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domingo, 28 de setembro de 2025

O escritor em xeque (Entrevista exclusiva com o paraense Célio Simões de Souza)


Esta entrevista foi realizada virtualmente com o escritor prof. Dr. Célio Simões. O objetivo é que o leitor conheça quem é o escritor atrás da pessoa, quem é a pessoa atrás do escritor, com 35 perguntas bem abrangentes.

CÉLIO SIMÕES DE SOUZA é paraense, advogado, escritor, professor, palestrante, poeta e memorialista. Membro de diversas academias no Pará, sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Pará e membro titular do Instituto dos Advogados do Pará. Tem seis livros publicados e recebeu três prêmios literários.

1 - Conte um pouco de sua trajetória de vida, onde nasceu, onde cresceu, o que estudou.

Nasci em Óbidos, no Estado do Pará, cidade situada à margem esquerda do Rio Amazonas, no exato ponto onde ele é mais estreito e mais profundo (1,8 km de largura e 120 metros de profundidade). Entre tantos filhos ilustres, dois deles se destacam: José Veríssimo e Inglez de Souza, que com Machado de Assis e outros intelectuais, fundaram em 1900 a Academia Brasileira de Letras. Outra peculiaridade: a Revolução Constitucionalista de São Paulo em 1932 contou com a adesão do 4.º Grupo de Artilharia de Costa, nela sediado, sendo a única unidade militar fora do território paulista a se engajar àquele movimento. Com poucos dias de nascido, voltei com meus pais para a Fazenda Capela e lá vivi a primeira infância até os seis anos de idade, quando nos fixamos em Óbidos, pois eu e minhas irmãs precisávamos começar a estudar. Em 1966 me mudei para Belém/PA e na capital cursei o científico no tradicional Colégio Estadual Paes de Carvalho, fiz um ano do curso clássico no Colégio Abraham Levy e finalmente em 1972 iniciei o Curso de Direito na Universidade Federal do Pará, concluído em julho de 1976. Em 1979, fiz o curso da Escola Superior de Guerra. Em 1980 e a nível de extensão, conclui Metodologia do Ensino Superior na Universidade da Amazônia, fiz outros cursos de extensão universitária na área do Direito e finalmente, em 2006, fiz a minha pós-graduação em Direito do Trabalho, na Universidade Cândido Mendes (RJ).  

2 – Como era a formação de um jovem naquele tempo? E a disciplina, como era?

Cursei o primário, como os demais jovens da época, no Grupo Escolar José Veríssimo, que nos propiciou ensino de excelente qualidade. Quem concluía essa etapa, mediante o chamado Exame de Admissão, ingressava no curso ginasial, que passou a funcionar a partir de 1962 no Colégio São José, de propriedade dos religiosos que atuavam na paróquia – os padres franciscanos e as freiras da Congregação das Irmãs Missionárias da Imaculada Conceição. Durante o primário, estudávamos ao som das palmatórias, usadas também nas escolas particulares que davam aulas de reforço. Durante o ginasial os castigos físicos foram abolidos, porém a disciplina era muito rígida, tanto que tivemos um colega excluído do curso por haver engravidado a namorada. Por causa disso, ele jamais voltou aos bancos escolares. Primário e ginasial atualmente constituem o ensino fundamental.  

3 - Recebeu estímulo na casa da sua infância?

Sou filho homem único de uma família de professores. Minha mãe e minhas quatro irmãs (duas já falecidas) foram professoras e o ambiente familiar contribuiu para o meu aprimoramento escolar. Quem me alfabetizou foi uma tia materna, a professora Córa Simões, titular do Colégio Santo Antônio e que formou muitas gerações de obidenses. Desde 2009, quando fundei na cidade a AALO - Academia Artística e Literária de Óbidos, onde ocupo a Cadeira n.º 1 e fui seu primeiro presidente, a escolhi para ser minha patrona no referido instituto cultural. Além de advogado, depois me tornei professor, atuando na Universidade da Amazônia, na Escola Superior de Advocacia, na Escola de Árbitros e Mediadores do Estado do Pará e no magistério particular. Já deixei as salas de aula e hoje só dou palestras. 

4 – Quais livros foram marcantes antes de começar a escrever?

Iniciei com as Seleções do Reader’s Digest, uma publicação mensal destinada ao público familiar, contendo artigos variados, de interesse geral e de humor leve e divertido. Tenho em casa a coleção completa, desde o primeiro número lançado no Brasil em 1942. Além das revistas e jornais da época, como O Cruzeiro, Manchete e O Cometa, garimpava a coleção Tesouro da Juventude, uma enciclopédia destinada aos jovens e as crianças, que passou por uma repaginação em 1958 e fez parte da educação de milhares de estudantes daquela época. Incluo também os clássicos de Ernest Hemingway como O Velho e o Mar e Por Quem Os Sinos Dobram, e uma extraordinária obra da literatura pacifista “Nada de Novo na Frente Ocidental” de autoria de Erich Maria Remarque, que serviu no Exército Alemão durante a Primeira Guerra Mundial. A obra reflete suas experiências e observações sobre os traumas, o desespero e a total inutilidade das guerras. Certa época descobri a portabilidade e o baixo custo dos chamados “Livros de Bolso” e através deles tive acesso a muitos clássicos da literatura brasileira, que de outra forma me seriam difíceis. Sempre cultivei o hábito da leitura, vendo nos livros uma agradável companhia. 

5 – Fale um pouco sobre a sua trajetória literária. Como começou a sua vida de literato?

Escrevi desde os 14 anos, quando ainda estudava o quinto ano do curso primário, em 1961. Por indicação da professora Jeannet Valente do Couto, eu e mais três garotos ficamos incumbidos da publicação do jornal da nossa classe, que denominamos de “UIRAPURÚ”, em homenagem ao pássaro de canto mais belo da Amazônia. Era um mural mensal e noticioso que trazia nossos comentários sobre os fatos mais relevantes ocorridos na região Oeste do Pará, onde vivíamos e do Brasil. Teve vida efêmera, pois em 1962 saímos da escola para cursar o ginasial, mas a experiência foi muito válida por haver despertado nossa vocação para a escrita e para o jornalismo. Hoje essa professora, já bem idosa, é minha confreira na Academia Artística e Literária de Óbidos, nos encontramos com frequência, pois somos quase vizinhos aqui em Belém. Mais tarde, passei a escrever crônicas e contos que eram divulgados em jornais e revistas de Belém (PA), Santarém (PA), São Luís (MA) e São Paulo (SP). Eu já tinha um excelente acervo quando surgiu a oportunidade de escrever meus livros, o que só veio a ocorrer em 2017, porque antes a advocacia tomava quase todo o meu tempo útil.  

6- Como foi dar esse salto de leitor para escritor?

Exatamente assim, como informado na pergunta anterior. Amigos, familiares e leitores começaram a sugerir que eu escrevesse um livro, reunindo minhas crônicas e contos, para evitar que os textos ficassem dispersas ou se perdessem nos jornais que os publicavam. Convencido de que era inevitável tal iniciativa, fiz minha estreia como escritor com o livro “UM POUCO DE MUITAS HISTÓRIAS”, que teve excelente repercussão e mereceu referências muito positivas dos que o leram. 

7 – Teve a influência de alguém, para começar a escrever?

Dois dos meus melhores amigos de infância e meus confrades na Academia Obidense - o engenheiro Ademar Amaral e o arquiteto, urbanista e empresário Carlos Antônio Silva (in memoriam) - se tornaram excelentes escritores e foi inevitável acompanhá-los, porque sempre falamos a mesma linguagem e desenvolvemos o mesmo interesse pela literatura. Ademar já recebeu vários e importantes prêmios literários e além de cronista, é um romancista fantástico. Carlos Antônio também era um pintor e fotógrafo talentoso, poeta e cronista e em 2012 resolveu escrever o seu primeiro livro. No início desse dito ano convidou-me para escrever o prefácio, deixou a “boneca” do livro no escritório e não chegou a recebê-la de volta, porque faleceu prematuramente em agosto, consternando seus leitores, amigos e familiares. Anos depois de sua morte eu e Ademar organizamos esse livro, por ele ainda em vida denominado “ÂMAGO DA AMAZÔNIA” e fizemos o lançamento aqui em Belém, com o comparecimento de numeroso público. Foi a nossa maneira de homenagear esse amigo-irmão, que nos deixou para sempre brigando com a saudade.  

8 – Tem Home Page própria? (não são consideradas outras que simplesmente tenham trabalhos seus).

Tenho minha página no Facebook e nela divulgo crônicas que escrevo duas vezes por mês às terças-feiras, tanto que denominei a série de “TERÇA DA CULTURA POPULAR”. Nos textos, abordo a origem e o significado de certas expressões populares que fazem parte do nosso linguajar cotidiano, que você tem generosamente divulgado. 

9 – Você percebe muitas dificuldades em viver de literatura, em um país que está bem longe de ser um apreciador de livros?

As dificuldades são muitas, a partir do custo da edição e do lançamento de um livro, sempre onerosos. Some-se a isso o desinteresse das pessoas pela leitura, principalmente na era da internet, na qual os livros vão paulatinamente cedendo lugar ao computador e aos celulares para leituras breves ou superficiais. É lamentável, mas é a nossa realidade. Em 2026 farei 50 anos trabalhando como advogado, fui juiz de um Tribunal, tenho outros negócios e não dependo da venda de livros para sobreviver. Pelo contrário. Como é o meu escritório de advocacia que banca a edição dos livros que escrevo, toda a renda apurada nas vendas é destinada à Santa Casa de Misericórdia de Óbidos, que cuida gratuitamente da saúde da população carente do município. Fico imensamente feliz em poder fazer isso.   

10 – Você possui livros? Se sim, em que você se inspirou em seus livros? Cite alguns deles.

Sim, porém nenhum romance ainda. Como cronista e contista já publiquei os seguintes: “UM POUCO DE MUITAS HISTÓRIAS”; “RECADOS DA MEMÓRIA”; “UM RIO DE HISTÓRIAS”; “CONTAR PARA NÃO ESQUECER” e “ENCONTROVERSOS”, este último, meu único livro de poesias. Participei de obras coletivas como “UM ABRAÇO APERTADO”, “ATEP - 40 ANOS”, “ANTOLOGIA DOS IMORTAIS OBIDENSES”, “AMAZÔNIA AMBIENTAL” e organizei “TALISMÔ (da poetisa Kátia Santos), “POESIAS” (do poeta Saladino de Brito), “ÂMAGO DA AMAZÔNIA”, do saudoso amigo Carlos Antônio Silva, sobre o qual falei acima e “ERA UMA VEZ, NÓS TRÊS”, da minha ex-professora Maria José Calluf, que também é acadêmica no Silogeu Literário obidense. 

11 – Como definiria seu estilo literário?

Meu estilo é leve e divertido, porque de leitura pesada já bastam os noticiários dos jornais. Sou adepto da literatura brasileira praticada na Amazônia e procuro dela não me afastar. O admirável Ariano Suassuna dizia que militava politicamente “como escritor”. Eu também o faço, embora tomando cuidado para não me tornar chato para os leitores. 

12 – Dentre os livros escritos por você, qual lhe chamou mais atenção? E por quê?

O livro “UM POUCO DE MUITAS HISTÓRIAS”, justamente por ser o primeiro... 

13 – O que é importante para alguém escrever hoje em dia na área de literatura?

O campo de atuação do escritor é vasto, de vez que existem muitos temas e assuntos importantes sobre os quais escrever. E, na eventual falta deles, ainda resta a ficção... 

14 – Você participa de algum grupo de escritores. Se sim, o que te levou a participar dele? O que te motiva a escrever um texto?

Sim, faço parte do “CLUBE LITERÁRIO”, de um grupo de amigos escritores da Academia Paraense de Letras e de outros das demais academias literárias que faço parte.  Além disso os escritores e colunistas do Jornal URUÁ-TAPERA, um dos mais lidos do Estado, que divulga as minhas crônicas e as dos demais articulistas, também se congregaram num grupo, mercê do interesse comum pela literatura e pela poesia. A maior motivação para escrever resulta da observação do que acontece no dia a dia, nas viagens que faço e nos encontros, pois sempre surge uma situação que pode virar uma crônica.   

15 – Que acha dos seus textos: O que representam para si? E para os seus leitores?

Meus textos representam a minha realização pessoal como intelectual e escritor. Para os leitores, seria melhor que eles mesmo fizessem algum juízo de valor... 

16 – Você pertence a diversas academias no Pará. O que te levou a elas? Como se sente nelas? Quais suas ambições nelas?

Idealizei e fundei a Academia Artística e Literária de Óbidos (AALO), da qual fui o primeiro presidente. Em Belém, sou um dos fundadores da Academia Paraense de Jornalismo, da qual fui vice-presidente por 3 vezes e consultor jurídico. Faço parte da Academia Paraense Literária Intreriorana, que congrega em Belém os escritores e poetas com origem no interior paraense. Sou membro titular da Academia Paraense de Letras, da Academia Paraense de Letras Jurídicas, da qual já fui diretor e presidente, sou fundador da União dos Juristas Católicos de Belém, sócio efetivo do Instituto dos Advogados do Pará, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, sócio correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Tapajós (de Santarém/PA), sócio honorário da Academia Vigiense de Letras, sócio efetivo da Associação Cultural Obidense e da Associação dos Advogados Trabalhistas do Estado do Pará, da qual fui fundador, diretor e duas vezes vice-presidente. Recentemente, fui convidado a integrar como efetivo a Academia de Letras da Polícia Militar do Estado do Pará, da qual redigi os estatutos e se encontra em fase de implantação. Às vezes tenho até dificuldade de frequentá-las, pela falta de tempo ou pela coincidência das suas atividades, que acabam se superpondo. Em todas ingressei por ter sido convidado, salvo as que fundei ou ajudei a fundar. Sinto-me muito bem nelas, sou bem recebido pelos amigos e confrades de cada qual. Nenhuma ambição tenho em relação aos Silogeus que pertenço, salvo a de contribuir para elevar a cultura na Amazônia. 

17 – Qual a sua opinião a respeito da Internet? A seu ver, ela tem contribuído para a difusão do seu trabalho?

Sem a internet eu estaria privado de ver meus textos divulgados no excelente Pavilhão Literário Cultural Singrando Horizontes. Sem essa ferramenta, seria difícil encaminhar os textos da Terça da Cultura Popular para os jornais, sites e blogs que os divulgam em Manaus/AM, Óbidos, Santarém, Belém, São Luís/MA e Floresta/PR. 

18 – Tem prêmios literários? Se sim, cite alguns.

Além das menções honrosas, recebi 3 prêmios literários, sendo um deles da UFOPA-Universidade Federal do Oeste do Pará, em Santarém; um em Manaus/AM de uma associação cultural denominada ADORM e outro da Revista Troféu, de São Paulo/SP, já extinta, pela conquista do segundo lugar num concurso nacional de crônicas que participei, ainda na década de 80.  

19 – Em relação aos Concursos Literários: Qual sua visão sobre eles? Acha que eles têm “marmelada”?

Atuei em vários, inclusive na comissão julgadora, como ocorre atualmente, onde estou avaliando e classificando obras de vários os escritores, todos eles médicos, para definir os três primeiros lugares do certame. Não compactuo com favorecimentos e se houvesse, denunciaria e me retiraria de imediato.  

20 – Você precisa ter uma situação psicologicamente muito definida ou já chegou num ponto em que é só fazer um “clic” e a musa/ou muso pinta de lá de dentro? Para se inspirar literariamente, precisa de algum ambiente especial?

Nenhum ambiente especial, para ser sincero. A inspiração chega inesperadamente. Já escrevi crônicas muito aplaudidas cuja inspiração veio quando eu viajava de carro para minha residência de veraneio no balneário de Salinópolis, distante 220 km de Belém. Guardei tudo na memória e quando voltei, coloquei no papel. Tem dado certo, como por exemplo, foi a crônica “SOB O CÉU DE CAXIAS”, situação embaraçosa e histriônica que resultou de uma pane no carro, próximo à cidade de Caxias (MA) quando com a família viajávamos de férias para Fortaleza (CE), na década de 80. E assim tantas outras surgiram, muitas durante a noite, antes do sono chegar. 

21 – Você projeta os seus textos? Ou seja, você projeta a ação, você projeta o esquema antes? Como é que você concebe os textos?

Vou desenvolvendo o tema antes concebido, ao sabor da pena. Depois faço várias revisões, para não divulgar com erros de pontuação, de concordância, etc. Mas sempre escapa alguma coisa, pois ninguém pode ser revisor de si mesmo. 

22 – Você acredita que para ser escritor basta exercitar a escrita ou é um dom? Ou ambos?

Penso que é um dom. Mas não resta dúvida que exercitar a escrita ajuda bastante. O escritor deve ter um rico e diversificado vocabulário, sob pena de empobrecer a escrita. 

23 – No processo de formação do escritor é preciso que ele leia porcaria? Se sim, o que define como porcaria?

Não acho necessário ler algo imprestável, esse tipo de literatura rasteira que abunda por aí, para consolidar a formação de qualquer escritor. Nada que não acrescente algum ganho real no conhecimento de alguém, merece ser manuseado. A cultura é um bem muito valioso, que prescinde da mediocridade para ter vida e valores próprios. 

24 – Mas existe uma constelação de escritores que nos é desconhecida. Para nós, a quem chega apenas o que a mídia divulga, que autores são importantes descobrir?

Tem muita gente de valor escrevendo coisas belas. Às vezes me questiono porque eles, de alguma maneira, não rompem a tirania das editoras, gráficas e até de livrarias que os condena ao ostracismo. Os livros são caros, as livrarias cobram até 40% do preço de capa como comissão pela venda de livros, para os quais em nada contribuíram. Prevalece o mercantilismo. Já vi escritores de reconhecidos méritos literários vendendo suas obras num tabuleiro sob a sombra das árvores, para não se submeterem ao confisco aqui denunciado. 

25 – Na sua opinião, que livro ou livros da literatura portuguesa deveriam ser leitura obrigatória?

Os Lusíadas de Camões, Os Maias de Eça de Queiroz, um ou dois de Fernando Pessoa e José Saramago já seriam suficientes, mas não me iludo, pois se os clássicos da literatura brasileira nem são mais lidos, pode-se ter uma ideia da falta de interesse por aqueles. 

26 – Qual o papel do escritor na sociedade?

O escritor atua como guardião da cultura e da memória, provocando reflexões através de suas obras, que podem ser usadas para construir um pensamento crítico. Ao criar suas narrativas, o escritor contribui para a formação de uma sociedade que questiona e analisa a realidade em que vive, além de preservar e transmitir conhecimentos, valores e tradições para as futuras gerações.  

27 – Há lugar para a poesia em nossos tempos?

Há e haverá sempre. A poesia é a expressão máxima do sentimento, a essência lírica da arte de alguém se expressar de forma bela e criativa. Não podemos viver sem ela... 

A PESSOA POR TRÁS DO ESCRITOR

28 - O que o choca hoje em dia?

A intolerância. A vida passou a valer muito pouco. Os noticiários televisivos diariamente exibem cenas de violência, quase sempre por motivos fúteis, que nos estarrecem. A sociedade do século XXI se tornou enferma do medo.     

29 – O que mais lê hoje?

Livros, livros e mais livros... Dois ou três ao mesmo tempo, me virando para não confundir os enredos. Tenho conseguido. 

30 – Você possui algum projeto que pretende ainda desenvolver?

Talvez a criação de um instituto cultural, para incentivar artistas amadores a desenvolver seus talentos, sem terem que depender muito do setor público.

31 – De que forma você vê a cultura popular nos tempos atuais de globalização?

Não há globalização que possa eliminar costumes, tradições, saberes, crenças, manifestações artísticas e modos de vida criados, transmitidos e vivenciados pelo povo de um Estado, de uma comunidade ou de uma região, muitas vezes passados através de gerações pela tradição oral. Ela se mostra dinâmica, democrática, participativa e representa a identidade e a memória coletiva de um grupo, abrangendo áreas como dança, música, festas, culinária, folclore e artesanato. A globalização pode até deturpá-la, o que admito já vem acontecendo principalmente nos folguedos da quadra junina, mas daí a desaparecer de vez por causa dela, vai uma considerável distância. 

CONSELHOS PARA OS ESCRITORES

32 – Que conselho daria a uma pessoa que começasse agora a escrever?

Que primeiro lesse muito os bons autores de ontem e de hoje, antes de colocar no papel suas próprias ideias e criações literárias, não esquecendo que todo escritor possui um estilo que o distingue dos demais.    

33 – O que é preciso para ser um bom escritor?

Ter conteúdo intelectual para desenvolver o tema que se propõe a abordar e escolher se vai enveredar pela poesia, pelo romance, pelo conto ou pela crônica. O conto exige uma história completa e fechada, tendo uma faceta dramática, um conflito ou uma ação. Porém, se a narrativa tende a se ampliar, deixa de ser conto e vira crônica, gênero que oscila entre a literatura e o jornalismo, resultando da visão pessoal, particular e subjetiva do cronista ante um fato qualquer, colhido no noticiário do jornal, da TV ou do cotidiano O que diferencia um do outro é a apresentação das personagens e principalmente o desfecho, que na crônica fica a cargo do leitor... No conto as personagens são caracterizadas de maneira mais acurada, há maior densidade dramática, um conflito resolvido no desfecho unicamente por quem escreve e não por quem lê.  

34 - Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Outros trabalhos culturais, opiniões, críticas etc...

Tenho mais de 20 composições musicais, das quais sou autor dos textos poéticos e meu parceiro, o maestro Vicente Fonseca (desembargador do trabalho aposentado e também acadêmico da Academia Paraense de Letras), é o autor das músicas. Várias dessas composições se tornaram o hino oficial de instituições culturais, como da Academia Paraense de Letras Jurídicas, da Academia Paraense de Jornalismo, da Academia Artística e Literária de Óbidos, do Instituto Histórico e Geográfico do Pará, etc. Bolar um texto poético e dele ver nascer uma música é outra realização pessoal que tenho, difícil até mesmo de explicar. 

35 – Se Deus parasse na sua frente e lhe concedesse três desejos, quais seriam?

Que me tornasse uma pessoa melhor, sem as falhas que ainda cometo. Que me permitisse continuar a viver com honestidade, sem lesar o próximo e dando a cada um o que é seu. Que me livrasse de agir com injustiça e falta de equidade para com o próximo, pois já passei por isso e sei como é iníquo e profundamente doloroso. 

Obrigado por participar desta entrevista para o blog. 
Abraços fraternos
José Feldman

sexta-feira, 12 de abril de 2024

Panorama da literatura indígena brasileira (entrevista com Julie Dorrico)

Entrevista realizada em 1 de julho de 2019, por Literatura RS
Texto e edição: Vitor Diel

Literatura indígena brasileira contemporânea, literatura de autoria indígena ou literatura nativa. As distintas designações referendam o mesmo tema: a produção escrita de autores representantes dos povos originários do Brasil. 

Este é o recorte ao qual a doutoranda em Teoria da Literatura no Programa de Pós-Graduação em Letras da PUCRS, Julie Dorrico, se dedica. Descendente do povo Macuxi, de Roraima, a pesquisadora fala com exclusividade ao Literatura RS sobre a rica história da produção literária de autoria indígena, seu (ainda tímido, conforme a entrevistada) reconhecimento pela Academia Brasileira e a situação da produção literária indígena em 2019 — declarado pela UNICEF como o ano internacional das línguas dos povos indígenas.

Fale-nos sobre o panorama atual da literatura de autoria indígena brasileira.

A literatura indígena brasileira contemporânea é um movimento literário que nasce para a sociedade envolvente na década de 1990. Esse movimento caracteriza-se no cenário nacional por sua autoria: a autoria coletiva e a autoria individual. Antes de tudo, convém enfatizar que até a década de 1990, era raríssimo encontrar obras publicadas que carregassem na capa ou na ficha catalográfica o nome de um indivíduo indígena. E mais raro ainda ele ser conhecido no país como autor ou mesmo escritor. Em 1980, já existia esse desejo de autoria pelos indivíduos indígenas; com isso, vemos algumas obras serem publicadas, como “Antes o mundo não existia”, de Firmiano Arantes Lana e Luiz Gomes Lana, do povo Desana. Ainda em 1975, Eliane Potiguara escrevia o poema “Identidade Indígena”.

