honra. Lá os fiéis iam rezar e cumprir seus votos. Depois, com o alargamento da rua para pavimentação, seus restos mortais foram transladados para a atual capelinha, muito visitada pelo povo.
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Município de Corbélia
Mistérios na comunidade São Roque

Segundo relato feito, no final dos anos 1970, na região da comunidade São Roque, costumavam acontecer coisas estranhas e até hoje os habitantes da região contam estas histórias.

À noite, por volta das dez horas, surgia em meio à plantação e até mesmo fora dela, o que parecia ser línguas de fogo que se chocavam no ar, rodopiando. Quando iam verificar o local onde estas imagens apareciam, nada havia sido queimado, ou pisoteado. As pessoas que ali viviam e vivem, dizem que se trata de um Boitatá. Dizem que se as pessoas passarem no local das aparições, principalmente à noite, se não quiserem ser atacadas por este Boitatá, elas deveriam prender uma faca entre os dentes, porque segundo a superstição, esse era um meio de proteção contra a aparição.

Nos dias atuais, esses relatos são mais vagos. Entretanto, existem muitas pessoas que lá vivem e que afirmam que existe algo de estranho no lugar. Uns dizem que é um espírito que necessita de orações, ou que provavelmente estes espíritos, ou espírito, querem mostrar algo que esteja enterrado na região.

Alguns trabalhadores da pedreira daquela localidade afirmam, ainda, que existe sim algo de estranho, pois eles já presenciaram alguns acontecimentos, como pedras que são atiradas nas barracas (eles utilizavam barracas de lona nos acampamentos na pedreira). Estas pedras entram nas barracas, sem, entretanto, perfurarem a lona.
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Município de Ubiratã
A lenda da curva da onça

Em 1954, a sociedade Imobiliária Noroeste do Paraná Ltda. - SINOP, iniciou a colonização desta região. A equipe de engenharia e topografia passava por inúmeras dificuldades, abrindo picadas na mata para chegarem ao local preestabelecido, que denominaram Sauju, ou seja, o espigão mais alto do contraforte da serra do Piquiri, hoje Ubiratã.

Inúmeros obstáculos e dificuldades foram encontrados. Com a ajuda de mais de duzentos homens contratados, construíram acampamentos e um campo de pouso em plena mata virgem.

Foi nesse contexto que surgiu em Ubiratã uma localidade na zona rural, mais especificamente na estrada Caviúna, denominada São Cristóvão. Conhecida popularmente como Curva da Onça, ela era o elo para as cidades de Cascavel, Foz do Iguaçu e a Região sul do país.

O nome se deu, porque diziam existir uma onça naquele local, dado o fato de que este animal tentou apanhar um cachorro dos funcionários do acampamento da SINOP. Os trabalhadores que estavam no acampamento contam que na cabeceira de um córrego, o cachorro, aos latidos, foi arrastado pela suposta onça, mas depois de muito custo conseguiu fugir e voltar ao acampamento, onde recebeu os devidos cuidados.

Logo após o ocorrido foram conferir as pegadas, que realmente pareciam ser de onça. O acontecido foi comunicado ao escritório central da SINOP e técnicos foram até o local, pois os funcionários relutavam em continuar o trabalho de abertura da estrada, temendo novos ataques da onça misteriosa.

O fato é que a onça desapareceu, ninguém nunca mais a viu, mas a história ficou registrada na mente daquelas pessoas e foi contada de pai para filho, chegando até os nossos dias. Este local continua sendo chamado de Curva da Onça.

Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná.
Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura, 2005.

J. G. de Araújo Jorge (Inspirações de Amor) XXXI


TÃO SIMPLES ESTE AMOR...
 
 Tão simples este amor nasceu... Nós nem notamos
 que era amor e afeição que aos poucos nos prendia...
 O amor, - é aquela flor que engrinalda dois ramos
 aos esponsais de luz do sol de cada dia!
 
 Dois ramos, - eu e tu, - e as horas desfolhamos
 numa doce, irrequieta e impensada alegria,
 - e assim vamos vivendo, e a viver, acenamos
 sonhos verdes aos céus azuis da fantasia!
 
 Tão simples este amor nasceu... Tal como nasce
 um beijo em tua boca, um riso em tua face,
 uma estrela no céu... ou uma flor de um botão.. .
 
 Nem era necessário mesmo eu te falar,
 se já o tens transformado em luz no teu olhar,
 e eu, já o sinto a cantar, dentro do coração!
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TARDE DEMAIS

Crescemos sempre assim, unidos - desde crianças
vivemos como irmãos e, afinal, só depois
que o tempo nos mudou, é que eu e tu, nós dois,
descobrimos no amor as nossas esperanças...

Mas foi tarde demais... Eu já tinha tomado
um rumo diferente - e o meu caminho e o teu
cada qual do princípio um dia se esqueceu,
e seguiu, cada qual, um rumo inesperado...

Quantos anos!... Meu Deus!... É esquisita esta vida...
Depois que a nossa estrada em duas foi partida
em uma novamente, o mundo as quis juntar.. .

Mas de nada serviu... De que serviu nos vermos
se o presente tornou os nossos sonhos ermos,
- se não podes me amar!... se não posso te amar!...
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TIMIDEZ

Eu sei que é sempre assim, - longe dela imagino
mil versos que não fiz mas que ainda hei de compor,
perto dela, - meu Deus!... lembro mais um menino
que esquecesse a lição diante do professor...

Penso, que a minha voz terá sons de violino
enchendo os seus ouvidos de canções de amor,
- e hei de deixá-la tonta ao vinho doce e fino
dos meus beijos, no instante em que minha ela for...

Ao seu lado, no entanto, encabulado, emudeço,
e se os seus lábios frios, trêmulos, se calam,
eu, de tudo, das coisas, de mim mesmo, esqueço...

E ficamos assim, ela em silêncio... eu, mudo...
Mas meus olhos, nem sei... ah! Quantas coisas falam!
e seus olhos, seus olhos!... dizem tudo, tudo!
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TONTA...

Dizes que ficas tonta... quando em tua boca
ergo a taça da minha a transbordar de beijos,
e te dou a beber dessa champanhe louca
que espuma nos meus lábios para os teus desejos.

Dizes... E em teu olhar incendiado talvez,
como que tonto mesmo e ardendo de calor,
vejo se refletir minha própria embriaguez
e o mundo de loucura que há no nosso amor...

E receio por ti e por mim, e receio
que um dia ao te sentir tão junto, eu enlouqueça
e aperte no meu peito a maciez do teu seio...

Dizes que ficas tonta... Hás de então ficar louca!
E eu tomando entre as mãos tua loura cabeça
hei de fazer sangrar de beijos tua boca! …
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TUA CARTA

A carta que escreveste é a oração que repito
todas as noites, sempre, antes de me deitar,
à hora em que abro a janela ao azul do infinito
e me ausento de tudo... e me esqueço a sonhar...

Eu, descrente da terra e dos homens, descrente
mais ainda dos céus, com bem maior razão,
murmuro a tua carta religiosamente
pois fiz do teu amor a minha religião...

