Durante toda a minha infância e boa parte da juventude, ao observar aquelas velhas casas do Cruzeiro, eu me punha a romancear: Quem teria vivido nelas? Quantas gerações as haveriam habitado? Teria havido escravos? Como seriam as pessoas?
Tanta curiosidade, e nunca fiz perguntas a quem pudesse me informar. No dia do aniversário da cidade, entretanto, a convite da escritora Dona Eunice, tive a grata surpresa e o enorme prazer de adentrar uma delas, o que me pareceu — pelo romance e mistério com que eu sempre as envolvi — uma aventura maravilhosa!
É a chácara que fica à esquerda do caminho velho do Cruzeiro, hoje transformado em bela e larga avenida. Incrível eu ignorar durante tanto tempo que esse fora o lar dos Tatit, e que eles haviam quase todos nascido ali!
Eu queria ir a p[e, fanática que sou por boas caminhadas, mas Beth e Tamara fizeram questão de levar-me de carro, dizendo que depois eu poderia voltar a pé.
Dona Eunice e Seu João estavam me esperando. Já de chegada eu me senti vivendo um sonho encantado. Que lugar! Que jardim! Que paineira! Que casa!... Eu não sabia o que mais admirasse. Minha imaginação começou fertilmente a trabalhar. E fomentada pelos relatos minuciosos de ambos... como foi longe!
Levaram-me a todos os recantos, e eu só tinha exclamações de admiração.
O pomar, plantado por Seu João, é lindo e muito grande, estendendo-se até o Córrego dos Tatit. Há uma variedade de árvores frutíferas, dentre as quais uma de que eu nem mais me lembrava. Ele perguntou-me:
"Você conhece esta? Garanto que nunca ouviu falar… é um jambeiro".
Como não haveria de conhecer? Tínhamos um no fundo do quintal, na divisa com a Prudente de Morais... que era um tormento! O dia inteiro batiam palmas à nossa porta ou tocavam a campainha. Moleques, naturalmente.
Minha mãe ia atender.
"A senhora me dá um jambo?"
Papai encheu-se daquilo, e como a árvore estivesse muito grande, já misturando a copa com a da ameixeira e incomodando os vizinhos... o pobre jambeiro teve de ser sacrificado. Nunca mais vi um jambo em minha vida. E agora ali, diante dos meus olhos, um igualzinho!
Seu João contou que o jambeiro estivera muito doente e que somente à custa de pacientes cuidados seus, conseguira sobreviver.
A casa conserva, com algumas alterações exigidas pelo conforto, os elementos principais com que foi construída. Batentes, portas, trincos, janelas... tudo evoca um tempo que eu desejara ter vivido... poético, poético...
O galpão, cheio de velhos arreios, máquinas antigas, carrocinhas, rodas, paiolzinho de milho atopetado, pilão, máquina de fazer garapa... tudo isso rendeu-me totalmente, completando o romance em minha imaginação.
E a hospitalidade dos donos, o cafezinho servido na velha sala, nós três sentados, e eu tendo à vista um quadro natural em cada porta ou janela, os gansos chapinhando alegremente a água do pequeno tanque... reportei-me aos fascinantes contos de fazenda do velho Lobato... sonhando... sonhando.
Acordei somente no momento de ir embora. Despedi-me do amável casal sumamente agradecida pela oportunidade, e encantada com o carinho que ambos devotam à velha chácara da família, procurando preservar-lhe tanto quanto possível as características originais. Ali se dá — literalmente — uma "volta às raízes".
Retornei a pé, curtindo as belezas do caminho, o córrego, o campo, as casas, as ruas, o novo panorama com o prédio de andares, e o Fórum novo, parcialmente coberto de hera... Se eu antes já era "vidrada" naquela paisagem... depois dessa visita nunca mais vou conseguir tirá-la da imaginação.
