sábado, 2 de junho de 2012

Millôr Fernandes/ RJ (Poesia Matemática)


Às folhas tantas
Do livro matemático
Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base,
Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo otogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela a dela
Até que se encontraram 
No Infinito.
"Quem és tu?"indagou ele
Com ânsia radical.
"Sou a soma dos quadrados dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
- O que, em aritmética, corresponde
A almas irmãs -
Primos-entre-si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Retas, curvas, círculos e linhas sinoidais.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideanas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar
Constituir um lar.
Mais que um lar,
Uma perpendicular.

Convidaram para padrinhos 
O Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Freqüentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo,
Uma Unidade. Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fração
Mais ordinária.
Mas foi então que o Einstein descobriu a Relatividade
E tudo que era expúrio passou a ser
Moralidade
Como, aliás, em qualquer 
Sociedade.


Fonte:
Jornal de Poesia

Alexandre Drayton (Domingo de chuva)


 Domingo, mais um dia como tantos outros, no frio janeiro da Cidade Luz. Dia de lavar a roupa suja, de tentar arrumar a bagunça (permanente!) da casa, de passar o pano no chão, de pensar na semana que começa. Um momento de reflexão desleixada, de estudar o atrasado, dia diferente talvez. 

É pena que a meteorologia não ajudou, empurrando todo mundo algumas horas a mais na cama. Vento, chuva, frio e tempo cinzento podem vencer a idéia de visitar um museu gratuitamente, como é o caso do primeiro domingo de cada mês. E sou capaz de apostar que muitos cederam à tentação da preguiça e, absortos neste clima envolvente, em pouco ou quase nada pensaram.

 E comigo não foi diferente. Até que a físico-química dependência de “checar“ o e-mail, fez-me vir ao tal computador. Eis-me aqui, sem sono e com o estoque de sites a visitar esgotado, tentando escrever algo que tenha sentido ao fim.

 Experimento dar uma sacudida e animada no espírito, saindo um pouco para espiar o tempo. Teve jeito não: as amigas ventania e temperatura baixa me receberam com pompa e circunstância. Sem outra opção entrei, e teimoso como sou, recomecei a teclar.

 Foi difícil não sentir o que se tenta afastar num dia como esse: a tal da cruel saudade. Palavra impar, que dizem só existir em português, chegou sem pedir licença. Entrou, puxou a cadeira e, saboreando um café amargo com Malboro ligths, pôs-se a me incomodar. Esboçando uma resistência esqueço-me dela por longos segundos, ao fim dos quais recebo um direto de direita, perdendo por nocaute.

 Numa ultima tentativa, ensaio comparar àquela do inicio, quando cheguei, essa de hoje. Queria ver se tinha amadurecido, se era mais forte, se podia vir a ser exemplo para os amigos recém-desembarcados. Uma vez mais, o gongo deu-lhe ganho de causa. Houvera de fato apenas uma mudança de nomes, pois a antiga Senhora Saudade hoje se chamava La Madame Nostalgie.

 E assim continuei a senti-la, na certeza de que uma vez mais um mundo de lembranças viria-me à mente. Pensei na família distante, nos amigos que ha’ muito não vejo, em praia, na comidinha gostosa do fundo da panela. Imaginei coisas simples, lugares comuns, mentiras infantis e os tempos de infância. Em verdade, senti-me só.

 Vi, portanto, que solidão e saudade são almas gêmeas. Velhas conhecidas de outrora, promovem incômodos e aleatórios encontros, onde tentam desafiar o sorriso e a alegria, banindo-os para longe algumas vezes. E foi justamente num desses rendez-vous casuais em que vi-me metido. Pensei poder sair de fininho, mas ao final do corredor encontrei porta fechada.

 Não existia outra alternativa, a não ser mascar feito chiclete e digerir sozinho minha angústia. Injusto seria fazer conjecturas, pois tristeza que se preze não se explica, sente-se. E caminhando por essa mesma estrada, imaginei os milhares de solitários mundo afora: habitantes de um mesmo universo, do grande consciente coletivo poeticamente chamado “la solitude”.

