domingo, 31 de outubro de 2021

Solange Colombara (Portfólio de Spinas) 7

 

Silmar Böhrer (Croniquinha) – 35 –

Belo instante junto à natureza, olho para cima, contemplo o horizonte e observo as vizinhanças. Sinto-me assim contagiado por este início de tarde mirífica, grandiosa, panda de luz.

De todos os cantos parece brotar inspiração - do azul do céu, do canto dos  pássaros, da claridade do dia.

Do azul do céu vem a harmonia que há em mim; do canto dos pássaros, a música que anda pelos ares; da claridade do dia, a visão mais ampla paa os olhos.

Duas pombas passam em voo rasante, um tico-tico chilreia seu solilóquio alegre, um eucalipto sacode os galhos levemente, suavemente, gostosamente, impulsionado pela aura fresquinha que navega no espaço.

Fonte:
Texto enviado pelo autor.

II Concurso de Trovas de Irati/PR (Trovas Premiadas)

 
Homenagem à trovadora Mafalda de Sotti Lopes

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Âmbito Nacional / Internacional
VETERANOS

Tema: Constelação (L/F)

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1º lugar
Cipriano Ferreira Gomes
São Paulo/SP

Éramos dois inocentes...
duas estrelas no chão...
Deus com as nossas sementes
fez uma constelação.
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2º lugar
Antonio Colavite Filho
Santos/SP

Tal qual a constelação,
de uma forma bem discreta,
minhas "Três Marias" são
minha esposa, a filha e a neta!!!
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3º lugar
Antonio de Oliveira
Rio Claro/SP

Minhas mãos buscando as tuas...
E eu, vivendo assim, sem tê-las,
sou um planeta sem luas,
constelação sem estrelas!
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4º lugar
Márcia Jaber
Juiz de Fora/MG  

Noite escura, de céu limpo,
de constelações ornada,
é qual mina de garimpo
de diamantes cravejada.
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5º lugar
Alba Helena Corrêa
Niterói/RJ  

Vates mortos, são estrelas:
formam, pois, constelações!
Lá, no céu, podemos vê-las,
refletindo inspirações!
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5º lugar
Lúcia Edwiges Narbot Ermetice (Lu Narbot)
Campinas/SP

A constelação brilhante
do nosso perene amor,
nem mesmo por um instante
perdeu seu brilho e fulgor.

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MENÇÃO HONROSA (ordem alfabética)
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Antonio Francisco Pereira
Belo Horizonte/MG

Teus olhos, como diamantes,
tão bonitos eles são,
que parecem mais brilhantes
que qualquer constelação.
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Fernando Antônio Belino
Sete Lagoas/MG

O céu, divina aquarela,
desperta a imaginação,
lendas e mitos revela,  
em cada constelação.
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Geraldo Trombin
Americana/SP

A minha saga não finda!
Na constelação de brilhos
dos meus olhos falta ainda
o dos que não tive: filhos!
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Gilvan Carneiro da Silva
São Gonçalo/RJ

Numa harmonia de afins
que há entre os projetos Seus,
Constelações são jardins
no grande quintal de Deus...
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Jaqueline Machado
Cachoeira do Sul/RS

A constelação vigente
no brilho do teu olhar,
lembrou-me a doce nascente
sonhando alcançar o mar.
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Paulo Cezar Tórtora
Rio de Janeiro/RJ

Nas constelações silentes
o pulsar longe e sozinho,
são os círios reluzentes
de Deus, mostrando o caminho.
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Romilton Faria
Juiz de Fora/MG

Saudoso em minha varanda,
mirando a constelação,
vêm as noites de ciranda,
apertar meu coração.

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MENÇÃO ESPECIAL (ordem alfabética)
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Maria Dulce de Lima Pessoa
Tabira/PE

Eu amava aquela estrela
de tantos sonhos... em vão.
Hoje, triste, choro ao vê-la...
luz de outra constelação.
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Renata Paccola
São Paulo/SP

Há quem se sinta um cometa,
mas nada somos senão
um pontinho num planeta
da imensa constelação!

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Âmbito: Nacional /Internacional
VETERANOS

Tema: Nuvem (Humorística)

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1º lugar
Paulo Cezar Tórtora
Rio de Janeiro/RJ

A comissária de bordo,
ela, sim, um “avião”,
pôs-me nas nuvens, concordo,
e estou ainda sem chão.
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2º lugar
Mariângela Tavares
São Gonçalo/RJ

Feito nuvem passageira
é o amor de um ancião.
Sai fumaça da chaleira...
Mas nada de ebulição!
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3º lugar
Jerson Lima de Brito
 Porto Velho/RO

- Já foste às nuvens comigo...
A moça: - Não me recordo!
E ele, cutucando o amigo:
- Sou comissário de bordo!
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4º lugar
Magnus Kelly
São Gonçalo do Amarante/RN

- “Vou invadir tua praia”!
Disse o vovô, empolgado...
E o broto de mini-saia:
- Teu dia nasceu nublado!
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5º lugar
Edweine Loureiro
Saitama/Japão

“Sai das nuvens, ó menino!”
era criticado em casa.
Saiu, sim, de modo fino:
tornou-se chefe da NASA.

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Nacional/Internacional
NOVO TROVADOR

Tema: Constelação (L/F)

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1º lugar
Jorge Ribeiro Marques
Rio de Janeiro/RJ

Todas as constelações,
Aquário, Câncer, Cepheus,
encantam os corações
por serem obras de Deus.
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2º lugar
Maria Natael Alves Pego
São Paulo/SP

Quando surge no infinito
divina constelação,
é o que há de mais bonito
na suprema criação.
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2º lugar
Neusa Aparecida Moreira Maia
Angra dos Reis/RJ

Que bela constelação -
nosso Cruzeiro do Sul!
À noite, orientação
pra quem singra o mar azul.
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3º lugar
Mônica Monnerat
Santos/SP

Uma estrela tão sozinha,
no céu sem constelação,
parece até que adivinha
como está meu coração...
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4º lugar
Antônio Rosélio Nunes Pacheco
Nova Itaperuna/RJ

No céu vejo o cinturão
e as formosas Três Marias,
formando a constelação
na aurora desses meus dias.
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5º lugar
Fabiano Fechine Torres Clemente
Natal/RN

Em minha face, de açoite,
à luz da constelação,
raja o bafejo da noite,
que aquece o meu coração.
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5º lugar
Francisco Maia dos Santos (Prof. Maia)
Caicó/RN

Nessa imensidão infinda,
vejo uma constelação;
contendo uma estrela linda
que lembra a tua feição.

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MENÇÃO HONROSA
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Aparecida Militão Kugelmeier
Campinas/SP

Na constelação celeste
tem estrelas a brilhar,
mas a luz que te reveste
vai sempre me iluminar.

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Nacional / Internacional
NOVO TROVADOR

Tema: Nuvem (Humorística)

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1º lugar
Júlio Augusto Gurgel Alves
 Fortaleza/CE

O seu noivo prometia:
- às nuvens, vou te levar!
Lua de mel... grande dia!
De avião foram voar.

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Estadual (somente Paraná)
VETERANOS

Tema: Estrela (L/F)

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1º lugar
Maria Lúcia Daloce
Bandeirantes

Não sou astro iluminado,
sou uma estrela e, também,
tenho luz própria e um cuidado:
- não roubo a luz... de ninguém!
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2º lugar
Antônio Augusto Assis (A. A. de Assis)
Maringá

Tantas estrelas em cena
- um espetáculo lindo.
E, todavia, que pena,
tão pouca gente assistindo...
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3º lugar
Maria Helena Oliveira Costa
Ponta Grossa

Minha fé transpõe espaços
e em Deus procuro mantê-la:
que sempre guie meus passos
a eterna luz d'Essa Estrela!
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4º lugar
Silvia Maria Svereda
Irati

São tantas... milhões de estrelas
isto ainda me inquieta.
Se o mundo pudesse vê-las,
com os olhos de um poeta!
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5º lugar
Lucília Alzira Trindade Decarli
Bandeirantes

Não se enverga o trovador
que, do amor, canta a alegria;
no sonhar rejeita a dor,
faz da trova a estrela-guia!

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MENÇÃO HONROSA (ordem alfabética)
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Albano Bracht
Toledo

Nesta vida peregrina
o amor guia os passos meus.
Uma estrela me ilumina.
O nome da estrela é Deus.
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Carla Alves da Silva
Curitiba

Amor, agora distante,
do passado faz açoite,
qual estrela, tão brilhante,
vagando só pela noite ...
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Célia Terezinha Neves Vieira
 Irati

Quem tem Deus no coração,
lume da sabedoria,
jamais teme escuridão
pois tem sua estrela guia.

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Estadual (Paraná)
VETERANO

Tema: Nuvem (Humorística)

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1º lugar
Antonio Augusto Assis (A. A. de Assis)
Maringá

A nuvem no céu se move,
tromba em outra... um barulhão.
Por mais que trovar eu trove,
jamais trovejo um trovão.

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Estadual (Paraná)
NOVO TROVADOR

Tema: Estrela

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 1º lugar   
Sinclair Pozza Casemiro
Campo Mourão

Flagrar a boca da noite
beijando o céu, sem pudor,
faz com que a estrela se afoite
e brilhe com mais fulgor!
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2º lugar
Maria Silvana Prado
Imbituva

Quando pelas luas novas,
cai da noite o negro véu,
as estrelas são as trovas,
que Deus escreve no céu.
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3º lugar
Davi Pereira
Toledo

Ontem era um fogaréu,
clareando minha estrada;
hoje ela vive no céu,
numa estrela eternizada.

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Estadual (Paraná)
NOVO TROVADOR  

Tema: Nuvem (Humorística)

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1º lugar
Vinicius Fonseca
Londrina

Uma nuvem cinza olhei
vem vindo uma chuva aí!  
Guarda chuva não levei
e no pé d'água eu caí.
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Fonte:
Resultado enviado por A. A. de Assis

Carlos Drummond de Andrade (Trem de Contos) 40 e 41


PODER DA ETIMOLOGIA


Quando o professor Nemésio explicou a Cacilda que o nome dela, segundo Zambaldi, quer dizer “a que combate com lança”, a moça ficou triste. É tão doce esse nome (experimentem pronunciá-lo) e tão meiga a sua portadora, que a revelação lhe pareceu a mais injusta possível.

O pior é que os irmãos começaram a brincar com ela de maneira provocadora, dizendo a cada instante: “Cacilda, onde você escondeu sua lança?”. Ou: “O amolador de facas está na esquina da rua Júlio de Castilhos. Leve a lança para ele afiar, Cacilda”.

De aveludada que era, Cacilda tornou-se suscetível e mesmo agressiva. O namorado rompeu com ela, dizendo que tinha medo de uma lanceira polonesa. E Cacilda quedou, fera e tristinha, em seu quarto onde havia gravuras de guerras napoleônicas.

A família procurou o professor Nemésio que, benevolamente, se dispôs a pacificar a moça: “Minha filha, isso de etimologia é muito discutível, cada uma diz uma coisa, e esse tal de Zambaldi já foi desacreditado por pesquisas recentes. O verdadeiro significado do nome de uma pessoa é o que lhe confere a pessoa que o tem. Você é tão encantadora que seu nome só pode significar você mesma, isto é, encantos mil”.

Cacilda acreditou e voltou ao estado gentil, mas sucede que, de vez em quando…
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RICK E A GIRAFA

No Jardim Zoológico, neste domingo azul, a girafa olha do alto para as crianças, e parece convidá-las a um passeio no dorso. Há uma escada perto, e se for encostada ao animal, Ricardo (Rick é o seu apelido) poderá chegar até lá.

O garoto mede a distância que vai do chão ao lombo, e julga-se em condições de vencê-la. Uma vez lá em cima, cavalgando o pescoço, e segurando-lhe os chifres, pedirá à girafa, depois de umas voltas pelo Jardim, que o leve por aí, percorrendo o mundo.

Presa há tanto tempo, a girafa há de estar ansiosa de liberdade. Não será difícil transpor a cerca. Ela espera que Rick lhe proponha a aventura. Ninguém se atreverá a travar-lhe os passos, e Rick vai dirigi-la nos rumos que aprendeu no atlas escolar.

O problema é descer de vez em quando, para Rick alimentar-se de biscoitos, fazer necessidades e dormir. Camarada, a girafa irá se deitando aos poucos, primeiro dobrando devagar as pernas, depois se inclinando lentamente para o lado, e afinal arriando com suavidade a carga infantil.

Mas para subir outra vez, como se arranjaria ele? Escada não haverá. Mesmo deitada, a girafa é difícil de subir. A imaginação não lhe fornece recurso plausível. O sonho frustrou-se. Rick levanta o braço direito e, com a mão espalmada em gesto de adeus à girafa que gentilmente o convidara, esclarece:

— Muito obrigado. Fica para outra ocasião, quando eu crescer.

Fonte:
Carlos Drummond de Andrade. Contos plausíveis. Publicado em 1981.

Minha Estante de Livros (Cleveland Amory e Charles Dickens)


O GATO QUE VEIO PARA O NATAL


O gato que veio para o Natal é o primeiro livro de uma trilogia escrita por Cleveland Amory, um autor americano que escreveu extensivamente sobre os direitos dos animais. Amory relata seu resgate e adoção do Urso Polar, um gato que ele apresentará em dois livros futuros. Foi publicado pela primeira vez pela Little, Brown and Company em 1987 e depois em brochura pela Penguin Books em 1988.

Amory, escritor e ativista dos direitos dos animais, encontra um gato de rua enquanto caminhava por um beco em uma véspera de Natal com neve. Amory leva o gato para seu apartamento e o aclimata a viver dentro de casa. Polar Bear (Urso Polar) conhece vários amigos famosos e conhecidos de Amory, incluindo Cary Grant , Walter Cronkite e George C. Scott . Amory também detalha seu trabalho com os direitos dos animais na época.

Kirkus Reviews escreveu que o livro era "totalmente encantador e bem-humorado, e um tesouro para qualquer um que já foi 'propriedade de um gato'."

A Publishers Weekly escreveu: "Amory oferece uma divertida, embora preciosa, recriação de seu primeiro ano com o Urso Polar (seu relato sobre a seleção de um nome leva 20 páginas)."

Mary Daniels, do Chicago Tribune, escreveu: "Amory faz transições perfeitas entre o que poderia ser material não relacionado, usando Urso Polar como um subtema ao longo do livro."

A primeira edição ficou em 8º lugar na lista de bestsellers do New York Times em 1987, 20 semanas na lista. A edição de brochura de 1988 foi a 3ª posição na lista de bestsellers do New York Times em 1988. Alcançou a 1ª posição, permanecendo naquele lugar por 5 semanas. O New York Times o listou como o quinto livro de não-ficção mais vendido de 1988.
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UM CONTO DE NATAL

Um Conto de Natal é um livro da autoria de Charles Dickens. Com várias traduções em Português, sendo uma delas Um Conto de Natal, o livro foi escrito em menos de um mês originalmente para pagar dívidas, mas tornou-se um dos maiores clássicos natalinos de todos os tempos e uma das mais célebres obras de Dickens. O autor descreveu-o como o seu "livrinho de Natal", e foi primeiramente publicado em 1843, com ilustrações de John Leech. A história transformou-se instantaneamente num sucesso, vendendo mais de seis mil cópias apenas numa semana.

Ebenezer Scrooge é um homem avarento que abomina a época natalícia. Trabalha num escritório em Londres com Bob Cratchit, o seu pobre, mas feliz empregado, pai de quatro filhos, com um carinho especial pelo frágil Pequeno Tim, que tem problemas nas pernas. Numa véspera de Natal Scrooge recebe a visita do seu ex-sócio Jacob Marley, morto há sete anos naquele mesmo dia. Marley diz que o seu espírito não pode descansar em paz, já que não foi bom nem generoso em vida, mas que Scrooge tem uma chance, e que três espíritos o visitarão.

O primeiro espírito chega, um ser com uma luz que emana da sua cabeça e um apagador de velas debaixo do braço à guisa de chapéu. Este é o Espírito dos Natais Passados, que leva Scrooge de volta no tempo e mostra a sua adolescência e o início da sua vida adulta, quando Scrooge ainda amava o Natal. Triste com as lembranças, Scrooge enfia o chapéu na cabeça do espírito, ocultando a luz. O espírito desaparece deixando Scrooge de volta ao seu quarto.

O segundo espírito, o do Natal do Presente, é um gigante risonho com uma coroa de azevinho e uma tocha na mão. Ele mostra a Scrooge as celebrações do presente, incluindo a humilde comemoração natalícia dos Cratchit, onde vê que, apesar de pobre, a família do seu empregado é muito feliz e unida. A tocha na mão do espírito tem a utilidade de dar um sabor especial à ceia daqueles que fossem "contemplados" com a sua luz. No fim da viagem, o espírito revela sob o seu manto duas crianças de caras terríveis, a Ignorância e a Miséria, e pede que os homens tenham cuidado com elas. Depois disso vai-se embora.

O terceiro espírito, o dos Natais Futuros, apresenta-se como uma figura alta envolta num traje negro que oculta o seu rosto, deixando apenas uma mão aparente. O espírito não diz nada, mas aponta, e mostra a Scrooge a sua morte solitária, sem amigos.

Após a visita dos três espíritos, Scrooge amanhece como um outro homem. Passa a amar o espírito de Natal, e a ser generoso com os que precisam, e a ajudar o seu empregado Bob Cratchit, tornando-se um segundo pai para Pequeno Tim. Diz-se que ninguém celebrava o Natal com mais entusiasmo que ele.

Adaptações

O mais conhecido personagem inspirado nesta obra é o Tio Patinhas, da Disney, que em inglês se chama Scrooge McDuck. Patinhas toma o nome do personagem que lhe deu nome na versão animada Mickey's Christmas Carol. O Pica-Pau também tem um tio chamado Scrooge.

Em 1992, Os Muppets adaptaram a obra no filme The Muppet Christmas Carol, que estrelou Michael Caine no papel de Scrooge e Caco, o Sapo no papel de Bob Cratchit. Gonzo aparece no papel do próprio Charles Dickens, que é o narrador do filme.

Em 1994, Os Flintstones adaptaram a obra no filme A Flintstones Christmas Carol, com Fred Flintstone no papel de Ebenezer Scrooge e Barney Rubble no papel de Bob Cratchit.

Uma outra homenagem às obras de Natal de Dickens é pouco conhecida. À luz da morte do escritor, uma menina que vendia flores às portas de um teatro de Londres falou: "Morreu Dickens? E o Papai Noel, será que morreu também?"

Outra referência feita é no filme O Expresso Polar, com Tom Hanks. Nele o protagonista que não acredita em Natal passa por um vagão no trem atulhado de bonecos. Uma marionete de nariz aquilino apresenta-se como Ebenezer Scrooge e o chama de cético.

Houve também em 1988 uma releitura moderna em Scrooged, onde Bill Murray interpreta o presidente arrogante e sádico, de uma grande empresa de comunicação que é visitado na véspera de natal pelos três fantasmas do natal.

O filme Barbie em a Canção de Natal é considerada a versão feminina de A Christmas Carol. A história fala de Eden Starling, uma cantora famosa (porém egoísta) que odeia o Natal. Há personagens que são análogos: Eden Starling (Ebenezer Scrooge), Catherine Britto (Bob Cratchit) e Marie (Jacob Marley).

Existe também uma versão dos Looney Tunes em que Patolino é dono de uma empresa e odeia a época natalícia.

Em 2009, a Disney lança o filme em 3D, Os Fantasmas de Scrooge, no qual Jim Carrey interpreta Scrooge e todos os fantasmas.

No dia 25 de dezembro de 2010, foi ao ar um especial de Natal da série britânica Doctor Who, que levou o nome "A Christmas Carol", adaptando mais uma vez o conto de natal de Charles Dickens.

E em 2007 um filme de natal do Dennis, o Pimentinha, chamado "O Natal do Pimentinha" (A Dennis the Menace Christmas) onde o Sr. Wilson (Robert Wagner) fala que odeia tudo e todos no Natal, e acaba ignorando sua esposa Martha Wilson (Louise Fletcher), que gosta do Natal, e estragando o Natal de Denis (Maxwell Perry Cotton). Na noite de Natal, é visitado pelo fantasma do natal passado, do presente e do futuro, representado por Bob, o Anjo do Natal (Godfrey Danchimah). Ao vislumbrar o futuro onde Denis é um velho avarento que odeia tudo no Natal, Wilson então volta ao presente e vai se retratar com Martha, a família de Denis e tentar salvar o Natal.

No final de 2011, a DC Comics lançou a graphic novel Batman: Noel. Escrita e desenhada por Lee Bermejo, Batman: Noel mostra o Cavaleiro das Trevas como um amargurado e sem-esperanças Scrooge, Mulher Gato como o fantasma do passado, Superman como o fantasma do presente, e Coringa como o fantasma do futuro.

Fontes:
https://stringfixer.com/pt/The_Cat_Who_Came_for_Christmas
https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Christmas_Carol

sábado, 30 de outubro de 2021

Varal de Trovas n. 531

 

Júlia Lopes de Almeida (Incógnita)

– Ah! O senhor conheceu-a?

– De vista.

– Devia ter sido feia!

– Não! Era formosa.

– Que nome tinha, sabe?

– Ignoro... Faz-me o favor do seu fogo?

– Pois não...

Houve uma pausa e, enquanto um dos interlocutores, o que perguntava, examinava com interesse o interior do Necrotério, o outro ia acendendo muito pachorrentamente o seu cigarro.

Em frente deles, sobre o mármore branco de uma das quatro mesas, estava o cadáver de uma mulher.

A claridade frouxa de um dia de inverno entrava pela larga porta e pelas janelas, indo cair sobre o corpo seminu da infeliz, a envolvê-la, como uma grande mortalha transparente.

Tudo triste, tudo cor da neve, tudo frio!

O vento entrava, cortante como uma lâmina bem afiada. No seu nicho, sobre fundo azul, a Virgem da Piedade, sustendo nos joelhos o corpo inerte do Cristo morto, evocava, como um exemplo de profunda agonia, a sua grande dor.

– Infeliz, dizia um dos espectadores, encostado ao umbral, olhando para aquele pavoroso espetáculo, numa fixidez de animal magnetizado.

O cadáver estava inchado pela absorção da agua e já manchado da gangrena. Os cabelos enovelados empastavam-se sobre as clavículas, numas madeixas pretas, curtas, ásperas, sujas de areia e de partículas de algas. Os olhos, entreabertos, pareciam, na sua névoa sinistra e glacial, feitos da água que os havia apagado e que se tivesse coagulado em dois grandes glóbulos gelatinosos e opacos. Expressão medonha, feita pelo terror da onda e pelo terror da morte!

O diálogo continuava:

– O senhor diz que ela não era feia! No entanto parece horrorosa! Como a morte transfigura... como a morte é má!

O outro sorriu-se, respondendo:

– Se estivesse, como eu, habituado a olhar para isto, já se não impressionaria assim. Vá-se embora... está pálido e não convém abusar de uma impressão nervosa.

Separaram-se. E o sujeito que conhecera a desgraçada morta, noutros tempos, em que ela era talvez alegre, jovial, risonha, ia andando despreocupadamente, a bambolear a grossa bengala de castão de prata, e a pensar no almoço do hotel, nas ostras frescas e no vinho leve. O outro, ao contrário, tremia, sentia as palmas das mãos úmidas e gélidas, como se as tivesse passado sobre a carne mole da defunta; olhava com raiva para o mar azul franjado de espuma alvinitente e semeado aqui e além por umas velas brancas como asas de cisne; sentia um cheiro de cadáver e de ácido fênico em tudo, na rua, no próprio fato, no chapéu, no lenço, nas mãos...

Todo esse dia foi para ele de sofrimento; numa obsessão doentia, cismava continuamente nessa morta desconhecida, por quem talvez tivesse passado e a quem talvez tivesse podido socorrer ou aconselhar.

A sua responsabilidade de ente humano ofendia-se àquela revelação de padecimento sem consolo. A felicidade depende às vezes de tão pouco!

Querendo reagir, procurou em vão entreter o espírito, arejá-lo com outras ideias. Afinal, não fora por causa dele que aquela mulher se matara! Depois, não lia ele todas as manhãs, já sem abalo à força do costume, tantas notícias de crimes, tão dolorosas revelações nos jornais?

Por que haveria agora este fato de o impressionar mais que tantos outros? Então, só porque os seus olhos tinham visto aquele corpo imundo, já a sua impassibilidade dava lugar a uma tamanha vibração de nervos?

Devia pensar em outra coisa; queria-o, mas era vão o esforço, à resistência acudia a curiosidade:

– Coitada, por que se teria matado?

Desgraças de amor, naturalmente. Uma paixão; sim, devia ter sido isso mesmo... Quando voltasse para casa passaria outra vez pelo Necrotério... esperava já lá não encontrar o cadáver, sabe-lo reconhecido pela família, tirado dali, daquela exposição ignominiosa.

Àquela hora alguém choraria a seu lado, já haveria flores sobre o seu corpo imundo, e o perdão da família sobre o seu crime nefasto!

Ainda dois dias antes ela devia ter sido bonita, fresca, louçã... Naturalmente aquele por quem ela se matou foi procurá-la, e, humilhado, arrependido, irá acompanhá-la ao cemitério, fazendo-lhe um enterro bonito e espargindo violetas sobre o seu túmulo, com saudosa ternura.

Talvez a matasse uma traição... o amante casaria... o marido amaria outra... a vergonha... o ciúme... Fosse o que fosse, ela estava morta, desfigurada, repugnante, e não lhe podia sair do pensamento, numa obstinação cruel.

E as mãos, e o fato e o lenço cheiravam a defunto e a ácido fênico!

Saiu de novo; girou pelas ruas; aqui um amigo alegre detinha-o, contando-lhe uma anedota picaresca. Os outros riam, ele sorria apenas, condescendentemente, pensando nuns olhos vítreos, parados, e num corpo hirto e manchado de escuro. Entrou num botequim: muita confusão. Gente e música estrepitosa. Mas todas aquelas pessoas, quase todas homens, pareceram-lhe tétricas, sombrias, pensativas. Nem uma gargalhada! Nem um dito de espírito faiscando no ar; bulha de passos, tilintar de vidros e metais, unicamente rostos amarelados, olhos fixos no café das xícaras, e ao fundo uns músicos, vibrando os seus instrumentos com desespero, num interesse de ganho mercenário.

Achou estúpido aquilo e saiu.

Mas na rua, como em casa, sentia o mesmo cheiro e o mesmo desgosto. Sempre aquela mesa de mármore branca, inclinada, a Virgem no seu nicho de madeira, e o cadáver da afogada, com os olhos abertos e as algas mirradas presas no cabelo.

Entretanto o outro, que a conhecera, já nem pensava nela...

E no espírito do impressionado rapaz voltava de vez em quando a impertinente pergunta:

– Por que se mataria... por quê?...

