AS DUAS IRMÃS
Vem a primeira a fala-lhe em segredo:
“Amiga, vê, (nem sei como isto conte!)
Como correm as águas desta fonte:
Tal corre a vida, e acaba-se tão cedo!
Ama, pois!” A segunda, em cuja fronte
Brilha um raio de luz, murmura, a medo,
Apontando-lhe o chão: “Este é o degredo
Perpétuo e atroz do teu amor insonte.
Contudo, espera.” E somem-se a Esperança
E a Saudade. E ela fica, como doida,
A olhar o rastro dessas deusas belas...
E ela fica esperando-as.... Cansa, cansa
De esperá-las assim, a vida toda,
Sem jamais receber notícias delas!
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BALADA
“Eu vou partir. A noite já desmaia.
Parto; por isso, cândida princesa,
Venho beijar as mãos à Vossa Alteza...
Botes e naus esperam-me na praia.
Tenho, decerto, de sofrer azares,
Dores sofrer; mas hei de, com denodo,
Pugnas vencer e conquistar de todo
Terras estranhas e remotos mares...
Não sei se morrerei; mas se, princesa,
Através de procelas e de escolhos
A negra morte me fechar os olhos,
Eu morrerei pensando em Vossa alteza.
Mas, forçoso é partir; adeus, senhora...”
“Conde, adeus...” murmurou, baixando a fronte.
A noite desmaiava. No horizonte
Já se movia o séquito da aurora.
E ela, a princesa, imersa num letargo,
Ficou olhando a vastidão do oceano.
Rompeu, enfim, o sol. E, a todo o pano,
A aventureira nau se fez ao largo...
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ESTELA
Como dormes feliz, anjo adorado,
Nesse teu berço, assim... tu, cujos olhos
Nunca viram misérias nem abrolhos,
Mas as vêm somente o maternal cuidado.
O anjo da guarda está velando ao lado
Do teu berço, a sorrir.... Os teus antolhos
São, por enquanto, os ondulantes folhos
Do teu bercinho de ébano lavrado.
Dorme, que enquanto o querubim de vela,
Ele te envolve nessa etérea veste
Que usam no céu os querubins, Estela;
Dorme; o teu sono cheio de fulgores
De certo eleva-te a um país celeste
Todo cheio de pássaros e flores.
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INCONSOLÁVEIS
Almas, por que chorais, se ninguém vos responde?
Almas, por quê? Deixai as lágrimas! Empós*
Do ideal correi, correi a longes plagas, onde
Não exista ninguém que escarneça de vós.
Lançai o vosso olhar a longínquas paragens,
Bem distantes daqui, cheias de ideais risonhos,
Onde as aves do amor, sacudindo as plumagens,
Passem cantando ao longe a música dos sonhos...
A longes plagas onde estas misérias todas
Não consigam deixar o mínimo sinal;
Paragens onde, em meio às delirantes bodas
Dos sonhos e do amor, exulte e cante o Ideal...
Mas não, almas! Soltai a vossa queixa triste;
Contai ao mundo inteiro a vossa mágoa justa;
Essa terra de ideal, ó almas, não existe;
Inventei-a somente, e inventá-la não custa.
Pobres almas, lançai em torno a vossa vista:
Sempre haveis de encontrar essa miséria atroz.
Almas, chorai, que embora esse país exista,
Nele há de haver alguém que escarneça de vós.
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* Empós = (antigo) após, depois.
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NO BOUDOIR*
Aguarda o jovem conde há quase uma hora,
Mudo, a agradável ocasião de vê-la.
A um canto de boudoir, altiva e bela,
Está sentada a viscondessa Aurora.
Entra e murmura: “Que brilhante estrela!
Vou confessar-lhe o meu amor agora...”
Depois, aproximando-se: “Senhora,
Tenho muito prazer em conhecê-la...”
E segreda baixinho: “Viscondessa,
É por Vossa Excelência que deliro...”
E ela, soerguendo, tímida, a cabeça,
Fita-o, sorrindo, nada lhe responde...
Solta apenas um trêmulo suspiro
Ao ver os olhos do formoso conde.
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*Boudoir = é uma sala de estar ou salão de beleza privado para mulheres em um alojamento mobiliado, geralmente entre a sala de jantar e o quarto, mas também pode se referir a um quarto privado feminino.
Fonte:
Francisca Júlia da Silva. Mármores. Brasília: Senado Feder4al, 2020. Publicado originalmente em 1895. .
Francisca Júlia da Silva. Mármores. Brasília: Senado Feder4al, 2020. Publicado originalmente em 1895. .
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