Tua carta, nem sei... releio-a a todo instante,
ela acende em meus olhos tristes alegrias
e me faz esquecer que te encontras distante...

Paradoxos talvez, mentiras!... Não te esqueço
se toda noite assim ( há não sei quantos dias ),
com teu nome em meus lábios... rezando adormeço!…

Fonte:
JG de Araújo Jorge. Meus sonetos de amor. RJ: Ed. do Autor, 1961.

Aparecido Raimundo de Souza (Lâmpada milagrosa)

TANGERINO PAPADO DA SILVA trabalhava numa seção onde mexia com uma serie de arquivos mortos. Por causa deles, passava o dia procurando em meio à maços de papeis embolorados e mofados de pensionistas e aposentados que requeriam benefícios ao INSS. O problema é que muitas dessas criaturas já haviam passado desta para melhor.  Alguém, contudo, em nome dos falecidos “defuntos” pretendia uma revisão disso, ou daquilo. Enfim, havia uma máfia lá fora mamando às custas dos “de cujos”, e, claro, dos parentes que desconhecendo as verdadeiras pretensões dos cabeças dessa gangue, entregavam documentos sem pensarem duas vezes nas consequências de tais atos impensados. A função de Tangerino Papado: desarquivar esses carcomidos processos e encaminha-los ao chefe da seção que, por sua vez, mandava tudo para o pessoal da perícia. Num desses arquivos, Tangerino encontrou, por acaso, uma lâmpada tipo a do Aladim.

Satisfeito com o raro objeto, pensou num jeito de levar a relíquia embora. Talvez, a coisa fosse mágica. Como todo ser humano normal dentro do seu mambembe em se tornar rico e independente, acreditava piamente em sonhos, e por se abonar neles, quem sabe desse, de repente, com a sorte grande. Na hora do almoço saiu mais cedo e disse ao encarregado que iria à aquisição de um par de sapatos novos, tendo em vista que os seus se faziam, desde muito, bastante desgastados. E, realmente, tal fato tinha um fundo de verdade. Comprou um modelito vagabundo na primeira loja que avistou. Jogou o deteriorado no lixo e voltou contente à repartição com a caixa vazia debaixo do braço. Se um indiscreto perguntasse sobre o embrulho, diria que nele se fazia acomodado o pisante antigo. Que o levava de volta para usar nos finais de semana. A ideia: economizar o novo. Seguir surrando o escangalhado.

No fundo, a função da caixa bem outra: meter dentro a lâmpada misteriosa. Assim fez. Orgulhoso da sua vivacidade, se gabou do plano que arquitetara. Ninguém desconfiou de nada. Fim do expediente, saiu da sala, passou pela diretoria, pegou o elevador, e, para não levantar suspeitas, antes de ganhar a avenida em direção onde embarcaria destino Santo André, tomou um cafezinho requentado com o porteiro e fumou um cigarrinho com o vigia. O trajeto até sua residência, demorou uma eternidade enervante. Nunca o trem empacara tanto, da estação da Luz, até Prefeito Saladino (uma estaçãozinha antes de Santo André), onde morava com a mulher, um casal de filhos, uma empregada e uma sogra rabugenta. No aconchego do lar, beijou a esposa na cadeira de rodas e as crianças que brincavam com Ritinha, a empregada. Só então se predispôs a esconder o pacote num lugar seguro. Pensou em um que seria inquestionável. Havia entre o guarda-roupas e a parede, um desvão. Ali Tangerino Papado depositou a caixa.

Para despistar a turba de curiosos, pegou uma cadeira quebrada e a entulhou com umas roupas que jaziam sobre a cama. Essa atitude ajudaria a afastar os abelhudos. Em seguida se livrou dos sapatos e da camisa. Pegou uma toalha limpa no armário, levou uma bronca da sogra chata, que apareceu reclamando das coisas deixadas no meio do caminho, da camisa suada sobre a cama e da peça limpa, que ela havia acabado de recolher do varal, para guardar:

— Por que não usa mais uns dias a que está no banheiro?

Fazendo ouvidos de mercador Tangerino fingiu não ter escutado uma palavra.  Assobiando “Quero que vá tudo para o inferno”, de Roberto Carlos, encostou a porta do banheiro (nunca trancava, tinha essa mania), ligou o chuveiro e mandou a caninana para a casa do Carvalho. Do Carvalho mesmo.

O Carvalho: sujeito bom, pacato e humilde. Da mesma idade da sogra. Vivia paquerando a jararaca. Por azar de Tangerino, a maldita não dava chance para o infeliz levá-la, de vez, para dividir pratos e talheres com ele. O elemento nutria sentimentos nobres com relação à setentona. Todavia, a praga não baixava a guarda. O fato é que seu Carvalho se fazia duro de bolso, e Tangerino Papado mole, debaixo do chuveiro, quando via água quente jorrando sobre a cabeça. Nessas ocasiões, esquecia da vida. Levava horas para voltar a si. Ao menos para pensar na conta de luz e no rombo que sofreria seu salário mensal, final do mês, quando viesse o talão. Nesse interregno, a megera resolveu ir ao quarto do genro e preparar uma muda de roupas. Se fazia quase na hora do banho da filha, que, por infelicidade, num desastre de automóvel, fraturara as duas pernas e se quedava, toda engessada, sem poder se locomover para as necessidades mais prementes.

Em lá chegando, estranhou, de pronto, se deparar com uma cadeira encostada num canto com algumas roupas que ela, minutos antes, havia passado. Faltava guardar as ditas nas gavetas correspondentes. Quem as colocara ali? As crianças? Com certeza! Furiosa e resmungando, passou a mão na cadeira. Ao voltar com ela para o lugar onde deveria estar anteriormente, uma blusa se fez ao chão. No que se abaixou para apanhar, a enxerida avistou a caixa de sapatos acondicionada num latíbulo às costas do roupeiro:

— Danadinho. Isso é arte do Marcelinho mais a Francisquinha.

Pegou o achado de qualquer jeito. A caixa, por azar, se abriu sem querer, e nesse franquear, se estalou no chão à estranha lâmpada produzindo um barulho seco de sino tangendo contra o assoalho. Os olhos da coroa se alvoroçaram numa cobiça única. Ao ver aquela joia, seus pensamentos trouxeram à baila tempos remotos:

— Meu Deus parece aquela lâmpada do... como é mesmo o nome do personagem? Ah, lembrei... Aladim!...  mas espere: pior que é, em carne e osso!

Correu à porta. Espiou o corredor. A filha, coitada, se divertia com os olhos pregados na novela. As crianças brincavam:

— Será que se eu fizer alguns pedidos e esfregar... esse treco funciona?

Se enclausurou por dentro, cerrou as janelas silenciosamente.  Ansiosa e meio trêmula, não esperou mais. Não custava tentar. Experimentou. Na primeira fricção, o milagre. Uma grande luz branca surgiu do bico da lâmpada enquanto uma imensa forma humana masculina ia se projetando no espaço do aposento. Num instante espetaculoso, pintou, na frente dela, uma figura estupenda e inimaginável. Um gênio com cara de Brad Pitt esbanjando músculos bem trabalhados. Até a voz lembrava o astro, embora a tradução do inglês para o português fosse de péssima qualidade:

— Diga, minha ama e senhora. Estou aqui para lhe servir. Peça e atenderei. Devo informá-la que tem direito a três pedidos...

A antígona, boquiabertamente assustada, só fez repetir o que lhe interessava:

— Só três...?!

—... Que realizarei imediatamente. Então, ilustre madame, o que vai ser?

A anciã em face daquele imprevisto, se quedou atordoada e desconcertada com tudo o que acontecia. Não se fez de rogada. Pensou, por um instante e decidiu:

— Quero minha filha fora daquela cadeira de rodas e andando com os próprios pés.

— Seu pedido é uma ordem.

Puff!

No minuto seguinte a sogra de Tangerino Papado ouviu gritos vindos da sala e fortes batidas na porta. Complemente fora de seu estado normal, meio que atordoada, correu ao escancaro.

Deparou com a filha andando normalmente. Marcelinho, Francisquinha e a Ritinha, grudados em seu corpo, na maior algazarra:

— Vó, a mãe voltou a andar. Cadê o pai?

— No banho, se lavando...

Enquanto Francisquinha regredia com a Ritinha em busca do pai, para lhe contar a novidade, a velha agarrou nas mãos na filha e do neto. Praticamente arrastou os dois para dentro do quarto, chaveando a passagem:

— Mãe, quem é esse sujeito e de onde ele saiu? Não me diga que a senhora está traindo seu Carvalho?

A velha, agora mais tranquila e dona de si explicou:

— Calma, filha, não é nada do que está pensando. Deixa que depois detalharei com mais tranquilidade. Voltando para o estrangeiro, mandou a ordenação: por favor, vamos em frente. Quero ter muito dinheiro para poder viajar e conhecer o mundo com minha filha aqui e meus lindos netos.

O gênio, lindamente solícito fez um gesto surreal:

— Como lhe disse, madame, seu pedido é uma ordem.

Puff!

Uma avalanche de dinheiro brotou de um buraco que se abriu no teto. Em menos de um minuto, metade do espaço que compunha o dormitório, se abarrotou de notas de cem e de duzentos reais:

— Meu Deus, meu Deus, não acredito. Minha filha estamos ricas...

O gênio interrompeu a longeva e observou:

— Falta o terceiro, minha ama. Por favor! Após ele, desaparecerei.

A senhorinha parou de gargalhar e ficou séria. A filha abraçou Marcelinho e encarou o gênio. A engelhada olhou para a filha, depois para Marcelinho e se voltou para o visitante misterioso:

— Chega o ouvido aqui, meu amigo. Vou mandar sem mais delongas, o terceiro pedido.

O talentoso, com suas maneiras estudadas e extremamente cortês, se aboletou para perto da arcaica coroca. Realmente um espécime bonito, sem falar no porte elegante que lhe emprestava ares de um daqueles antigos reis que viviam em castelos medievais à beira de lagos eternos. Uma pena que vivesse recluso e literalmente enlampado:

— Meu terceiro pedido, caríssimo, é o seguinte...

Sussurrou o restante da frase de maneira que só o superdotado a escutasse:

— Perfeitamente, madame. Seu pedido é uma ordem.

Puff!

Vieram correndo e as algazarras de euforia, a Francisquinha, com Ritinha à tiracolo, segurando, nos braços, um porquinho todo molhado pingando água pelo chão. As duas jovens praticamente esmurraram a porta:

— Vovó, mamãe, Marcelinho, olhem só o que achamos no banheiro.... tava debaixo do chuveiro!

Fonte:
Texto enviado pelo autor

Lucy V. Hay (Como Escrever um Suspense) Parte 1: Iniciando a História

A função de uma história de suspense é deixar o leitor tenso do começo ao fim. Em geral, o enredo acontece antes de um crime, ao contrário dos livros de mistério, que visam investigar o crime consumado. Um bom suspense deixa o leitor instigado, o surpreende e envolve pessoalmente com a história. Para escrever seu próprio suspense, comece elaborando personagens complexos e uma trama sólida, sempre arriscando a pele do protagonista e, por fim, revise-o até ficar perfeito.

Parte 1: Iniciando a história

1. Escolha um subgênero

Para ter uma ideia melhor de sua história, comece pesquisando os vários tipos de suspense e escolhendo o que mais tem a ver com o que você quer escrever. Eis os mais comuns:

Suspense psicológico. Em geral, essas histórias têm um protagonista com algum transtorno mental e o enredo foca nesse aspecto para se desenvolver, tratando das razões do personagem.

Suspense de mistério. Nesse caso, a trama acontece ao redor de um crime de difícil solução, com um ritmo frenético e caótico.

Suspense com ficção científica. É uma trama de suspense que se passa dentro de um universo de ficção científica, com coisas como futurismo, viagem no tempo, tecnologia, mutação, alienígenas, etc.

Suspense de espionagem, como 007. Espiões, segredos, requinte, alto escalão da política, crises internacionais, armas sofisticadas, etc.

Suspense militar. Costuma se desenvolver em meio a uma guerra, real ou fictícia.

2. Junte várias ideias para a história

Pense em um enredo marcante. Os suspenses costumam ter um protagonista em conflito com outro(s) personagem(s), seja por ter sido a vítima ou o causador de algum mal, intencional ou não. Não tenha medo de escrever com base em seus gostos, conhecimentos e pontos de vista.

Por exemplo, você pode gostar do tema “morte e renascimento”, e escrever uma história em que o protagonista não morre por pouco, causando uma mudança de consciência nele.

Outra opção pode ser um herói tentando evitar que um crime aconteça. Nessa mesma linha, seu herói pode lutar para que um desastre não aconteça e impulsionar um desenvolvimento na sociedade através da solução de um enigma.

3. Construa personagens cativantes

Um aspecto fundamental da história são os personagens. Eles são responsáveis pelo desenvolvimento da trama e o protagonista não pode ser uma pessoa ordinária. Providencie para que ele tenha uma história relevante e interessante. Assim, será mais fácil escrever algo imprevisível, que dará a energia para o enredo.

Tente não usar personagens clichê, como o investigador atormentado, o agente frio e calculista do FBI ou a repórter curiosa e ambiciosa. Prefira algo mais criativo, faça personagens complexos e diferentes.

Por exemplo, seu detetive pode ser cego e sempre ter a companhia de um cão-guia em suas investigações; o agente do FBI pode ter um passado sombrio e precisar resolvê-lo. Saia das linhas tradicionais, use características que os tornem únicos, sem estereótipos.

4. Leia outras histórias de suspense

Quanto mais intimidade com o gênero você tiver, melhor. Vá atrás de todos os sub-gêneros, informe-se sobre o que tem sido publicado. Alguns bons exemplos são:

”O Silêncio dos Inocentes” de Thomas Harris.

“Millenium: Os Homens Que Não Amavam as Mulheres” de Stieg Larsson.

“Rebecca” de Daphne Du Maurier.

“O Talentoso Ripley” de Patricia Highsmith.

“A Assombração da Casa da Colina” de Shirley Jackson.
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Lucy V. Hay é uma autora, roteirista e blogueira que ajuda outros escritores através de workshops, cursos e de seu blog, Bang2Write. Lucy é produtora de duas séries de suspense britânicas e seu romance de estreia, "The Other Twin', está sendo adaptado pela Free@Last TV, que também produziu a série indicada ao Emmy "Agatha Raisin".
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continua…

quinta-feira, 22 de junho de 2023

Daniel Maurício (Poética) 54

 

Leandro Bertoldo (A Sabedoria do desapego)

Certa vez um sábio caminhava em silêncio por uma praia deserta junto a um de seus jovens  discípulos, quando ele lhe perguntou:

— Mestre ensina-me a arte do desapego? Em minha humilde opinião é a mais preciosa de todas as artes!

— Você já construiu um castelo de areia?

— Não, Mestre! Para quê o faria?  São feitos de meras ilusões!

— Construa, cuide, aproveite, desapegue-se!  Orientou o Mestre, seriamente. Jamais altere essa ordem.

O jovem sentou-se na areia e começou a engenhar uma suntuosa arquitetura de areia. Aquelas horas que se sucederam, nas quais ele se dedicou àquele grande feito, não teve pensamentos paralelos, viveu e desfrutou daquele momento, não teve olhos para outra coisa. Estava no momento presente. Ele construiu, cuidou, aproveitou… Mas a maré subiu, as ondas se agitaram e o castelo se desmanchou.

Frustrado, mesmo já prevendo o que logicamente aconteceria, ele se recolheu ao descanso ali nas proximidades onde estavam em um retiro com demais colegas.

No outro dia, novamente caminhando com seu Mestre, o jovem relatou o ocorrido no dia anterior, na praia e o Mestre outra vez lhe recomendou:

— Vá e construa um castelo de areia! Construa, cuide, aproveite, desapegue!

E o jovem discípulo bastante desanimado obedeceu e construiu outro castelo de areia, ainda maior e mais belo que o anterior.  Ele construiu, cuidou, aproveitou e veio a maré e o levou!

Assim se sucedeu na praia por quarenta dias em que passou em companhia de seu Mestre, construindo castelos de areia. Construía, cuidava, aproveitava e se decepcionava quando as ondas vinham e os levavam sem dó, nem piedade.

Pela quadragésima vez o Mestre o recomendou:

— Construa um castelo de areia!

Dessa vez, o jovem construiu, cuidou, aproveitou e se foi, sem olhar para trás! Já não estava preocupado quando as ondas viessem para destruí-lo e o tomasse dele.

O Mestre o chamou e disse:

— Agora sim, você entendeu.
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Existem histórias que que é preciso se calar após a leitura para que possamos refletir… Essa é uma delas.

Fonte:
Árvore das Letras. Site do escritor.
https://arvoredasletras.com.br/2023/06/10/a-sabedoria-do-desapego/

Luiz Poeta (Poemas Escolhidos) – 15 –

ENTRA SEM PEDIR


Entra nos meus sonhos sem pedir...
Com suavidade e emoção
E não quererás nunca fugir
Do conforto do meu coração.

Entra... o nosso amor não se perdeu...
Quando tu quiseres retornar,
Dorme no meu sonho... eu serei teu;
Entra sem pedir que eu vou gostar.

Entra... quando o frio te envolver,
O meu coração vai te aquecer;
Pelo tempo que o amor quiser...

E quando estiveres sem carinho,
Pede, que eu sou um menininho
Procurando o amor... de uma mulher.
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EU TE DIRIA TANTO...

São tantas as palavras que eu diria...
poesia não se faz sem que ela diga
o que o encantamento fantasia,
e eu te diria tanto... minha amiga.

O amor nasce da dor... que ironia...
mas ele tem o dom da eternidade,
amar é celebrar a alegria...
... lembrar com alegria é ter saudade.

Não posso te abraçar fisicamente...
abraço a solidão e não reclamo,
porque, quando a saudade está presente

até a minha dor torna-se escassa
e então volto a sonhar e, enfim, te amo
e a dor brinca de amar... mas logo passa.
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NUM SIMPLES TOQUE

Tu és pétala de rosa... me maltrata
Maltratar teu coração num simples toque...
Meu amor por teu amor é sem retoque
Como um rosto que o espelho não retrata.

Tens espinhos, mas ferir-me só me mostra
Que no fundo te proteges do que eu sinto;
Meu amor é inevitável, não te minto:
Só de ver-te, aos teus pés ele se prostra...

Se tu partes, teu perfume é que fica
No silêncio, percorrendo os sonhos meus;
É difícil te perder tão sem adeus,
Quando a dor do meu amor te identifica...

Fecho os olhos quando quero te sonhar,
Entretanto, como pétala de flor,
Tu te soltas pela luz do meu olhar
E te perdes numa lágrima... de dor.
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QUEM HÁ DE

- Quem há de... - indagaste-me, vaidosa
fazer minha razão titubear?
Bailávamos... estavas tão charmosa,
e eu, perdido inteiro, em teu olhar.

- Quem há de... - retruquei - que causa às rosas
inveja, mesmo ao se despetalar?
e tu sorriste tão... maravilhosa...
que nem meu coração quis mais pulsar.

Fazendo do salão, a alegoria
do enredo de um sonho particular,
o enlevo conduziu-me à fantasia

e quando me dei conta, despertei...
- Quem há de ser feliz sem se deixar
levar por este sonho que eu... sonhei?
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SEM AVISO

A dor não marca hora... chega sem aviso,
a morte tem um guizo que só Deus escuta
porque ele acende a luz, que torna clara, a gruta,
matando a dor astuta só com um sorriso.

A dor só vai embora, quando a catapulta
de pétalas do amor sufoca o implacável
furor desse amargor, que é tão inaceitável,
que até seu próprio autor mantém sua arma oculta.

Então, o que resulta desse antagonismo,
antítese humana e sobrenatural,
é sempre a razão que olha o bem e o mal

e chega à conclusão que para ser feliz,
o amor entende a dor que é mestra e ele, aprendiz,
olhando sempre a vida com fé e otimismo.

Fonte:
Luiz Poeta. Nuvens de versos. Campo Mourão/PR: Ed. Jfeldman, 2020.

Machado de Assis (Lágrimas de Xerxes)

Suponhamos (tudo é de supor) que Julieta e Romeu, antes que Frei Lourenço os casasse, travavam com ele este diálogo curioso:

JULIETA. Uma só pessoa?

FREI LOURENÇO. Sim, filha, e, logo que eu houver feito de vós ambos uma só pessoa, nenhum outro poder vos desligará mais. Andai, andai, vamos ao altar, que estão acendendo as velas... (Saem da cela e vão pelo corredor).