 Mas percebi que esta mesma solidão, inenarrável, dura e difícil, tinha outras facetas. Não era a maior de todas, pois conseguia guardar traços de beleza dentro de si. A maior solidão, na verdade, é dos quem não amam e fecham-se no absoluto vazio do nada. Solitários são aqueles que temem a ajuda mútua e que não partilham com o próximo os pequenos segundos da vida. Triste e mísero é o homem que evita sentir suas emoções, permutando solidariedade com egoísmo. A maior solidão é a dos que não acreditam e fazem de seus sentimentos algo torpe, que reflete o amargo e apaga a luz do bem-viver. Solidão real é aquela do infeliz que perdeu suas esperanças, vivendo um pesadelo constante, permeado de pseudo-angústias e cego em relação ao belo mundo ao seu redor.

 Eu, do alto dessas tolas idéias, acreditando na vida e num mundo melhor, vi-me um feliz e pequeno solitário, nada mais. Pois, como bem disse o poetinha:

 — “A fé desentope as artérias; a descrença é que dá câncer“.
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Alexandre Drayton, nascido em Fortaleza (CE),  enquanto se especializava na área médica na França, encontrava tempo, em “domingos de chuva”, para escrever crônicas sobre os acontecimentos cotidianos e, sobretudo, a saudade que se abate sobre os que vivem longe de sua pátria.

Fonte:

Sotero Silveira de Souza (O Trovador da Lira Triste) 2


É triste sentir saudade,
De você que amo tanto,
E passar a mocidade,
Sem gozar de seu encanto!

Eu quero a minha cova,
Se de mim lembrar alguém,
Que coloquem esta trova;
Morreu só sem ter um bem!

Meu barquinho pequenino,
Que perdeu-se no alto do mar,
E encontrou o seu destino,
No farol do teu olhar!

O seu braço pequenino,
Com pulseira de brilhantes,
Tem guiado o meu destino,
Por caminhos tão distantes!

Ribeirão que vi correndo,
Para as bandas do sertão,
Diga-lhe que estou morrendo,
E suplico o seu perdão!

Dizem que o amor é um hino,
No conceito universal;
Sempre houve desafino,
Neste hino nacional!

Se acabassem os abrolhos,
E os abismos do mar,
Restariam só  teus olhos,
Tão difíceis de sondar!

Sob a sombra do arvoredo,
Te veijei na noite calma;
Não te aflijas é segredo,
Já aguardei aqui na alma!

Ah! Se Deus me desse sorte,
De seguir todos os teus passos,
Eu quisera ter a morte,
No madeiro dos teus braços!

Meu bem por caridade,
Não me deixes por favor,
Como pode haver maldade,
Na corola de uma flor!

Saudade levo da vida,
Que junto a ti vivi,
Saudade minha querida,
Dos beijos que eu dei em ti!

Beijo poema encantado,
Doce, tão cheio de ardor,
Por isso és consagrado,
O áureo selo do amor!

Lábios, refúgio de amor,
Bálsamo para apaixão,
Delicados como a flor,
Em forma de coração!

Lábios fonte de carinho,
Vermelhos, cor de coral,
Sois igual a um quente ninho,
Entre as rosas de um rosal!

Ao criar Deus a mulher,
De uma costela de Adão,
Pôs uma pedra qualquer,
Em lugar do coração!

Não vou àquele dentista,
Nem que Deus do céu me mate,
Ele é muito saudosista,
Só extrai com alicate!

MInha vida de solteiro,
Foi de fato acidentada;
Trabalhava o ano inteiro,
E no fim nada tinha!

Encontrei um vagabundo,
Soluçando sem cessar,
Porque soube que o mundo,
Estava prestes a acabar!

Ganho bem no meu trabalho,
Que é útil e vital,
Sou um bamba no baralho,
Jogador profissional!

Há homens como gilete,
Que tem cortes dos dois lados;
De noite pintam o sete,
E de dia comportados!

Um médico inteligente,
Como aquele eu nunca vi,
Tem matado muita gente,
Na ponta do bisturi!

No dia em que casei,
Alguém me disse a meio tom;
Custou mas eu te enforquei;
Tu vais ver o que é bom!

Quando Deus criou o mundo,
Descansou como um qualquer;
O homem em um segundo,
Reclamou pela mulher!

Cai a chuva promissora,
Corre forte a enxurrada,
Vou casar com professora,
Para ter a vida folgada!

A crise ninguém resiste,
Do povo ninguém tem dó;
Este dito já existe,
No tempo da minha avó!

Minha vida é uma novela,
De dor e sofrimento,
Desde o dia que com ela,
Me uni no casamento!

