O salão entornava luz pelas janelas. No sofá, bocejava a boa gorducha d. Maria, digerindo sonolentamente o quilo do jantar. O seu digno consorte, o desembargador, apreciava o fresco da noite à janela, sugando com ruído a fumaça de um havana, com os olhos nos astros e as mãos nas algibeiras. Perto do piano, arrulavam à meia-voz Belmiro e Clara... Já se sabe: dois pombinhos...
O Belmiro estudava; tinha futuro, portanto; Clara... tocava e cantava...
II
— Belmiro, disse o desembargador, atirando à rua a ponta do charuto, manda Clara cantar...
— Cante, d. Clara, pediu Belmiro.
Clara cantou... Cantou mesmo? Não sei. Mas as notas entraram melífluas pelos ouvidos de Belmiro e foram cair-lhe como açúcar no paladar do coração...
— Esplêndido! esplêndido! dizia ele, fazendo chegar a umidade do hálito à face rosada da meiga Clarinha...
O desembargador olhava outra vez para os astros...
III
Rola o tempo...
Numa casinha modesta de S. Cristóvão, mora o dr. Belmiro com sua senhora d. Clara... Os vizinhos dizem coisas... ih!
IV
— Como vais, Belmiro?
— Mal!
— Mal?... disseram-me que te casaste com a tua Clarinha...
— Sim! sim!... mas, queres saber... de amor ninguém vive; é de feijões...
— Então...
— Devo até a roupa com que me cubro!...
— E o dote?
— Ah! ah! adeusinho...
V
É noite.
D. Clara está ao piano. Um vestido enxovalhado escorre-lhe da cintura abaixo, sem um enfeite. D. Clara está magra. No chão arrasta-se um pequenote de um ano, com uma camisolinha porca amarrada em nós sobre o cóccix.
Clara toca; e não canta, porque tem os olhos vermelhos e inflamados...
O dr. Belmiro vem da rua zangado.
— Não sei o que faz a senhora, gastando velas a atormentar-me!... Mande para o diabo as suas músicas e vá-se com elas!
O Belmiro estudava; tinha futuro, portanto; Clara... tocava e cantava...
II
— Belmiro, disse o desembargador, atirando à rua a ponta do charuto, manda Clara cantar...
— Cante, d. Clara, pediu Belmiro.
Clara cantou... Cantou mesmo? Não sei. Mas as notas entraram melífluas pelos ouvidos de Belmiro e foram cair-lhe como açúcar no paladar do coração...
— Esplêndido! esplêndido! dizia ele, fazendo chegar a umidade do hálito à face rosada da meiga Clarinha...
O desembargador olhava outra vez para os astros...
III
Rola o tempo...
Numa casinha modesta de S. Cristóvão, mora o dr. Belmiro com sua senhora d. Clara... Os vizinhos dizem coisas... ih!
IV
— Como vais, Belmiro?
— Mal!
— Mal?... disseram-me que te casaste com a tua Clarinha...
— Sim! sim!... mas, queres saber... de amor ninguém vive; é de feijões...
— Então...
— Devo até a roupa com que me cubro!...
— E o dote?
— Ah! ah! adeusinho...
V
É noite.
D. Clara está ao piano. Um vestido enxovalhado escorre-lhe da cintura abaixo, sem um enfeite. D. Clara está magra. No chão arrasta-se um pequenote de um ano, com uma camisolinha porca amarrada em nós sobre o cóccix.
Clara toca; e não canta, porque tem os olhos vermelhos e inflamados...
O dr. Belmiro vem da rua zangado.
— Não sei o que faz a senhora, gastando velas a atormentar-me!... Mande para o diabo as suas músicas e vá-se com elas!
Fonte:
A Comédia. São Paulo, n. 66, 21 maio 1931. Série "Uma história por dia".
A Comédia. São Paulo, n. 66, 21 maio 1931. Série "Uma história por dia".
Disponível em Raul Pompéia. Contos. Núcleo de Pesquisas em Informática, Literatura e Linguística da UFSC.
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