ROMEU. Para que velas? Abençoai-nos aqui mesmo. (Para diante de uma janela). Para que altar e velas? O céu é o altar: não tarda que a mão dos anjos acenda ali as eternas estrelas; mas, ainda sem elas, o altar é este. A igreja está aberta; podem descobrir-nos. Eia, abençoai-nos aqui mesmo.

FREI LOURENÇO. Não, vamos para a igreja; daqui a pouco estará tudo pronto. Curvarás a cabeça, filha minha, para que olhos estranhos, se alguns houver, não cheguem a reconhecer-te...

ROMEU. Vã dissimulação; não há, em toda Verona, um talhe igual ao da minha bela Julieta, nenhuma outra dama chegaria a dar a mesma impressão que esta. Que impede que seja aqui? O altar não é mais que o céu.

FREI LOURENÇO. Mais eficaz que o céu.

ROMEU. Como?

FREI LOURENÇO. Tudo o que ele abençoa perdura. As velas que lá verás arder hão de acabar antes dos noivos e do padre que os vai ligar; tenho-as visto morrer infinitas; mas as estrelas...

ROMEU. Que tem? arderão ainda, nem ali nasceram senão para dar ao céu a mesma graça da terra. Sim, minha divina Julieta, a Via-Láctea é como o pó luminoso dos teus pensamentos, todas as pedrarias e claridades altas e remotas, tudo isso está aqui perto e resumido na tua pessoa, porque a lua plácida imita a tua indulgência, e Vênus, quando cintila, é com os fogos da tua imaginação. Aqui mesmo, padre. Que outra formalidade nos pedes tu? Nenhuma formalidade exterior, nenhum consentimento alheio. Nada mais que amor e vontade. O ódio de outros separa-nos, mas o nosso amor conjuga-nos.

FREI LOURENÇO. Para sempre.

JULIETA. Conjuga-nos, e para sempre. Que mais então? Vai a tua mão fazer com que parem todas as horas de uma vez. Em vão o sol passará de um céu a outro céu, e tornará a vir e tornará a ir, não levará consigo o tempo que fica a nossos pés como um tigre domado. Monge amigo, repete essa palavra amiga.

FREI LOURENÇO. Para sempre.

JULIETA. Para sempre! amor eterno! eterna vida! Juro-vos que não entendo outra língua senão essa. Juro-vos que não entendo a língua de minha mãe.

FREI LOURENÇO. Pode ser que tua mãe não entendesse a língua da mãe dela. A vida é uma Babel, filha; cada um de nós vale por uma nação.

ROMEU. Não aqui, padre; ela e eu somos duas províncias da mesma linguagem, que nos aliamos para dizer as mesmas orações, com o mesmo alfabeto e um só sentido. Nem há outro sentido que tenha algum valor na terra. Agora, quem nos ensinou essa linguagem divina não sei eu nem ela; foi talvez alguma estrela. Olhai, pode ser que fosse aquela primeira que começa a cintilar no espaço.

JULIETA. Que mão celeste a terá acendido? Rafael, talvez, ou tu, amado Romeu. Magnífica estrela, serás a estrela da minha vida, tu, que marcas a hora do meu consórcio. Que nome tem ela, padre?

FREI LOURENÇO. Não sei de astronomias, filha.

JULIETA. Hás de saber por força. Tu conheces as letras divinas e humanas, as próprias ervas do chão, as que matam e as que curam... Dize, dize...

FREI LOURENÇO. Eva eterna!

JULIETA. Dize o nome dessa tocha celeste, que vai alumiar as minhas bodas, e casai-nos aqui mesmo. Os astros valem mais que as tochas da terra.

FREI LOURENÇO. Valem menos. Que nome tem aquele? Não sei. A minha astronomia não é como a dos outros homens. (Depois de alguns instantes de reflexão) Eu sei o que me contaram os ventos, que andam cá e lá, abaixo e acima, de um tempo a outro tempo, e sabem muito, porque são testemunhas de tudo. A dispersão não lhes tira a unidade, nem a inquietação a constância.

ROMEU. E que vos disseram eles?

FREI LOURENÇO. Coisas duras. Heródoto conta que Xerxes um dia chorou; mas não conta mais nada. Os ventos é que me disseram o resto, porque eles lá estavam ao pé do capitão, e recolheram tudo... Escutai; aí começam eles a agitar-se;  ouviram-nos falar e murmuram... Uivai, amigos ventos, uivai como nos jovens dias das Termópilas.

ROMEU. Mas que te disseram eles? Contai, contai depressa.

JULIETA. Fala a gosto, nós te esperaremos.

FREI LOURENÇO. Gentil criatura, aprende com ela, filho, aprende a tolerar as demasias de um velho lunático. O que é que me disseram? Melhor fora não repeti-lo; mas, se teimais em que vos case aqui mesmo, ao clarão das estrelas, dir-vos-ei a origem daquela, que parece governar todas as outras... Vamos, ainda é tempo, o altar espera-nos... Não? teimosos que sois... Contar-vos-ei o que me disseram os ventos, que lá estavam em torno de Xerxes, quando este vinha destruir a Hélade com tropas inumeráveis. As tropas marchavam diante dele, a poder de chicote, porque esse homem cru amava particularmente o chicote e empregava-o a miúdo, sem hesitação nem remorso. O próprio mar, quando ousou destruir a ponte que ele mandara construir, recebeu em castigo trezentas chicotadas. Era justo; mas para não ser somente justo, para ser também abominável, Xerxes ordenou que decapitassem a todos os que tinham construído a ponte e não souberam fazê-la imperecível. Chicote e espada; pancada e sangue.

JULIETA. Oh! abominável!

FREI LOURENÇO. Abominável, mas forte. Força vale alguma coisa; a prova é que o mar acabou aceitando o jugo do grande persa. Ora, um dia, à margem do Helesponto, curioso de contemplar as tropas que ali ajuntara, no mar e em terra, Xerxes trepou a um alto morro feitiço, donde espalhou as vistas para todos os lados. Calculai o orgulho que ele sentiu. Viu ali gente infinita, o melhor leite mungido à vaca asiática, centenas de milhares ao pé de centenas de milhares, várias armas, povos diversos, cores e vestiduras diferentes, mescladas, embaralhadas, flecha e gládio, tiara e capacete, pelo de cabra, pele de cavalo, pele de pantera, uma algazarra infinita de coisas. Viu e riu; farejava a vitória. Que outro poder viria contrastá-lo? Sentia-se indestrutível. E ficou a rir e a olhar com longos olhos ávidos e felizes, olhos de noivado, como os teus, moço amigo...

ROMEU. Comparação falsa. O maior déspota do universo é um miserável escravo, se não governa os mais belos olhos femininos de Verona. E a prova é que, a despeito do poder, chorou.

