a máquina
engole página
cospe poema
engole página
cospe propaganda
MAIÚSCULAS
minúsculas
a máquina
engole carbono
cospe cópia
cospe cópia
engole poeta
cospe prosa
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
apagar-me
diluir-me
desmanchar-me
até que depois
de mim
de nós
de tudo
não reste mais
que o charme
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
as flores
são mesmo
umas ingratas
a gente as colhe
depois elas morrem
sem mais nem menos
como se entre nós
nunca tivesse
havido vênus
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
dança da chuva
senhorita chuva
me concede a honra
desta contradança
e vamos sair
por esses campos
ao som desta chuva
que cai sobre o teclado
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
eu queria tanto
ser um poeta maldito
a massa sofrendo
enquanto eu profundo medito
eu queria tanto
ser um poeta social
rosto queimado
pelo hálito das multidões
em vez
olha eu aqui
pondo sal
nesta sopa rala
que mal vai dar para dois
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
furo a parede branca
para que a lua entre
e confira com a que,
frouxa no meu sonho,
é maior do que a noite
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia
vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
não fosse isso e era menos
não fosse tanto e era quase
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
que tudo passe
passe a noite
passe a peste
passe o verão
passe o inverno
passe a guerra
e passe a paz
passe o que nasce
passe o que nem
passe o que faz
passe o que faz-se
que tudo passe
e passe muito bem
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
tanta maravilha
maravilharia durar
aqui neste lugar
onde nada dura
onde nada para
para ser ventura
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =
um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada
depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lorca um éluard um ginsberg
por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores
Fonte:
Paulo Leminski. caprichos & relaxos. Publicado em 1983.
Paulo Leminski. caprichos & relaxos. Publicado em 1983.
Nenhum comentário:
Postar um comentário