Voltando para casa, parou de novo no Necrotério. A morta já lá não estava. Sobre a mesa que ela tinha ocupado, agora vazia, o sol punha, através dos vidros vermelhos e amarelos das janelas, umas rosas de luz cor de ouro e cor de sangue. Trouxe-lhe aquilo algum sossego, mas não se coibiu de perguntar com interesse ao guarda se a infeliz fora, enfim, reclamada pela família.

– Não, senhor, respondeu-lhe o guarda com amabilidade, ajeitando no pescoço um lenço de lã azul.

– Então ninguém a reconheceu?!

– Ninguém.

– Ninguém a procurou?

– Ninguém.

– Coitada!

O guarda espantou-se de ver brilharem de comoção os olhos daquele importuno perguntador, que no entanto ia dizendo:

– Não teve a desventurada pai, irmão ou amigo que lhe viesse dizer um último adeus! Que coisa triste...

– Ninguém, repetiu o guarda; foi daqui para o cemitério.

– Antes a tivessem deixado no mar...

– Sim, mais valia...

O rapaz não respondeu; olhou outra vez para a mesa, onde tremulavam as rosas de sol, e seguiu.

Talvez se tivesse matado por ser sozinha. A mulher é uma eterna criança, precisa sempre que a conduzam pela mão... Sem lar, sem amor, sem amparo e sem conselhos, como poderia resistir e viver neste mundo? Faltou-lhe talvez o esposo... um amigo dedicado... talvez a mãe... um braço salvador, enfim, que a sustivesse em um outro nível.

Pobre rapariga! fascinou-a naturalmente a cor misteriosa do oceano, ora verde, ora azul... Supôs poder dormir entre os corais e as conchas nacaradas, enquanto as ondas rolassem sobre o seu corpo, marulhosamente!

Seria louca? É possível. Um pouco de espuma aparecendo e sumindo-se assemelhar-se-ia a um aceno que a chamasse...

Incógnita! passando pela terra sem deixar ninho nem vestígio, afundou-se no mar repentinamente, com todas as suas desilusões, ou quem sabe? Com todas as suas esperanças!

Talvez que ele, ele mesmo, já a tivesse visto e beijado!

Esta ideia fê-lo estremecer. Viu fixarem-se nos seus os olhos terríveis e impenetráveis da morta, nublados de cinzento, a cor sombria e muda.

Interrogou as suas reminiscências. E a voz do guarda pareceu dizer-lhe de novo, ao ouvido:

– Ninguém...

No caminho percorrido da sua vida, não a vira nunca. Antes assim! E ele respirou.

Por que se obstinava em pensar nela? Que estranho poder era esse, prendendo-o de tal forma a uma desconhecida? Vira-a pela primeira vez já morta, já putrefata e asquerosa. Acabou-se. A vida é bem pouca coisa para que a gente se ocupe tanto dela!...

Entrando em casa, a esposa correu a recebê-lo com a filhinha; ele beijou-as com ternura, demoradamente, sentindo como nunca a alegria inefável de proteger alguém.

Depois contou-lhes tudo, a sua dolorosa impressão, diante da mesa inclinada do Necrotério, onde um cadáver de mulher mostrava o rosto amarelo e os cabelos ásperos, sujos de areia e de algas secas.

Acabada a narração, a esposa tinha os olhos rasos d’água, e a vozinha débil da filha murmurava:

– Logo à noite, mamãe há de me fazer rezar pela afogada, sim?

Fonte:
Júlia Lopes de Almeida. Ânsia eterna. 2. ed. rev. Brasília : Senado Federal, 2020. Publicada originalmente em 1903.

Francisca Júlia (Cristais Poéticos) 5


AS DUAS IRMÃS


Vem a primeira a fala-lhe em segredo:
“Amiga, vê, (nem sei como isto conte!)
Como correm as águas desta fonte:
Tal corre a vida, e acaba-se tão cedo!

Ama, pois!” A segunda, em cuja fronte
Brilha um raio de luz, murmura, a medo,
Apontando-lhe o chão: “Este é o degredo
Perpétuo e atroz do teu amor insonte.

Contudo, espera.” E somem-se a Esperança
E a Saudade. E ela fica, como doida,
A olhar o rastro dessas deusas belas...

E ela fica esperando-as.... Cansa, cansa
De esperá-las assim, a vida toda,
Sem jamais receber notícias delas!
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BALADA

“Eu vou partir. A noite já desmaia.
Parto; por isso, cândida princesa,
Venho beijar as mãos à Vossa Alteza...
Botes e naus esperam-me na praia.

Tenho, decerto, de sofrer azares,
Dores sofrer; mas hei de, com denodo,
Pugnas vencer e conquistar de todo
Terras estranhas e remotos mares...

Não sei se morrerei; mas se, princesa,
Através de procelas e de escolhos
A negra morte me fechar os olhos,
Eu morrerei pensando em Vossa alteza.

Mas, forçoso é partir; adeus, senhora...”
“Conde, adeus...” murmurou, baixando a fronte.
A noite desmaiava. No horizonte
Já se movia o séquito da aurora.

E ela, a princesa, imersa num letargo,
Ficou olhando a vastidão do oceano.
Rompeu, enfim, o sol. E, a todo o pano,
A aventureira nau se fez ao largo...
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ESTELA

Como dormes feliz, anjo adorado,
Nesse teu berço, assim... tu, cujos olhos
Nunca viram misérias nem abrolhos,
Mas as vêm somente o maternal cuidado.

O anjo da guarda está velando ao lado
Do teu berço, a sorrir.... Os teus antolhos
São, por enquanto, os ondulantes folhos
Do teu bercinho de ébano lavrado.

Dorme, que enquanto o querubim de vela,
Ele te envolve nessa etérea veste
Que usam no céu os querubins, Estela;

Dorme; o teu sono cheio de fulgores
De certo eleva-te a um país celeste
Todo cheio de pássaros e flores.
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INCONSOLÁVEIS

Almas, por que chorais, se ninguém vos responde?
Almas, por quê? Deixai as lágrimas! Empós*
Do ideal correi, correi a longes plagas, onde
Não exista ninguém que escarneça de vós.

Lançai o vosso olhar a longínquas paragens,
Bem distantes daqui, cheias de ideais risonhos,
Onde as aves do amor, sacudindo as plumagens,
Passem cantando ao longe a música dos sonhos...

A longes plagas onde estas misérias todas
Não consigam deixar o mínimo sinal;
Paragens onde, em meio às delirantes bodas
Dos sonhos e do amor, exulte e cante o Ideal...

Mas não, almas! Soltai a vossa queixa triste;
Contai ao mundo inteiro a vossa mágoa justa;
Essa terra de ideal, ó almas, não existe;
Inventei-a somente, e inventá-la não custa.

Pobres almas, lançai em torno a vossa vista:
Sempre haveis de encontrar essa miséria atroz.
Almas, chorai, que embora esse país exista,
Nele há de haver alguém que escarneça de vós.
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* Empós = (antigo) após, depois.
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NO BOUDOIR*

Aguarda o jovem conde há quase uma hora,
Mudo, a agradável ocasião de vê-la.
A um canto de boudoir, altiva e bela,
Está sentada a viscondessa Aurora.

Entra e murmura: “Que brilhante estrela!
Vou confessar-lhe o meu amor agora...”
Depois, aproximando-se: “Senhora,
Tenho muito prazer em conhecê-la...”

E segreda baixinho: “Viscondessa,
É por Vossa Excelência que deliro...”
E ela, soerguendo, tímida, a cabeça,

Fita-o, sorrindo, nada lhe responde...
Solta apenas um trêmulo suspiro
Ao ver os olhos do formoso conde.
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*Boudoir = é uma sala de estar ou salão de beleza privado para mulheres em um alojamento mobiliado, geralmente entre a sala de jantar e o quarto, mas também pode se referir a um quarto privado feminino.

Fonte:
Francisca Júlia da Silva. Mármores. Brasília: Senado Feder4al, 2020. Publicado originalmente em 1895. .

Contos e Lendas do Paraná - 5 (Jaguariaíva: Assombração da antiga Serrinha)


Esta história eu ouvi no norte do Paraná, quando ainda era menino. Meu avô materno Miguel Oleranos estava relatando a outra pessoa e eu memorizei a história. Antigamente, a estrada que dava acesso a Jaguariaíva saía pela Chácara Santa Luíza, hoje propriedade da família Nanni, em frente ao Bairro Samambaia, e subia aquela serra das pedras, até ao topo do morro. Passava pela fazenda de Juviniano Carneiro Lobo, hoje Fazenda Santa Rosa, até o pouso dos tropeiros, no lugar conhecido como Cinco Pinheiros, fazenda de João Pivovar.

Esta propriedade pertenceu antigamente à falecida mãe do Átila Xavier, hoje sede da Fazenda Rincão da Serra. E ia em frente, rumo ao bairro Pesqueiro e Fazenda Diamantina.

Um cidadão antigo, das bandas do Barreiro, do qual não me lembro o nome, vinha seguindo para Jaguariaíva a cavalo e lhe disseram que embaixo da serra, depois que anoitecia, era mal-assombrado.