FREI LOURENÇO. Chorou, é certo, logo depois, tão depressa acabara de rir. A cara embruscou-se-lhe de repente, e as lágrimas saltaram-lhe grossas e irreprimíveis. Um tio do guerreiro, que ali estava, interrogou-o espantado; ele respondeu melancolicamente que chorava, considerando que de tantos milhares e milhares de homens que ali tinha diante de si, e às suas ordens, não existiria um só ao cabo de um século. Até aqui Heródoto; escutai agora os ventos. Os ventos ficaram atônitos. Estavam justamente perguntando uns aos outros se esse homem feito de ufania e rispidez teria nunca chorado em sua vida, e concluíam que não, que era impossível, que ele não conhecia mais que injustiça e crueldade, não a compaixão. E era a compaixão que ali vinha lacrimosa, era ela que soluçava na garganta do tirano... Então eles rugiram de assombro; depois pegaram das lágrimas de Xerxes... Que farias tu delas?

ROMEU. Secá-las-ia, para que a piedade humana não ficasse desonrada.

FREI LOURENÇO. Não fizeram isso; pegaram das lágrimas todas e deitaram a voar pelo espaço fora, bradando às considerações: Aqui estão! olhai! olhai! aqui estão os primeiros diamantes da alma bárbara! Todo o firmamento ficou alvoroçado; pode crer-se que, por um instante, a marcha das coisas parou. Nenhum astro queria acabar de crer nos ventos. Xerxes! Lágrimas de Xerxes eram impossíveis; tal planta não dava em tal rochedo. Mas ali estavam elas; eles as mostravam, contando a sua curiosa história, o riso que servira de concha a essas pérolas, as palavras dele, e as constelações não tiveram remédio, e creram finalmente que o duro Xerxes houvesse chorado. Os planetas miraram longo tempo essas lágrimas inverossímeis; não havia negar que traziam o amargo da dor e o travo da melancolia. E quando pensaram que o coração que as brotara de si tinha particular amor ao estalido do chicote, deitaram um olhar oblíquo à terra, como perguntando de que contradições era ela feita. Um deles disse aos ventos que devolvessem as lágrimas ao bárbaro, para que as engolisse; mas os ventos responderam que não e detiveram-se para deliberar. Não cuideis que só os homens dissentem uns dos outros.

JULIETA. Também os ventos?

FREI LOURENÇO. Também eles. O Aquilão queria convertê-las em tempestades do mundo, violentas e destruidoras, como o homem que as gerara; mas os outros ventos não aceitaram a ideia. As tempestades passam ligeiras; eles queriam alguma coisa que tivesse perenidade, um rio, por exemplo, ou um mar novo; mas não combinaram nada e foram ter com o sol e a lua. Tu conheces a lua, filha.

ROMEU. A lua é ela mesma; uma e outra são a plácida imagem da indulgência e do carinho; é o que eu te disse há pouco, meu bom confessor.

JULIETA. Não, não creias nada do que ele disser, frei amigo; a lua é a minha rival, é a rival que alumia de longe o belo rosto do galhardo Romeu, que lhe dá um resplendor de opala, à noite, quando ele vem pela rua...

FREI LOURENÇO. Terão ambos razão. A lua e Julieta podem ser a mesma pessoa, e é por isso que querem o mesmo homem. Mas, se a lua és tu, filha, deves saber o que ela disse ao vento.

JULIETA. Nada, não me lembra nada.

FREI LOURENÇO. Os ventos foram ter com ela, perguntaram-lhe o que fariam das lágrimas de Xerxes, e a resposta foi a mais piedosa do mundo. Cristalizemos essas lágrimas, disse a lua, e façamos delas uma estrela que brilhe por todos os séculos, com a claridade da compaixão, e onde vão residir todos aqueles que deixarem a terra, para achar ali a perpetuidade que lhes escapou.

JULIETA. Sim, eu diria a mesma coisa. (Olhando pela janela) Lume eterno, berço de renovação, mundo do amor continuado e infinito, estávamos ouvindo a tua bela história.

FREI LOURENÇO. Não, não, não.

JULIETA. Não?

FREI LOURENÇO. Não, porque os ventos foram também ao sol, e tu que conheces a lua, não conheces o sol, amiga minha. Os ventos levaram-lhe as lágrimas, contaram a origem delas e o conselho do astro da noite, e falaram da beleza que teria essa estrela nova e especial. O sol ouviu-os e redarguiu que sim, que cristalizassem as lágrimas e fizessem delas uma estrela; mas nem tal como o pedia a lua, nem para igual fim. Há de ser eterna e brilhante, disse ele, mas para a compaixão basta a mesma lua com a sua enjoada e dulcíssima poesia. Não; essa estrela feita das lágrimas que a brevidade da vida arrancou um dia ao orgulho humano ficará pendente do céu como o astro da ironia, luzirá cá de cima sobre todas as multidões que passam, cuidando não acabar mais e sobre todas as coisas construídas em desafio dos tempos. Onde as bodas cantarem a eternidade, ela fará descer um dos seus raios, lágrima de Xerxes, para escrever a palavra da extinção, breve, total, irremissível. Toda epifania receberá esta nota de sarcasmo. Não quero melancolias, que são rosas pálidas da lua e suas congêneres; — ironia, sim, uma dura boca, gelada e sardônica...

ROMEU. Como? Esse astro esplêndido...

FREI LOURENÇO. Justamente, filho; e é por isso que o altar é melhor que o céu; no altar a benta vela arde depressa e morre às nossas vistas.

JULIETA. Conto de ventos!

FREI LOURENÇO. Não, não.

JULIETA. Ou ruim sonho de lunático. Velho lunático disseste há pouco; és isso mesmo. Vão sonho ruim, como os teus ventos, e o teu Xerxes, e as tuas lágrimas, e o teu sol, e toda essa dança de figuras imaginárias.

FREI LOURENÇO. Filha minha...

JULIETA. Padre meu, que não sabes que há, quando menos, uma coisa imortal, que é o meu amor, e ainda outra, que é o incomparável Romeu. Olha bem para ele; vê se há aqui um soldado de Xerxes. Não, não, não. Viva o meu amado, que não estava no Helesponto, nem escutou os desvarios dos ventos noturnos, como este frade, que é a um tempo amigo e inimigo. Sê só amigo, e casa-nos. Casa-nos onde quiseres, aqui ou além, diante das velas ou debaixo das estrelas, sejam elas de ironia ou de piedade; mas casa-nos, casa-nos, casa-nos...

Fonte:
Machado de Assis. Páginas Recolhidas. Publicado originalmente no RJ: Editora Garnier, 1899.
Disponível em Domínio Público

quarta-feira, 21 de junho de 2023

Tertúlia da Saudade 07: Cláudio de Cápua

 

A. A. de Assis (Geraldo amava Teresa)

Geraldo Henrique amava de paixão Teresa Helena. Teresa Helena amava de paixão Geraldo Henrique. Havia entre os dois, porém, um porém que atrapalhava: Teresa era rica à beça, Geraldo era um bom moço, todavia modestinho.

Deu então que o pai de Teresa, a mãe de Teresa, os irmãos de Teresa, todos em coro insistiam que aquilo não poda dar certo; era um desatino. Mocinha dengada, acostumada a ter tudo do bom e do melhor, como se sentiria se de repente tivesse que mudar de vida?

