segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Contos e Lendas do Brasil (Origem do Rio Amazonas)

Carolina Ramos
O Rio mar


I
Jassyendy* prateava a natureza!
Jassy* era feliz, serena e amada
pelo formoso Cuara*, na certeza
de tudo ter... sem desejar mais nada!

O amor, pujante e livre, na largueza
do azul crescia, em força imensurada,
com esplendor intenso e tal grandeza,
que a Onipotência estava preocupada:

- Não fosse logo essa paixão contida,
em pouco a morte extinguiria a Terra!
Secariam os rios... sem mais vida

e secaria, assim... todo o Universo!
- Sol e Lua... Tupã* separa! E encerra,
com seu poder, aquele amor adverso!

II
A sentença é implacável - sem poesia!
Separação - é a fórmula sensata;
- Cuarassy*, sendo o Sol - brilha de dia!
- Jacy a Lua - à noite, a luz desata!

Tupã, o poderoso, decidia!
E Curussá*, num brilho que arrebata,
a cruz de estrelas no amplo céu abria,
marcando para sempre a triste data!

A alternar-se no azul, em desalento,
não se encontram jamais o Sol e a Lua!
Ao ver Jassy, tão pálida, em tormento,

Cuarassy, em protesto, ostenta um halo
de dor e de saudade... E o adeus flutua
em cada triste ocaso... A torturá-lo!

III
Em vão as súplicas! Também baldados
os apelos dos astros que se uniram
aos pés de Tupãssy*!... Desalentados,
Jassy e Cuarassy de amor deliraml...

Lágrimas, em roldão, pelos costados
e planícies rolaram!... Não se ouviram
na Amazônia os lamentos dos copados
seringais que, engolidos, sucumbiram!

E o pranto de Jassy, protesto insano,
em caudal impetuoso e avassalante,
foi arrojar-se aos braços do oceano!

E a rugir, a gemer e a espumejar,
do manancial de um coração amante,
nascia, então, grandioso - o Rio Mar!
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* Vocabulário
Jassyendy = Luar    
Cuara = Sol
Jassy = Lua    
Tupã = Deus
Cuarassy = Sol de verão
Curussá = Cruzeiro do Sul
Tupãssy - mãe de deus

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Lenda da Origem do Amazonas
por Marcos Pessoa


Há muitos anos, em plena selva amazônica, existiam dois noivos que sonhavam em se casar. Ela, sublime e brilhante, vestia-se de prata e seu nome era Lua. Ele, respeitável e irradiante, vestia-se de ouro e seu nome era Sol.

Lua era a dona da noite, enquanto Sol era o dono do dia. Entre esse amor, porém, existia um obstáculo impossível de ser superado: Se eles se casassem o mundo se acabaria. Isso porque o amor ardente e incandescente do Sol queimaria toda a terra, enquanto o choro desesperado de dor e sofrimento da Lua afogaria toda a Terra.

Logo, embora fosse um casal apaixonado, como eles poderiam se casar? A Lua apagaria o fogo? O Sol faria toda a água evaporar? Dilema esse que impediu que eles se casassem e foi o motivo lamentável que os fizeram se separar. Os noivos entraram em desespero, e no desespero da saudade sem fim, a Lua chorou durante todo um dia e uma noite. Suas lágrimas escorreram por morros sem fim até chegar ao mar. O mar, porém, ao ver tanta água embraveceu-se. Ele não queria aceitar tanta água.

A sofrida Lua não conseguia misturar suas lágrimas às águas bravas do mar. Foi quando algo estranho aconteceu. As águas escavaram um imenso vale e serras se levantaram ao longo do caminho. De forma misteriosa e assustadora um imensurável rio apareceu. Isso mesmo, as lágrimas da Lua formaram um enorme percurso e preencheu esse espaço dando origem ao rio Amazonas, o rio-mar da Amazônia.

E foi assim, deste amor impossível entre a Lua e o Sol, que nasceu o rio Amazonas, considerado o maior rio do planeta, tanto em volume de água como em extensão.
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Outra Versão da Lenda

Segundo a lenda Maué da primeira água e origem do rio Amazonas, Icuamã, Ocumató e Onhiamuaçabê* eram irmãos. Um dia, Icuamã deu uma festa e convidou todos os bichos.

Os índios-peixe, Jeju e Mantrinchão, ficaram na porta conversando. O filho de Icuamã, ficou curioso e aproximou-se para ouvir o que eles diziam. Falavam erradamente. O indiozinho começou a corrigi-los e eles, de raiva, fizeram tal feitiçaria que ele morreu.