Este se exaltou e disse:

– Qual o quê? Eu não tenho medo! Pois vou a Jaguariaíva e volto de noite de lá, com meu revólver na cintura, no lombo do meu cavalo. Não tenho medo de nada.

E veio para a cidade. Ficou até tarde e altas horas da noite pegou seu destino, rumo ao Barreiro.

Quando passou o portão que dava acesso às terras do então Coronel Antônio Roque de Lima, percebeu que alguém montou na garupa de seu cavalo. O animal, sentindo o peso no lombo, diminuiu seus passos e o valente começou a sentir arrepios. Mas ainda tinha que subir a serra. Olhava de relance sobre seus ombros e via que havia alguém na garupa. Ao terminar de subir a serra, o pobre animal estava arquejando e ao chegar no próximo portão, que dava acesso à fazenda do Pivovar, o cidadão invisível desmontou.

O pobre animal sentindo-se aliviado, deu um arranco pra frente. Nosso amigo, que era valente, passou o portão aliviado, desmontou e foi apertar os arreios que estavam todos frouxos. Foi-se embora e nunca mais passou à noite por essa estrada.

Passaram-se muitos anos. Um dia o senhor Valfrido Wallis me contou que o senhor Luís Cava foi pescar no rio da serrinha, rio Sabiá, e levou uma cortadeira para tirar minhocas. Ao voltar, altas horas da noite, sei lá, onze horas ou meia-noite, ao abrir o portão, quando levou a mão na tronqueira* recebeu um tapa no rosto. E o gringo, do estopim bastante curto, disse, no escuro, a quem lhe bateu:

– Bate outra vez, seu filho da...!!!. Tomou outro tapa, tornou a repetir a ofensa, levou outro “pé de ouvido”. Na quarta vez o camarada se materializou e disse:

– Embaixo do mourão, isto é, da tronqueira do portão, existe um pote de moedas de ouro enterrado! Tire que é teu.

Foi só tirar do lugar a tronqueira, estava lá embaixo o pote.

Dizem que dali em diante sumiu a assombração do local, pois a alma penada se salvou. Sei lá. Nunca estive no inferno, nem no céu pra averiguar!!!
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* Tronqueira – mourão no qual se prende a tranca do portão.


Fonte:
Renato Augusto Carneiro Jr (coordenador). Lendas e Contos Populares do Paraná. Curitiba : Secretaria de Estado da Cultura , 2005.

Minha Estante de Livros (“Ao correr da pena”, de José de Alencar)


O que é hoje denominado crônica tem seu surgimento datado do ano de 1836, pela publicação do primeiro número do jornal francês La Presse, de Émile de Girardin, no espaço de rodapé da página do jornal, designado como feuilleton, entre nós denominado folhetim.
 
As relações entre a literatura e o jornalismo foram intensas no Brasil do século XIX. Escritores como José de Alencar e Machado de Assis não construíram sua reputação intelectual e literária apenas com os romances que escreveram, mas também com os textos que estamparam nos jornais do Rio de Janeiro.
 
Ao correr da pena, do escritor brasileiro José de Alencar, publicado em 1874 pela editora Typografia Allemã em São Paulo. A obra é uma reunião dos folhetins publicados por Alencar no jornal Correio Mercantil entre 3 de setembro de 1854 e 8 de julho de 1855, e no Diário do Rio de Janeiro, de 7 de outubro a 25 de novembro desse mesmo ano.
 
Sobre os temas preferenciais e as experiências exigidas de um cronista do Segundo Império, escreveu Brito Broca o seguinte, como tentativa de explicar a pequena produção de Alencar nesse gênero: "condição essencial para ser um bom folhetinista na época era frequentar os salões, os teatros e as galerias da Câmara e do Senado. Os folhetins giravam frequentemente em torno de três assuntos que polarizavam o interesse e as atenções da sociedade brasileira do Segundo Reinado: o mundanismo (bailes, festas, recepções), a vida teatral (principalmente os espetáculos líricos) e a política (a eterna torcida provocada pelo revezamento dos partidos e a queda dos ministérios)".
 
Aos vinte e cinco anos, em setembro de 1854, ele publicou o primeiro folhetim da série "Ao correr da pena", no Correio Mercantil. Dez meses depois, o prestígio conquistado abriu-lhe as portas do Diário do Rio de Janeiro, no qual continuou por algum tempo o trabalho de folhetinista.
 
Alencar testemunhou as transformações da sociedade e escreveu, com entusiasmo, sobre o progresso e as mudanças na fisionomia da cidade do Rio de Janeiro. Os folhetins escritos eram abrangentes, abordavam fatos políticos e econômicos e redesenhavam a cidade do Rio de Janeiro com os primeiros traços de progresso capitalista.
 
O folhetim, espécie de texto-avô da crônica dos nossos dias, tinha como regra fundamental comentar os principais acontecimentos da semana. Por esse lado, era essencialmente jornalístico. Mas, como devia ser escrito com leveza e graça, favorecia também o exercício da literatura. Alencar soube como ninguém harmonizar esses dois aspectos. Seus folhetins são um documento histórico de inegável valor literário sobre o Rio de Janeiro de meados do século XIX.

Fontes:
Wikipedia
Amazon
UNESP

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Versejando 84


Ademar Macedo, poeta, trovador, cordelista, nasceu em 1951, em Santana do Matos/RN e faleceu em 2013, em Natal/RN.

Durante muitos anos ele enviava nos nossos emails logo que amanhecia o dia suas Mensagens Poéticas, compostas de: Uma trova de Ademar; Uma trova nacional; Uma trova potiguar; Uma trova premiada; …E suas trovas ficaram; Uma poesia; Soneto do dia.

Fonte da pintura do amanhecer: Pinterest

Dorothy Jansson Moretti (Vivendo um Sonho)

Durante toda a minha infância e boa parte da juventude, ao observar aquelas velhas casas do Cruzeiro, eu me punha a romancear: Quem teria vivido nelas? Quantas gerações as haveriam habitado? Teria havido escravos? Como seriam as pessoas?

Tanta curiosidade, e nunca fiz perguntas a quem pudesse me informar. No dia do aniversário da cidade, entretanto, a convite da escritora Dona Eunice, tive a grata surpresa e o enorme prazer de adentrar uma delas, o que me pareceu — pelo romance e mistério com que eu sempre as envolvi — uma aventura maravilhosa!

É a chácara que fica à esquerda do caminho velho do Cruzeiro, hoje transformado em bela e larga avenida. Incrível eu ignorar durante tanto tempo que esse fora o lar dos Tatit, e que eles haviam quase todos nascido ali!

Eu queria ir a p[e, fanática que sou por boas caminhadas, mas Beth e Tamara fizeram questão de levar-me de carro, dizendo que depois eu poderia voltar a pé.

Dona Eunice e Seu João estavam me esperando. Já de chegada eu me senti vivendo um sonho encantado. Que lugar! Que jardim! Que paineira! Que casa!... Eu não sabia o que mais admirasse. Minha imaginação começou fertilmente a trabalhar. E fomentada pelos relatos minuciosos de ambos... como foi longe!

Levaram-me a todos os recantos, e eu só tinha exclamações de admiração.

O pomar, plantado por Seu João, é lindo e muito grande, estendendo-se até o Córrego dos Tatit. Há uma variedade de árvores frutíferas, dentre as quais uma de que eu nem mais me lembrava. Ele perguntou-me:

"Você conhece esta? Garanto que nunca ouviu falar… é um jambeiro".

Como não haveria de conhecer? Tínhamos um no fundo do quintal, na divisa com a Prudente de Morais... que era um tormento! O dia inteiro batiam palmas à nossa porta ou tocavam a campainha. Moleques, naturalmente.

Minha mãe ia atender.

"A senhora me dá um jambo?"

Papai encheu-se daquilo, e como a árvore estivesse muito grande, já misturando a copa com a da ameixeira e incomodando os vizinhos... o pobre jambeiro teve de ser sacrificado. Nunca mais vi um jambo em minha vida. E agora ali, diante dos meus olhos, um igualzinho!

Seu João contou que o jambeiro estivera muito doente e que somente à custa de pacientes cuidados seus, conseguira sobreviver.

A casa conserva, com algumas alterações exigidas pelo conforto, os elementos principais com que foi construída. Batentes, portas, trincos, janelas... tudo evoca um tempo que eu desejara ter vivido... poético, poético...

O galpão, cheio de velhos arreios, máquinas antigas, carrocinhas, rodas, paiolzinho de milho atopetado, pilão, máquina de fazer garapa... tudo isso rendeu-me totalmente, completando o romance em minha imaginação.

E a hospitalidade dos donos, o cafezinho servido na velha sala, nós três sentados, e eu tendo à vista um quadro natural em cada porta ou janela, os gansos chapinhando alegremente a água do pequeno tanque... reportei-me aos fascinantes contos de fazenda do velho Lobato... sonhando... sonhando.

Acordei somente no momento de ir embora. Despedi-me do amável casal sumamente agradecida pela oportunidade, e encantada com o carinho que ambos devotam à velha chácara da família, procurando preservar-lhe tanto quanto possível as características originais. Ali se dá — literalmente — uma "volta às raízes".

