Estamos em 1849.
Numa tarde de fevereiro, levado por toda a velocidade de seu bom cavalo, seguia um cavaleiro a estrada de Lisboa a ***, estrada onde ficava essa linda quinta com sua casa, no meio de perfumes e de verdura.
Esse cavaleiro, era Augusto.
Quando ainda de longe ele avistou a casa, seus olhos disseram é ali, seu coração indeciso, murmurava: aquela?!...
Ai! já não era a mesma quinta bela e verdejante, que ele tinha deixado na primavera! O inverno havia-a transformado horrivelmente.
Os ramos das faias e dos choupos gigantes já não se debruçavam sobre o muro. A natureza estava triste. As árvores não tinham folhas: apenas erguiam seus ramos despidos que vergavam com o vento.
Uma tristeza involuntária apoderou-se do mancebo.
Prendeu ao muro o seu cavalo coberto de suor e poeira e pôs-se a cantar com uma voz trêmula:
Ó querida, estou de volta,
Venho-te um abraço dar;
Enxuga teus lindos olhos,
Sê minha, que eu sei-te amar.
Nenhuma voz respondeu à sua copla apaixonada. Um silêncio profundo reinava nas alamedas; só os ramos das árvores se agitavam. Dir-se-ia ser um cemitério.
Augusto teve um pressentimento; sua fronte empalideceu por um instante, mas continuou repetindo:
Enxuga teus lindos olhos,
Sê minha, que eu sei-te amar.
O mesmo silêncio terrível. Só o eco repetia triste suas últimas palavras: “sê minha, que eu sei-te amar”.
Saltou o muro e alongou a vista impaciente.
Que tristeza! As alamedas estavam desertas, o jardim já não florescia, o lago já não tinha o seu cisne, a natureza já não sorria!
Foi direito ao caramanchão, ele lá estava no mesmo lugar com o seu banco de cortiça, mas a fonte que dantes murmurava parecia gemer agora!
Augusto sentou-se no banco com a cabeça encostada a uma das mãos e olhou para tudo com uma indizível tristeza.
Ai! os pássaros já não cantavam, nem a brisa brincava travessa!
Então o pranto correu-lhe livre, o seu coração dizia-lhe que chorasse.
— Foi aqui, murmurava ele, foi aqui que me despedi dela, foi aqui que prometi torná-la a ver. Meu Deus! quantas lágrimas não derramei quando atravessava o Oceano, que me separava da pátria, onde ficara a minha alma! E agora, que torno a ver a terra onde nasci, agora, que devia ver a minha Carolina, não sei por quê, sinto uma vontade imensa de chorar. Carolina! Carolina! bradou ele, vem ver o teu Augusto, vem dizer-lhe que sempre o amaste, vem dar ao desgraçado que chorou os prantos da saudade, o teu beijo de amor: e os soluços abafaram-lhe a voz no peito.
Mas o mesmo silêncio lúgubre continuou; nem uma voz, nem um som respondeu aos gemidos do amante.
Ergueu-se pálido e trêmulo e caminhou vagaroso pela alameda que ia dar ao jardim, cantando sempre com a sua voz comovida aquela copla, que tão bem exprimia os desejos do seu coração.
Chegou ao jardim e olhou. A casa tinha as portas e as janelas todas fechadas. Também estava deserta.
— Mudaram-se, disse ele, Carolina já aqui não está!
E volta pensativo para o caramanchão e parou diante da fonte.
— Onde está Carolina? perguntou ele, como se a fonte pudesse responder-lhe.
— Onde está Carolina? perguntou ele às árvores, e parecia esperar a resposta.
Mas a fonte continuava a correr e as árvores a agitar os ramos.
— Então adeus, meu caramanchão, minha fonte, meu jardim, adeus!
E Augusto saltou o muro e quis passar por diante da casa onde estivera a sua amada. Quando aí chegou, parou e pôs-se a olhar para a janela onde a tinha visto a primeira vez.
— Jesus! Meu Deus! aquele não é o senhor Augusto? dizia uma saloia, que passava por ali, a seu marido.
— Parece que é, respondeu o saloio.
Ao ouvir o seu nome, Augusto olhou para o lado donde partiram as vozes e reconheceu-os. Depois de os cumprimentar perguntou logo:
— Diga-me, o senhor Ferraz já aqui não mora?
— Há que tempos! mudaram-se pelo Natal.
— Sabe para onde?
— Isso é que não sei; tanto ele como a senhora estavam muito tristes, e tinham razão, aqueles desgostos não são para menos.
— Então eles tiveram algum desgosto? perguntou Augusto, que pressentia a morte de Carolina.
— E muito grande. Sua filha, a senhora D. Carolina, fugiu...
— Carolina fugiu? perguntou Augusto com uma voz que assustou a pobre mulher.
— Sim senhor, respondeu ela, foi no meado do mês de dezembro. Custa a creditar, que uma menina tão boa deixasse sua mãe. E daí pode ser que fosse roubada, quem sabe!
Augusto já nada ouvia; estava louco.
— Oh meu Deus! meu Deus! murmurou ele.
— Jesus! que é isso, senhor Augusto? perguntou a mulher vendo-lhe a extrema palidez e o chamejar sinistro dos olhos.
— E eu que a amava tanto! continuou ele em voz baixa.
A saloia compreendeu-o e afastou-se murmurando:
— Pobre rapaz! o que lhe fui eu dizer!
Augusto ficou ainda algum tempo imóvel com os olhos turvos e o peito arquejante, mas depois erguei a fronte de repente e bradou com uma explosão terrível de dor:
— Ah! mulher, mulher! tu me mataste!
Desprendeu seu cavalo, montou e desapareceu na estrada. Ainda olhou de longe uma vez para aquela quinta deserta e triste, que lhe inspirava tantas recordações...
Continua…
Fonte:
ABREU, Casimiro de. Carolina. in SILVEIRA, Sousa da (org.). Obras de Casimiro de Abreu. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura -MEC, 1955. Texto-base digitalizado por: Fernanda Duarte, Rio de Janeiro – RJ
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