Icuamã jurou a si mesmo que vingaria a morte do filho. Levou-o até uma clareira, no meio da floresta; depositou-o no chão, dividiu-o pela metade e enterrou os pedaços. Alguns dias depois, brotaram plantinhas; de um pedaço nasceu o timbó-urucuócuhup, o falso timbó; do outro, nasceu o timbó-ocuhén, o verdadeiro.

Perto da casa de Ocumató, morava Sucuri-Tenon, cujo filho, o Sucuri-Pacu, estava proibido pelo pai de ir ver seus tios feiticeiros, Jeju e Traíra. Mas o menino ouviu dizer que Jeju tinha inventado a primeira água e foi à casa deles. A tia lhe mostrou uma pequena poça. O menino achou muito pequeno. A tia, zangada, fez feitiçaria e ele, meio tonto, voltou para casa.

Sucuri-Tenon logo adivinhou o que havia acontecido. “É feitiçaria! Quem o enfeitiçou tem o remédio. Vai buscá-lo.” O curumim obedeceu. Retornou a casa dos tios.

Nesse tempo, o Jeju regressou, bebeu um pouco de água da poça e cuspiu-a em uma cuia. Daí a pouco, apareceu o indiozinho; queixava-se de dor de cabeça. Jeju deu-lhe a água da cuia. Quando ele terminou de tomá-la, sua barriga doía muito e começava a estufar. Implorou ao tio que passasse o maracá de pajé (chocalho) sobre sua barriga, para aliviar a dor. Jeju atendeu. Passou o maracá 1, 2, 3 vezes. E a barriga explodiu. Dela, verteu água que foi crescendo, encheu a casa, saiu pelo terreiro, sempre subindo.

Jeju correu. Ao ver a água pela primeira vez, os índios-pássaros voaram sobre ela, desceram nos galhos da margem e ficaram a olhar. O sapo não esperou e foi para o fundo, cantando de satisfação. É por isso que ele tem, ainda hoje, a voz rouca.

Chamado por Jeju, o Sucuri-Tenon veio saber o que havia. O feiticeiro pediu-lhe que fosse andando na frente, abrindo caminho para a água. “Mas não olhe para trás!” advertiu-o. O Sucuri não deu importância e prosseguiu. Tanto olhou para trás que os rios ficaram com o curso todo sinuoso.

Atraídos pelo rio, os índios-peixe mergulharam. A notícia espalhou-se e Icuamã descobriu que foram os índios-peixe que mataram seu filho. Com Ocumató e muitos índios, organizou um mutirão. Pegaram timbó e entraram no rio, batendo a planta na água. Envenenados, os peixes vieram à tona mortos.

O índio-onça e a mulher não gostaram daquilo. Também mergulharam. Imediatamente, o timbó perdeu a força. Icuamã, com raiva, agarrou os dois e matou-os. Arrancou seus olhos e enterrou-os. Deles nasceram as castanheiras.

Assim surgiu o rio Amazonas, cujo volume de água é superior ao de todos os outros rios do mundo e, é um sistema sinuoso de canais, na maior parte de seu curso através da floresta. Aí vive o Sucuri-Tenon que, de tanto dar voltas, terminou virando cobra.
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* Onhiamuaçabê – o guaraná é fruto brotado dos olhos do filho dessa índia

“AMAZONAS: LENDA OU REALIDADE?”
Por Patrícia Pereira


O nome Amazonas, que batiza o maior Estado do Brasil e um dos maiores rios do mundo, tem sua origem em uma lenda grega que veio parar em terras brasileiras. Quando expedicionários europeus, liderados pelo espanhol Francisco Orellana, chegaram à região que hoje pertence à Amazônia, em 12 de fevereiro de 1542, encontraram um grupo de índias guerreiras. Segundo os relatos, elas lutavam nuas e viviam em tribos isoladas, sem homens. Eram chamadas pelos índios de icamiabas. Por seus costumes, elas lembravam as lendárias amazonas da mitologia grega, que viviam na Ásia Menor, e logo foi feita a associação entre elas.

As icamiabas eram mulheres altas, musculosas, de pele clara, cabelos compridos e negros, como descreveu o frei espanhol Gaspar de Carvajal, que fazia parte da expedição de Orellana. Ele disse tê-las visto às margens do rio Nhamundá, na divisa dos Estados do Pará e do Amazonas. As índias não permitiam a presença de homens na tribo e, para afastá-los, lutavam com arcos e flechas. Diz a lenda que, para se tornarem exímias arqueiras, arrancavam o seio direito. “A versão mais aceita era que elas atavam o seio direito com uma faixa, parecendo assim que não tinham um dos seios”, diz a historiadora e especialista em folclore Rosane Volpatto.

A palavra icamiaba significa “a que não tem seio”, segundo o estudioso João Barbosa Rodrigues. Essa versão encontra respaldo na lenda grega que dizia que as amazonas queimavam o peito das meninas ainda crianças para que não atrapalhasse o lançamento da flecha. “Essa história não tem nada a ver com nossas icamiabas. Sem seio são as amazonas asiáticas, não as brasileiras”, afirma o indigenista João Américo Peret. Para Rosane, “é pouco provável que as índias inutilizassem um seio porque amavam como mulheres, defendiam-se como guerreiras e multiplicavam-se como mães”.

AMULETO DA SORTE


Embora não tivessem maridos, as icamiabas tinham filhos. Segundo a lenda, uma vez ao ano, em noites de lua cheia, elas realizavam uma cerimônia sagrada para a deusa Yaci, a mãe-lua, no lago Yaci Uarua (Espelho da Lua). Convidavam os índios guacaris, que habitavam os arredores e, nesse dia, tinham relações sexuais com eles sob a bênção da mãe-lua. Após o ritual amoroso, mergulhavam no lago e buscavam no fundo um barro com o qual moldavam um amuleto chamado muiraquitã.

Há várias versões sobre como era feito esse amuleto. Todas, porém, envolvem as icamiabas e o lago Espelho da Lua. Uma das lendas diz que eles eram feitos a partir de uma substância verde pastosa que deveria ser modelada dentro da água do lago. Ao serem colocados em contato com o ar, tornavam-se mais duros que um diamante. Tal barro verde era encontrado também no rio Tapajós, com o qual os índios faziam, debaixo da água, pássaros, rãs e outras figuras. Já os índios uaboí contam que os amuletos eram animais vivos e, para apanhá-los, as índias feriam-se. Ao deixar cair uma gota de sangue sobre o bicho desejado, ele morria e era petrificado.

O amuleto era oferecido pelas amazonas aos homens com os quais haviam mantido relações sexuais ou, segundo outras versões, somente àqueles com quem elas tivessem gerado filhas. Dizem que o amuleto trazia sorte e protegia de doenças. O muiraquitã mais comum tem o formato de sapo e é esverdeado, mas esses amuletos também eram talhados nas formas de peixes, tartarugas e felinos. O amuleto produzido pelas guerreiras amazonas é citado em Macunaíma, um clássico modernista de Mário de Andrade, publicado em 1928. O herói sem caráter passa quase toda a história percorrendo o Brasil à procura de um muiraquitã que perdeu depois de ganhá-lo de sua eterna paixão, uma índia icamiaba.

Segundo contam os índios em sua tradição oral, as filhas das icamiabas, nascidas do encontro anual com os homens de outras tribos, escolhidos dentre os mais vigorosos e belos, eram criadas pelas mães e instruídas no manejo das armas. Quanto aos filhos, eram dados no ano seguinte para que seus pais os criassem. “Aqui entramos novamente num labirinto de miscelâneas entre as amazonas pertencentes às velhas tradições helênicas e as amazonas americanas, pois eram as primeiras que sacrificavam seus filhos homens”, diz a historiadora Rosane.

ICAMIABAS HOJE

O indigenista Peret, que convive com índios há mais de 50 anos, afirma que as mulheres guerreiras existiram e ainda existem na Amazônia. A última notícia que teve delas foi em 1967. Naquela época, ele estava determinado a encontrá-las e, depois de seguir pistas dadas por vários índios, chegou a um missionário alemão na região próxima ao rio Juruena, entre os Estados do Mato Grosso e do Amazonas. “Ele disse que os índios dali eram fregueses das icamiabas”, conta Peret.

“O missionário chamou um deles, que nem falava português, me apresentou e pediu que me contasse sobre as mulheres guerreiras”, lembra o indigenista. “Esse índio foi prisioneiro delas por uma semana. Ele disse que eram cerca de 30, que o alimentavam e, de vez em quando, tinham relação sexual. Durou até que ele não dava mais no couro e as índias o deixaram fugir”, afirma Peret.

Esse índio concordou em levá-lo até as proximidades da aldeia onde teria ficado preso – tinha medo de ser de novo refém. No caminho, passou por sua tribo e o cacique também disse ter sido prisioneiro no ano anterior. Só concordaram em chegar até o local porque viram que as pegadas deixadas pelas icamiabas eram antigas, de mais ou menos um ano. Nas três casas de palha, Peret encontrou arcos, flechas, tacapes (espécie de porrete) e muitos colares. Algumas peças ele doou ao Museu do Índio, outras estão em seu acervo pessoal.

Apesar de nunca ter ficado cara a cara com uma icamiaba, o indigenista já participou de cerimônias indígenas feitas por algumas tribos como forma de relembrar os hábitos das mulheres guerreiras. “Os kayapós têm um ritual chamado mebiök. Uma vez por ano, durante uma semana, as mulheres ocupam a casa sagrada de reunião dos homens. Elas são donas da aldeia nesse período. Provocam os índios, atiram pedras, gritam o nome deles. Os homens ficam em casa, preparam a comida e cuidam dos filhos. É um momento em que as índias querem mostrar que, se os homens não forem leais, fraternos, amigos, se não as respeitarem, vão embora da aldeia, vão voltar a viver sozinhas na floresta como as mulheres guerreiras”, diz Peret.

Outras tribos fazem cerimônias parecidas. Rosane conta sobre as mulheres xinguanas, que celebram o yamarikumã, o ritual das amazonas. “É a rebelião coletiva contra o desprezo e a humilhação de permanecerem como simples espectadoras, assistindo a demonstrações que consideram machistas. Reagindo, as índias fazem o moitará (o comércio de troca intertribal), batem nos maridos, apropriam-se dos seus artesanatos e das flautas sagradas, cantam, dançam, lutam o huka-huka e promovem uma festa tão grande e vigorosa como qualquer outra masculina. Essa é a forma de demonstrarem que a qualquer momento podem repetir o episódio das amazonas guerreiras e viver isoladamente”, diz a historiadora.

Se as guerreiras amazonas são só uma lenda ou se já existiram de fato, não se sabe.

AS AMAZONAS DA MITOLOGIA GREGA REPUDIAVAM O CASAMENTO

A lenda das guerreiras amazonas já era contada na Antiguidade. Elas aparecem, por exemplo, na história de Hércules.

Na mitologia grega, a rainha das amazonas era Hipólita. Ela recebeu do pai, Ares, um cinturão mágico. O nono dos 12 trabalhos de Hércules foi obter justamente esse cinturão. Hércules lutou com Hipólita e matou-a para pegar o cinturão.

A historiadora e estudiosa de folclore Rosane Volpatto explica que as amazonas, segundo relatos de Homero, viviam em comunidades nos templos espalhados pela Ásia Menor em uma época em que ainda vigorava o regime matriarcal. O romano Justino, baseado em fontes gregas, refere-se a “uma nação de amazonas, que, tendo perdido seus maridos na guerra, recusavam-se à escravidão do casamento”.

A princípio, lutavam somente para defender suas terras. Embora repudiassem o matrimônio, não deixavam, uma vez ou outra, de ter relações sexuais com os vizinhos. As crianças nascidas dessas relações, quando meninas, eram educadas nas artes bélicas e na equitação. Porém, antes do início do processo educacional, as amazonas lhes queimavam o peito direito para não causar obstáculo algum ao lançamento da flecha. Já os meninos eram mortos ao nascer.

“Alguns desses aspectos foram encontrados bem vivos nas índias icamiabas da Amazônia, embora elas tenham surgido de forma bem diversa das lendárias guerreiras descritas na Grécia antiga”, diz Rosane. “Provavelmente, foram essas semelhanças que levaram Francisco de Orellana e o Frei Gaspar de Carvajal a denominá-las amazonas quando as viram às margens do rio Nhamundá.”

Fontes:
Carolina Ramos. Canta… Sabiá! (folclore). Santos/SP: publicado pela Editora Mônica Petroni Mathias, 2021. Livro enviado pela autora.

https://super.abril.com.br/historia/amazonas-lenda-ou-realidade/. Revista Supeinteressante. 2006 por  Patrícia Pereira.

Lendas Indígenas. SP: Aquarela, 1962.

https://noamazonaseassim.com/lenda-da-origem-do-rio-amazonas/. Lenda por Marcos Pessoa. 2013.

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