Retornei a pé, curtindo as belezas do caminho, o córrego, o campo, as casas, as ruas, o novo panorama com o prédio de andares, e o Fórum novo, parcialmente coberto de hera... Se eu antes já era "vidrada" naquela paisagem... depois dessa visita nunca mais vou conseguir tirá-la da imaginação.

(Tribuna de Itararé— 25/10/1989)

Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Instantâneos. São Paulo: Dialeto, 2012.
Livro enviado pela escritora.

Luiz Damo (Trovas do Sul) XVIII

Águas claras, cristalinas,
ou turvas em profusão,
alimentam as turbinas
pela força da vazão.
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Aguerrido, forte e bravo,
seja todo o brasileiro,
jamais venha ser escravo
da cobiça e do dinheiro.
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À indústria tão resoluta
não tem tarefas banais,
'transforma a matéria bruta
em produtos usuais'.
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À janela o olhar perpassa
vendo um cenário incomum,
se fechada ou sem vidraça
não se vê cenário algum.
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Consolai todo o que chora
e com quem canta, exultai!
Não tem dia, não tem hora
pra partir... Perseverai!
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Meu sonho pode não ser
qual uma flor no jardim,
mas dele ascende o viver
florescendo a vida em mim.
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Nas plantações da existência
cresce o trigo e cresce o joio,
temos que agir com prudência
tendo firme o pé de apoio.
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Na vida nem sempre temos,
tudo o quanto desejamos,
mas com trabalho podemos,
alcançar o que almejamos.
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Ninguém transite na vida
sem deixar algum sinal,
ou mensagem a ser lida
do começo até o final.
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Nos canteiros desta vida
se uma roseira cresceu,
deve ser sempre mantida
no lugar que era só seu.
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Num sepultamento, alguém
chora lágrimas de dor,
pois morre um pouco também,
frente a quem deu tanto amor.
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O aluno na formatura
se enche de satisfação,
mas não vê aquela futura
depender da execução.
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O mal espalha a semente
do joio em lugar do trigo,
o homem que não for prudente
cai nos laços do inimigo.
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O mosquito, tão pequeno,
tem grande poder de ação,
gerando com seu 'veneno'
indigesta infestação.
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O mundo pertence aos vivos
e aos mortos a luz divina,
que Deus nos conserve altivos
sendo à fé quem ilumina.
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O rosto do Deus-humano
quando ferido sangrava,
impresso, ficou no pano,
que Verônica o secava.
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Para o produto chegar
pelo caminho normal,
ao comércio, cabe dar,
o seu destino final.
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Pelas janelas do bem
nossas virtudes são vistas,
possam ser luzes também
para as almas altruístas.
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Pobre raposa enroscada
se faz morta astutamente,
para fugir da emboscada
numa morte só aparente.
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Primeiras horas do dia
a mesa toda arrumada,
um café gera energia
no limiar da jornada.
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Que o potencial do saber
produza conhecimentos!
Fonte de onde irão beber
nossos filhos, tão sedentos!
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São tantos esconderijos
que o réptil se refugia,
alguns por serem mais rijos
quer de noite, quer de dia.
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Somente atravesse a rua,
num local muito agitado,
se a preferência for sua
mesmo assim, tenha cuidado!
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Surgindo, o sol nos comove
de manhã com luz radiante,
mas é a terra quem se move,
ao redor do sol brilhante.
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Toda a música desvela
um toque sentimental,
em qualquer língua revela
seu valor universal.
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Toda estrela dá suporte
pigmentando o firmamento,
faz o homem se sentir forte
nas noites de isolamento.
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Todo centavo ofertado
é tão pouco, vais dizer!
Mas para o necessitado
muito bem pode fazer.

Fonte:
Luiz Damo. A Trova Literária nas Páginas do Sul. Caxias do Sul/RS: Palotti, 2014.
Livro enviado pelo autor.

Raul Pompéia (Rogério, o rude)

E um velho apareceu. Muito velho; os cabelos brancos, franjas encacheadas desciam-lhe aos ombros, tão brancos, tão realmente prata, que todo o ouro do dia nascente não conseguia dourar. Perdia-se sobre aquele inverno, todo o esforço de um sol pujante de primavera.

— Vens, talvez ao meu apelo? Ninguém me pode valer. Queixo-me do passado irrevogável que me preparou esta vida de amarguras. Não há remédio.

— Nada desejo, entretanto, para mim. Meu filho são as minhas aspirações e o infeliz, tão moço, é já um condenado. Eu o quisera iluminado e a escola o repeliu. Cresceu-lhe pelos à beira da testa como orelhas de onagro e eu lhe quisera um perfil de medalha. Indico-lhe a cidade, o caminho largo do sucesso e o selvagem reclama o campo, o campo. Quisera vê-lo calcando aos pés o galanteio das princesas, tapete de corações!... e vou surpreendê-lo a desabotoar amor às virtudes campônias cheirando a estrume e a feno...

— Tranquiliza-te. Teu filho está grande. Mas é preciso que me ouças. Deixa cair a foice; o trabalho é a escravidão. Míseros, aqueles que se escravizam à gleba. O pedreiro acumula a alvenaria, sobrepondo custosamente as lascas de rocha; edifica o fundamento e o esqueleto da muralha. Vem o pintor e encobre a valia de todo aquele trabalho com a ligeira camada das tintas. E o arquiteto vem e debuxa a linha aristocrática do arabesco, que é como uma inscrição em que se recomenda ao futuro e à glória. E o estatuário sobre o monumento do pintor e do arquiteto apóia uma grande estátua, asas de bronze abertas para o céu, como um anjo insolente de gênio, prestes a escapar-se para a apoteose. Quem vai lembrar-se, diante desta grandeza, do obscuro operário da muralha? O pedreiro trabalha; é o servo; os outros triunfam. Triunfar é fabricar aparências. O melhor pedestal da nossa vitória é o despeito da concorrência. A evidência fere o despeito com um deslumbramento. Fabrica a evidência e verás.

"Nada me perguntes. Bem sei do que digo. Sou muito velho. Chamam-me zombando: o Experiência, e eu me chamo Século. Sou filho do Tempo e vou... meu destino é ir. Os dias são os meus irmãos; passam por mim, conheço-lhes o sorriso. Toma. Este é o cofre dos meus recursos. Retira a mão, cheia quanto precisares. Tudo terás para teu filho. O condão misterioso da caixa guarda expedientes contados pelos teus desejos. Tudo terá teu filho. Será grande, iluminado, poderoso. Vencerá distâncias sociais e altitudes de prestígio. Fidalgo? É pouco. Príncipe? Pouco. Monarca? Ainda pouco. Ele será Papa! Chamar-se-a Leão."

E o velho extinguiu-se numa evasão de sonho, desfeito em névoa, em nada, como uma forma de vapores no espaço, deixando apenas por momentos a impressão lúcida das alvas barbas, como a lembrança de um meteoro.

"Fabrica a evidência e verás, dissera o velho, fabrica e evidencia. Mas é incrível! A alma latente do mundo não se revela assim... mas este cofre é real, é positivo. Uma ilusão palpável?! E o que será então a realidade? Abramos-o e ensaiemos."

Aberto o cofre, foi como um derramamento de Paraíso. Expandiu-se no ambiente uma sensação de ventura que chegou até às flores. Os pedúnculos dobraram-se vencidos, ternos da morbidez lânguida do ar.

— Que meu filho apareça.

E mal fora este desejo enunciado, que surgiu em pessoa Rogério, o rude, olhos oblíquos de selvagem, pelos fartos à beira da testa, como orelhas de onagro:

— Que me quereis, pai?

— Que sejas nutrido...

E ali mesmo, a olhos vistos Rogério inchou como um balão, arredondou-se de plástica; exibiu-se às ambições paternas, bochechudo como um sopro de Éolo, alteadas as protuberâncias da carne em polpas de ádipe, avançando e ostensivo o umbigo em próspero ventre de Sileno jovem.

— Que sejas belo.

E no mesmo instante, sobre a gorda prosperidade de Rogério, abriram-se as rosas da formosura. Esvaíram-se os pelos do onagro; o olhar oblíquo do selvagem endireitou-se em franca perpendicular, temperada de atrevimento. Fossem lá reconhecê-lo dentro daquela frescura macia de cores e de carnes, esgaravatar-lhe a minguadíssima parcela de boçalidade agreste que lhe servia de alma, nos interstícios da ironia daquele sorriso de bailarina petulante.

— Que detestes convictamente o campo e todas as suas tentações.

E no coração de Rogério nasceu de súbito estranho mal-estar, a febre dos predestinados; espécie de saudade absurda de coisas desconhecidas, grandes ruas, vastas praças, tumulto e movimento durante o dia, luz e festas durante a noite; sede de viagens e fome de aventuras, avidez intensa por grandes tentativas e maiores êxitos. Apagou-se a memória dos primeiros anos, a meninice de poldro, a adolescência de bode farto. Fugiu-lhe de vez o aferradíssimo apego aos idílios do estrume e dos fenos.

"Parte, meu filho, e vai pelo mundo. Grande hás de ser, iluminado e poderoso. Fidalgo? É pouco. Príncipe? Pouco. Monarca? Ainda pouco. Tu serás Papa! Chamar-te-ás Leão. Parte!"

E tantas vezes abriu-se o cofre dos recursos que, Rogério, o rude, subiu ao trono pontifical.

Mordei-vos, despeitados! Invejosos, imitadores e plagiários, basbaques das honrarias que levais a vida olhando para o alto, impotentes de todas as categorias, e de todas as ambições, mordei-vos! Ele triunfou. Entronizou-se no superlativo da pose. Tudo que se arma na terra de brocardo e ouro, tudo ele foi; hoje, é Papa e chama-se Leão. Dobrai o joelho; beijai-lhe as pegadas, que cada prego de seu calçado grava no chão um selo de santidade. O favor de um só dos seus olhares exalta-nos e nos enche com a munificência de Assuerus. Que se há de fazer ao homem a quem El-Rei quer honrar? Ele olha e basta. Aquele olhar veste-nos do linho real, e, sobre opulentos jaezes de um corcel altivo, passeia-nos através dos aplausos de uma capital em delírio.

Roma é o cenário do seu triunfo, a herdeira universal do esplendor artístico das idades, do aparato ostentoso da humana vaidade no passado, metrópole arrogante de todas as ênfases do catolicismo, orgulhosa da glória dinástica das próprias tradições.

Lá está.

Diante, arrojam-se os cardeais, fazendo agitar-se em mar de sangue a multidão dos ombros em cabeções vermelhos. Mais baixo, no escuro, a massa miserável de uma população prostrada. Dessa humilhação e dessa sombra, eleva-se apenas, medroso ainda assim de se elevar, um murmúrio de prece. Ao redor do trono, sob o docel, vistosa homenagem da Arte, imagens que passam com a expressão celestial dos rostos de Fra Angelico, visões da capela Sixtina, academias funambulescas que se contorcem, acrobatas do terror, que se despenham de toda a altura do céu e da Fé - povoando o espaço de aspectos contraditórios em grandiosa desordem, enquanto vibra e avulta, solene na cúpula enorme, a música dos êxtases de Santa Cecília.

E ele no centro, Rogério, hoje Leão, nutrido e belo, em seda branca da cor das transfigurações, sob a tiara de ouro, pasmado de se ver tão grande, mal avistando ao longe, na multidão, o pai que o adora de baixo, acaçapado e satisfeito!

Até que um dia, notando-se-lhe espantosa imobilidade, como se pela magia transformadora das grandezas, acabasse por se consubstanciar o entronizado com o trono, alguém ousado subiu até a eminência a verificar...

Levantaram-lhe a tiara como uma tampa, e viram, maravilha! E viram, no fundo, seco, mirrado e reduzido...

Rogério, o rude, morrera havia muito, dentro daquela armadura de esplendor e de aparência, da nostalgia dos seus campos, represália terrível da boçalidade ludibriada.

Fonte:
Raul Pompéia. Contos. Núcleo de Pesquisas em Informática, 
Literatura e Linguística da UFSC.

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

A. A. de Assis (Saudade em Trovas) n. 13: Adelmar Tavares

 


Newton Sampaio (Trem de subúrbio)

Calixto interrompe a discussão, enterra o chapéu na cabeça, cai no mundo. Esbarra nos homens que passam.

O bonde apinhado também esbarra nele. Por um triz teria os pés esmagados.

Procura um cigarro. No bolso não há cigarros.

Procura o relógio. O relógio mostra o ponteiro pequeno bem em cima do número 3. Chega à estaçãozinha. Só o tempo de entrar e o trem sair.

O maquinário rodando lhe dá o gosto longínquo de desaparecimento, de evasão.

Evasão... Longo tempo lhe dança no cérebro, o termo. Evasão...

Fugir da vida...

Mas a vida florescia em tudo, feito milagre permanente. Florescia na paisagem se mexendo sem parar. E no cheiro da máquina vomitando fumaça. E na promiscuidade do vagão, — do vagão cheio de gente se abanando, de cores se exibindo, de perfumes baratos se misturando como os donos.

Ao lado, volumosa ruiva tem os quadris maltratados pela cinta apertadíssima. Perto da ruiva, um velhote percorre as letras de um vago pasquim suburbano. O velhote lê. Mas não fala. Quem fala toda a vida é aquele rapaz de bigode lustroso. Transmite, ao companheiro, imaginárias peripécias do último jogo de futebol.

O companheiro guarda um interesse imenso na história. Não é como a moça de boina azul que não dispensa atenção a nada.

Ela é bonita, está no segundo banco, e olha, e olha.

No mundo existem milhares de moças — de boininha azul ou sem boina — que fazem a mesma coisa. Que têm esse jeito triste, distante. Que espiam silenciosamente. Com vontade de segurar nas mãos aquilo que corre do lado de lá das janelas. Mas as janelas têm vidraças que separam o corpo das moças dos apelos que correm e se sucedem.

É cheia de vidraças, a vida das moças. Por isso há moças de boina espiando, tristinhas. Espiando com olhos parecidos com os de Calixto.

Os olhos de Calixto estão vermelhos e molhados. Por causa de uma faísca impertinente. A faísca obriga-o a esfregar as pálpebras, muitas vezes. Esfrega, esfrega. A ruiva pensa que o rapaz havia chorado. Será que as matronas gordas pensam coisas exatas? Gravíssimo é o problema, cidadãos!

Apesar do problema, o garoto louro do primeiro banco continua chupando o seu caramelo. E se sujando também. Até o fim. Depois, a mãe limpa o rostinho dele. Como agradecimento, o garoto começa a fazer travessuras. Salta no corredor. O trem dá uma sacudidela violenta, e o teria fatalmente derrubado se a moça de boina não o tivesse amparado em tempo.

Cresce um rebuliço. A mãe fica muito pálida, o rapaz de bigode lustroso acha graça, o velhote interrompe a leitura. E a senhorita guarda o menino. Passa-lhe a mão na cabecinha.

— Como se chama?

— Roaldo.

— Quantos anos tem?

A mãe intervém.

— Já fez três. Foi no último agosto.

— Crescidinho, não?

— E ladino! — completa o orgulho materno.

O cabelo do menino tem a cor do sol. Desse sol que atravessa a vidraça e a deixa intacta. Mas a senhorita do segundo banco não tem mais esses pensamentos. Porque uma criança loura quase sempre resolve o silêncio das moças de boina...

Calixto, infelizmente, não se lembra disso. Continua a meditar em torno da discussão com a noiva. Enquanto o trenzinho corre, corre. Vomitando fumaça como um demônio.
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Newton Sampaio foi um médico, ensaísta, escritor e jornalista brasileiro, considerado um dos mais importantes contistas paranaenses sendo o precursor do conto urbano moderno.

O adolescente Newton Sampaio transferiu residência em 1925, saindo da pequena Tomazina para estudar no Ginásio Paranaense, em Curitiba, e precocemente, passou a lecionar nesta instituição, além de colaborar para alguns jornais da capital paranaense, principalmente o "O Dia". Ao ser admitido na Faculdade Fluminense de Medicina, transferiu-se para a cidade de Niterói. Após formado em Medicina, permanece na capital do país, porém, com a saúde bastante abalada, retornou a Curitiba e em seguida internou-se em um sanatório na cidade da Lapa onde faleceu no dia 12 de julho de 1938. Duas semanas após o seu falecimento, recebeu o Prêmio Contos e Fantasias (em sua primeira edição) concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo livro Irmandade.

Newton Sampaio pertenceu ao Círculo de Estudos Bandeirantes de Curitiba e como homenagem ao jovem modernista, um dos principais prêmios de contos do Brasil leva o seu nome: Concurso Nacional de Contos Newton Sampaio.

Publicações:
Romance: Trapo: trechos publicados em jornais e revistas; Dor: publicado, incompleto, no periódico Correio dos Ferroviários.
Novela: Remorso: 1935; Cria de alugado: 1935.
Contos: Irmandade: 1938, premiado pela Academia Brasileira de Letras; Contos do Sertão Paranaense: 1939; Críticas, reportagens e entrevistas; Algumas Vozes do Brasil; Reportagem de Ideias: contos incompletos.


Fontes:
- Newton Sampaio. Ficções. Secretaria de Estado da Cultura: Biblioteca Pública do Paraná, 2014.
- Biografia do autor: Wikipedia

Adriane Garcia (Fábulas para adultos em versos) 1

A PRINCESA E O MENTIROSO


Enganou-me dizendo que tinha
Fazendas
Lavouras que administrava ele mesmo
Mas
Tudo que tinha
Era
Um gato
Em que calçava botas para não dar a entender que
Sua consciência era escrava

E cá estou eu
Dormindo com o
Nunca havido
Marquês de Carabás.
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E O RATO ROEU A ROUPA...

Todos viram a roupa
E o rei viu a roupa

(jamais tão bela as tivera antes)

Saiu orgulhoso com seu corpo
Curado de há tanto não ter ilusão

Só uma criança não viu
Dessas viciadas em televisão.
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O PATINHO FEIO

No primeiro quá-quá
Que disse
Já havia sido interrompido:
– É quém-quém, é quém-quém!

