sábado, 9 de outubro de 2021

Minha Estante de Livros (Livros de Júlia Lopes de Almeida)


A FALÊNCIA


Autora de traços realistas que gozava de grande popularidade em sua época, Júlia Lopes foi praticamente esquecida pela crítica e pelo público após a revolução desencadeada pelos modernistas em 1922. Verdadeira injustiça contra uma autora tão competente e tão próxima dos grandes nomes do seu tempo, entre eles o próprio Machado de Assis, de quem era amiga. Infelizmente, o machismo do tempo a privou de ter uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, instituição que Júlia ajudou a criar.  

No romance A Falência (1901), Julia apresenta um retrato sensível e profundo de uma parte da sociedade brasileira de seu tempo, os comerciantes de café que faziam fortuna intermediando os negócios entre os fazendeiros (produtores) e o mercado externo (consumidores), na República recém-proclamada, marcada fortemente pela cultura escravista e pelas práticas clientelistas sempre presentes no Brasil.  

Fruto de um processo de quinze anos de elaboração, A Falência retrata a vida de Francisco Teodoro, português que chega ainda criança ao Rio de Janeiro e aos poucos faz fortuna. Quando os negócios vão bem, decide se casar com a bela Camila atendendo às convenções sociais do tempo. Do casamento sem amor, nascem quatro filhos, Mário (playboy), Ruth (sonhadora) e as pequenas gêmeas, Rachel e Lia. A vida social de Camila é rica, marcada por festas e pela presença constante do amante, Dr. Gervásio. Também participa da vida da família a sobrinha Nina, tratada como serviçal da casa.  

A aparente estabilidade é rompida quando Teodoro, o financiador dos luxos, perde tudo em um negócio mal desenhado no mercado de café. A falência o leva ao desespero absoluto e ao suicídio. Desamparada, Camila deve abandonar a casa e os luxos, sendo salva pela sobrinha, Nina, que a acolhe em sua casa modesta. Enquanto todos trabalham para se sustentar, Camila ainda sonha com a grandeza, que espera recuperar pelas mãos do filho, que se casara com a rica Paquita, mas que não cumpre as expectativas da mãe. Abandonada também pelo amante, Camila se vê diante de outra falência, de ordem moral, pois se encontra também sem dignidade e respeito social.  

Traçando de forma muito competente os perfis psicológicos das personagens, Julia Lopes de Almeida apresenta ao leitor uma ampla série de conflitos humanos, mostrando as ambivalências das escolhas e das condutas conforme os valores que regiam os comportamentos dos comerciantes abastados do século XIX. Importante e sensível documento do caráter humano, dedicado a criticar as ilusões e as hipocrisias que os seres humanos criam para si mesmos.
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A VIÚVA SIMÕES

A Viúva Simões, livro publicado em 1897, ainda pode surpreender o leitor, uma vez que a personagem principal Ernestina Simões, apesar de ser um retrato das mulheres burguesas da época, possui um caráter complexo e toma atitudes que demonstram suas angústias entrelaçadas a momentos de insegurança, desejo e manipulação. Ela possui o perfil de uma mulher que viveu uma vida toda dedicada ao casamento e às aparências e, a partir do retorno de um amor da juventude, sua vida se transforma. É como se ela estivesse presa em um casulo e desejasse, por fim, voar.

Ao observarmos o romance como um exemplo do machismo estrutural, esse bater de asas da viúva Simões, a faz cair em outro casulo, pois o seu namorado de infância, Luciano, ao retornar da Europa, a enche de esperança por uma vida amorosa que não se concretiza.

Ao decorrer da obra, o leitor irá conhecer Sara, filha de Ernestina com o seu falecido marido. Fica evidente outro ponto comum aos casamentos tradicionais, pois segundo a própria viúva Simões, está em Sara a sua verdadeira alegria. E Sara, em suas atitudes, representa um choque de gerações, apesar de também cair de forma trágica, como nos romances góticos, nas amarras do patriarcado.

Já o personagem Luciano, encantando em um primeiro momento por Ernestina, se mostra superficial e machista, pois preocupa-se com o fato de seu amor de infância não ser mais jovem, como se ele também não tivesse sofrido a passagem do tempo.

Aos poucos, Luciano começa a ver Ernestina como uma ameaça, por sua beleza e poder de sedução. Entretanto, neste mesmo momento, a viúva Simões se vê cada vez mais entregue à sua paixão de infância. No decorrer da história, de narrativa simples e fácil de ler, as intrigas vão crescendo até chegar ao interesse de Sara também por Luciano.

