quarta-feira, 6 de outubro de 2021

Sonetos Brasileiros * 1 *


Manuel Botelho de Oliveira
(Salvador/BA, 1636 – 1711)

A MORTE DO PADRE VIEIRA


Fostes, Vieira, engenho tão subido.
Tão singular, e tão avantajado.
Que nunca sereis mais de outro imitado
Bem que sejais de todos aplaudido.

Nas sacras Escrituras embebido,
Qual Agostinho, fostes celebrado ;
Ele de África assombro venerado.
Vós de Europa portento esclarecido.

Morrestes. Porém não, que ao mundo atroa
Vossa pena, que aplausos multiplica.
Com que de eterna vida vos coroa ;

E quando imortalmente se publica,
Em cada rasgo seu a fama voa,
Em cada escrito seu uma alma fica.
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António Gomes Ferreira de Castilho
(Bahia, século XVII)

DESPEDIDA A UM FILHO


Filho, vem cá, escuta um pai amante
Que este último adeus vem dar-te triste;
Que sempre te amei muito, — tu o viste,
Que honrado te criei, isso é constante.

Hoje, tomando a região distante.
Que te mando estudar, tu já me ouviste:
Se tens empenho igual ao que me assiste.
Filho, vem cá, escuta um pai amante.

Vai, filho, estuda; e faze cuidadoso
Com que pagues a um pai, que antes ausente
Te quer ver do que ver-te em seu repouso.

Permita, enfim, o Céu Onipotente,
Que os olhos que hoje arraso de saudoso.
Algum dia os arrase de contente.
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Cláudio Manuel da Costa
(Mariana/MG, 1729 – 1789, Ouro Preto/MG)

SONETO


Estes os olhos são da minha amada,
Que belos, que gentis e que formosos!
Não são para os mortais tão preciosos
Os doces frutos da estação dourada.

Por eles a alegria derramada
Tornam-se os campos de prazer gostosos.
Em zéfiros suaves e mimosos
Toda esta região se vê banhada.

Vinde olhos belos, vinde, e enfim trazendo
Do rosto do meu bem as prendas belas,
Dai alívios ao mal que estou gemendo:

Mas ah! delírio meu que me atropelas!
Os olhos que eu cuidei que estava vendo
Eram (quem crera tal!) duas estrelas.
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Basílio da Gama
(Tiradentes/MG, 1741 – 1795, Lisboa/Portugal)

A UMA SENHORA
que o autor conheceu "no Rio de Janeiro e viu depois na Europa


Na idade em que eu brincando entre os pastores
Andava pela mão e mal andava,
Uma ninfa comigo então brincava
Da mesma idade e bela como as flores.

Eu com vê-la sentia mil ardores.
Ela punha-se a olhar e não falava;
Qualquer de nós podia ver que amava,
Mas quem sabia então que eram amores?

Mudar de sítio à ninfa já convinha,
Foi-se à outra ribeira; e eu naquela
Fiquei sentindo a dor que n'alma tinha.

Eu cada vez mais firme, ela mais bela;
Não se lembra ela já de que, foi minha.
Eu ainda me lembro que sou d'ela !…
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Tomaz António Gonzaga
(Porto/Portugal, 1744 – 1810, Ilha de Moçambique)

SONETO


Obrei quanto o discurso me guiava,
Ouvi aos sábios quando errar temia;
Aos bons no gabinete o peito abria,
Na rua a todos como iguais tratava.

Julgando os crimes nunca os votos dava.
Mais duro, ou pio do que a lei pedia:
Mas devendo salvar ao justo ria,
E devendo punir ao réu chorava.

Não foram, Vila Rica, os meus projetos,
Meter em férreo cofre cópia de ouro.
Que farte aos filhos, e que chegue aos netos

Outras são as fortunas, que me agouro,
Ganhei saudades, adquiri afetos.
Vou fazer d'estes bens melhor tesouro.
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Nota do blog:
Algumas palavras dos sonetos acima foram convertidos do português da época (1913) para o português atual.


Fonte:
Laudelino Freire (org.). Sonetos Brasileiros. Collectanea. 
Seculo XVII-XX. RJ: F. Briguiet, 1913.

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