E foi informado que seu ovo
Nasceu quadrado
Quebrou do lado errado
E incomodava por ter quina

Todos os bichos do curral, da sala, do quintal
Eram-lhe muito diferentes
E tentou ser cada um deles, sem sucesso.
Soluçava...

Um dia sonhou com um cisne
Grannnnnnnnnnnnnnnnnnnde
Que sem nenhum soluço lhe dizia:
– Vai procurar a sua turma!
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O SAPO E A PRINCESA

O sapinho Croac-Croac
Aparece na janela
Toda noite a mesma coisa
Faz serenata pra ela

Malabares, se contorce
Na esperança de um beijo
Ela nada, vira e dorme
Fica adiando o desejo

O sapinho Croac-Croac
Sofre, finge realeza
Nem sabe que ela é sapa
Disfarçada de princesa.
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OS ARTISTAS

Os artistas são aqueles que veem
Chifre em cabeça de cavalo:
São deles os unicórnios.
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PARA A ENTEADA

O espelho, espelho meu
Dizia que qualquer uma
Era mais bela do que eu

E eu acreditei anos a fio
Nesse presente
Que a Madrasta me deu.
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PERSONAGENS

No Grande Hospício
Eu penso que eu sou eu
Tu pensas que tu és tu
Ela pensa que ela é ela

E ele pensa que ele é ele
Nós pensamos que nós somos nós
Vós pensais que vós sois vós
E eles pensam que eu sou louca.
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SOB OS DOSSÉIS

Toda noite morríamos mais um pouco
Fingindo que
Nosso cavalo era o unicórnio encantado:
Pangaré estava manco e deveria ser sacrificado.

Toda noite morríamos mais um pouco
Fingindo que
O beijo dele me despertava:
Eu era movida para o tédio e o nojo.

Toda noite morríamos mais um pouco
Fingindo que
Nosso castelo era por toda a eternidade encantado:
Eram rachaduras que formavam nosso teto.

Mas toda noite morríamos, toda noite insistíamos
Mais um pouco:
Porque não fomos
Felizes para sempre.

Fonte:
Adriane Garcia. Fábulas para adulto perder o sono. Curitiba, PR : Secretaria de Estado da Cultura : Biblioteca Pública do Paraná, 2013.

Minha Estante de Livros (Novelas Exemplares, de Miguel de Cervantes)


Como gênero literário, a novela já existia, mas, como nota o próprio Cervantes, ele é o primeiro a tentá-la na Espanha. Ele experimenta o gênero em todas as direções possíveis, com relatos bizantinos, cortesãos ou picarescos. E mais: busca estabelecer um padrão realista, fala do cotidiano das pessoas, de uma Espanha que podia ser vista da janela de casa. É interessante notar como ele, filho de uma sociedade machista, sabe das dores femininas e pinta mulheres inteligentes e espirituosas, quando outros as queriam apenas lindas e submissas. É exemplar como Cervantes, homem de temperamento satírico, conseguiu despistar a censura, deixando transparecer entre exaltações aos reis e à Igreja, seu país violento e sensual, trapaceiro e cobiçoso, em que o estupro, por exemplo, é aceito com naturalidade, e um casamento é o único sinal de respeito que se tem pelas mulheres. A edição traz aparatos críticos de estudiosos do autor, notas, poemas em sua versão original e ilustrações.

As Novelas exemplares são uma série de novelas curtas que Miguel de Cervantes escreveu entre 1590 e 1612, e que publicaria em 1613 em uma coleção editada em Madrid por Juan de la Cuesta, devido à grande acolhida que obteve com a primeira parte de Dom Quixote. A princípio receberam o nome de Novelas exemplares de honestíssimo entretenimento.

Trata-se de doze novelas curtas que seguem o modelo estabelecido na Itália. Sua denominação de "exemplares" obedece ao fato de serem o primeiro exemplo castelhano desse tipo de novelas, e ao caráter didático e moral que incluem em alguma medida os relatos. Cervantes se gabava, no prólogo, de ter sido o primeiro a escrever, em castelhano, novelas ao estilo italiano.

Costumam ser agrupadas em duas séries: as de caráter idealista e as de caráter realista. As de caráter idealista, que são mais próximas à influência italiana, se caracterizam por tratar de argumentos de enredos amorosos com grande abundância de acontecimentos, pela presença de personagens idealizados e sem evolução psicológica e por escasso reflexo da realidade. Se agrupam aqui: O amante liberal, As duas donzelas, A espanhola inglesa, A senhora Cornélia e A força do sangue. As de caráter realista atendem mais à descrição de ambientes e personagens realistas, com intenção crítica muitas vezes. São os relatos mais conhecidos: Rinconete e Cortadillo, O licenciado Vidriera, A pequena cigana, A conversa dos cachorros ou o ilustre esfregão. Não obstante, a separação entre os dois grupos não é categórica, e, por exemplo, nas novelas mais realistas podem-se encontrar também elementos idealizantes.

Já que existem duas versões de Rinconete e Cortadillo e de A ciumenta extremadura, pensa-se que Cervantes introduziu nestas novelas algumas variações com propósitos morais, sociais e estéticos (daí o nome de "exemplares"). A versão mais primitiva se encontra numa coleção mista de diversas obras literárias entra as quais se encontra uma novela habitualmente atribuída a Cervantes, A tia fingida. Por outro lado, algumas novelas curtas se acham inseridas também no Dom Quixote, como O curioso impertinente ou uma história do cativo, que conta com elementos autobiográficos. Ademais, alude-se a outra novela já composta, Rinconete e Cortadillo.

quarta-feira, 27 de outubro de 2021

Adega de Versos 53: Hermoclydes S. Franco

 

Cláudio de Cápua (O Mundo Literário em Preto & Branco) Judas Isgorogota


Na década de 60, por intermédio de Américo Bolonha, renomado jornalista e chefe das oficinas de "A Gazeta", travei conhecimento com quem, anos depois, teria a felicidade de conviver profissionalmente - Judas Isgorogota, jornalista ativo e intelectual de rara sensibilidade e poeta dos mais inspirados dentre os que valorizam a literatura nacional.

Judas Isgorogota nasceu em Lagoa da Canoa, município de Iraipu, no estado de Alagoas, no dia 15 de setembro de 1901. Seu nome de batismo Agnelo Rodrigues de Melo. Faleceu em 10 de janeiro de 1979, aos 77 anos.

O motivo de ter adotado o pseudônimo de Judas Isgorogota é que, ao publicar o seu primeiro soneto, "Madrepérolas", como Rodrigues de Melo, surgiu um homônimo poeta menor que o acusou de assim assinar para criar confusão e que de má fé queria tirar proveito próprio. Bastante aborrecido, apressou-se Agnelo em arranjar outro nome literário.

Tendo um irmão chamado Messias, que era desenhista e ilustrador gráfico e que pelo menos por três décadas se notabilizou em todo o país, Agnelo decidiu: já que existe um Messias na família, vai também existir um Judas.

O nome lembra o apóstolo da traição - Judas Isgorogota - assim chamado por ter nascido no povoado de Kareoth. Ao invés de Iscariotes criou a corruptela de Isgorogota.Com esse pseudônimo, Agnelo Rodrigues de Melo sagrou-se um dos maiores poetas do século XX do Brasil.

Judas Isgorogota era sério e rigoroso, mas também tinha suas sacadas de humor. Vamos a uma delas; nós tínhamos um colega na Rádio Gazeta, rico em virtudes intelectuais, mas... cujos dotes morais não correspondiam ao seu douto-saber; procurava obter vantagens financeiras entre o grupo e Judas, quase que desculpando o colega que se retirava, comentou: – Sabem, fulano tem 11 filhos e vive em constante apuro financeiro. A melhor coisa que se tem a fazer é não emprestar dinheiro pra ele porque, se for pouco, ele esquece e, se for muito, não tem como pagar...

Em outra ocasião, em noite de garoa de inverno paulistano, Judas não parava de tossir. Naquele momento estava na redação o jornalista médico Monteleone, que também ocupava cargo na direção do jornal. Doutor Monteleone prescreveu uma receita para dar fim à tosse do seu ilustre colega. Judas Isgorogota guardou o papel em um dos bolsos. Antes de passar na farmácia, saímos da redação na Av. Cásper Libero e fomos em grupo, Judas, Monteleone, este que vos narra o fato e outros companheiros de imprensa tomar um cafezinho num bar da rua Antonio de Godói. No primeiro gole, Monteleone engasgou-se sendo acometido de forte tosse.

Judas comentou, assim que o médico saiu: - Vou jogar fora este papel por que, afinal, se o doutor não consegue curar a si mesmo, com que autoridade me passou esta receita?

Muito poderia dizer sobre Judas Isgorogota, mas encerro aqui reverenciando a memória desse Judas que, em contra oposição ao nome, jamais traiu alguém e muito enobreceu o mundo das letras nacionais.

Fonte:
Cláudio de Cápua. Retrovisor: crônicas. Publicado em Santos/SP, pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021.
Livro enviado pelo autor.