sábado, 13 de julho de 2019

Carolina Ramos (Da Cidade Grande)


Olhou em volta. Ninguém. O relógio, na boca do estômago, marcava tempo de fome. Hora do "rango". Encostou a "magrela" na parede. Olhou-a com enlevo de enamorado. Pintadinha de novo. Descaracterizada. Nem mesmo o arguto sherloquismo do antigo dono a reconheceria. Joia!

Descansou o traseiro na mesma parede. Ficou à espreita. Ou, como diria, "morou na paquera". O primeiro incauto aproximava-se. Gordo. Despreocupado. Paletó aberto, bem ao gosto da cintura rotunda. Bem ao gosto, também, dos amigos do alheio. O gordo parou no ponto do ônibus. Mão Leve sentiu a descarga compulsiva da adrenalina: — Já!

Como se chamava, na realidade, ninguém sabia. A pia batismal da malandragem alcunhara-o de Mão Leve. E, Mão Leve, ficara sendo.

Aproximou-se da vitima, como quem não quer nada:

— Tem um "fosfro" aí, amigo?

— Não... não tenho. Não fumo.

Diálogo curto. Suficiente para levar a termo o expediente. Dois dedos. Só dois dedos, ágeis e habilidosos, deram conta do serviço. Almoço garantido!

Sem carteira, o gordo emagreceu alguns gramas. Fácil!

Mão Leve conhecia a fundo a profissão. Por isso mesmo, eram seus o respeito e a admiração do bairro. Qualquer pivetezinho, com veleidades punguísticas, via nele um ídolo, um mestre, que dava até diploma, dependendo do feito... se bem feito! Nas horas de lazer, a roda fechava-se à sua volta. Gente jovem. Indócil por natureza. Estática, quando presa às fanfarronadas do malandro, na praça, que só não era o Pátio dos Milagres, porque sem bonecos, nem guizos. Vez ou outra, um velho camburão apontado ao longe, punha água na fervura e fim às aulas. Toda uma comunidade, hóspede em potencial de Febens e similares, se dispersava ou se descaracterizava como a "magrela" do pilantra.

Mão Leve, contudo, acabara por fazer escola. O bairro virara mesmo da pesada, E da pesada, mesmo!

Acariciou, por fora do bolso, a carteira gorda do gordo. Voltou para a bicicleta, sem demonstrar pressa. Cavalgou-a com arte e disparou, dobrando a esquina.

O peso, alternado sobre os pedais, energizava a fuga. Fuga estudada e programada com estilo. Cruzou velozmente a avenida, como água ladeira abaixo.

Quando o furgão apanhou-o, trazia em mente o filé mal passado, ilhado entre fritas, que teria no prato, daí a um nada.

Alheio à sangueira que esparramara, o furgão perdeu-se na distância.

Numa fração, mais rápida que a rápida ação dos próprios dedos, Mão Leve, que já perdera o filé com fritas, perdeu a bicicleta, agora esfolada e bastante amassada; perdeu o relógio, a gorda carteira do gordo... e tudo mais que seus bolsos guardavam.

Bairro da pesada! Alunos de primeira, honrando o mestre!

Um gaiato tripudiou, deixando sobre o corpo despojado, o bilhete: — ''Ei, Mestre... cadê meu diploma?"

Mão Leve, apesar das contusões, parecia sorrir… sem fome, sem bens e sem ambições. Absolutamente em paz!

Embuçada em névoa, a cidade grande acendeu as luzes, para enfrentar mais uma noite de vigília, de vícios e de violência!

Fonte:
Carolina Ramos. Interlúdio: contos. São Paulo: EditorAção, 1993.

Caldeirão Poético XXVII



LUÍS GUIMARÃES 
(1845-1898)

NOITE TROPICAL

Desceu a calma noite irradiante
Sobre a floresta e os vales semeados:
Já ninguém ouve os cantos prolongados
Do negro escravo, estúpido e arquejante.

Dorme a fazenda: - apenas hesitante
A voz do cão, em uivos assustados,
Corta o silêncio, e vai nos descampados
Perder-se como um grito agonizante.

Rompe o luar, ensanguentado e informe,
Brotam fantasmas da savana nua...
E, de repente, um berro desconforme

Parte da mata em que o luar flutua,
E a onça, abrindo a rubra fauce enorme,
Geme na sombra, contemplando a lua.

CARLOS DE LAET 
(1847-1927)

TRISTE FILOSOFIA

Ia Rosa vestir-se, e do vestido
Uma voz se desprende e assim murmura:
"Muitas morremos de uma morte escura,
Porque te envolva sérico tecido".

Ia toucar-se, e escuta-se um gemido
Do marfim que as madeixas lhe segura:
"Por dar-te o afeite desta minha alvura,
Jaz na selva meu corpo sucumbido!"

Põe um colar, e a pérola mais fina:
"Para pescar-me, quantos párias, quantos!
Padeceram no mar lúgubres sortes!"

E Rosa chora: "Oh! desditosa sina!
Todo sorriso é feito de mil prantos,
Toda vida se tece de mil mortes!"

NARCISA AMÁLIA 
(1852-1924)

RECORDAÇÃO FATAL

Distende essa mimosa envergadura,
Verso! Leve, transpondo os altos montes,
Sobe! Assombra-te, acaso, a terra impura?
Mergulha, inteiro, nas celestes fontes!

Anima-te! Esvoaça! Olvida a escura
Geena! Choradas lágrimas não contes...
- Porque prantos cantar, se é em festa a altura?
Se há, bengali, rosais nos horizontes?

Mas - ai! triste galé! quer o poema
De amor dos sóis surpreendas, quer a casta
Rola por tua voz soluce e gema,

Será contigo a lúgubre, a nefasta
Recordação, que arrasto, como a ema
A asa partida pelo campo arrasta!

TEÓFILO DIAS 
(1854-1889)

SAUDADE

A saudade da amada criatura
Nutre-nos n'alma dolorido gozo,
Uma inefável, íntima tortura,
Um sentimento acerbo e volutuoso.

Aquele amor cruel e carinhoso
Na memória indelével nos perdura,
Como acre aroma absorto na textura
De um cofre oriental, fino e poroso.

Entranha-se, invetera-se, - de jeito
Que do tempo ao volver, lento e nocivo,
Resiste: - e ainda mil pedaços feito

O lígneo cárcere que o retém cativo,
Cada parcela reproduz perfeito
O mesmo aroma, inalterável, vivo.

ARTHUR DE AZEVEDO 
(1855-1908)

AS ESTÁTUAS

No dia em que na terra te sumiram,
Eu fui ver-te defunta sobre a essa...
Fechados para sempre, oh! sorte avessa!
Aqueles olhos que me seduziram.

À luz do sol uma janela abriram,
E o jardim avistei onde, ó condessa,
Uma noite perdemos a cabeça,
E as estátuas de mármore sorriram.

Saíste por aquela mesma porta 
Onde outrora teus beijos me esperavam, 
Cheios do amor que ainda me conforta.

Quando o jardim saudoso atravessavam
Seis homens com o esquife em que ias morta,
As estátuas de mármore choravam.

B. LOPES 
(1856-1916)

APOTEOSE

Não sei por que surpresas do meu fado,
Se por ventura ou por desgraça minha,
Sigo os volteios do teu giro alado,
Teus aéreos caprichos de andorinha.

Nas tuas ígneas asas arrastado,
Do erro buscando a sedutora linha,
Perdi cultos e crenças do Passado:
És do meu coração dona e rainha.

Prende-o no áureo grilhão do teu encanto,
De teus braços febris na algema flórea,
Ou nas cadeias súplices do pranto;

Águia, eleva-te, e aos hinos das fanfarras,
Como um troféu sangrento da vitória,
Leva o meu coração nas tuas garras!

MÚCIO TEIXEIRA 
(1858-1926)

O INFINITO

Onde o corpo não vai - projeta-se o olhar;
Onde para o olhar - prossegue o pensamento;
Assim, nesse constante, eterno caminhar,
Ascendemos do pó, momento por momento.

Muito além da atmosfera e além do firmamento,
Onde os astros, os sóis, não cessam de girar,
Há de certo mais vida e muito mais alento
Do que nesta prisão mefítica, sem ar...

Pois bem! se não me é dado, em vigoroso adejo,
Subir, subir... subir - aos mundos, que não vejo,
Porém que um não sei quê me diz que inda hei de ver,

- Quero despedaçar os elos da matéria:
Perder-me pelo azul da vastidão etérea
E ser o que só é - quem já deixou de ser!

ALBERTO DE OLIVEIRA 
(1859-1937)

SOLIDÃO

Vês? estou só! E a vida aqui chega a seu termo.
Já com o sol que se põe se alonga no caminho
A sombra do viajor que fui, por tanto espinho,
E maior, com o ermo da alma, é destas coisas o ermo.

Para-me o coração e o punge a mágoa, a encher-mo,
De haver amado em vão e de viver sozinho.
Nem um sorriso! um beijo! um olhar! um carinho!
Só! e a esvair-se em sangue e a exulcerar-se enfermo!

Só! E em breve caindo, ao despertar em breve,
Verei, a acompanhar-me, a tua sombra leve,
Uniremos, enfim, as almas imortais?

Oh! que horror, se, ao chegar ao torvo Ignoto um dia,
Outra és tu, se te abraço - e te acho esquiva e fria,
Se te falo e segredo - e não me entendes mais!

IV Concurso Literário Cleber B. Silva (Prazo: 30 de Novembro)


OFICINA CULTURAL VALE DAS ARTES
Avenida Padre Anchieta 4297
CAIXA POSTAL 141
CEP. 11750-000 – PERUIBE, SP
e-mail: qicultural@gmail.com

REGULAMENTO

A OFICINA CULTURAL VALE DAS ARTES, com o apoio da Academia Peruibense de Letras e da TV Vale das Artes, realizará o IV CONCURSO LITERÁRIO CLEBER B. SILVA.

PARA MORADORES NA CIDADE DE PERUÍBE:

Tema: LENDAS

Contos – apenas um texto, máximo 3 páginas, em Times New Roman, fonte 12, espaço simples.

Enviar o texto em 3 (três) vias , com PSEUDÔNIMO

Em envelope separado  dentro do envelope principal, juntar breve currículo com endereço correto e completo, para: CAIXA POSTAL 141 – CEP 11750-000 – PERUÍBE, SP

Prazo para envio: Até 30 de novembro de 2019

PARA MORADORES NO ESTADO DE SÃO PAULO:

Tema: CAFÉ

Conto – apenas um texto – máximo de 3 páginas, em Times New Roman, fonte 12, espaço simples.

Enviar em 3 (três) vias, com PSEUDÔNIMO e, num envelope separado dentro do envelope principal, juntar breve currículo com endereço completo e correto, para CAIXA POSTAL 141 – CEP 11750-000 – PERUÍBE, SP

Prazo para envio: Até 30 de novembro de 2019

PARA MORADORES NOS DEMAIS ESTADOS DO BRASIL:

Tema: INDEPENDÊNCIA

Conto – apenas um texto, máximo de 3 páginas, em Times New Roman, Fonte 12, espaço simples.

Enviar em 3 (três vias), com PSEUDÔNIMO,dentro do envelope principal juntar outro envelope com  breve currículo e endereço completo e correto, para CAIXA POSTAL 141 – CEP 11750-000 – PERUÍBE, SP

Prazo para envio: ATÉ 30 DE NOVEMBRO DE 2019

PREMIAÇÃO:

Serão premiados:
3 primeiros  lugares
3 menções  honrosas
3 menções especiais

Ao primeiro colocado em cada uma das três categorias,  será conferido TROFÉU, bem  como LIVROS e DIPLOMA DE PARTICIPAÇÃO

Os demais classificados receberão LIVROS e DIPLOMA DE PARTICIPAÇÃO
O resultado do Concurso será publicado em 30 de setembro de 2020

Os resultados serão obtidos a partir notas das Comissões  Julgadoras, as quais serão respeitadas pelos organizadores do Concurso.

Peruíbe, 10 de Julho de 2019

Ecilla Bezerra
Presidente
Oficina Cultural Vale das Artes

Luiz Poeta (Racionalidade Animal)


O sinal toca. Os alunos saem numa natural algazarra. Vou junto com eles. Preciso colocar algumas cartas no correio num tempo inábil. É o último dia para a postagem. Quase corro. Tenho apenas meia hora para retomar de um percurso a pé de mais ou menos novecentos metros.

Isto feito, após receber o comprovante do envio dos envelopes, saio na mesma velocidade da vinda, mas levo um susto tremendo: deparo-me com um cão preto, de porte médio, parecendo bloquear a minha passagem.

O respeitável animal perscruta-me numa atitude solene.

Não há nele, nenhum tom ameaçador. Já não tenho medo, entretanto respeito-o. Os olhos amendoados parecem humanos. Fita-me por alguns segundos eternos, a língua de fora numa espécie de riso compartilhado, misturado num aparentemente tênue cansaço. Ando devagar, temendo ameaçá-lo involuntariamente.

Ele me segue.

Quando paro para um cumprimento eventual ou mesmo na intenção de observar um calçado em uma vitrine, ele também estaca. Parece conhecer-me há muito tempo.

Apresso-me. O cão me segue sem o mínimo pudor. 

Atravesso o túnel que liga os dois extremos do meu bairro abaixo da linha férrea. Desço e subo degraus de concreto, o cão, sem hesitar, ritma-se solidariamente a cada passada que 
dou. Estamos diante da avenida principal. O sinal fecha para os pedestres. Temo pelo bicho.

Alguns carros avançam ruidosamente. O sinal parece demorar uma eternidade para esverdear-se. Continuo com pressa. Preciso chegar à escola antes do toque da sirene que anuncia o término do recreio. Os próximos veículos estão a uns cem metros de mim. Entendo que há tempo suficiente para a travessia, mas tenho que correr. Contrariando as leis de trânsito, avanço cautelosa e rapidamente sem perder os carros de vista. Lembro-me do cão. Esqueci-me dele, todavia constato, aliviado, que não me acompanhou, ficou do outro lado, próximo a algumas pessoas atentas ao tráfego dos veículos.

O sinal se abre para os transeuntes. A exemplo das pessoas, o cão olha para ambos os lados, mira o semáforo, mostra-se seguro e atravessa calmamente o espaço que separa as duas calçadas. Sinto-me envergonhado.

O animal pára diante de mim numa pausa que parece criticar e ao mesmo tempo compreender o meu jeito encabulado de observá-lo e finalmente se afasta num último sorriso de língua de fora, ante a perplexidade de um educador... deseducado.

Reverencio-o taciturnamente, num silencioso pedido de desculpas expresso apenas por nossa última troca de olhares caninamente humana e humanamente animal.

Rio de mim para mim, questiono minha pseudo-soberania racional e constato, comovido, que tive uma canina aula de cidadania... animal.

(Crônica premiada em I" Lugar em concurso realizado pela União Brasileira de Escritores)

Fonte:
Luiz Gilberto de Barros (Luiz Poeta). Canção de Ninar Estátuas. 1.ed. Ilhéus/BA: Mondrongo, 2014.

sexta-feira, 12 de julho de 2019

Luiz Gonzaga da Silva (Trovas Dispersas)



Acostumei-me demais 
ao frescor da tua essência, 
mas aos poucos te afastais 
deixando apenas ausência. 

Acre odor de mata em chama,
fumaça que faz chorar,
meu peito gemendo clama
para a queimada acabar.

A deusa da minha rua
mora bem perto de mim:
– vive a contemplar a lua
que ilumina o meu jardim.

A mulher de meia idade,
madura e bem assumida,
tem a preciosidade
de uma vinha enobrecida.

A nossa fé compartida 
numa promessa de paz 
é como luz refletida 
na pureza dos cristais. 

As flores que me ofereces
perfumando os nossos dias, 
são meu rosário de preces, 
meu buquê de fantasias.

Caminhando nas planuras 
do meu mundo interior, 
eu sublimo as amarguras 
que o destino preparou.

Caminhante, aonde vais,
neste caminhar fremente,
não vês que o mundo não trás 
quietude à nossa mente?

Esta angústia que me invade, 
asfixiando o meu ser, 
amarga mais que a saudade, 
dói muito mais que morrer. 

Nesta vida multiforme, 
em que a sorte vai e vem, 
ainda há quem se conforme 
e só siga a luz do bem. 

Nesta vida tão atroz,
de multiformes percalços,
milhares são os heróis
que lutam de pés descalços.

No meu jardim plantei rosas, 
pensando nos seus carinhos, 
mas as minhas mãos calosas 
colheram só os espinhos.

O pelourinho na praça 
traz um grito do passado: 
grito de dor e desgraça 
de um grande povo ultrajado. 

O sertão está molhado... 
Não de chuva... mas do pranto 
desse povo abandonado 
que a seca castiga tanto!... 

O velho com suas dores, 
vergado ao peso dos anos, 
carrega ainda os amores, 
as glórias e os desenganos...

Passando fome em criança,
privações na mocidade,
será que a tal esperança
resiste à terceira idade?

Segue a vida em seu passar
na corredeira dos anos:
– de salto em salto o sonhar,
– de queda em queda os enganos.

Tua luz suave ilumina
meus passos de caminhante:
– és a estrela matutina,
– eu, o peregrino errante!

Um sonho de juventude
não morre nunca, eu suspeito
pois me assusta a inquietude
que ainda carrego ao peito.

Vivendo sem sul, sem norte,
suportando a minha dor,
sou "antes de tudo um forte"
- sertanejo e trovador.

Vivo na vida sem ninho, 
sem carinho e sem fanal, 
abraçado ao pelourinho 
do meu destino fatal. 

Fonte:
O Trovador

Vinicius de Moraes (Chorinho para a Amiga)


Se fosses louca por mim, ah eu dava pantana, eu corria na praça, eu te chamava para ver o afogado. Se fosses louca por mim, eu nem sei, eu subia na pedra mais alto, altivo e parado, vendo o mundo pousado a meus pés. Oh, por que não me dizes, morena, que és louca varrida por mim? Eu te conto um segredo, te levo à boate, eu dou vodca pra você beber! Teu amor é tão grande, parece um luar, mas lhe falta a loucura do meu. Olhos doces os teus, com esse olhar de você, mas por que tão distante de mim? Lindos braços e um colo macio, mas porque tão ausentes dos meus? 

Ah, se fosses louca por mim, eu comprava pipoca, saía correndo, de repente me punha a cantar. Dançaria convosco, senhora, um bailado nervoso e sutil. Se fosses louca por mim, eu me batia em duelo sorrindo, caía a fundo num golpe mortal. Estudava contigo o mistério dos astros, a geometria dos pássaros, declamando poemas assim: "Se eu morresse amanhã... Se fosses louca por mim... ". Se você fosse louca por mim, ô maninha, a gente ia ao Mercado, ao nascer da manhã, ia ver o avião levantar. Tanta coisa eu fazia, ó delícia, se fosses louca por mim! Olha aqui, por exemplo, eu pegava e comprava um lindo peignoir pra você. Te tirava da fila, te abrigava em chinchila, dava até um gasô pra você. Diz por que, meu anjinho, por que tu não és louca-louca por mim? 

Ai, meu Deus, como é triste viver nesta dura incerteza cruel! Perco a fome, não vou ao cinema, só de achar que não és louca por mim. (E no entanto direi num aparte que até gostas bastante de mim...). Mas não sei, eu queria sentir teu olhar fulgurar contra o meu. Mas não sei, eu queria te ver uma escrava morena de mim. Vamos ser, meu amor, vamos ser um do outro de um modo total? Vamos nós, meu carinho, viver num barraco, e um luar, um coqueiro e um violão? Vamos brincar no Carnaval, hein, neguinha, vamos andar atrás do batalhão? Vamos, amor, fazer miséria, espetar uma conta no bar? Você quer que eu provoque uma briga pra você torcer muito por mim? Vamos subir no elevador, hein, doçura, nós dois juntos subindo, que bom! Vamos entrar numa casa de pasto, beber pinga e cerveja e xingar? 

Vamos, neguinha, vamos na praia passear? Vamos ver o dirigível, que é o assombro nacional? Vamos, maninha, vamos, na rua do Tampico, onde o pai matou a filha, ô maninha, com a tampa do maçarico? Vamos maninha, vamos morar em jurujuba, andar de barco a vela, ô maninha, comer camarão graúdo? Vem cá, meu bem, vem cá, meu bem, vem cá, vem cá, vem cá, se não vens bem depressinha, meu bem, vou contar para o seu pai. Ah, minha flor, que linda, a embriaguez do amor, dá um frio pela espinha, prenda minha, e em seguida dá calor. És tão linda, menina, se te chamasses Marina, eu te levava no banho de mar. És tão doce, beleza, se te chamasses Teresa, eu teria certeza, meu bem. Mas não tenho certeza de nada, ó desgraça, ó ruína, ó Tupá! Tu sabias que em ti tem Taiti, linda ilha do amor e do adeus? Tem mandinga, tem mascate, pão-de-açúcar com café, tem chimborazo, kamtchaka, tabor, popocatepel? tem juras, tem jetaturas e até danúbios azuis, tem igapós, jamundás, içás, tapajós, purus! - tens, tens, tens, ah se tens! tens, tens tens, ah se tens! 

Meu amor, meu amor, meu amor, que carinho tão bom por você, quantos beijos alados fugindo, quanto sangue no meu coração! Ah, se fosses louca por mim, eu me estirava na areia, ficava mirando as estrelas. Se fosses louca por mim, eu saía correndo de súbito, entre o pasmo da turba inconsútil. Eu dizia : Woe is me! Eu dizia: helàs! pra você… Tanta coisa eu diria que não há poesia de longe capaz de exprimir. Eu inventava linguagem, só falando bobagem, só fazia bobagem, meu bem. Ó fatal pentagrama, ó lomas valentinas, ó tetrarca, ó sevícia, ó letargo! Mas não há nada a fazer, meu destino é sofrer: e seria tão bom não sofrer. Porque toda a alegria tua e minha seria, se você fosse louca por mim… Mas você não é louca por mim... Mas você não é louca por mim...

Fonte:
Vinicius de Moraes. Para uma menina com uma flor. Rio de Janeiro: Ed. do Autor, 1966.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Concurso de Trovas “Singrando Horizontes” (Língua Hispânica)


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Nota: As trovas em língua portuguesa estão sendo apuradas as notas, e até a semana que vem devem haver os resultados.
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Trovadores de Língua Hispânica
Tema: Poesía

VENCEDORES

1º Lugar
José Héctor Rodríguez
Argentina

Todo está en la poesía,
el perfume de una flor
el sol brillante de un día
y un tierno beso de amor.

2º Lugar
Delia Esther Fernández Cabo
Uruguay

Suena la lira de Erato,
despierta la poesía.
Canto de amor, arrebato
sensual del ánima mía.

3º Lugar
Francisco Hernández Zamora
México

¿No saben qué es poesía?
yo podría responder
y sin vacilar diría
¡Poesía es la mujer!

4º Lugar
Carlos Imaz Alcaide
Francia

Sólo quiero poesía
porque ella me hace cantar,
a Dios mi fe y alegría
para poderlo alabar.

5º Lugar
Gisela Cueto Lacomba
Cuba

Con alas, la poesía 
llena de luz al planeta,
es valiente su porfia
en la lucha del poeta.

MENCIÓN HONROSA

1º Lugar
Elio Claro
Argentina

Esa esencia en tu palabra
en tu alma de poeta,
la poesía es que labra
la belleza del cometa.

2º Lugar
Edith Elvira Colqui Rojas
Perú

La poesía es belleza
luminosa y destellante,
ella apaga la tristeza;
de tersura es su semblante.

3º Lugar
Venancio Castillo
Venezuela

Te amo y agradezco tanto
compañera poesía
por ser mi paño de llanto
de tristeza y alegría.

4º Lugar
Violeta Briones Gutiérrez
México

Increíble cuando sueño
puedo crear poesía,
pensamientos van sin dueño
creando melancolía.

5º Lugar
Verónica Quezada Varas
Chile

Viaja el verso en poesía,
de forma libre o rimado.
Lo escribe con maestría,
un poeta apasionado.

MENCIÓN ESPECIAL

1º Lugar
Carlos Rodríguez Sánchez
Estados Unidos

La más dulce poesía
es la que alaba al Señor,
al llegar el nuevo día
agradeciendo su amor.

2º Lugar
Rosana Baima
Argentina

En tus versos poesía
se despliegan emociones
y brindas gran alegría
a miles de corazones.

3º Lugar
Jorge Emilio Bossa
Argentina

No enmudecerá la lira.
Fue tu sabia profecía,
Gustavo. Si ella suspira,
por siempre habrá Poesía.

4º Lugar
Angela Desirée Palacios
Venezuela

Eres tú mi poesía 
la escribo cuando me miras.
Me entrego a tu melodía
y suspiro si suspiras.

5º Lugar
 Marta María Requeiro Dueñas
Estados Unidos

La poesía herramienta,
yunque para el sentimiento.
Te entristece o te contenta...
¡Es de la vida el aliento!

COMISIÓN JUZGADORA

Jaime Hoyos Forero
Colombia

Andrik Bannack Alvarez
México

Amayel Flores Rosas
México

Fonte:
Cristina Chaves.

Carlos Drummond de Andrade (Serás Ministro)


— Esse vai ser ministro — sentenciou o pai, logo que o garoto nasceu.

— E você, com esse ordenado mixo de servente, tem lá poder pra fazer nosso filho ministro? — duvidou a mãe.

— Então, só porque meu ordenado é mixo ele não pode ser ministro? A Rádio Nacional deu que Abraão Lincoln trabalhava de cortar lenha no mato e chegou a presidente dos Estados Unidos.

— Isso foi nos Estados Unidos.

— E daí? Nem eu estou querendo tanto pra ele. Só quero uma de ministro.

— Tonzinho, deixa isso pra lá.

— Pra começar, a gente convida o ministro pra padrinho dele.

— O ministro não vai aceitar.

— Não vai por quê? Trabalho no gabinete há dois anos.

— Ele é muito importante, filho.

— Por isso mesmo. Com padrinho importante, o garotinho começa logo a ser importante.

— O ministro é tão ocupado, você mesmo diz. Vê lá se tem tempo pra batizar filho de pobre.

— Pois sim. Ele me trata com toda a consideração, de igual pra igual. Hoje mesmo eu faço o convite.

Fez. O ministro não pôde comparecer, mas enviou representante. Era quase a mesma coisa. Na hora de dizer o nome do menino, o pai não vacilou; disse bem sonoro:

— Ministro.

— Como? — estranhou o padre.

— Ministro, sim senhor.

A mulher ia atalhar: “Tonzinho, não foi Antônio de Fátima que a gente combinou?”, mas era tarde.

No cartório, também estranharam:

— Ministro por quê?

— Porque eu escolhi. Acho lindo.

— Não é nome próprio.

— Pois eu cá acho muito próprio. Não tem aí uma família chamada Ministério, aliás com pessoas distintas, médicos, dentistas etc.?

— Tem.

— Pois então. Meu filho é Ministro, só isso. Ministro Alves da Silva, futuro cidadão útil à pátria. Tem alguma coisa demais?

O garoto registrou-se. Cresceu. Na escola, a princípio achavam-lhe graça no nome. Parecia apelido. Depois, o costume. Há nomes mais estranhos. Ministro não era o primeiro da classe, também não foi dos últimos.

Já moço, o leque das opções não se abriu para ele. Entre o ofício sem brilho e o andar térreo da burocracia, acabou sendo, como o pai, servente de repartição. Promovido a contínuo.

— Eu não disse? — festejou o pai. — Começou a subir.

O máximo que subiu foi trabalhar no gabinete do ministro.

— Ministro, o senhor ministro está chamando.

— Ministro, já providenciou o cafezinho do senhor ministro?

— Sabe quem telefonou pra você, Ministro? A senhora do senhor ministro. Diz que você prometeu ir lá consertar umas goteiras e esqueceu.

— Ministro! Roncando na hora do expediente?!

Começaram os equívocos:

— Telefonema para o Ministro.

— Qual? O Ministro ou o senhor ministro?

— Esse Ministro é um cretino! Me fez esperar uma hora nesta poltrona!

— Perdão, deputado, o senhor está ofendendo o senhor ministro.

— Eu? Eu? Estou me referindo a esse animal, esse…

Até que se apurasse que o animal era Ministro, o contínuo — que confusão! O ministro de Estado, ciente da confusão, recomendou ao assessor:

— Faça esse homem trocar de nome.

— Impossível, senhor ministro. É o seu título de honra.

— Então suma com ele da minha vista.

Mandaram-no para uma vaga repartição de vago departamento. Queixou-se ao pai, aposentado, que isso de se chamar Ministro não conduz a grandes coisas e pode até atrasar a vida.

— Ora, meu filho, hoje no bueiro, amanhã no Pão de Açúcar. E você não tem de que se queixar. Num momento em que tanta gente importante sua a camisa pra ser ministro, e fica olhando pro céu pra ver se baixa um signo do astral, você já é, você sempre foi Ministro, de nascença! de direito! E não depende de governo nenhum pra continuar a ser, até a morte!

Abraçaram-se, chorando.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.