É muito interessante observar a trama construída pela autora, pois uma história que tinha tudo para ser mais uma sobre amores românticos, desconstrói essa ideia e nos entrega uma tragédia social, muito comum até hoje em dia, sobre as mulheres e seus casulos patriarcais.

Um grande destaque no livro são os diálogos, pois são construídos de uma forma sincera e honesta, sem a necessidade de colocar os homens, principalmente, como príncipes virtuosos e perfeitos.

Sara e Ernestina estão sozinhas nessa jornada por uma vida ao lado de alguém, porém, quando os casulos se tornam visíveis para o leitor, é tarde mais para elas insistirem na própria liberdade.
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A INTRUSA

Júlia Lopes de Almeida publicou o romance “A intrusa” em 1908 e, como uma características de suas obras, vamos encontrar a sociedade carioca em seus problemas pessoais e sociais.

No livro, narrado em terceira pessoa, o leitor conhecerá Argemiro, um homem viúvo que jurou no leito de morte de sua esposa que não casaria novamente. Sua filha Glória, uma criança descobrindo as belezas do mundo, é criada pela avó materna, uma baronesa que vive no campo. Glória vê o pai poucas vezes, quando vai até a sua casa na capital do Rio de Janeiro.

A princípio, sabemos da preocupação do pai em relação à educação de sua filha, que para ele não está adequada, pois ele teme que sua filha não cresça de acordo com os padrões sociais da época. Em um segundo momento, também é mostrado que ele sente saudades da criança, o que torna o motivo principal da contratação de uma governanta para a sua casa, que também exercerá o papel de educar sua filha.

Ao longo da narrativa, será possível perceber que Argemiro não está feliz vivendo sozinho. Essa solidão é perceptível em sua relação com a própria casa, pois a considera desorganiza, bagunçada, suja, sem vida – assim como ele próprio se encontra.

A sogra de Argemiro, mãe de sua esposa morta, lembra-o constantemente do juramento que ele fez e, ao descobrir a entrada de uma governanta na casa, teme que Argemiro deixe de cumprir o juramento e, assim, desrespeite a lembrança de sua filha. Entretanto, Argemiro faz um contrato inusitado com a governanta, chamada por sua sogra de “a intrusa”: ela viverá na casa, mas não será vista por Argemiro. E, como Alice, a governanta contratada precisa muito do trabalho, aceita a condição de ser invisível dentro da mansão.

O melhor amigo de Argemiro é um padre. Os dois passaram a infância juntos e mantêm uma relação de amizade muito próxima. Para o padre Assunção, o amor entre ele e Alice já fica evidente por seu amigo fazer grandes elogios sobre a mudança dos ares de sua casa com a chegada da governanta: tudo está bonito, organizado, limpo, mais iluminado e, principalmente, sua filha Glória está com um comportamento mais tranquilo ao mesmo tempo que demonstra mais interesse pelos estudos.

E se não bastasse o juramento de Argemiro, para sua sogra, tudo é motivo de ciúmes, pois, para ela, a governanta é uma intrusa, manipuladora, vulgar e não adequada para cuidar de sua neta. Porém, fica nas entrelinhas dos diálogos da baronesa que ela é apenas uma mulher que não consegue se distanciar de sua filha que morreu e, a mudança na rotina de Argemiro e sua casa, para ela, é como se fosse mais uma forma de matar a sua filha.

A Intrusa é um romance clássico, com ótimos diálogos e pequenas surpresas

Diferente da tragédia em “A viúva Simões”, o livro A Intrusa caminha para um fim romântico sem grandes surpresas. No entanto, os diálogos, que traçam perfis sociais muito condizentes com a época, introduzem o leitor de maneira ímpar ao universo político-social do Brasil oitocentista.

É possível observar as preocupações dos personagens em relação aos seus papeis e imagens sociais. Bem como, o contraponto entre o casamento por conveniência social e dinheiro versus o casamento por encantamento, admiração e amor.

Por fim, a pequena surpresa está na motivação dos personagens, pois Júlia Lopes de Almeida carrega a sua obra com muita perspicácia, o que deixa o leitor satisfeito com o final ao entender que, muito além de uma história de amor, a autora traduziu muito bem as relações familiares e sociais de um Brasil patriarcal, católico e pós-abolicionista.

Fontes:
Curso Etapa
– Livro & Café
A Viúva Simões
A Intrusa

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