Todavia, só na década de 1990 que a produção indígena torna-se mais pungente, caracterizando um movimento literário desde os indígenas: primeiro nas aldeias, com a autoria coletiva, a partir da educação escolar indígena, direito assegurado na Constituição Federal, de 1988, no artigo 210, graças à luta e organização de lideranças indígenas brasileiras. A autoria coletiva é uma produção realizada pelos alunos e professores indígenas que produzem materiais didático-pedagógicos que destinam-se ao ensino da sua comunidade, o ensino da sua língua materna em escrita alfabética e o ensino da língua portuguesa, bem como narrativas e outros saberes.

Segundo, com a autoria individual, com a publicação da obra “Todas as vezes que dissemos adeus”, de Kaká Werá, em 1994, e “Histórias de índio”, de Daniel Munduruku, em 1996, que demarcava o território simbólico das artes no Brasil. Kaká Werá e Daniel Munduruku são os pioneiros e, ouso dizer, idealizadores desse projeto literário que busca diminuir a distância e o desconhecimento da sociedade envolvente para com os povos originários. Hoje, a partir de um levantamento bibliográfico realizado por Daniel Munduruku, Aline Franca e Thúlio Dias Gomes, intitulado Bibliografia das Publicações Indígenas do Brasil, é possível conhecer autores indígenas de diferentes etnias e suas publicações. Nesse trabalho, que está disponível online, é possível encontrar, na categoria da autoria individual, 44 escritores no total, sendo desse total, 11 mulheres. Sabemos que um autor, o René Khitãulu, da etnia Nambikwara, já é falecido, então seriam 43 vivos. Nesse levantamento, podemos conhecer ainda a lista de antologias, teses e dissertações, todas de autores indígenas.

Quantos povos indígenas nós temos no Brasil e quantos idiomas são conhecidos?

Segundo o Instituto Socioambiental, há no país 255 povos indígenas e 150 línguas diferentes. Mas é difícil precisar, em termos quantitativos, porque há grupos que atualmente estão em processo de retomada, isto é, passando a se autodeclarar indígenas, uma vez que tiveram suas identidade negadas e assassinadas, como os grupos existentes no Nordeste. Mais difícil ainda saber quais idiomas são mais conhecidos, porque em cada região há números diversos de povos com suas línguas maternas que na maioria das vezes ficam restritas aos próprios falantes daquela etnia.

Como você avalia a receptividade da Academia Brasileira à literatura indígena?

Considerando sua emergência na década de 1990, a procura maior das editoras na década de 2000, depois da publicação da Lei 11.645 de 2008 que torna obrigatório o ensino das culturas indígenas e afro-brasileiras em todo o currículo escolar, ainda acho tímida a recepção desse segmento. O contraponto está na atuação dos próprios escritores que promovem concursos literários, como o Curumim, que premia professores da educação básica que trabalha com literatura indígena na sala de aula, e o Tamoio, que busca novos escritores indígenas para somar ao movimento. Ambos, Curumim e Tamoio, são realizados desde o ano de 2004 sob direção de Daniel Munduruku, com apoio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ).

Você defende que para compreendermos a literatura indígena é fundamental partirmos de uma perspectiva correlacionada com expressões estéticas de natureza oral ou visual. Por quê?

Eu defendo que para compreendermos a literatura indígena temos de reconhecer que a estrutura do pensamento ameríndio é diferente do ocidental. Ou seja, é preciso reconhecer que os povos indígenas se orientam a partir do princípio de homem integrado à natureza, e o sujeito do ocidente segue a lógica binária e dual de homem versus a natureza. O primeiro caso ajuda-nos a perceber por que na expressão literária o sujeito tem uma relação sagrada com a natureza. É nesse espaço da floresta que os seres humanos e não-humanos habitam e conduzem os modos de vida tradicionais desses povos. Assim, obras como “Coisas de índio”, de 1996, de Daniel Munduruku, vai nos mostrar de modo didático como são as vidas nas comunidades; “Nós somos só filhos”, de 2011, de Sulamy Katy, como o próprio título sugere, nos leva a assumir que não somos donos da natureza, mas que somos seus filhos, só filhos. A própria noção de que os povos indígenas são os “verdadeiros donos da floresta” é totalmente equivocada justamente porque eles não têm essa relação de posse com a natureza, mas de filhos dela, portanto, seria mais correto dizer que eles são os “guardiões da floresta”, e isso eles são.

A natureza oral das comunidades tradicionais traduz-se em suas literaturas. Se a literatura brasileira tem por tradição um cânone que inaugura-se nas Cartas do período colonial, passando pelo Barroco, Romantismo, Realismo, Modernismo, Concretismo até as expressões mais contemporâneas, deve-se levar em conta que a tradição da literatura indígena reside na ancestralidade que vive na oralidade. Então, a literatura indígena nasce para a sociedade nacional quando os sujeitos indígenas adquirem a escrita alfabética e a publicação e passam a contar as suas histórias, mas para as sociedades tradicionais, como diz Kaká, a literatura sempre existiu, sendo anterior à escrita e ao impresso. A edição e a publicação significa, dessa forma, uma ferramenta para expressar-se, dialogar sobre pertencimento étnico e sobrevivência.

A Constituição de 1988 assegura a construção de uma política educacional para os povos indígenas com método específico. Como estão essas garantias em 2019?

A educação escolar indígena está presente em muitas aldeias do país. Todas elas funcionando com projetos específicos e diferenciados assegurados na Constituição Federal, de 1988, no artigo 210. Esse direito assegurado é resultado de lutas de lideranças indígenas, que também receberam o apoio da sociedade envolvente.

Em 2019, vemos um endurecimento do discurso nacional em relação aos povos indígenas. É natural estarmos todos apreensivos, por isso mesmo (é importante) o trabalho de artistas indígenas e intelectuais que trabalham para fortalecer a consciência dos povos indígenas e da sociedade nacional sobre a importância da terra, do direito à vida e às artes em geral, que foram tirados historicamente dos povos originários. Essa luta simbólica passa pela luta política, uma vez que a pauta central das causas indígenas situa-se no direito ao território. Sabemos que todas as políticas só podem ser efetivadas a partir do estabelecimento de um território — quero dizer que educação e saúde só serão possíveis para os povos originários se seus territórios forem respeitados e possibilitados.

Quais obras você recomendaria para apresentar essa literatura para quem ainda a desconhece?

Começo por recomendar alguns autores, como Daniel Munduruku, que possui uma variada produção, desde ensaio, memória, à literatura infanto-juvenil. Muitos autores indígenas escrevem para o público infantil e juvenil, e por isso mesmo às vezes são confundidos e de modo bastante equivocado tratados como quem produz uma literatura inferior. Kaká Werá diz que a estratégia de destinar o livro indígena a esse público está em reconhecer que ele é mais livre de preconceitos que os mais velhos. E eu ainda arrisco dizer que a sociedade brasileira ainda é criança quando se trata de cultura indígena. Não conhece seus povos dentro de seus estados, não sabe falar uma língua indígena, ao passo que o inglês é quase regra. Também indicaria mulheres indígenas: Márcia Kambeba, Auritha Tabajara, Sulamy Katy, de quem falei brevemente, Lia Minapoty e Maria Kerexu, que escreve com Olívio Jekupe. O próprio Olívio Jekupe, Yaguarê Yamã, Cristino Wapichana, que, como Daniel Munduruku, é vencedor do prêmio Jabuti, Ely Macuxi, Tiago Hakiy e muitos outros mais.

Livros recomendados por Julie Dorrico:
– “A mulher que virou Urutau”, de Olívio Jukupe e Maria Derexu.
– “Coisas de índio”, de Daniel Munduruku.
– “Coração na aldeia, pés no mundo”, de Auritha Tabajara.
– “Ipaty, o Curumin da selva”, de Ely Macuxi.
– “Nós somos só filhos”, de Sulamy Haty.
– “O lugar do saber”, de Márcia Wayna Kambeba.
– “O sonho de Borum”, de Edson Krenak. 
– “Puratig, o remo sagrado”, de Yaguaré Yamã.
– “Tardes de Agosto Manhãs de Setembro Noites de Outubro”, de Jaider Esbell.

domingo, 11 de junho de 2023

O mercado editorial sob a ótica dos escritores (Caio Riter em Xeque)


Caio Riter nasceu em Porto Alegre. Escritor, doutor em Literatura Brasileira e pós-doutorando em Escrita Criativa, publicou mais de 60 livros, dentre eles infantis, juvenis, contos e poesias. Recebeu diversos prêmios, incluindo os prêmios Açorianos, 1º Barco a Vapor, Ages – Livro do ano, Orígenes Lessa, Ofélia Fontes, além do Selo Altamente Recomendável da FNLIJ. Teve seus livros inclusos nos Catálogos de Bolonha e White Ravens. Vários de seus livros foram selecionados para programas governamentais, como o PNBE e o Kit Escolar BH. Além de escritor, é professor e ministra oficinas, cursos e palestras sobre criação literária por todo Brasil.

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Publicar um livro é um sonho de muita gente, o que faz com que amantes da leitura e da escrita por vezes caiam em grandes armadilhas. Para discutir este complexo mercado editorial, ainda mais em tempos de livros digitais, iniciamos hoje uma série de entrevistas com escritores de diferentes trajetórias sobre carreira, publicação e o futuro do livro. A primeira entrevista é com Caio Riter, professor, escritor premiado, com diversos livros recomendados pelo PNBE e presidente da Associação Gaúcha de Escritores.
 
Entrevista realizada por Marcelo Spalding

Como e quando surgiu a vontade de ser escritor? Você já iniciou publicando em livros?

Olha, quando puxo pela memória, não encontro um marco da minha decisão de ser escritor. Acho que a vontade foi se instalando aos poucos, veio devagarzinho e acabou se apossando graças ao tanto de livros que foram fazendo parte da minha vida como leitor. Aí, um rascunho aqui, outra ameaça de texto ali, fui começando a acreditar que poderia ser escritor, que poderia ser lido também. Então, fiz oficina literária com o Assis Brasil na PUC. Porém, minha primeira publicação individual, ocorreu apenas em 1994, com o livro infantil, hoje esgotado, "Um Palito Diferente".

Você tem livros publicados por importantes editoras, mas iniciou publicando por conta própria. Quais as principais vantagens de estar vinculado a uma editora tradicional?

Na verdade, meus dois primeiros livros, "Um Palito Diferente" e "A menina que virou bruxa" não foram edições por conta própria. Foram publicados pela Editora Interpretavida, que estava iniciando seu plano de edições. A editora, infelizmente, durou pouco, publicando um catálogo bastante pequeno. Após isso, é que acabei me vinculando ao projeto de edição da WSEditor. Em 2005, parei de editar por conta própria, publicando livros com a Artes e Ofícios e com a Paulinas. Hoje publico por mais de dez editoras. Creio que publicar por uma editora comercial, cujo processo de edição envolve várias pessoas, depende de muitos aceites, acaba por dar ao texto maior credibilidade junto ao público e junto à crítica, embora o meu primeiro livro premiado, "A cor das coisas findas", ter sido publicado, inicialmente, por conta própria. Além disso estando no catálogo de um editora tradicional sempre é maior possibilidade de distribuição, e isso acaba fazendo com que o livro possa cumprir, de forma mais intensa, sua função primeira: ser lido pelo maior número de pessoas possível.

Vamos falar um pouco sobre as editoras tradicionais. Como você chegou à primeira publicação? Foi enviando originais às editoras ou foi pelo Barco a Vapor?

Meu primeiro texto publicado por editora tradicional foi através do envio de um original para a Paulinas (na verdade, enviei três e um foi aceito: "O fusquinha cor-de-rosa"). O segundo produzi por convite da Editora Artes e Ofícios. Porém, após vencer o Barco a Vapor, as coisas começaram a acontecer de forma mais tranquila. Várias editoras do centro do país e algumas do RS me procuraram interessadas em originais. Outras encomendaram textos que se adequassem a seus catálogos.

A partir de que momento você percebeu que sua carreira deslanchou? Foi a partir de algum prêmio importante?

O Prêmio Barco a Vapor foi fundamental em minha carreira. Fui o primeiro brasileiro a ganhá-lo e, quando isso ocorreu, editores do centro do país estranharam que eu já publicasse há dez anos, sem ser conhecido fora do RS.

Nas editoras tradicionais, como se dá o pagamento de cachê para a realização de palestras e oficinas em escolas?

Normalmente, o cachê está ligado ao número de livros vendidos, oscilando. Todavia, normalmente fixo um valor mínimo, a fim de não fragilizar o mercado, visto que entendo que visitar escolas e feiras não seja uma função do escritor. Escritor escreve, as demais atividades para as quais é convidado devem, portanto, ser remuneradas. Para fixar meu cachê, normalmente levo em conta o número de atividades, sua natureza, a distância do local do evento, o público.

Quanto as editoras têm oferecido de direito autoral para o escritor de livro infantil?

Meus contratos, em sua maioria, são de 10% de Direitos Autorais.

Para um autor reconhecido como você, vale mais a pena ser exclusivo de uma editora ou ter livros em diferentes editoras? Por quê?

Não curto exclusividade, embora já tenha recebido convite para tal. Creio que a não-exclusividade torna o autor mais livre para apostar em novos projetos, em novos públicos.

Você percebe alguma diferença importante entre publicar por grandes editoras nacionais ou com editoras regionais? Quais as vantagens e desvantagens das editoras nacionais?

Não há diferenças substanciais, pois as editoras gaúchas com as quais trabalho têm boa distribuição nacional. Hoje, o mais importante para o autor é mesmo a capacidade distributiva que as editoras têm, pois é a garantia de que seus textos estarão circulando e também disputando as compras governamentais em nível municipal, estadual e federal.

O que o autor deve cuidar no contrato da editora?

São tantos os detalhes. Eu sempre procuro garantir os 10% de DA, julgando que, caso algum ilustrador deseje DA, este deva ser negociado por ele com a editora e não comigo. Procuro que o contrato não seja por tempo muito longo, a fim de que, caso haja algum problema com a editora, o texto não fique atrelado por muito tempo a ela. Gosto também de olhar com certo cuidado os artigos que versem sobre tradução.

O que você responde para aqueles tantos que perguntam se dá para virar de literatura? E, acrescento eu, você acha que a publicação de livros impressos contribui com sua carreira profissional de professor?

Olha, se o escritor encarar a escrita como profissão, creio que viver de literatura é possível, sim. Para alguns, é mais fácil; para outros, mais difícil, tudo depende da forma como a carreira será conduzida. Depende dos prêmios ganhos, das vendas para governo que seus livros conquistaram. Quanto à tua segunda pergunta, sou daqueles que amam o livro impresso e que creem que eles terão vida longa. Sua existência é de suma importância para minha atividade como professor, afinal é o livro impresso que promete histórias ou poemas ao ser aberto em sala de aula. Há, ainda, certo encantamento com o abrir das páginas, e isso é fundamental na construção do ser leitor: a magia do abrir as páginas. Pode ser uma visão ingênua para muitos, mas para mim, como disse antes, é acreditar na magia, na sintonia que há entre o olhar que traduz as palavras e a mão que acaricia as páginas, que faz anotações. Adoro ler livros comentados pelos leitores anteriores a mim: eles narram histórias de leitura, caminhos, descobertas, que por vezes iluminam a minha, por vezes, contradizem minhas chaves de compreensão. E isso é rico demais. Sobretudo para quem pretende formar leitores.

domingo, 2 de agosto de 2020

Aparecido Raimundo de Souza (Rubem Fonseca em Xeque)


A imensa arte de um grande escritor que só faz arte

NOTA DO ENTREVISTADOR: A reportagem abaixo, foi realizada em 2018, pouco antes de Rubem Fonseca lançar seu último livro, CARNE CRUA (na Livraria Travessa, na Visconde de Pirajá, em Ipanema), livro onde reuniu 26 crônicas curtas e  inéditas. Infelizmente, o escritor  veio à óbito, episódio que ocorreu em 15 de abril deste ano de 2020. Rubem Fonseca faleceu no Hospital Samaritano, aos 94 anos, após sofrer um infarto fulminante. Quando de nossa entrevista, em sua residência, fez questão de nos presentear com um de seus livros A Coleira do cão, lembrança que guardamos com muito carinho em nossa biblioteca pessoal. Descanse em paz, meu amigo.
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Estou aqui no Rio de Janeiro, ou mais precisamente na rua General Urquiza, no Leblon, tomando um delicioso café no apartamento de um cara que escreveu vários livros, entre eles, Coleira do cão, Feliz Ano Novo, Agosto, O Cobrador,  O Caso Morel, A Grande Arte, Vasta Emoções, O Selvagem da ópera, Diário de um Fescenino, O Doente Molière,  e outros mais. Ao todo, 30 títulos. Falo desse personagem mundialmente conhecido nas nossas letras, não só na esfera  nacional, como, igualmente, na internacional.

Não é outro o nosso entrevistado de hoje, senão o meu amigo JOSÉ RUBEM FONSECA, ou simplesmente RUBEM FONSECA. Mineiro de Juiz de Fora, nas Minas Gerais, onde nasceu aos 11 de maio de 1925. Rubem Fonseca é contista, romancista, ensaísta e roteirista brasileiro. Viúvo de Thea Maud, falecida em 1997 e pai de três filhos, Maria Beatriz, José Alberto e José Henrique Fonseca (este último, cineasta). Não podemos nos esquecer também dos seus cinco netinhos.

Aparecido: Vamos começar pelo final. Que prêmios o senhor ganhou como escritor:
Rubem: Aparecido, foram tantos. Vamos ver se me lembro de  alguns. Ganhei o Jabuti em 1970, 1984, e 1993. Antes o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Arte em 1979 e 2000. Em 2003 ganhei o Prêmio Camões, depois o Prêmio da Casa de Las Américas, em 2005, o Prêmio da ABL de Ficção, Romance, Teatro e Conto em 2007 e o Machado de Assis em 2015.

Aparecido: Além de exercer as funções que enumerei acima, o senhor teve alguma formação profissional?

Rubem: Sim. Me formei em direito na Faculdade Nacional de Direito, hoje UFRJ.

Aparecido: Chegou a exercer a profissão?

Rubem: Por pouco tempo. Meus colegas de faculdade e depois, no cotidiano do dia a dia viviam dizendo, melhor dizendo, viviam me criticando que como advogado eu era um excelente escritor. (Risos)

Aparecido: O senhor também fez uma rápida incursão pela polícia aqui do Rio de Janeiro. Procede essa informação?

Rubem: Perfeitamente. Em 1952, trabalhei como comissário de polícia prestando serviços no 16º Distrito Policial, em São Cristóvão.

Aparecido: Não gosto de fazer esse tipo de pergunta. Acho meio piegas, peço, todavia ao senhor que me perdoe. Qual foi seu primeiro livro?

Rubem: Nada a desculpar, Aparecido. Fique a vontade para perguntar o que quiser. Eu é que agradeço por saber que seu público leitor tem interesse em conhecer mais acentuadamente um pouco a meu respeito e a respeito do meu trabalho.  Meu livro de estreia foi um livro de contos, ao qual dei o nome de Os prisioneiros. Saiu em 1963.

Aparecido: Como escritor, o senhor deve ter a sua preferência por este ou por aquele autor.  Estou vendo aqui que a sua biblioteca é  imensa e bastante diversificada. Poderia enumerar alguns autores que já leu?
Rubem: Com toda certeza. Tirando os clássicos, como Jorge Amado,  José Lins do Rego, Machado de Assis,  Érico Veríssimo, eu tive o prazer de ler Nélida Piñon, todos, Ferreira Gullar, todos, Ariano Suassuna, todos, Luiz Fernando Veríssimo, alguns, Lya Luft, alguns, Moacyr Scliar, todos, Mailson Furtado e Carol Bensimon. Infelizmente a literatura brasileira não é vista com bons olhos. Não é bem difundida. Temos uma gama muito grande de escritores ótimos e gabaritados, mas o brasileiro por natureza tacanha, não gosta de ler. Ele não foi educado para isso. Em paralelo, as grandes editoras não prestigiam os escritores como deveriam, notadamente os que estão chegando agora. Apenas uma meia dúzia sobrevive de direitos autorais.

Aparecido: O senhor falou que as grandes editoras não prestigiam os escritores, notadamente os que estão chegando agora. A que o senhor atribui esse descaso?

Rubem: As grandes empresas editoriais que estão no mercado dão mais valor aos “empacotados”, e seus forasteiros, quando deveriam  se debruçar aos talentos que surgem a cada dia e que, por carência de um olhar mais acentuado, acabam se perdendo no obscuro do anonimato.

Aparecido: O que seria para o senhor os “empacotados”?

Rubem: (Risos) “Empacotados”, Aparecido, são todos os autores estrangeiros, ou seja, os não nascidos no Brasil, mas que vivem aqui, no meio de nós. Perceba. Faço referência aquelas figuras que surgiram do nada, talvez nem saibam para que lado fica o Brasil e, apesar disso, infestam as estantes de nossas livrarias  como  se fossem piolhos em cabecinhas de crianças. A exemplo eu traria à baila Ben Sherwood, Andressa Urach, Jojo Moyes, Nicholas Sparks, E. L. James, Zoé Valdés,  S. J. Watson, Stephenie Meyer, L. J. Smith, etc., etc. Com isso, autores emergentes deixam de prosperar e ter seu destaque à luz do sol.

Aparecido: Alguns críticos consideram seus escritos pornográficos. O senhor é um escritor que descamba para esse lado considerado para muitos, ou por muitos  como se fosse um autor obsceno?

Rubem: Sou literalmente devasso, sem ser expressamente deplorável.

Aparecido: Me fale um pouco de seu romance Bufo Spallanzani. Faço referência a ele, por três motivos distintos. a) Foi o livro que mais edições ganhou desde que o senhor o publicou; b) acabou virando um longa metragem e  c) porque a mim, me pareceu retratar, ainda que indiretamente, um pouco da sua vida. O personagem central é um escritor, vive da literatura,  contudo, de repente...

Rubem: Esse romance é um conto repleto de citações de e sobre outros autores e livros, além de muitas digressões sobre a arte de escrever narrativas. O personagem central, Ivan Canabrava narra acontecimentos de sua vida em flashback, ora aos leitores, ora a Minolta, sua namoradinha adolescente, amiga, amante e confidente. Várias histórias se entrelaçam, se misturam, se abraçam e se completam. Dividi a trama em cinco longas partes: 1) Foutre ton encrier, 2) Meu passado negro, 3) O relógio do Pico do Gavião, 4) A prostituta das provas e 5) A maldição. Na verdade, Aparecido são episódios da vida do narrador. Depois de se ocultar em uma casa, com uma menina adolescente, durante dez anos, o personagem Ivan descobre o amor e a literatura e se torna um escritor famoso. Durante esse tempo ele assumiu uma  nova identidade e, até mesmo fisicamente, se  tornou um homem diferente. Seu grande êxito, como autor consagrado, permite que leve uma  vida confortável. E a certeza de que não serão descobertas as suas imposturas e  os seus terríveis mistérios. Enfim tudo isso lhe dá a necessária tranquilidade para escrever seus livros. Até o dia em que a milionária Delfina Delamare aparece morta em seu carro. No porta–luvas do automóvel da mulher assassinada, um policial curioso encontra um livro de Gustavo com a dedicatória: “Para Delfina, que sabe que a poesia é uma ciência tão exata  quanto a geometria”. Para surpresa e horror de  Gustavo, esse policial começa a suspeitar dele.  O marido da morta, supondo que o escritor fosse amante dela, lhe faz uma série de ameaças. É isso. Se eu falar mais, estaria tirando a virgindade contida no romance sem me desfazer da calcinha que o reveste.  (Risos).

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Texto de Rubem Fonseca do livro “Histórias Curtas”

A LUTA CONTRA O PRECONCEITO RACIAL.

Decidi que iria lutar contra essa falsa noção de que existem raças superiores. Os defensores dessa ideia acreditam que ela é uma teoria científica comprovada. Essa crença tem sido usada para toda sorte de barbaridades, escravidão, exclusão, carnificinas. Mas o que eu podia fazer? Pensei em comprar uma metralhadora para matar racista, mas não sabia onde comprar uma metralhadora. Pensei em uma porção de coisas tolas e insensatas, mas afinal tive uma boa ideia: pichar as paredes da cidade com a frase ABAIXO O RACISMO.

Fonte:
Texto enviado pelo jornalista Aparecido Raimundo de Souza (Vila Velha/ES)

domingo, 12 de julho de 2020

Aparecido Raimundo de Souza (Luis Fernando Veríssimo em Xeque)


(Nota do Blog: Entrevista realizada em Porto Alegre/RS, na casa de Veríssimo, onde o escritor fala de seus livros e de sua vida pessoal.)
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CONHECI LUIZ FERNANDO VERÍSSIMO em 1981, em Porto Alegre, na Feira do Livro. Trocamos figurinhas. Ele lançava “O Analista de Bagé” e eu lhe dei de presente o meu “Quem se abilita?” Fizemos uma boa amizade, e acabei indo parar em sua casa, onde me concedeu uma pequena e breve entrevista. Eu primaverava na casa dos vinte e oito,  enquanto ele, velho na estrada, sorria fazendo enorme sucesso com suas crônicas humorísticas.

Diante de um famoso, não tinha muito a perguntar. A empresa que eu trabalhava em São Paulo, não me deu um roteiro para ser seguido, tipo pergunte isto, pergunte aquilo, não pergunte isto, tampouco aquilo outro. “Vá para Porto Alegre e se vire”.  Fui. Resolvi, então, por conta própria, seguir meu instinto de jornalista.

A Entrevista

ARS: Luiz Fernando Veríssimo, me  fale do livro que acabou de lançar aqui na Feira de Porto Alegre, “O Analista de Bagé”. Pelo que fiquei sabendo a edição se esgotou num abrir e piscar de olhos? A que o senhor atribui esse sucesso?

LFV: Acredito que pelo fato de ser um livro novo, falando de uma cidade aqui do Rio Grande do Sul. Bagé. Eu considero “O Analista de Bagé” um dos personagens mais marcantes da minha carreira de cronista.  Inicialmente os textos que deram nome ao livro, foram publicados em O Popular. O que fiz foi reunir todas as crônicas já conhecidas do grande público e enfaixa-las em um livro. A seleção saiu pela L&PM Editores, de São Paulo. Juntei tudo o que havia escrito sobre o personagem e deu no que deu. Não esperava fosse dar todo esse frisson. Penso que fui duplamente recompensado. Primeiro, porque não precisei fugir do linguajar da terra. Usei muito as expressões regionais do povo gaúcho, e segundo, consegui dar vida ao personagem que considero mais atrapalhado do que cachorro em procissão.  Atribuo o sucesso ao fato de escrever todos os dias para o Zero Hora. O Zero Hora é um jornal diário que roda todo o Estado e isso me fez ficar um pouco mais conhecido. 

ARS: O fato do senhor ser filho do escritor Érico Veríssimo ajudou?

LFV: Não. Papai tinha um estilo clássico. Seus romances eram excepcionais, bem construídos, personagens estudados. Eu sou mais brincalhão, guindei minha linha criativa voltada para o humorismo. E tenho me dado bem.

ARS: Qual foi seu livro de estreia como escritor?

LFV: “A Grande Mulher Nua”.

ARS: Me fale sobre as “Comédias da vida privada”.

LFV: Em “Comédias da vida privada” eu procurei me movimentar com mais destreza usando uma logística nova. O território onde movimento os personagens é imenso, ao mesmo tempo que opaco, denso e impreciso da classe média. Seus heróis anônimos, os grandes e pequenos gestos, a complicada engenharia familiar, o cotidiano das grandes cidades, ambientes onde transitam a esmagadora  maioria dos habitantes deste país. Eu diria que me transportei para um universo ao mesmo tempo rico e banal. Foi nele  que  me inspirei para dar vida aos personagens criados desde que comecei a escrever. São trinta e poucas crônicas, a maioria já publicadas no Zero Hora e no Jornal do Brasil. 

ARS: É verdade que o senhor viveu parte da sua infância fora do Brasil?

LFV: Sim, é verdade. Papai lecionou literatura brasileira nas Universidades de Berkeley e Oakland, entre 1941 e 1945. Em 1953 voltamos aos Estados Unidos, quando meu pai assumiu a direção do Departamento Cultural da União Pan-Americana, em  Washington, e só retornarmos ao Brasil em 1956. Nessa época, eu estudei no Roosevelt High School, também em Washington. Desenvolvi nesse entremeado de tempo, o gosto pelo Jazz, chegando a ter aulas de saxofone.  

ARS: Quer dizer que além de escritor é também músico?

LFV: Não exatamente. Cheguei a integrar um conjunto musical Renato e Seu Sexteto. Mas só de brincadeira, para passar o tempo e ganhar uns trocadinhos.

ARS: Vamos sair um pouco da sua vida literária e partir para a  pessoal. Me fale de sua família. 

LFV: Em 1962 eu saí daqui de Porto Alegre e fui morar no Rio de Janeiro. Trabalhei como tradutor e redator publicitário. Em 1963, encontrei o amor da minha vida. Me casei dois anos depois com a Lucia Helena Massa e tivemos três filhos: Pedro Veríssimo, Fernanda Veríssimo e Mariana Veríssimo. Pedro é cantor, Fernanda, jornalista e  Mariana, roteirista.

ARS: O senhor se sente realizado?

LFV: Acho que se sentir realizado é exatamente não se sentir realizado.

ARS: Seu maior sonho hoje.

LFV: Curtir futuramente meus netos. 
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Essa foi a minha breve entrevista com o escritor Luiz Fernando Veríssimo, esse gaúcho amável e simpático nascido em Porto Alegre em 26 de setembro de 1936. Autor de vasta obra, poderíamos citar: As Cobras e Outros Bichos,  O Jardim do Diabo, Sexo na Cabeça, A Velhinha de Taubaté, A Mulher do Silva, A Mesa Voadora, Orgias, O Suicida e  o Computador, As Mentiras que os Homens Contam, e outros mais.
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Aparecido Raimundo de Souza, é natural de Andirá/PR, radicado em Vila Velha/ES, jornalista e escritor. Autor de "Ligações Perigosas", série veiculada pela Rede Globo de Televisão.
 
Fonte:
Entrevista enviada por Aparecido R. de Souza.

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Talita Batista (A Poetisa em Xeque)

Entrevista realizada por Paulo R. O. Caruso, do site Reino dos Concursos com a poetisa/trovadora Talita Batista

Caruso: De onde você é? Quando você começou a se aventurar na literatura? Sofreu influência direta de parentes mais velhos, amigos, professores? O que aprendeu na escola o instigou a criar textos?
Talita: Sou de Campos dos Goytacazes/RJ. Sempre fui uma apreciadora da poesia, especialmente aquelas que têm rimas. Meu pai era um poeta e fui criada ouvindo poesias desse tipo, acredito que isso muito me incentivou.

Caruso: Você já leu muitas obras e lê frequentemente? Que gêneros (poesia, contos, crônicas, romance) e autores prefere?
Talita: Sim. Sempre gostei de ler, especialmente assuntos nos quais eu estou trabalhando. Atualmente, há nove anos, mais precisamente, meu interesse focou para o lado da poesia, especialmente do gênero poético da TROVA. Apesar desse meu “namoro literário” ter esse tempo citado, tem apenas 3 anos e 2 meses que tive coragem de fazer minha primeira trova.

Caruso: Costuma fazer um glossário com as palavras que encontra por aí (em livros, na internet, na televisão etc.) e ir ao dicionário pesquisá-las?
Talita: Sim. Faço isso sempre! Uso muito e gosto de usar o dicionário e vou escrevendo, a lápis, no próprio texto que leio o que encontro no dicionário.
Caruso: Há escritores de hoje na internet (não consagrados pelo povo) que admira? Em sites, Academias de que de repente você participa etc.
Talita: Sou acostumada a ler no papel, grifando e fazendo, a lápis, meus apontamentos. Com relação a Academias, apesar de, assistematicamente, eu frequentar este espaço, nunca aceitei ou me interessei a participar porque nunca tive tempo, devido a compromissos profissionais. Agora que estou numa fase mais tranquila em relação ao trabalho, acredito que a gente não pode fazer muitas coisas, ocupando vários espaços ao mesmo tempo. Também não gosto de ter tantos compromissos em várias instituições e sou muito responsável para saber que não dou conta e, mesmo assim, entrar em muitos lugares. Explico que sou uma pessoa muito simples, que não dou valor a cargos, nem a titulações próprias. Se eu entrasse em alguma instituição seria apenas com o intuito de ser útil à cultura do lugar em que vivo, tentar preservar a tradição cultural do nosso povo. O ego inflamado de muitas pessoas não me deixa muito à vontade, em certos lugares. Daí que nunca me interessei em participar mais diretamente de Academia alguma, apesar de respeitar e reconhecer a beleza dessas instituições.

Caruso: Você costuma participar de antologias? Acha-as algo interessante?
Talita: De algumas poucas já participei.

Caruso: Participaria de uma se eu a lançasse?
Talita: Participaria, sim, com prazer, desde que fosse dado tempo suficiente para eu me organizar.

Caruso: Você é membro de Academias de Letras? Aceitaria indicações para ingressar em Academias de Letras como membro?
Talita: Já respondi que, no momento, não. Associei-me à U.B.T. – União Brasileira de Trovadores e o meu interesse e foco no estudo da Trova – sua evolução histórica e as instituições a ela dedicadas não me dão tempo para distribuir o meu tempo a muitas outras atividades.

Caruso: Tem ideia de quantos textos literários já escreveu? Há quanto tempo escreve ininterruptamente?
Talita: Textos de literatura mesmo, há cerca de três anos. Mas sempre escrevi assuntos ligados aos saberes ligados à Educação, campo em que lecionava.

Caruso: Você tem dificuldade de escrever em prosa, em verso?
Talita: Tenho me dedicado, ultimamente à escrita em trova, ou poesia setessilábica. Mas não sinto dificuldade de escrever em prosa, onde sempre me expressei.

Caruso: Você possui algum lugar onde publica textos virtualmente? Qual?
Talita: Sempre procuro divulgar boas trovas, de autores de todo o Brasil – nas redes sociais em geral. Eventualmente, publico umas trovas de minha autoria também. Mas sem o objetivo de autopromoção. Apenas com a intenção de mostrar que o movimento trovadoresco pode atingir várias camadas da população e que é um aprendizado útil ao ser humano sensível e que gosta de poesia, independente da escolaridade ou idade da pessoa que se interessa. Basta apreciar a trova e querer, de fato, aprender.
Caruso: Que temas prefere escrever? Prefere ficção ou o que vivencia e vê no dia a dia?
Talita: Prefiro as questões existenciais, mais próximas do nosso cotidiano, seja texto filosófico (que eu muito admiro), lírico ou humorístico (que eu gosto muito, mas considero de muito difícil inspiração, apesar de eu gostar muito de rir).

Caruso: Aprecia outros tipos de arte usualmente? Frequenta museus, teatros, apresentações musicais, salões de pintura? Está envolvido com outro tipo de arte (é pintor, músico, escultor?)
Talita: Não sou artista, mas sou uma apreciadora da arte. Gosto muito de música, de teatro, cinema. Mas, admiro também a pintura.

Caruso: Que retorno você espera da literatura para si mesmo no Brasil? E a nível de mundo?
Talita: De minha parte, tenho uma pretensão muito modesta, não vivo em busca de reconhecimento algum, nem conto com isso porque nem sei se tenho esse talento poético. Mas desejo, como professora que sou, socializar o que aprendo, contribuir, no que estiver ao meu alcance, para melhorar o nível do padrão cultural da nossa população, seja a nível municipal, estadual ou nacional. Torço muito para que o nosso povo desenvolva e alcance um bom nível cultural.

Caruso: Você acha que o brasileiro médio costuma ler? Acha que ele gosta de literatura tradicional ou só de notícias rápidas e sem profundidade?
Talita: Infelizmente, cada vez menos as pessoas leem. Os celulares e internets facilitam de tal forma que só sabem copiar e colar. Até tirar fotos do que precisam escrever, nas próprias universidades. Leem muito pouco e escrevem muito menos ainda!

Caruso: Você costuma registrar seus textos na FBN antes de publicá-los? Sabe da importância disso?
Talita: Não faço isso e até desconheço esse processo. Se puder explicar e divulgar, tenho interesse em aprender para avaliar a possibilidade.

Caruso: Já tem livros-solo publicados? Consegue vendê-los com certa facilidade?
Talita: Em relação à área de Literatura, tenho três livros-solo organizados, mas nenhum ainda publicado.

Caruso: Já conhecia o poeta-escritor Oliveira Caruso (desculpe-me... Esta pergunta é padrão para quem participa de meus concursos literários)?
Talita: Sim, conheci-o inicialmente, pelos grupos de Whatsapp, há cerca de uns dois anos, aproximadamente. Depois nos comunicamos por e-mail e já participei como jurada de alguns concursos de poesias livres, promovidos por ele. Mas, sinceramente, o meu interesse é mais em TROVA. Sempre arrumo tempo para me envolver nas coisas ligadas à trova, ainda que, de fato, o tempo seja curto!

Caruso: Você trabalha com literatura inclusive para aumentar sua renda ou a leva como um delicioso hobby?
Talita: Apenas por hobby, mas sou bastante dedicada e curto muito esse ambiente literário.

Caruso: Você trabalha(ou) fora da literatura?
Talita: Trabalhei, por longos 50 anos como professora da rede estadual – em todos os níveis de Ensino, assim como no Ensino Superior, com Formação de Professores, Sociologia e Ciência Política. Atualmente ainda encontro-me ligada à Universidade Candido Mendes, como coordenadora de cursos de Pós-Graduação.

Fonte:
Paulo R. O. Caruso in https://reinodosconcursos.com.br/entrevista-com-talita-batista

domingo, 11 de dezembro de 2016

Augusto dos Anjos (1884 - 1914)

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu no engenho "Pau d'Arco", na Paraíba, a 20 de abril de 1884, filho do Dr. Alexandre Rodrigues dos Anjos e D. Córdula Carvalho Rodrigues dos Anjos. Seus estudos foram ministrados pelo pai, no Engenho, deslocando-se à capital, apenas para prestar os exames no Lyceu.
         Em 1900 compõe o seu primeiro soneto, “Saudade” e em 1901 publica um soneto no jornal O Comércio, no qual passará a colaborar.
Bacharelou-se em Direito na Faculdade do Recife, em 1907, quando retornou à Paraíba. Não querendo seguir a carreira jurídica, dedicou-se ao magistério lecionando Literatura Brasileira no Lyceu Paraibano e orientando alunos para os cursos preparatórios e, consequente ingresso em escolas superiores.
         Em 1909, no A União publica “Budismo moderno” e numerosos poemas. Profere, no Teatro Santa Rosa, um discurso nas comemorações do 13 de maio, chocando a platéia por seu léxico incompreensível e bizarro.
         Em 1910 casa-se com a professora Ester Fialho, nascendo dessa união, os filhos Glória e Guilherme. No final desse mesmo ano, viajou com a esposa ao Rio de Janeiro pretendendo editar o seu livro de poemas. Exerceu durante algum tempo o magistério. Do Rio, transferiu-se para Leopoldina, por ter sido nomeado para o cargo de diretor de um grupo escolar.
         Em 1911 é nomeado professor de Geografia, Corografia e Cosmografia no Ginásio Nacional (atual Colégio Pedro II).
         Em 1912, com a ajuda do irmão Odilon dos Anjos conseguiu publicar o EU, seu único livro, obra que viria a imortalizá-lo apesar de não ter obtido boa acolhida pela crítica carioca por não se enquadrar nos padrões convencionais da época.
         Augusto dos Anjos foi um poeta singular. Colaborava, todos os anos, na edição do jornal NONEVAR, que circulava na Festa das Neves, padroeira da cidade de João Pessoa. Também compunha versos carnavalescos, sob o pseudônimo de Chico das Couves, fazia anúncios comerciais, perfilava, com humorismo, rapazes e jovens senhorinhas da sociedade.
         Faleceu no dia 12 de novembro de 1914, em Leopoldina/MG, causada por uma pneumonia e não por tuberculose como afirmam alguns dos seus biógrafos; seu corpo foi sepultado no cemitério de Leopoldina. D. Ester, a viúva, atendendo ao pedido que o poeta fizera antes de morrer, voltou à Paraíba, juntamente com os filhos, mas infelizmente, não conseguiu o emprego de professora que precisava para garantir a sobrevivência da família; retornou à cidade de Leopoldina onde obteve o apoio e as condições para o sustento e a educação dos filhos.
         No ano 2001, foi eleito, em votação popular, o Paraibano do Século.
         O seu livro foi depois enriquecido com outras poesias esparsas do autor e tem sido publicado em diversas edições, com o título Eu e Outros Poemas. São versos que transportam a dor humana ao reino dos fenômenos sobrenaturais. Suas composições são testemunhos de uma primorosa originalidade.