Fez-se na casa dela uma reunião de família para discutir a questão em pauta. Ficou decidido que o pai de Teresa daria um jeito de, sem humilhar o despretensioso pretendente, convidá-lo para uma conversa amistosa. Na hora agendada, entrou o rapaz meio assustado, mas de cabeça erguida, no escritório do possível futuro sogro.

Homem prático, o pai de Teresa foi direto ao tema: “Sei que minha filha e você têm projetos sérios. Se essa é a vontade dela, respeito e acato. Gostaria apenas de saber até que ponto você se sente em condição de manter uma família etc. etc.”. Geraldo Henrique não perdeu a dignidade: “Conforto igual sua filha tem na sua casa estou longe de prometer, mas o senhor pode ter certeza de que ela será sempre tratada com o maior carinho”.

– Você tem um emprego?

– Tenho, sim senhor. Trabalho num escritório de contabilidade.

O pai de Teresa, hábil negociador, viu logo que a solução estava ali.

– Ótimo. Além de ganhar um genro, vou ganhar um bom companheiro de trabalho. Estou exatamente precisando de um contabilista de máxima confiança para assumir a chefia das minhas contas. Garanto que o salário será bastante atrativo. Aceita?

Geraldo Henrique não conseguia crer no que estava ouvindo. O pai de Teresa cutucou:     

– Aceita ou não aceita? Se aceita, volte aqui amanhã cedo com os seus documentos e minha secretária providenciará o que for necessário.

Foi tudo assim mesmo, a galope. Uma semana depois, o recatado candidato a genro estava ali convocando a primeira reunião com o pessoal da contabilidade para discutir a nova política da casa e demais detalhes.

O pai de Teresa não era bobo não. Em silêncio, já havia algum tempo vinha estudando o jeitão do mancebo. Tinha o principal para dar certo: honesto, leal, seguro de si. E mais: pelo que ficou sabendo mediante pesquisa, tratava-se de excelente profissional.

Três meses após, o primeiro grande resultado: com o novo sistema adotado na administração, Geraldo Henrique descobriu uma série de furos nas contas da empresa e pôs tudo a limpo, de modo que no final do ano o lucro foi superanimador. De pronto Geraldo foi promovido a sócio.

Teresa Helena, a moça dengada que antes estava pronta para se casar com um moço modestinho, acabou tendo um casamento chique, lua de mel num navio, e mora hoje numa casa grande, bonita, rodeada de jardins.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo, Maringá/PR, 16.3.2023)

X Jogos Florais da UBT Campos dos Goytacazes - 2023 (Trovas Premiadas)


ÂMBITO NACIONAL
(lírica/filosófica)   

VETERANOS

Tema: Enredo

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VENCEDORES
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1º. Lugar:
Luiz Antônio Cardoso
Taubaté/SP

Tramei o melhor enredo
com sonhos, amor e paz,
mas veio o acaso e, em segredo,
deixou tudo para trás!...

2º. Lugar:
Manoel Cavalcante
Pau dos Ferros/RN

A Vida é um filme moderno
num belo enredo que explora
a finitude do eterno
e a eternidade do agora.

3º. Lugar:
Cézar Defilippo
Juiz de Fora/MG

Se a vida é um texto em tragédia      
entro em cena com sorriso,                
troco o enredo por comédia    
e interpreto de improviso.
         
 4º. Lugar:
Olympio Cruz Simões Coutinho
Belo Horizonte/MG

O nosso amor sem segredo
é o amor que eu sempre quis:
um filme de belo enredo
que teve um final feliz.

5º. Lugar:
Carolina Ramos
Santos/ SP

A vida é um intenso enredo
e sua leitura assusta.
 - Cada página ...  um segredo...
e entendê-lo, como custa!...

6º. Lugar:  
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho
Juiz de Fora/MG

Traças, no viver mortal,
os próprios enredos teus,
porém, o enredo final,
quem escreve é a Mão de Deus.

7º. Lugar:
Jerson Lima de Brito
Porto Velho/RO

Não me aflige o recomeço
e, embora a queda atormente,
encaro as dores e teço
um enredo diferente.

8º. Lugar:
Jair Zabotini
Bauru/SP

O final da minha trama
será, sempre, meu segredo,
porque destruí, na chama,
até o rascunho do enredo.

9º. Lugar:  
Carolina Ramos
Santos/SP

Nós dois...  Enredo tão lindo
para uma história de amor!
- E a vida o rasgou, sorrindo,
ao rimar amor... e dor!  

   10º. Lugar:
Luciano Izidoro de Borba
Tombos/MG

No enredo de cada vida,
por maior que seja a dor,
há uma grande saída:
- Seguir a trilha do amor!

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TROVA DESTAQUE
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 Paulo Roberto Oliveira Caruso
Rio de Janeiro/RJ

Quando escrevo o meu enredo
Deus é sempre o revisor;
sigo em frente, vou sem medo,
pois eu sei do Seu amor.
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ÂMBITO NACIONAL
(lírica/filosófica)   

NOVO TROVADOR

Tema: Regresso

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VENCEDORES
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1º. Lugar:
Wanda Cristina da Cunha e Silva
São Luiz/MA

Pra que serve a despedida,
se na saudade me expresso?
Transformo a tua partida
na espera do teu regresso.

2º. Lugar:
Mônica Monnerat
Santos/SP

No regresso à antiga casa,
dos meus tempos de criança,
sinto a emoção que extravasa,
a cada simples lembrança...

3º. Lugar:
Adelgício Ribeiro de Paula
Franco da Rocha/SP

Andei pelo mundo afora
porém, agora me apresso
pois tem alguém que me adora
esperando o meu regresso.

4º. Lugar:
Ana Welter
Toledo/PR

A emoção de maior brilho,
que aquele momento encerra,
ver a mãe que abraça o filho,
em seu regresso da guerra.

5º. Lugar:
Mônica Monnerat
Santos/SP

Regresso neste momento
a minha terra querida.
Cada cantinho, um fragmento,
da aurora da minha vida.

6º. Lugar:
Darcy Bandeirante de Azevedo Costa
Taubaté/SP

Depois de longa jornada,
hoje regresso ao meu lar,
com minha alma renovada...
repleta de amor pra dar.

7º. Lugar:
Antônio Roseli Nunes Pacheco
Itaperuna/RJ

Regressa, meu filho amado
pra esse velho que te adora;
o portão tem cadeado,
mas pra ti eu abro agora!

8º Lugar:
Luciano Dionísio dos Santos
Caruaru/PE

Desde tenra meninice,
palmilhando essa distância,
hoje, aporto na velhice,
de regresso à velha infância.

9º. Lugar:
Adelgício Ribeiro de Paula
Franco Rocha/SP

Um dia, contrariado,
resolvi sair de casa,
agora, mais resignado,
minha volta já se atrasa.

10º. Lugar:
Maria Luíza Peres Campos
Cambuci/RJ

Com soluços eu parti
busquei nos livros acesso.
Oh! Cambuci, eu venci,
mas hoje estou de regresso!
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ÂMBITO NACIONAL
(humorística)   

Tema: Rival

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VENCEDORES
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1º. Lugar:
Ângela Ramalho Xavier
Maringá/PR

Da rival quero distância,
passo longe, sem ruído,
mas em caso de vacância,
vou querer o seu marido.