(Tribuna de Itararé— 25/10/1989)
Tanta curiosidade, e nunca fiz perguntas a quem pudesse me informar. No dia do aniversário da cidade, entretanto, a convite da escritora Dona Eunice, tive a grata surpresa e o enorme prazer de adentrar uma delas, o que me pareceu — pelo romance e mistério com que eu sempre as envolvi — uma aventura maravilhosa!
É a chácara que fica à esquerda do caminho velho do Cruzeiro, hoje transformado em bela e larga avenida. Incrível eu ignorar durante tanto tempo que esse fora o lar dos Tatit, e que eles haviam quase todos nascido ali!
Eu queria ir a p[e, fanática que sou por boas caminhadas, mas Beth e Tamara fizeram questão de levar-me de carro, dizendo que depois eu poderia voltar a pé.
Dona Eunice e Seu João estavam me esperando. Já de chegada eu me senti vivendo um sonho encantado. Que lugar! Que jardim! Que paineira! Que casa!... Eu não sabia o que mais admirasse. Minha imaginação começou fertilmente a trabalhar. E fomentada pelos relatos minuciosos de ambos... como foi longe!
Levaram-me a todos os recantos, e eu só tinha exclamações de admiração.
O pomar, plantado por Seu João, é lindo e muito grande, estendendo-se até o Córrego dos Tatit. Há uma variedade de árvores frutíferas, dentre as quais uma de que eu nem mais me lembrava. Ele perguntou-me:
"Você conhece esta? Garanto que nunca ouviu falar… é um jambeiro".
Como não haveria de conhecer? Tínhamos um no fundo do quintal, na divisa com a Prudente de Morais... que era um tormento! O dia inteiro batiam palmas à nossa porta ou tocavam a campainha. Moleques, naturalmente.
Minha mãe ia atender.
"A senhora me dá um jambo?"
Papai encheu-se daquilo, e como a árvore estivesse muito grande, já misturando a copa com a da ameixeira e incomodando os vizinhos... o pobre jambeiro teve de ser sacrificado. Nunca mais vi um jambo em minha vida. E agora ali, diante dos meus olhos, um igualzinho!
Seu João contou que o jambeiro estivera muito doente e que somente à custa de pacientes cuidados seus, conseguira sobreviver.
A casa conserva, com algumas alterações exigidas pelo conforto, os elementos principais com que foi construída. Batentes, portas, trincos, janelas... tudo evoca um tempo que eu desejara ter vivido... poético, poético...
O galpão, cheio de velhos arreios, máquinas antigas, carrocinhas, rodas, paiolzinho de milho atopetado, pilão, máquina de fazer garapa... tudo isso rendeu-me totalmente, completando o romance em minha imaginação.
E a hospitalidade dos donos, o cafezinho servido na velha sala, nós três sentados, e eu tendo à vista um quadro natural em cada porta ou janela, os gansos chapinhando alegremente a água do pequeno tanque... reportei-me aos fascinantes contos de fazenda do velho Lobato... sonhando... sonhando.
Acordei somente no momento de ir embora. Despedi-me do amável casal sumamente agradecida pela oportunidade, e encantada com o carinho que ambos devotam à velha chácara da família, procurando preservar-lhe tanto quanto possível as características originais. Ali se dá — literalmente — uma "volta às raízes".
Retornei a pé, curtindo as belezas do caminho, o córrego, o campo, as casas, as ruas, o novo panorama com o prédio de andares, e o Fórum novo, parcialmente coberto de hera... Se eu antes já era "vidrada" naquela paisagem... depois dessa visita nunca mais vou conseguir tirá-la da imaginação.
(Tribuna de Itararé— 25/10/1989)
Fonte:
Dorothy Jansson Moretti. Instantâneos. São Paulo: Dialeto, 2012.
Livro enviado pela escritora.
Dorothy Jansson Moretti. Instantâneos. São Paulo: Dialeto, 2012.
Livro enviado pela escritora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário