quarta-feira, 30 de maio de 2012

Casimiro de Abreu (Carolina) III – A Volta


Estamos em 1849. 

Numa tarde de fevereiro, levado por toda a velocidade de seu bom cavalo, seguia um cavaleiro a estrada de Lisboa a ***, estrada onde ficava essa linda quinta com sua casa, no meio de perfumes e de verdura.

Esse cavaleiro, era Augusto.

Quando ainda de longe ele avistou a casa, seus olhos disseram é ali, seu coração indeciso, murmurava: aquela?!...

Ai! já não era a mesma quinta bela e verdejante, que ele tinha deixado na primavera! O inverno havia-a transformado horrivelmente.

Os ramos das faias e dos choupos gigantes já não se debruçavam sobre o muro. A natureza estava triste. As árvores não tinham folhas: apenas erguiam seus ramos despidos que vergavam com o vento. 

Uma tristeza involuntária apoderou-se do mancebo. 

Prendeu ao muro o seu cavalo coberto de suor e poeira e pôs-se a cantar com uma voz trêmula: 

Ó querida, estou de volta,
Venho-te um abraço dar;
Enxuga teus lindos olhos,
Sê minha, que eu sei-te amar.

Nenhuma voz respondeu à sua copla apaixonada. Um silêncio profundo reinava nas alamedas; só os ramos das árvores se agitavam. Dir-se-ia ser um cemitério. 

Augusto teve um pressentimento; sua fronte empalideceu por um instante, mas continuou repetindo: 

Enxuga teus lindos olhos,
Sê minha, que eu sei-te amar. 

O mesmo silêncio terrível. Só o eco repetia triste suas últimas palavras: “sê minha, que eu sei-te amar”.

Saltou o muro e alongou a vista impaciente.

Que tristeza! As alamedas estavam desertas, o jardim já não florescia, o lago já não tinha o seu cisne, a natureza já não sorria!

Foi direito ao caramanchão, ele lá estava no mesmo lugar com o seu banco de cortiça, mas a fonte que dantes murmurava parecia gemer agora!

Augusto sentou-se no banco com a cabeça encostada a uma das mãos e olhou para tudo com uma indizível tristeza. 

Ai! os pássaros já não cantavam, nem a brisa brincava travessa!

Então o pranto correu-lhe livre, o seu coração dizia-lhe que chorasse. 

— Foi aqui, murmurava ele, foi aqui que me despedi dela, foi aqui que prometi torná-la a ver. Meu Deus! quantas lágrimas não derramei quando atravessava o Oceano, que me separava da pátria, onde ficara a minha alma! E agora, que torno a ver a terra onde nasci, agora, que devia ver a minha Carolina, não sei por quê, sinto uma vontade imensa de chorar. Carolina! Carolina! bradou ele, vem ver o teu Augusto, vem dizer-lhe que sempre o amaste, vem dar ao desgraçado que chorou os prantos da saudade, o teu beijo de amor: e os soluços abafaram-lhe a voz no peito. 

Mas o mesmo silêncio lúgubre continuou; nem uma voz, nem um som respondeu aos gemidos do amante. 

Ergueu-se pálido e trêmulo e caminhou vagaroso pela alameda que ia dar ao jardim, cantando sempre com a sua voz comovida aquela copla, que tão bem exprimia os desejos do seu coração. 

Chegou ao jardim e olhou. A casa tinha as portas e as janelas todas fechadas. Também estava deserta. 

— Mudaram-se, disse ele, Carolina já aqui não está!

E volta pensativo para o caramanchão  e parou diante da fonte. 

— Onde está Carolina? perguntou ele, como se a fonte pudesse responder-lhe. 

— Onde está Carolina? perguntou ele às árvores, e parecia esperar a resposta. 

Mas a fonte continuava a correr e as árvores a agitar os ramos. 

— Então adeus, meu caramanchão, minha fonte, meu jardim, adeus!

E Augusto saltou o muro e quis passar por diante da casa onde estivera a sua amada. Quando aí chegou, parou e pôs-se a olhar para a janela onde a tinha visto a primeira vez. 

— Jesus! Meu Deus! aquele não é o senhor Augusto? dizia uma saloia, que passava por ali, a seu marido. 

— Parece que é, respondeu o saloio. 

Ao ouvir o seu nome, Augusto olhou para o lado donde partiram as vozes e reconheceu-os. Depois de os cumprimentar perguntou logo:

— Diga-me, o senhor Ferraz já aqui não mora?

— Há que tempos! mudaram-se pelo Natal. 

— Sabe para onde?

— Isso é que não sei; tanto ele como a senhora estavam muito tristes, e tinham razão, aqueles desgostos não são para menos. 

— Então eles tiveram algum desgosto? perguntou Augusto, que pressentia a morte de Carolina.

— E muito grande. Sua filha, a senhora D. Carolina, fugiu...

— Carolina fugiu? perguntou Augusto com uma voz que assustou a pobre mulher.

— Sim senhor, respondeu ela, foi no meado do mês de dezembro. Custa a creditar, que uma menina tão boa deixasse sua mãe. E daí pode ser que fosse roubada, quem sabe!

Augusto já nada ouvia; estava louco.

— Oh meu Deus! meu Deus! murmurou ele.

— Jesus! que é isso, senhor Augusto? perguntou a mulher vendo-lhe a extrema palidez e o chamejar sinistro dos olhos. 

— E eu que a amava tanto! continuou ele em voz baixa. 

A saloia compreendeu-o e afastou-se murmurando:

— Pobre rapaz! o que lhe fui eu dizer!

Augusto ficou ainda algum tempo imóvel com os olhos turvos e o peito arquejante, mas depois erguei a fronte de repente e bradou com uma explosão terrível de dor:

— Ah! mulher, mulher! tu me mataste! 

Desprendeu seu cavalo, montou e desapareceu na estrada. Ainda olhou de longe uma vez para aquela quinta deserta e triste, que lhe inspirava tantas recordações...

Continua…

Fonte:
ABREU, Casimiro de.  Carolina.  in SILVEIRA, Sousa da (org.). Obras de Casimiro de Abreu.  2ª ed.   Rio de Janeiro:  Ministério da Educação e Cultura -MEC, 1955. Texto-base digitalizado por: Fernanda Duarte, Rio de Janeiro – RJ

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