2º. Lugar:
Sônia Nuss
Itaperuna/RJ

Com o rival, fico esperto,
na conquista, mato ou morro,
e se o morro não for perto,
é para o mato que eu corro!

3º. Lugar:
Janilce Simões
Campos dos Goytacazes/RJ

Pegou-me a frase de efeito
que a minha rival usou:
“Quem é que tem mais direito,
quem casou ou quem levou?”

4º. Lugar:
Elvira Drumond
Fortaleza/CE

Com ironia e desdém,
diz a moça pra rival:
— Sonhei contigo, meu bem,
chorava em teu funeral!

5º. Lugar:
Márcia Jaber
Juiz de Fora/MG

Um bilhete decidido
para a rival em questão:
- Podes levar o marido,
mas sem ter devolução.

6º. Lugar:
José Arthur Basaglia
São Paulo/SP

Discuto em qualquer lugar,
eu só, comigo somente,
porque gosto de brigar
com rival inteligente.

7º. Lugar:
Arthur Thomaz da Silva Neto
Sumaré/SP

Ah! Isso me deixa louco!
Ser rival de gente bela…
Faço tudo e mais um pouco,
mas ele é que sai com ela.  

8º. Lugar:
Dulcídio de Barros Moreira Sobrinho
Juiz de Fora/MG

O galo, esperto e vivido,
diz não ter rival de fato,
mas seu filhote nascido,
tem bico igual ao do pato.

9º. Lugar:
Dulcídio de Barros Moreira
Juiz de Fora/MG

O marido, no seu posto,
invocando a lei dos justos,
aceita rival disposto
a ressarcir os seus custos.

10º. Lugar:
Marciano Medeiros
Parnamirim/RN

Zé Cornélio, antigo alferes,
ao ver seus chifres crescidos,
ficou rival das mulheres,
tomando uns quinze maridos!
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ÂMBITO ESTADUAL
(lírica/filosófica)

Tema: Trama

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VENCEDORES
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1º. Lugar:
Maria Lúcia Spadarotto Neves
Itaperuna/RJ

Entrelaçada de amor
e envolvida em tua trama,
vou contigo aonde for...
Esta é a sina de quem ama!

2º. Lugar:
Maria Madalena Ferreira
Magé/RJ

Quem deve não fica impune,
um dia a "conta" aparece,
porque... ninguém fica imune
às tramas que a vida tece.

3º. Lugar:
Sérgio Bernardo
Nova Friburgo/RJ

Com tramas que ocultam dores,
quantos, em falsas comédias,
escrevem e são atores
das suas próprias tragédias.

4º. Lugar:
Sérgio Bernardo
Nova Friburgo/RJ

Do amor levado ao desgaste,
em cada cena infeliz,
tu simplesmente atuaste...
A trama fui eu que fiz.

5º. Lugar:
Paulo Cézar Tórtora
Rio de Janeiro/RJ

Perfeito na criação,
tudo em tramas bem urdidas,
o Supremo Tecelão
assim tece nossas vidas.

6º. Lugar:
Maria Madalena Ferreira
Magé/RJ

Sei que vives a sofrer,
mas sê forte, coração!
- Quem não se deixa envolver
nas tramas de uma paixão?

7º. Lugar:
Maria Caraline de Almeida Carvalhal
Itaperuna/RJ

Perdida nas entrelinhas
da vida, com várias tramas,
sei que nem todas são minhas,
então, não as torno dramas.

8º. Lugar:
Alba Helena Corrêa
Niterói/RJ

O ciúme urdiu a trama,
com poder devastador
e deixou vazia a cama:
o templo do nosso amor

9º. Lugar:
Edmar Japiassú Maia
Miguel Pereira/RJ

Sem talento, em cena aberta,
nas tramas que a vida armou,
vejo a plateia deserta:
que mau artista que eu sou!

10º. Lugar:
Ivone Marques Moreira
Nova Friburgo/RJ

Entre promessas e juras,
no seu jeito sedutor,
vivemos nossas loucuras
na doce trama do amor!
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ÂMBITO MUNICIPAL
Campos dos Goytacazes/RJ

(lírica/filosófica)

Tema: Campistês*
* Campistês = dialeto de Campos dos Goytacazes
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VENCEDORES
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1º. Lugar:
Cláudia Maria Guimarães Suheth

De “cabrunco”* e “lamparão”**
não sei “nadica de nada”,
é só “campistês”, irmão,
de uma terra abençoada!
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* CABRUNCO = expressão usada para dar uma entonação mais forte a determinada coisa, no sentido bom ou ruim. Demônio, peste, desgraça. Deriva de "carbúnculo", doença bovina. Ex: O cigarro faz um mal do cabrunco; Vini Jr. é o cabrunco com a bola nos pés!
** LAMPARÃO = (xingamento) desgraçado, coisa ruim, filho da mãe...

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2º. Lugar:
Elyzabeth Carvalho Tavares da Silva

No cabelo, prendi “frisos*”,
e pedi o “engomador**”.
Ao me verem, ouvi risos,
envolta no “enxugador***”.
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* FRISO - grampo de cabelo
**ENGOMADOR - ferro de passar
***ENXUGADOR - toalha de banho

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3º. Lugar:
Amália Marins

Esse cara é um “lamparão”,
já quebrou o “ingomadô”!...
O “tisgo”* caiu no chão,
mandei pro “consertadô”!
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* TISGO = maldito.
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4º. Lugar:
Talita Batista

Sou goitacá, sou "cabrunca",
minha língua é o português,
mas não vou renegar nunca
meu linguajar campistês!

5º. Lugar:
Baurete Carvalho

Cabrunco, me apaixonei,
que sujeito “lamparão”!
Ah, “siminino*”, chorei,
fez “pocar**” meu coração!…
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* SIMINO = alguém que não sei ou esquecí o nome (masculino)
**POCAR - estourarr
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6º.Lugar:  
Carlos Augusto Souto Alencar
“Dijaoje*”, meu irmão,
afirmo em bom português
que sou “tisgo” e “lamparão”
defendendo o “campistês”.
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*DIJAOJE = desde já hoje; desde hoje cedo
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7º. Lugar:
Carlos Augusto Souto Alencar
O “campistês”, “siminina”,
“evem”* da nossa Baixada.
É cultura que fascina
e deve ser preservada.
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* EVEM = vem, chega
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8º. Lugar:
Maria Lúcia Monteiro Xavier

Campos, bom pra se morar,
gente de bom coração,
“eita” povo pra falar,
esse tal de “lamparão”!

9º. Lugar:
Thays de Souza

Aqui na nossa cidade,
tem “cabrunco” e “lamparão”,
que causam curiosidade,
em todo nosso povão!

10º. Lugar:
Baurete Carvalho

O linguajar campistês,
típica expressão campista,
utiliza o português
com gíria regionalista.