sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Barão de Itararé (Versos Diversos) 3

BRIGUEI COM ELA


Essa que vedes, de vestido azul,
De olhos castanhos e cabelos pretos,
Foi a virgem ideal de meus afetos
A mais linda deidade aqui do sul.

Eu era bem feliz! Nenhum lamento
Também da minha amada não se ouvia.
Minha ex-futura sogra protegia
O namoro que ia dando em casamento.

Numa risonha e esplêndida manhã,
Fui visita-la. D’ante mão já ia
Gozando a sensação d’um beijo morno.

Encontrei-a, reclinada num divã,
Toda poética, mas perdi a poesia:
Ela estava tirando pão do forno…
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

DÍVIDA

Paga-se amor com amor,
Diz o prolóquio plebeu.
Pergunto-te, agora, ó flor,
Quando é que pagas o meu?

Não podes amortizar
Esta dívida sagrada?
Dá-me um sorriso, um olhar,
Depois não quero mais nada...

Ouço dizer por aí
Que tens alma cristalina,
E que possuis muitos dotes.

Não fica bem para ti,
Que és linda e "rica" menina
Andar passando calotes.
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

O INVERNO

Eu gosto do inverno. O frio faz bem.
E eu sinto-me feliz: o inverno aí vem,
Com noites frias... rígidas noitadas....

As belas folhas verdes caem do galho
E as rosinhas, por falta de agasalho,
Tombam da haste, com as pétalas geladas.

E, se eu gosto do inverno, é só por isso:
A natureza despe o que é postiço,
Para mostrar-se aos homens tal qual é.

Os elegantes, não! Gostam da estica:
Enfiam polainas, luvas de pelica,
E andam na rua de cabeça em pé!

E ei–los com cilíndricos chapéus,
De pelo de castor, bradando aos céus,
Distribuindo entre moças barretadas.

E, por baixo do belo sobretudo,
De botões grandes e gola de veludo:
Casacos velhos, calças avariadas...
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

RÉU D'AMOR

Sou réu d’amor. Confesso o meu pecado,
Porém não me arrependo d'esse crime,
Que amar alguém e ser também amado
É o crime mais gostoso, mais sublime.

A confissão, por certo, não redime
A quem quer continuar a ser culpado.
E se for, por acaso, condenado,
Não é razão pela qual eu desanime.

Pelo contrário. Altivo, embora fique
Meu coração partido em mil pedaços,
Eu quero que a justiça se pratique.

Sou réu de amor e julgo-me indefeso!
Peço justiça! Entrego-me a teus braços
E ternamente quero ficar preso!
= = = = = = = = = = = = = = = = = = = = = =

UM MATCH DE FOOTBALL

O dia estava lindo. Havia gente em penca.
O juiz apitou e começou a encrenca.

Nossa Senhora! Mas que charivari!
Tanta correria assim eu nunca vi.

Um jogador feroz, deu com o pé na bola
Que foi bater, bem certeira, na cartola

D’um cidadão que não contava com essa
Ao ver ameaçada a tampa da... cabeça…

E a louca multidão, bruta e malcriada,
Vaiou a um bom chefe de família honrada.

Outro caiu por terra. Deu-lhe vaia o povo.
Levantou-se fulo, mas caiu de novo.

Parecia aquilo, em meu pensar profundo,
Vinte e duas fúrias, perseguindo o mundo.

E, depois da hora e meia de combate,
O juiz apitou. 0 jogo estava empate.

Fonte:
Apporelly (Barão de Itararé). Pontas de cigarros: livro de versos diversos. Rio de Janeiro: O Globo, 1925.

Nenhum comentário: