“A necessidade é a mãe da criatividade”. Sábia e antiga frase que ouvi pela primeira vez quando era ainda criança, uns oito ou nove anos, e morava na roça. Começo dos anos 1940. O mundo estava atravessando um dos piores períodos da história, a segunda grande guerra. Rigoroso racionamento de tudo, principalmente de combustíveis e alimentos. Então era preciso inventar soluções para sobreviver. A necessidade faz milagres nesses momentos.
O povo, antes do conflito, estava acostumado com variedade e fartura. O que não se produzia no Brasil vinha de fora, de marmelada em lata a bacalhau. Com o racionamento decretado pelo governo, mudou tudo: era preciso economizar o quanto fosse possível e fazer filas até para comprar bolacha na padaria.
Mas na roça era um pouco mais fácil, visto que as famílias contavam com produção própria. Com paciência, criatividade e fé, dava-se sempre um jeito de resolver as coisas. De fome ninguém morria. Na falta de trigo, a gente comia pão de fubá, bolo de aipim, batata doce assada, biju, tapioca, sopa de inhame com taioba. Na falta de açúcar, o café e as sobremesas eram adoçados com garapa ou rapadura. Na falta de querosene, usava-se óleo de mamona preparado em casa para abastecer as lamparinas.
Tinha carne e miúdos de porco, de cabrito, de galinha; em dias especiais carneiro ou peru – tudo criado ali mesmo, no pasto ou no terreiro. Peixe era pescado no riozinho que rolava nos fundos da casa: piau, cachimbau, piaba. Ovo era só apanhar nos ninhos. Tinha leite de vaca e de cabra, com o qual se fazia queijo e requeijão. Verduras e legumes estavam bem ao lado, na horta. Frutas no pomar. No sábado um tutuzinho com torresmo e carne-seca.
Forno e fogão eram aquecidos com lenha. Para cozinhar usava-se banha. Sabão era de sebo e cinza. Remédio era um chazinho de macaé. Gás e energia elétrica, nem pensar. Adubo era titica de galinha. Ração industrializada não havia. Os porcos engordavam comendo abóbora, banana e lavagem, os outros animais comiam milho e capim.
Pergunte aos seus avós, que eles se lembram. Quem tivesse um sítiozinho e disposição para trabalhar estava equipado para enfrentar a grande crise. Moleza não era, mas serviu como um precioso aprendizado para a sobrevivência em situações difíceis e disso resultou uma geração de gente forte e decidida.
E foi justamente essa geração de gente forte e decidida que, nos meados dos anos 1940, logo após o final da guerra, saiu de onde estava e veio com toda a garra inaugurar aqui um mundo novo. Originários de todas as regiões do Brasil, alguns de países distantes, vieram trazendo nas mãos os calos da corajosa labuta que lhes deu forças para peitar e vencer qualquer desafio. Homens e mulheres da melhor qualidade, aos quais devemos tanto.
A eles e a elas nossa gratidão e o maior respeito.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 16-9-2021)
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O povo, antes do conflito, estava acostumado com variedade e fartura. O que não se produzia no Brasil vinha de fora, de marmelada em lata a bacalhau. Com o racionamento decretado pelo governo, mudou tudo: era preciso economizar o quanto fosse possível e fazer filas até para comprar bolacha na padaria.
Mas na roça era um pouco mais fácil, visto que as famílias contavam com produção própria. Com paciência, criatividade e fé, dava-se sempre um jeito de resolver as coisas. De fome ninguém morria. Na falta de trigo, a gente comia pão de fubá, bolo de aipim, batata doce assada, biju, tapioca, sopa de inhame com taioba. Na falta de açúcar, o café e as sobremesas eram adoçados com garapa ou rapadura. Na falta de querosene, usava-se óleo de mamona preparado em casa para abastecer as lamparinas.
Tinha carne e miúdos de porco, de cabrito, de galinha; em dias especiais carneiro ou peru – tudo criado ali mesmo, no pasto ou no terreiro. Peixe era pescado no riozinho que rolava nos fundos da casa: piau, cachimbau, piaba. Ovo era só apanhar nos ninhos. Tinha leite de vaca e de cabra, com o qual se fazia queijo e requeijão. Verduras e legumes estavam bem ao lado, na horta. Frutas no pomar. No sábado um tutuzinho com torresmo e carne-seca.
Forno e fogão eram aquecidos com lenha. Para cozinhar usava-se banha. Sabão era de sebo e cinza. Remédio era um chazinho de macaé. Gás e energia elétrica, nem pensar. Adubo era titica de galinha. Ração industrializada não havia. Os porcos engordavam comendo abóbora, banana e lavagem, os outros animais comiam milho e capim.
Pergunte aos seus avós, que eles se lembram. Quem tivesse um sítiozinho e disposição para trabalhar estava equipado para enfrentar a grande crise. Moleza não era, mas serviu como um precioso aprendizado para a sobrevivência em situações difíceis e disso resultou uma geração de gente forte e decidida.
E foi justamente essa geração de gente forte e decidida que, nos meados dos anos 1940, logo após o final da guerra, saiu de onde estava e veio com toda a garra inaugurar aqui um mundo novo. Originários de todas as regiões do Brasil, alguns de países distantes, vieram trazendo nas mãos os calos da corajosa labuta que lhes deu forças para peitar e vencer qualquer desafio. Homens e mulheres da melhor qualidade, aos quais devemos tanto.
A eles e a elas nossa gratidão e o maior respeito.
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(Crônica publicada no Jornal do Povo – Maringá – 16-9-2021)
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Nota do blog: O pintor Gael Mac Tiréban, autor do retrato artístico acima da catedral de Maringá, faleceu em agosto deste ano em Curitiba, aos 87 anos, de complicações pulmonares devido a Covid. Nasceu em Lurgan/Irlanda do Norte, em 1934. Especializou-se em retratar as cidades do Brasil.
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Texto enviado pelo autor.
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