Se porventura eu crescer,
E conseguir posição,
Voltarei para agradecer,
Quem me faz perseguição!

Vi muita gente viver,
Com orgulho e aparatos,
E que no dia de morrer,
Não levou nem sapatos!

Uma coisa que redime,
O réu dando-lhe perdão,
É quando ele faz o crime,
Defendendo o seu irmão!

Não é fácil fazer trovas,
Ainda mais ser trovador,
Descobri idéias novas,
É difícil meu senhor!

O que mais quero no mundo,
Os meus mais loucos anseios,
É repousar um segundo,
Na almofada dos teus anseios!

Vem matar a minha mágoa,
Não precisa ter vexame;
Vem aqui, meu pingo d'água,
Na verde folha de inhame!

Os teus lábios vermelinhos,
Que beijo com adoração,
Às vezes, são como espinhos,
No meu pobre coração!

Meus primeiros desenganos,
Feriram-me o coração,
Quando eu vi, aos cinco anos,
O meu pai em um caixão!

O sofrimento não basta,
Para um ser tão pobrezinho;
Oh! Como a vida é madrasta,
Para aquele orfãozinho!

Corre o rio docemente,
No seu líquido caminho,
Dentro dele, indolente,
Vai gozando o meu barquinho!

Sim, tolo é o mortal,
Que confia na mulher,
Seu veneno é fatal,
Igual a uma cobra qualquer!

É doce sentir saudades,
Das serestas madrigais,
Da infância, da mocidade,
Que não volta, nunca mais!

A farmácia, hoje em dia,
É a melhor das profissões;
Basta açúcar e água fria,
E um bocado de limões!

Relógio, meu companheiro,
Que faz tic-tac sem parar,
Paralisa o teu ponteiro,
Pro meu bem não acordar!

O trabalho, meu amigo,
Dizem que é oração,
Conversa, é um castigo,
Pelo pecado de Adão!

No jogo, como no amor,
Existe o perde e ganha;
Em um, perde-se o valor,
No outro, só vergonha!

A saudade e a tristeza,,
Andam juntas pela vida;
Uma, trazendo a incerteza,
A outra, fazendo ferida!

O trabalho é um dever,
E não quero discordar;
Porém melhor seria ser,
Passarinho pra voar!

A violeta perfumada,
Vive oculta e triste assim,
Porque é apaixonada,
Pelo cravo e o jasmim!

A flor saudade é linda,
Tão meiga de roxa cor,
Mas triste se torna ainda,
Quando é a saudade de amor!

Para uns, o amor é aventura,
Para outros, é loteria,
Para muitos é loucura,
Para mim, é grande alegria!

O amor é tão complicado,
Malicioso e enganador,
Como um espinho aguçado,
Na haste de alguma flor!

Saudade, ninguém resiste,
O seu travo de amargador!
Adeus, que palavra triste,
Para quem ama com fervor!

O homem mau, avarento,
Explora até os seus;
Por isso, que eu contento,
Com a vontade de Deus!

Meu amor, sou marinheiro,
Vivo longe, em alto mar;
No meu peito aventureiro,
O teu nome eu vou gravar!

Violão, meu companheiro,
Meu amigo sem igual,
Quem cortou meu cajueiro,
Lá no fundo do quintal!

Na hora em que me casei,
Despedi-me dos meus pais;
Do caminho acenei,
Adeus, pra nunca mais!

Por que cantas à tardinha,
Meu querido sabiá? 
Ao ouvir tua modinha,
Que saudade me dá!

Para que temer a morte,
Se ninguém pode escapar,
Talvez a gente tem sorte,
De ir para um bom lugar!

As coisas mais belas do mundo,
É o amor e a saudade;
O que marca mais profundo,
É o dom da caridade!

Tive muitos amores,
Vividos na vida ao léu,
Uns sepultados com flores,
Será que os verei no céu!

Eu vi os pombos risonhos,
Que fugiram dos pombais,
Iguais os meus lindos sonhos,
Que não voltaram jamais!

Casimiro de Abreu (Carolina) VI – Perdão!


Augusto fugiu espavorido daquela casa onde deixava um cadáver; o cadáver de Fernando, punido pela cólera do Senhor!...

E ele conviveu com esse homem durante tantos anos e chamava-lhe seu amigo!...

E a mulher que ele amara pediu-lhe perdão, confessando o seu erro e o seu arrependimento!...

Ela ainda o amava...talvez! e com esta lembrança ele sentia reviver todo o amor que lhe jurara nos seus dias felizes. Cem vezes quis voltar para trás e levar nos seus braços Carolina desfalecida, que ele reanimaria com o seu hálito abrasador, mas a cabeça andava-lhe à roda, as casas pareciam cair e as pernas tremiam-lhe. Uma febre ardente devorava-lhe o cérebro.

Uma hora depois, dois médicos contemplavam-no estendido sobre a cama. 

Erguia meio corpo, apoiava-se com os cotovelos, e espraiando os olhos desvairados, perguntava com uma voz terrível: “Onde está Carolina?” 

Depois...seus punhos cerravam-se, seus dentes rangiam e murmurando: Fernando! Fernando! caía de novo sobre o travesseiro.  Era o delírio.

À claridade das velas, aquele rosto pálido, que se debatia na cama, parecia o dum espectro agitando-se sobre um túmulo. 

À meia noite cessou-lhe a febre e um sono tranqüilo e longo o conservou deitado até às 10 da manhã. 

Apenas acordou, contra a ordem expressa dos médicos, vestiu-se e saiu. 

Quem o visse na rua diria ser um fantasma. Estava desfigurado como um cadáver; só seus olhos tinham um brilho imenso. 

Dirigia-se apressado para a casa onde se desenrolara a seus olhos o drama da véspera: queria ver Carolina. 

— Quero falar à menina Carolina, disse ele à dona da casa, apenas entrou. 

— O senhor certamente enganou-se com a casa, aqui não há nenhuma Carolina. 

— Pois ela não estava aqui ontem?

— Carolina!...não senhor.

— Se eu estava aqui quando ela desmaiou ontem à tarde!

— Ah! é verdade, mas ela chama-se Amélia. 

— Mudou de nome! disse consigo o mancebo, tinha vergonha que a conhecessem! Depois dirigindo-se à mulher: Não lhe podia falar agora? 

— Ela já cá não está. Saiu ontem mesmo quase à noite, deixando-me uma carta para entregá-la a uma pessoa que a devia vir aqui procurar ontem ou hoje. Talvez seja o senhor. Queira ter a bondade de me dizer o seu nome? 

— Augusto ***.

— Justamente. Vou já buscá-la. 

— Esperava que eu viesse ontem ou hoje e não quis que eu a visse! murmurou ele apenas a mulher saíra da sala.  Compreendo-te, Carolina; tu ainda me amas e receavas que eu te repelisse agora que estás manchada, quando te havia deixado pura. Não, não! não te repilo, porque o meu coração bate da mesma maneira que batia há quatro anos; porque para mim sempre serás a mesma Carolina virgem, inocente, que eu respeitei como irmã; porque terias de mim o perdão voluntário dessas faltas que o mundo te fez cometer. Oh! para que me separei de ti? para que fiz aquela viagem?...

E abafou com o lenço as lágrimas que lhe saltaram dos olhos. 

— Aqui está a carta, disse a mulher entrando. 

Augusto recebeu-a e desceu precipitadamente as escadas. Queria lê-la em casa, porque aí ninguém viria perturbar-lhe a sua dor. 

Meia hora depois, sentado a uma mesa, lia ele a carta de Carolina. 

“ Augusto:

