segunda-feira, 28 de maio de 2012

João Anzanello Carrascoza (Apenas uma Ponte)

Ilustração: Milton Trajano
Chegara, enfim, o último dia de aula. Havia sido uma longa  trajetória até ali. Mas, agora, o professor observava com  ternura os alunos à sua frente, cada um voltado para seu  caderno, fazendo a lição que colocaria ponto final no ano  letivo. Então, agarrado à calmaria daquela hora, ele se  recordou do primeiro encontro com o grupo. Todos o miravam com  curiosidade, ansiosos por apanhar, como uma fruta, o  conhecimento que imaginavam lhe pertencia. Nem tinham idéia de  que aprenderiam por si mesmos, e que ele, mestre, não era a  árvore da sabedoria, mas apenas uma ponte que os levaria à sua  copa frondosa. Naquele dia, experimentara outra vez a emoção de  se deparar com uma nova turma, e o que o motivava a ensinar,  com tanta generosidade, era justamente o desafio de enfrentar  esse mistério. Sim, uma ponte. Uma ponte por onde transitassem os sonhos daquelas crianças, o movimento incessante de seus  desejos, o ir e vir de suas dúvidas, o vaivém do aprendizado em  constante algaravia. 

 Lembrou-se da dificuldade da Julinha nas operações de  multiplicar. O resultado correto era um território que ela nem  sempre conseguia atingir. Mas, agora, a garota estava lá,  segura da direção que deveria tomar. Ele fizera a ponte. O que  dizer da distância entre o José e o Augusto no início do ano,  ambos se temendo em silêncio, deixando de desfrutar da aventura  de uma grande amizade? Com paciência, ele os unira. Desde  então, não se desgrudavam. Podia vê-los dali, de sua mesa, um  ao lado do outro, concentrados em fazer a tarefa. Já a Maria  Sílvia, dona de uma letra redondinha, ainda há pouco lhe dera  um sorriso. Antes, contudo, vivia irritada, a letra sem apuro,  só garranchos. Fizera a ponte para ela. Mateus, à sua frente,  detestava Ciências e fugia das aulas no laboratório. Talvez porque só via dificuldade na travessia e não as maravilhas que o esperavam no outro extremo. O professor estendera-lhe a mão e o conduzira, até que, subitamente, ele se tornara o melhor aluno naquela matéria. Tinha também a Alessandra, tão silenciosa e tímida. Ia bem nos primeiros meses e, depois, o rendimento caíra. Ele descobrira que os pais dela viviam em conflito. Alertara-os para que dessem mais afeto à filha, e eis que ela florescera, voltando a ser uma boa aluna. 

 E lá estava, nas últimas fileiras, o Luís Fábio. Notara suas limitações e construíra uma ponte especial para ele, mas o menino não conseguira atravessá-la. Era assim: para alguns, bastavam uns passos; para outros, o percurso se encompridava. O professor suspirou. Fizera o seu melhor. Lembrou-se das palavras de Guimarães Rosa: "Ensinar é, de repente, aprender". 

 Sim, aprendera muito com seus alunos. Inclusive aprendera sobre si mesmo. Aquelas crianças haviam, igualmente, ligado pontos em sua vida. Agora, seguiriam novos rumos. Haveriam de encontrar outras pontes para superar os abismos do caminho. Ele permaneceria ali, pronto para levar uma nova classe até a outra margem. E o tempo, como um viaduto, haveria de conduzi-lo à emoção desse novo mistério.

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