“Perdão! perdão! é de joelhos que to imploro. Não me amaldiçoes; por piedade, ouve-me primeiro. Bem sei que te rasguei o coração, porque tu me amavas deveras, mas já tenho expiado de sobra o mal que te fiz. Para que me deixastes tu, para fazer aquela viagem? Antes não fosses. Chorava todas as tardes debaixo do caramanchão, por ti; chorei três meses. Um dia vi Fernando. Um dia... Perdão! perdão! foi fraqueza; manchei o corpo, mas a alma ficou pura. Não amava senão a ti. Desde esse dia a tua imagem perseguiu-me sempre. Tremia diante da minha família, tremia diante de Deus, tremia diante de tudo! Era culpada! Uma noite, enfim, seduzida por aquele homem, que prometera desposar-me, reparando a falta, deixei a casa onde nascera para nunca mais voltar. Passei essa última tarde com minha mãe, que eu abracei e beijei mil vezes. Minha pobre mãe! que nunca mais te hás-de sorrir para mim! Meu pobre pai, que nunca mais me chamarás a tua Carolina! 
“Oh! Augusto! Augusto! eu tenho sofrido muito.
“Depois, meu filho foi-me arrancado dos braços, e quando pedi a Fernando os meus dias felizes, a minha honra, as carícias de minha mãe e os afagos de meu pai... ele respondeu-me com uma gargalhada e abandonou-me.
“Para onde havia de ir? Para casa de meus pais? Eles fechariam a porta à filha indigna que lhes manchara o nome. Não tinha coragem bastante para suicidar-me...arrojei-me no abismo!...
Mas todas as noites pedia a Deus nas minhas orações, que te pudesse ver ainda uma vez antes de morrer, a ti, o único que tenho amado. Deus ouviu-me, Deus puniu Fernando. 
“Adeus! parto para longe de ti; nunca mais me verás. Não, nunca mais, porque é impossível que o coração de um homem possa amar a mulher que o traiu. Mas ao menos lembra-te que Cristo perdoou a seus algozes, perdoa-me também. Oh! sim, Augusto, perdão! perdão para
CAROLINA.”

Sim, sim, perdôo-te, exclamou o mancebo deixando cair a carta das mãos: perdôo-te, porque sinto renascer todo o amor que eu julgava extinto. Carolina! Carolina! bradou ele, erguendo-se, vem a meus braços, vem, que eu te dou todo o amor que encerra o coração de um homem. 

Meu Deus! meu Deus! dai-me a minha Carolina, que eu nunca amei outra mulher no mundo...

Continua…

Fonte:
ABREU, Casimiro de.  Carolina.  in SILVEIRA, Sousa da (org.). Obras de Casimiro de Abreu.  2ª ed.   Rio de Janeiro:  Ministério da Educação e Cultura -MEC, 1955. Texto-base digitalizado por: Fernanda Duarte, Rio de Janeiro – RJ

Eleonora Cajahyba /BA (Antologia Poética)


ODE À POESIA

 Cantei o poeta e os mais altos louvores
 Do criador de mundos ignorados,
 Que flutua em hipóteses de amores,
 Dos mais distantes mares vislumbrados.

 Não cantei da Poesia seus fulgores
 De rainha dos nobres cadenciados
 Versos de gama e gema multicores,
 Dos gregos aos romanos, decantados...

 Peço perdão, com a mente genuflexa,
 Pelo tempo perdido e indiferente
 A tão augusta musa sem rival.

 Safo quedou-se pasma, mas perplexa
 Ante tua grandeza resplandescente...
 Dos séculos serás Deusa imortal!

ESTELIONATO LITERÁRIO

 De tudo existe neste velho mundo,
 Até quem faça crônica qualquer
 Sem ter um pensamento ou idéia sequer:
 Furta o mérito alheio – o mais fecundo.

 Estelionato, crime assaz oriundo
 De todo mau caráter, faz mister
 O Escrutor denunciá-lo, e assim, requer
 A Lei contra esse engodo vil e imundo.

 Mas pula esse insensato carreirista
 No talento do mais bondoso artista,
 Posando de notável escritor...

 Assim, tem grande fama de letrista,
 Até que um dia o cínico golpista 
 É descoberto... e o santo cai do andor.

BALADA DO ONTEM E DO HOJE

 Eu já cantei o amor e o afável vento,
 A tristeza, a saudade e a comoção;
 A dor, a fria morte e o sentimento
 Desfolhei rosas rubras da paixão...

 Joguei-as lá no caos do esquecimento
 E colhi-as no enlevo da oração;
 Mas chega tão pungente o desalento
 E dói na alma e tritura o coração.

 Se acaba do passado tal tristeza
 Brilha o sol e sorri a natureza
 Chovem dourados pingos pelo chão.

 Eis a dança de dois, após a luta
 Do hoje sobre o ontem; tudo assim exulta
 A inigualável paz do coração!

A PORTA

Ao poeta Clóvis Lima

 A porta é aberta no fruir da vida.
 Porém, fechando ao mundo, vem a paz.
 E, à solitude do meu leito, traz
 Com a noite, um doce abrigo, após a lida.

 Porto seguro, firme e assim sentida
 É refúgio, se a calma satisfaz;
 Às vezes, a alma chora... chora... mas
 Chorando, é quando grita a dor sofrida.

 Na clausura, é cerrada a liberdade;
 Se abre aos amantes, gozo e amenidade,
 Se a porta bate à cara, ò dor cruel!

 Ao rico empobrecido, só saudade...
 Pois fecha a porta ao pobre com maldade.
 Nada se iguala à porta, a do amigo fiel.

O TOLO

"Les sots, depuis Adan, sont en majorité."
Delavigne

 O tolo sempre quer glória e poder
 Sem atentar no absurdo que ele sonha;
 E, por mais alto que o desejo ponha,
 Mais cresce o seu desejo de querer.

 Não vê nada sombrio... só quer ver
 A vida pela face mais risonha,
 E nem pensa que existe o desprazer,
 Que isto ser-lhe-ia a máxima vergonha.

 Esta não é uma visão sofista,
 Ao contrário, revela uma realista
 Quer, deste jeito, louva a grande sorte...

 Mas, ai do tolo! Em sua pobre vida,
 Não receia da morte a despedida
 Porque ignora, sequer, que exista a morte.

O DESERTO E A LOUCURA

 A Carvalho Filho

 Antes a poética loucura
 do que a sanidade dos medíocres.
 No seu deserto há lua cheia,
 na sua loucura há preamar.

 O seu deserto é povoado de idéias,
 de imagens belas e profundas.
 A sua loucura é a lucidez dos puros
 que vêem paisagens infinitas.

 É o conflito dos extremos
 na busca da unidade.
 É o ser finito buscando
 a infinita coerência do existir.

ENGANO E VAIDADE

A Treu

Ambos erramos. Eu, quando o deixei,
Mas sentindo a constância da saudade.
Tu, quando fiquei só e, por vaidade,
Não me perdoaste, e, livre, retomei.

Tentei debalde; nunca mais amei...
Tomei-me pária, errante, na orfandade,
Buscando uma suposta afinidade.
Ó leda fantasia que sonhei!...

Vivendo assim, cansados de sofrer:
Distantes – penso em ti e tu, em mim.
Como é triste o refúgio sem nos ver...

Este é o látego amargo de perder
O verdadeiro amor, esse festim
De dois, unidos para florescer.

TUDO E NADA

Já cantei Tudo o que senti e vislumbrei:
Mulher, homem, céu, terra, fogo e o vasto mar;
E os sentimentos – dor, saudade do luar,
O amor, a nostalgia e o mundo que sonhei.

A esperança, a bondade e as rosas que plantei
No meu jardim querido, onde fico a cismar...
Penso que esqueço e sei que estou a recordar...
E o pensamento vai e volta, se o busquei.

A vida é o sonho do nosso bem ou do mal;
Essa felicidade eterna é uma ilusão
Que acalenta o inocente em pleno vendaval.

Maior dádiva é amar a vida doce e sã.
O Tudo e o Nada em nossa mente estão!
O Hoje é o Ontem, lembrado e o Porvir do amanhã.

A CASA DA COLINA

Reflete o Rio Preto a casa da colina,
Branquinha com varanda em redor e o jardim
Com rosa perfumada e orquídeas e jasmim,
Lembrando a minha infância airosa de menina.

A baixo, corre a negra água, tal serpentina,
Fecundando o sopé do morro até o fim...
Do alto, avista-se o céu, alua e tudo assim;
E à tarde o adeus do sol à estrela vespertina.

Do meu jardim de inverno, olho sempre a paisagem
Que me fez recordar os meus amados Pais
Que a contemplavam como a esplêndida miragem.

Eles partiram... Mas ela nada mudou...
Ronda-a freqüente o triste eco dos nossos ais:
Esta saudade eterna – e o vento não levou...

A MATURIDADE

É a fase da razão e do senso maduro.
Planeja-se o amanhã e o bem que delibera
Com tal filosofia... eis o fIm da quimera,
E da esperança que só vislumbra o futuro.

O sentido se aguça e o passo é mais seguro;
Surge o equilíbrio e a paz suave que acelera
Esta maturidade amena que se espera...
Sobrevém à paixão, frio amor de Epicuro.

Mas a Mulher aos trinta, esplende a formosura
E a madureza bela, elegante e outonal,
Exibindo ainda a flor da graça e da candura.

Hosana à plenitude hígida e exuberante,
Que se mantém alegre, ardente e jovial!
É a dádiva divina -o prêmio triunfante.

Fontes: